Cleison Silfer

RPG: Classes de personagens no mundo de Tolkien – Parte 3

Cleison “Silfer” Ferreira, ou Mestre Silfer, é mestre e jogador de RPG desde 2003, tendo jogado diversos sistemas como 3D&T, D&D e Daemon. Apaixonado por fantasia medieval, é um entusiasta das obras do Professor Tolkien e brinca de escritor nas horas vagas. email: cleisonsilfer@gmail.com

aragorn

O RANGER

Bem-vindos ao terceiro artigo da série que aborda as classes de RPG e os personagens de Tolkien.

Já comentamos sobre o Guerreiro e o Ladino. O artigo de hoje vai abordar a classe representada por mais alguns membros da Sociedade do Anel. Falaremos hoje do Ranger.

Ranger, também conhecido por Guardião, é um especialista em exploração de áreas selvagens. A função do Ranger é guardar a floresta e servir de guia para aqueles que se aventuram nessas áreas selvagens.

Os principais representantes dessa classe no universo de Tolkien são os guardiões do norte. E o principal guardião é Aragorn.

Analisando as ações do herdeiro de Isildur durante toda a saga do anel, vemos como age um verdadeiro Ranger. Aragorn é o guia dos hobbits no início da saga. Ele guia os pequeninos até o Topo do Vento, onde ele usa suas perícias para averiguar a segurança do lugar. Quando Frodo é atingido pela lâmina de Mordor, o guardião usa seu conhecimento de ervas para preparar um medicamento para a ferida. Vemos nesse ponto o uso de uma perícia que gera bastante confusão no d20. A perícia Cura tem como utilidade o que Aragorn fez: estancar o sangramento e manter a vítima com um baixo percentual de risco de morte. Aragorn também guia a Sociedade após a morte de Gandalf, mostrando a habilidade do Ranger que o permite se guiar em caminhos tidos como selvagens.

A caçada que Gandalf faz à Gollum, citada em A Sociedade do Anel é feita com a ajuda de Aragon. O Guardião usa toda sua perícia para seguir os rastros deixados pela criatura e no fim conseguir capturá-lo. Não tenho certeza se é descrito como Aragorn realiza a captura, mas tendo em vista que ele é um ranger, o mais provável é que tenha sido através de uma armadilha de caça.

Porém a cena mais clássica e que melhor representa a habilidade de um ranger é em As Duas Torres quando Aragorn usa sua habilidade de Rastrear para seguir a pista que o leva até onde Merry e Pippin foram carregados pelos orcs. E para completar, ele usa sua habilidade para ler com perfeição os rastros deixados para remontar o que aconteceu naquele lugar. Ali vemos como um ranger de verdade deve agir.

Outro membro da sociedade que podemos classificar como Ranger é Legolas. O elfo demonstra poucas habilidades de rastrear e medicinais. Mas sua ligação com o ambiente é bem próximo do que um ranger tende a ter. Legolas consegue ler sinais no ambiente a sua volta. Além disso, a forma com se movimenta, com agilidade e muitas acrobacias são características que rangers costumam ter. Quando a sociedade atravessa a montanha de Caradhras, Legolas caminha pela neve tranquilamente. Isso pode ser interpretado como uma habilidade que deriva do fato de Legolas ter vantagens neste tipo de terreno. Talvez por conhecê-lo bem.

Vale comparar também uma habilidade interessante do Ranger que é muito bem representada na trilogia O Senhor dos Anéis. A habilidade de combate do Ranger. No sistema d20, o Ranger precisa escolher sua especialização em combate entre combate com duas armas e arqueiria. E é exatamente isso que vemos nesses dois rangers: Aragorn demonstra habilidade de combate com duas armas. Ainda que ele utilize um arco dentro das Minas Moria, nem se compara a Legolas. O elfo tem uma maestria no uso de arco e flecha muito acima do comum. A agilidade e precisão de suas flechas são incríveis. Sendo assim, Aragorn é um ranger especializado em combater com duas armas enquanto Legolas se especializou em arqueiria. Inclusive, a capacidade de Legolas de atirar tantas flechas simultâneas deve provir dessa escolha, já que é uma das habilidades recebidas dentro de arqueiria.

Estes são os melhores exemplos de Ranger descritos por Tolkien. Ainda que Faramir demonstre algumas habilidades dessa classe, não irei encaixa-lo aqui. Aragorn e Legolas já nos dão detalhes suficientes dessa classe.

E então, o que acha que pegar alguns dados e rastrear alguns orcs por aí?

Dice and Roll!

Mestre Silfer

 

Cleison Silfer

Artigo: A relação do RPG e os livros de Tolkien por Cleison Silfer

O artigo que segue é de autoria de Cleison “Silfer” Ferreira, Mestre e jogador de RPG por mais de dez anos. Membro do Clube de Jogos Sétima Armada.

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“Duas linhas de uruk-hai avançavam de armas de em punho. Não eram mais do que 15. Todos com vestimentas de guerra completas. O ambiente ao redor era típico das planícies de Rohan: longos campos verdejantes, com o sol brilhante tocando a grama. À frente das criaturas se erguia uma pequena torre de vigia. Do alto, uma flecha foi disparada e o primeiro uruk-hai caiu. Legolas disparava suas flechas em repetição. Aragorn saltou de uma das janelas mais baixas e correu para derrubar um dos inimigos com um tronco. Gimli corria a seu lado, o machado fazendo serviço de açougueiro. De pé, na porta da torre, Boromir e Faramir atiravam com pesadas bestas…”.

Calma aí, Boromir vivo em uma cena em Rohan? Faramir lutando ao lado da Sociedade do Anel? Tem algo errado… Quando Rohan aparece nos romances, a Sociedade está desfeita, Boromir morto e Faramir ainda não apareceu na estória. Então como isso é possível?

Três letras: RPG.

RPG é um jogo de interpretação, um jogo de faz de conta. É muito semelhante ao velho “polícia e ladrão”, porém com algumas peculiaridades. Há regras para que o jogo possa ser bem conduzido. Há regras para a construção de cada personagem da estória. Dentro os jogadores, um atua como Mestre, que é o responsável por conduzir o jogo, e os demais são os protagonistas da estória. E, por mais que os autores do RPG digam que não, muito disso veio com o universo de Tolkien.

Impossível para qualquer jogador de RPG não traçar paralelos entre o hobby e a obra de Tolkien. Senhor dos Anéis é uma grande campanha de RPG. Nos termos do jogo, chamamos de campanha uma grande saga repleta de aventuras. A missão de Frodo e os demais de levar o Um Anel até Mordor é semelhante a várias missões criadas em mesas de RPG. O Hobbit é outro bom exemplo. A aventura de Bilbo, Thórin e os demais nada mais é do que uma grande aventura de RPG. Há várias cenas e peculiaridades que podemos verificar entre os mesmos.

A ideia de um grupo atravessar o mundo, adentrar uma montanha e enfrentar um dragão para pegar o tesouro do monstro é um dos maiores clichês do RPG. Regras como percentual de chance de um dragão estar dormindo, entrar de forma furtiva em salas e usar lábia e adivinhas são semelhantes a cenas do Hobbit.

O Hobbit também nos brinda com arquétipos como o anão guerreiro, o hobbit (no RPG chamado halfling) ladino e o dragão ganancioso que acumula riquezas. Cada personagem de O Senhor dos Anéis também tem seu arquétipo nos sistemas de RPG. O anão guerreiro, o elfo arqueiro. Além disso, é possível conferir algumas habilidades de Dungeons & Dragons, o mais famoso RPG do mundo, dentro da obra de Tolkien. A cena de As Duas Torres em que Aragorn usa seu “talento” Rastrear para guiar o grupo até o local em que os uruk-hai levaram Merry e Pippin; os “Ataques Múltiplos” de Legolas; a Liderança de Éomer e Aragorn nas batalhas de O Retorno do Rei.

Também de O Senhor dos Anéis tiramos itens mágicos, peças importantes de qualquer boa aventura. Desde armas mágicas, como Ferroada e Andúril, até os próprios anéis do poder. Qual grupo de RPG nunca atravessou uma masmorra, passou por armadilhas e enfrentou um dragão para no final encontrar cotas de malha élfica ou mithril? Senhor dos Anéis apresenta todos estes elementos.

dadosrpg

Deve-se destacar também evolução dos personagens. Sam começa a estória como um simples jardineiro. No final está travando um combate épico com Laracna. Merry e Pippen sofrem a mesma evolução. Começam dois bufões, fazendo várias brincadeiras, e no fim estão participando (e sobrevivendo) de batalhas que definem o destino da humanidade. Todos mostram como o tempo (e a experiência ou XP) afetam os personagens. No RPG isso é visto através do acúmulo de níveis de personagem. Quanto mais experiente é um personagem, maior o nível do mesmo dentro do jogo. Aragorn é um exemplo melhor ainda. Ele começa como um Guardião, usando habilidades de seguir rastros e sobreviver em ambientes hostis. No fim da trama ele se ergue como o líder guerreiro dos homens. Um verdadeiro Cavaleiro. Isso no RPG é tido como multi-classe. Você acumula poderes de dois arquétipos diferentes.

Também são nítidas na saga algumas figuras que se tornaram clássicas em RPGs. O mago que orienta o grupo e nem sempre está disponível. Gandalf interfere em vários momentos, usando suas habilidades e sabedoria. Porém em vários momentos ele não está presente e é necessário que os demais personagens se virem sozinhos. O mago pode ser visto como um personagem do mestre (npc) que surge para dar uma ajuda, mas depois parte para deixar que os verdadeiros protagonistas salvem o mundo. Temos também a figura do mal extremo, seja ele a figura do Necromante, em O Hobbit; Sauron, como uma energia manipuladora ou o Rei de Angmar, representando o bom e velho cavaleiro negro. Todo grupo de RPG tem um vilão a derrotar. E os arquétipos apresentados são muitos recorrentes em muitas campanhas.

Além de toda essa semelhança em nível de personagens, O Senhor dos Anéis também ensina a contar estórias, a descrever ambientes, a montar o clima. Mestres de RPG, veteranos ou novatos, podem encontrar inspiração nas páginas do legado de Tolkien para compor suas próprias sagas. Ainda que estas não se situem na Terra Média, as referências são sempre válidas. Tolkien, bem como qualquer autor, atua quase como um mestre de RPG. É ele o responsável por descrever o ambiente, apresentar desafios e mostrar o resultado de cada ação, além de cuidar dos personagens secundários. A diferença é que nos livros, o autor também controla os protagonistas, enquanto no jogo são os jogadores que o fazem.

Perceba, então, que é O Senhor dos Anéis uma grande saga de RPG. A diferença é que no livro você apenas acompanha o destino, enquanto no jogo você o define. Então largue o conforto do seu livro. Arme-se com lápis, papel, dados e imaginação. Muita imaginação. Pois foi a imaginação que construiu a Terra Média e a imaginação que sempre irá mantê-la.

 

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O Clube de Jogos Sétima Armada reuni entusiastas de diversos tipos de jogos, dentre eles RPGs e jogos de tabuleiro. As reuniões ocorrem aos domingos, de 13:00h às 18:00h, no Centro Cultural UFMG (Avenida Santos Dumont, 174 – Centro  Belo Horizonte – MG).