Biografia

J.R.R. Tolkien e C.S. Lewis  sobre Winston Churchill

O primeiro Ministro Winston Churchill

by Eduardo Stark

Não há dúvida que entre os ingleses e várias pessoas no mundo a figura de Winston Churchill é reverenciada como um grande nome do século XX. Em uma pesquisa feita pela BBC[1] em 2002, Winston Churchill foi eleito pelo voto popular como o maior britânico de todos os tempos (Darwin ficou na quarta posição e Shakespeare na quinta). Ele também é chamado de “o último grande homem do mundo ocidental” ou até mesmo de “o gigante do século”.

Mas nem tudo parece ser flores na biografia de Winston Churchill. Apesar dessa imensa admiração em relação a Churchill, existem ainda aqueles que apontam os seus possíveis erros. Ele tinha uma visão imperialista (em favor da dominação inglesa em suas colônias), além de ter uma visão considerada racista hoje (porém comum na sua época). Em 2010 o físico Madhusree Mukerjee escreveu o livro “Churchill’s Secret War: The British Empire and the Ravaging of India during World War” em que acusava Churchill de ter causado a morte de mais de 3 milhões de indianos de fome na Índia. Mas foi respondido pelo historiador Arthur Herman, que havia lançado em 2009 o livro “Gandhi and Churchill: The Epic Rivalry That Destroyed an Empire and Forged Our Age”, que por esse trabalho se notabilizou por ser finalista ao prêmio Pulitzer. Segundo Herman, o livro de Mukerjee carece de fontes documentais e de técnica própria dos historiadores.

Em 17 de maio de 2018, ocorreu o debate promovido pela Universidade de Oxford, onde em dois lados opostos vários estudiosos sobre Churchill discutiram. A monção do debate era “Os Britânicos devem sentir vergonha de Churchill?”. Esteve presente no debate Sir Nicholas Soames (neto de Winston Churchill) para defender seu parente.

Como todo político de longa data, sua vida está cheia de controvérsias e de atitudes também memoráveis. Mas na matemática entre suas ações o povo britânico reconhece nele uma grande figura. São muitos os documentários, séries programas de TV e filmes que Churchill faz aparições ou está como protagonista. Mais recentemente, em 2016 foi lançado o filme “Churchill’s Secret” com atuação principal de Sir Michael John Gambon (Albus Dumbledore na série Harry Potter). E em 2017 o renomado filme “Darkest Hour” com brilhante interpretação de Gary Oldman (Sirius Black na série Harry Potter), que foi premiado com um Oscar nessa atuação em 2018.

J.R.R. Tolkien e seu amigo C.S. Lewis viveram na mesma época em que Winston Churchill exerceu suas funções na política. E como cidadãos britânicos os escritores estavam sujeitos à atuação do Primeiro Ministro. No presente texto será analisado o que esses escritores de fantasia disseram sobre Churchill.

Winston Churchill e seus discursos em tempos de guerra

Sir Winston Leonard Spencer-Churchill nasceu em 30 de novembro de 1874 e faleceu em 24 de janeiro de 1965. Ele foi um político britânico a maior parte de sua vida, mas também trabalhou como oficial das forças armadas e escritor. Seu principal papel foi como Primeiro Ministro do Reino Unido entre 1940 a 145 e novamente entre os anos de 1951 a 1955. O período em que atuou como primeiro ministro foi mais tenebroso, pois ele liderou as forças contra a Alemanha Nazista durante a Segunda Guerra Mundial. Churchill participou do Partido Liberal, mas durante a guerra e até o fim de sua vida esteve vinculado ao Partido Conservador.

Em 1940 o mundo estava agitado pelo início da Segunda Guerra Mundial. Em 30 de abril, enquanto aguardava confiante uma vitória na Noruega, Hitler deu instruções para os preparativos finais ao ataque a Bélgica, Holanda, Luxemburgo e França. As tropas britânicas, despachadas para a França seis meses antes, aguardavam a investida alemã. O ataque alemão começou em 10 de maio. No Reino Unido, Winston Churchill substituiu Chamberlain como primeiro-ministro.

Desde o início de seus trabalhos como Primeiro Ministro, Winston Churchill proferiu discursos que foram registrados na história como admiráveis por seu poder nas palavras. Em 13 de maio de 1940, Churchill pronunciou o primeiro de seus grandes discurso no parlamento do Reino Unido:

Formar um Governo de tão vastas e complexas proporções é, já por si, um sério empreendimento, mas devo recordar ainda que estamos na fase preliminar duma das maiores batalhas da história, que fazemos frente ao inimigo em muitos pontos – na Noruega e na Holanda -, e que temos de estar preparados no Mediterrâneo, que a batalha aérea contínua e que temos de proceder nesta ilha a grande número de preparativos. Neste momento de crise, espero que me seja perdoado não falar hoje mais extensamente à Câmara. Confio em que os meus amigos, colegas e antigos colegas que são afetados pela reconstrução política se mostrem indulgentes para com a falta de cerimonial com que foi necessário atuar. Direi à Câmara o mesmo, que disse aos que entraram para este Governo: «Só tenho para oferecer sangue, sofrimento, lágrimas e suor». Temos perante nós uma dura provação. Temos perante nós muitos e longos meses de luta e sofrimento. Perguntam-me qual é a nossa política? Dir-lhes-ei; fazer a guerra no mar, na terra e no ar, com todo o nosso poder e com todas as forças que Deus possa dar-nos; fazer guerra a uma monstruosa tirania, que não tem precedente no sombrio e lamentável catálogo dos crimes humanos.-; essa a nossa política. Perguntam-me qual é o nosso objetivo? Posso responder com uma só palavra: Vitória – vitória a todo o custo, vitória a despeito de todo o terror, vitória por mais longo e difícil que possa ser o caminho que a ela nos conduz; porque sem a vitória não sobreviveremos. Compreendam bem: não sobreviverá o Império Britânico, não sobreviverá tudo o que o Império Britânico representa, não sobreviverá esse impulso que através  dos tempos tem conduzido o homem para mais altos destinos. Mas assumo a minha tarefa com entusiasmo e fé. Tenho a certeza de que a nossa causa não pode perecer entre os homens. Neste momento, sinto-me com direito a reclamar o auxílio de todos, e digo «Unamos as nossas forças e caminhemos juntos».[2]

A 4 de Junho de 1940, Winston Churchill proferiu, perante a Câmara dos Comuns, do Parlamento do Reino Unido, o famoso discurso “We Shall Fight on the Beaches” traduzido, em português, como “Lutaremos nas Praias“. O discurso foi feito logo após à evacuação das tropas britânicas de Dunkirk e antes da derrota final e rendição que aconteceria mais tarde nesse mês.

Eu próprio tenho plena confiança que se todos cumprirem seus deveres, se nada for negligenciado, e se as melhores providências forem tomadas, como está sendo feito, deveremos nos provar capazes mais uma vez de defender a nossa ilha natal, de superar a tempestade da guerra, e de sobreviver à ameaça de tirania, se necessário por anos, se necessário sozinhos. De qualquer maneira, isso é o que tentaremos fazer. Esta é a determinação do Governo de Sua Majestade – de cada homem dele. Esta é a vontade do Parlamento e da nação. O Império Britânico e a República Francesa, unidos em sua causa e em sua necessidade, defenderá até à morte seu solo nativo, auxiliando um ao outro como bons camaradas até o máximo de sua força.Muito embora grandes extensões da Europa e antigos e famosos Estados tenham caído ou possam cair nos punhos da Gestapo e de todo o odioso aparato do domínio nazista, nós não devemos enfraquecer ou fracassar. Iremos até ao fim. Lutaremos na França. Lutaremos nos mares e oceanos, lutaremos com confiança crescente e força crescente no ar, defenderemos nossa ilha, qualquer que seja o custo. Lutaremos nas praias, lutaremos nos terrenos de desembarque, lutaremos nos campos e nas ruas, lutaremos nas colinas; nunca nos renderemos, e se, o que eu não acredito nem por um momento, esta ilha, ou uma grande porção dela fosse subjugada e passasse fome, então nosso Império de além-mar, armado e guardado pela Frota Britânica, prosseguiria com a luta, até que, na boa hora de Deus, o Novo Mundo, com toda a sua força e poder, daria um passo em frente para o resgate e libertação do Velho.[3]

De fato, a Segunda Guerra Mundial foi um dos momentos mais dramáticos da história da humanidade. Se o Reino Unido caísse seria como se todo o mundo ocidental sofresse as consequências. Enquanto os britânicos se mantivessem como oposição ainda haveria resistência e esperança para os inimigos de Hitler. A situação não parecia fácil e somente alguém com uma boa capacidade de liderar poderia acalmar os ânimos e direcionar o povo. Foi assim que em outro memorável discurso de Churchill foram ditas as seguintes palavras:

Qualquer modo que andarem as coisas na França ou com o governo francês ou com outro governo francês, nós nesta ilha e no Império Britânico nunca perderemos nosso senso de camaradagem com o povo francês. Se somos agora chamados a suportar o que sofreram, emularemos sua coragem e, se a vitória final recompensar nossos esforços, eles compartilharão os ganhos, sim. E a liberdade será restaurada a todos. Não diminuímos nada de nossas justas exigências – tchecos, poloneses, noruegueses, holandeses, belgas, todos os que uniram suas causas aos nossos serão restaurados. O que o General Weygand chamou de Batalha da França acabou … a Batalha da Inglaterra está prestes a começar. Sobre esta batalha depende a sobrevivência da civilização cristã. Depende de nossa própria vida britânica e da longa continuidade de nossas instituições e nosso império. Toda a fúria e poder do inimigo deve logo se voltar contra nós. Hitler sabe que ele terá que nos quebrar nesta ilha ou perder a guerra. Se conseguirmos enfrentá-lo, toda a Europa poderá ser libertada e a vida do mundo poderá avançar em terras altas e ensolaradas. Mas se fracassarmos, então o mundo inteiro, incluindo os Estados Unidos, incluindo tudo o que conhecemos e cuidamos, afundará no abismo de uma nova idade das trevas tornada mais sinistra, e talvez mais demorada, pelas luzes da ciência pervertida. Vamos, portanto, nos preparar para os nossos deveres, e assim nos assegurarmos de que, se o Império Britânico e sua Commonwealth durarem mil anos, os homens ainda dirão: “Este foi seu melhor momento”.[4]

Churchill entrou para a história como o líder de uma fraca oposição isolada face a uma máquina de guerra dos nazistas, que na época estava invadindo toda a Europa continental e parecia não ter freios. Após uma série de batalhas e da participação decisiva dos Estados Unidos, a Segunda Guerra Mundial teve fim em 1945. Churchill saiu vitorioso e é celebrado até o momento entre seus compatriotas como um dos maiores britânicos.

As declarações de J.R.R. Tolkien sobre Winston Churchill

Antes de tratar sobre o que Tolkien pensava sobre o Primeiro Ministro, é interessante brevemente tratar sobre a posição política do Tolkien. De uma forma geral poderia se considerar Tolkien como um conservador, uma vez que apoiava o Partido Conservador (Conservative Party) ao invés de apoiar o Partido dos Trabalhadores (Labour Party). O fato de apoiar o Partido Conservador também estava relacionado com sua fé Católica tradicional. Mas ainda assim, ele não assumia a ideia de que novos pensamentos ou invenções eram boas apenas pelo fato de serem novas. Ambos os partidos mencionados havia ideias de seu tempo moderno e Tolkien era um medievalista e, de certa forma, antimodernista. Assim, o apoio ao Partido Conservador não é um alinhamento ideológico propriamente, mas sim uma escolha pelas circunstancias, pois Tolkien era contrário até mesmo à ideia do Estado em si, como ente dotado de poder.

Para Tolkien o poder pode corromper e aqueles que o buscam não devem ser confiáveis. O ideal medieval do “Nolo episcopari” era o que poderia ser interessante. Segundo esse princípio, deveria se tornar bispo da Igreja Católica aquele que não desejava tal cargo. Era frequente a escolha de monges para o cargo de Bispo. Dessa forma, para Tolkien, aquele que busca o poder pelo poder não deveria ser escolhido e sim aquele que fosse, a princípio, desinteressado no cargo. O poder incomodava Tolkien especialmente por sua capacidade destrutiva. As consequências do uso das máquinas contra a natureza, culminando com a destruição da vida era algo que o preocupava. Isso está bem demonstrado em suas obras, sobretudo em O Senhor dos Anéis.

O primeiro momento do Tolkien em relação a Churchill foi o seu apoio durante a Primeira Guerra Mundial. O autor do Senhor dos Anéis lutou como Tenente na defesa do interesse britânico e nessa época Churchill exercia o cargo de Primeiro Senhor do Almirantado (First Lord of the Admiralty). Antes de embarcar na batalha de Somme, Tolkien permaneceu em Oxford junto com outros estudantes universitários e lá ele estava ativo em sociedades. Uma delas era a The Stapeldon Society, que passou a enviar votos de confiança para os oficiais das forces armadas e enviou cartas de apoio ao Rei Albert da Bélgica e para Winston Churchill[5]. Dessa forma, é notória a informação que Tolkien conhecia Churchill desde a época da Primeira Guerra Mundial e o apoiava.

Com o inicio da Segunda Guerra Mundial, o cenário era diferente. Tolkien agora tinha quatro filhos e uma esposa. Era um pai preocupado com seus dois filhos Christopher e Michael Tolkien, que haviam sido recrutados para lutar contra as forças nazistas alemãs.

Tolkien acompanhava as notícias e costumava debater e conversar com seus amigos em Oxford. E assim como todo inglês, as preocupações eram constantes diante das incertezas da Guerra. O apoio a Winston Churchill como chefe maior do Estado parecia ser uma necessidade.

Em se tratando da opinião do Tolkien sobre Churchill, há uma carta de 9 de novembro de 1943, em plena época que seu filho Christopher Tolkien, com dezoito anos, estava junto a Força Aérea. Nessa carta é explicado um pouco da visão política do Tolkien e feita uma breve referência a Winston Churchill. Foi explicada sua ideia de que as pessoas não deveriam criar concepções sobre seus governantes como algo mais superior do que fosse.

Governo é um substantivo abstrato que significa a arte e o processo de governar, e deveria ser uma ofensa escrevê-lo com um G maiúsculo ou usá-lo para se referir a pessoas. Se as pessoas estivessem acostumadas a se referirem ao “conselho do Rei George, Winston e sua turma”, isso ajudaria a desanuviar certas concepções e a reduzir a assustadora vitória esmagadora da Elescracia. Em todo caso, o estudo apropriado do Homem é tudo, menos o Homem; e o trabalho mais impróprio a qualquer homem, mesmo os santos (os quais, de qualquer maneira, ao menos relutavam em realizá-lo), é mandar em outros homens. Nem mesmo um homem em um milhão é adequado para tal, e menos ainda aqueles que buscam a oportunidade. E pelo menos isso é feito apenas a um pequeno grupo de homens que sabem quem é seu mestre. (Carta de 9 de Novembro para Christopher Tolkien, in “As Cartas de J.R.R. Tolkien”).

O que fica claro é que Tolkien não apoiava políticos com toda a convicção. Não havia lideres que fossem imaculados ou que fossem defendidos a todo o custo. Visto que ele acreditava que o exercício de uma atividade de poder não era algo natural do homem em relação aos outros. É por isso que a ideia abstrata de um governo o incomodava. Seria algo mais realista dizer quem está a frente disso tudo.

A esqueda Josef Starlin, ao centro Roosevelt e a direita Churchill

Ainda em época de guerra, Tolkien fez uma nova referência a Churchill. Dessa vez vez um breve comentário a foto da Convenção de Teerã, onde os três lideres Josef Stalin, Roosevelt e Churchill se reuniram para organizar uma frente contra o avanço das forças de Adolf Hitler. A carta foi escrita em 9 de dezembro de 1943 e enviada para seu filho Christopher Tolkien, que ainda realizava treinamento para a força aérea britânica.

dei um tipo de sorriso doentio e “quase rolei no chão e já não mais me interessavam as boas maneiras” quando ouvi sobre aquele velho assassino sedento de sangue do Josef Stalin convidar todas as nações a se juntarem a uma família feliz de pessoas dedicadas à abolição da tirania e da intolerância! Mas também devo admitir que, na foto, nosso pequeno querubim W. S. C. de fato parecia o maior dos rufiões presentes.

A critica inicial do Tolkien ao encontro se dá pele contradição do fato de que Jose Stalin era um ditador responsável pela morte de milhões de pessoas e agora convocava outros líderes em nome da “abolição da tirania e da intolerância”. A referência a W.S.C. são as siglas do nome de Winston Spencer Churchill. Enquanto Querubim é um tipo de líder guerreiro dos anjos, sendo uma das posições mais altas na hierarquia celeste. Nesse ponto, trata-se de uma espécie de elogio chamar Churchill de um anjo guerreiro, como alguém que pudesse lutar beneficamente por sua causa. Porém, o elogio vem logo seguido de uma leve crítica dizendo que ele parecia o “maior dos rufiões presentes”, ou seja, alguém com a aparência de ser o mais beligerante ou violento entre os três. Tolkien finaliza a carta novamente se referindo a Churchill como Querubim dizendo: “Nosso Querubim mencionado acima pode fazer uma jogada astuta — supõe-se, espera-se, não se sabe…..”                                

Em 7 de maio de 1945 foi anunciado o fim da Guerra na Europa. Churchill foi vitorioso e agora seria considerado um grande herói britânico. Apesar disso, ele não conseguiu se reeleger na eleição de 1945, voltando ao cenário político em 1951 novamente como Primeiro Ministro. Até o momento, não há declarações sobre a política de Churchill registradas após 1943, deixando um vácuo sobre o que pensava sobre o segundo governo de Churchill.

Winston Churchill é o Tom Bombadil?

Na carta de setembro de 1954 para Peter Hastings, Tolkien responde sobre a personagem Tom Bombadil e faz uma breve referência a Tom Bombadil. A resposta dizia a respeito da afirmação do que seria Tom Bombadil e a resposta “Ele é”:

Apenas a primeira pessoa (de mundos ou de qualquer coisa) pode ser única. Se você diz ele é, deve haver mais de um, e uma (sub) existência criada está implícita.Certamente posso dizer “ele é” de Winston Churchill assim como de Tom Bombadil, não?

Essa breve citação poderia confundir algumas pessoas a ponto de levantar a ideia de que Churchill seria a personificação de Tom Bombadil. Porém, o próprio Tolkien dizia ser contrário a ideia de que suas obras eram um tipo de alegoria da Segunda Guerra Mundial. O uso do nome de Winston foi apenas para efeito de explicação das ideias e não que fosse algo diretamente relacionado a obra. De todo modo, o exemplo demonstra que Tolkien ainda conservava algum apreço por Churchill em 1954.

 

Tolkien e sua amizade com o biografo oficial de Winston Churchill

  

Tolkien foi amigo pessoal de Sir Martin Gilbert, um judeu historiador renomado por seus trabalhos sobre a história da Segunda Guerra Mundial e especialmente por ser o biografo oficial de Winston Churchill. Gilbert escreveu diversos livros narrando a história da vida do Primeiro Ministro.

Veja mais informações sobre isso AQUI.

Sir Martin Gilbert, historiador judeu amigo de Tolkien

 

C.S. Lewis sobre Winston Churchill

C.S. Lewis era um amigo próximo de J.R.R. Tolkien, que o encontrava frequentemente em Oxford junto ao grupo dos Inklings. Era comum o debate político e rotineiramente tratavam sobre o governo de Winston Churchill durante a Segunda Guerra. Ambos apoiaram o velho buldogue inglês na sua luta contra os nazistas.

Após a Segunda Guerra Mundial, a segunda voz mais escutada em rádios era a do professor C.S. Lewis. Seus trabalhos eram amplamente conhecidos e respeitados como uma fonte de esperança durante a guerra e como defesa da fé cristã.

A guerra mundial trouxe consequências para toda a Europa. A economia se desestabilizou com os gastos e diversas estruturas precisavam ser reconstruída ou restauradas. Especialmente a Inglaterra estava tendo diversas necessidades e caberia agora ao governo levantar novamente o país e evitar o caos.

Durante as eleições do Reino Unido em 1951, muitos candidatos apresentavam promessas que não pareciam ser realizáveis e Lewis acreditava na sinceridade de Winston, que na época dizia que a reconstrução seria penosa e difícil “eles estão prometendo a terra, enquanto Churchill, com seu usual senso comum, não está prometendo nada além de tempos difíceis.” (Carta para Vera Mathews em 18 de outubro de 1951). Foi esse senso comum que possibilitou a vitória eleitoral de Churchill. Além do trabalho anterior como Primeiro Ministro durante a Guerra, agora ele apresentava a realidade ao público e dizia com sinceridade da situação do país.

C. S. Lewis, escritor e amigo de Tolkien

Assim, Churchill foi eleito novamente como Primeiro Ministro e assim que iniciou o seu governo enviou uma carta dizendo que estava disposto a recomendar C.S. Lewis para receber o C.B.E na lista do ano seguinte (1952). O C.B.E (Commander of the most Excellent Order of the British Empire) é uma condecoração ou título honorífico dado ao britânico que realizou algum trabalho em prol do seu país ou que exerceu relevante atividade. No caso do Lewis a indicação seria relacionada ao seu empenho nos vários livros de sucesso literário. Em resposta a Churchill e ao Secretário do Primeiro Ministro, em 4 de dezembro de 1951, C.S. Lewis escreveu a seguinte carta:

Sinto-me muito grato ao primeiro-ministro e, no que diz respeito aos meus sentimentos pessoais, essa honra seria muito agradável. Sempre há, no entanto, os que dizem e os tolos que acreditam que meus escritos religiosos são todos propaganda anti-esquerdista encoberta, e que minha aparição na lista de Honras certamente fortaleceria suas mãos. Portanto, é melhor que eu não apareça lá. Tenho certeza de que o primeiro-ministro compreenderá minha razão e que minha gratidão é e será cordial. (LEWIS, C.S., Collected Letters of C.S. Lewis, vol. II)[6]

Nota-se nessa carta uma vontade de C.S. Lewis em evitar a política não se aliando a um lado determinado. A recusa não foi uma discordância em relação a Churchill, e sim um temor de ataques sem necessidade por parte daqueles que são adversários do Primeiro Ministro. A carta só foi divulgada após a morte de C.S. Lewis e o governo britânico confirmou essa informação após um requerimento com base na “Liberdade de Informação” em 26 de janeiro de 2012.

Mais de vinte anos depois, Tolkien recebeu esse mesmo título honorifico C.B.E. em 1973, dado pela Rainha Elisabeth II. (veja mais informações AQUI).

C.S. Lewis voltou a falar sobre Churchill em 7 de dezembro de 1953 em uma carta para  Edna Greene Watson. Aqui ele demonstra que a situação parece estar melhorando, após a crise gerada pela Segunda Guerra Mundial.

É muito gentil de sua parte mandar-me um presente de Natal tão bonito; pois, embora as coisas estejam melhorando aqui sob [o governo de] Winston, ainda não estamos exatamente vivendo em uma terra de leite e mel – o bolo, em particular, permanece como um luxo. (LEWIS, C.S., Collected Letters of C.S. Lewis, vol. II)[7]

Está demonstrado que Winston Churchill conhecia C.S. Lewis e talvez até mesmo possa ter lido algum de seus textos e livros. Embora não haja nenhum outro registro dessa relação, o que está evidente é que o Primeiro Ministro sabia da importância do escritor.

Enquanto Lewis tinha esse reconhecimento de um grande público, naquela época Tolkien era conhecido apenas dentro dos círculos acadêmicos e sua projeção pela publicação do livro O Hobbit em 1937. Tolkien ficou mais famoso após a publicação de O Senhor dos Anéis em 1954 e 1955, que se notabilizou especialmente nos Estados Unidos em 1965 (ano que Churchill faleceu).

Winston Churchill, o prêmio Nobel de Literatura

Winston Churchill além de político, também teve o seu papel de jornalista e escritor. Em 1953 ele foi laureado com o prêmio Nobel em literatura por sua obra “The Second World War”, de seis volumes no original inglês: “The Gathering Storm, Their Finest Hour, The Grand Alliance, The Hinge of Fate, Closing the Ring e Triumph and Tragedy, publicados entre os anos de 1948 e 1953.

No Brasil o livro foi condensado em dois volumes com o título “Memórias da Segunda Guerra Mundial” em um Box com os livros em capa dura, atualmente publicado pela editora Harpercollins Brasil. Para adquirir esses livros acesse AQUI.

O livro apresenta as visões particulares de Winston Churchill durante os momentos mais dramáticos da história da humanidade. É um livro notável por ter sido escrito justamente por um dos líderes da Guerra.

Escrever um livro é uma aventura. Ao começar é um brinquedo e uma diversão. Então se torna uma amante, então se torna um mestre, então se torna um tirano. A última fase é que, assim que se está prestes a se reconciliar com sua servidão, você mata o monstro e o lança ao público.( Winston Churchilll) [8]

 

Memórias da segunda guerra mundial – livro prêmio nobel de Churchill

 

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NOTAS:

[1] http://news.bbc.co.uk/2/hi/entertainment/2509465.stm

[2] To form an administration of this scale and complexity is a serious undertaking in itself. But we are in the preliminary phase of one of the greatest battles in history. We are in action at many other points-in Norway and in Holland-and we have to be prepared in the Mediterranean. The air battle is continuing, and many preparations have to be made here at home.In this crisis I think I may be pardoned if I do not address the House at any length today, and I hope that any of my friends and colleagues or former colleagues who are affected by the political reconstruction will make all allowances for any lack of ceremony with which it has been necessary to act.I say to the House as I said to ministers who have joined this government, I have nothing to offer but blood, toil, tears, and sweat. We have before us an ordeal of the most grievous kind. We have before us many, many months of struggle and suffering.You ask, what is our policy? I say it is to wage war by land, sea, and air. War with all our might and with all the strength God has given us, and to wage war against a monstrous tyranny never surpassed in the dark and lamentable catalogue of human crime. That is our policy.You ask, what is our aim? I can answer in one word. It is victory. Victory at all costs – Victory in spite of all terrors – Victory, however long and hard the road may be, for without victory there is no survival.Let that be realized. No survival for the British Empire, no survival for all that the British Empire has stood for, no survival for the urge, the impulse of the ages, that mankind shall move forward toward his goal.I take up my task in buoyancy and hope. I feel sure that our cause will not be suffered to fail among men. I feel entitled at this juncture, at this time, to claim the aid of all and to say, “Come then, let us go forward together with our united strength.

[3] I have, myself, full confidence that if all do their duty, if nothing is neglected, and if the best arrangements are made, as they are being made, we shall prove ourselves once again able to defend our island home, to ride out the storm of war, and to outlive the menace of tyranny, if necessary for years, if necessary alone. At any rate, that is what we are going to try to do. That is the resolve of His Majesty’s government – every man of them. That is the will of parliament and the nation. The British empire and the French republic, linked together in their cause and in their need, will defend to the death their native soil, aiding each other like good comrades to the utmost of their strength. Even though large tracts of Europe and many old and famous states have fallen or may fall into the grip of the Gestapo and all the odious apparatus of Nazi rule, we shall not flag or fail. We shall go on to the end, we shall fight in France, we shall fight on the seas and oceans, we shall fight with growing confidence and growing strength in the air, we shall defend our island, whatever the cost may be, we shall fight on the beaches, we shall fight on the landing grounds, we shall fight in the fields and in the streets, we shall fight in the hills; we shall never surrender, and even if, which I do not for a moment believe, this island or a large part of it were subjugated and starving, then our empire beyond the seas, armed and guarded by the British fleet, would carry on the struggle, until, in God’s good time, the new world, with all its power and might, steps forth to the rescue and the liberation of the old.

[4] ….However matters may go in France or with the French Government or with another French Government, we in this island and in the British Empire will never lose our sense of comradeship with the French people. If we are now called upon to endure what they have suffered we shall emulate their courage, and if final victory rewards our toils they shall share the gains, aye. And freedom shall be restored to all. We abate nothing of our just demands—Czechs, Poles, Norwegians, Dutch, Belgians, all who have joined their causes to our own shall be restored. What General Weygand has called the Battle of France is over … the Battle of Britain is about to begin. Upon this battle depends the survival of Christian civilization. Upon it depends our own British life, and the long continuity of our institutions and our Empire. The whole fury and might of the enemy must very soon be turned on us. Hitler knows that he will have to break us in this island or lose the war. If we can stand up to him, all Europe may be freed and the life of the world may move forward into broad, sunlit uplands. But if we fail, then the whole world, including the United States, including all that we have known and cared for, will sink into the abyss of a new dark age made more sinister, and perhaps more protracted, by the lights of perverted science. Let us therefore brace ourselves to our duties, and so bear ourselves, that if the British Empire and its Commonwealth last for a thousand years, men will still say, “This was their finest hour.

[5] Urged on by Farnell, Tolkien and his few fellow undergraduates strove to keep the college societies going. The Stapeldon Society, a shadow of its former self and under ‘lowering clouds of Armageddon’, did its trivial best by passing a rousing vote of confidence in all Exonians in the armed forces and sending letters of support to King Albert of Belgium and Winston Churchill (then First Lord of the Admiralty). (Garth, John. Tolkien and the Great War, The Threshold of Middle-earth, p.49)

[6] I feel greatly obliged to the Prime Minister, and so far as my personal feelings are concerned this honour would be highly agreeable. There are always however knaves who say, and fools who believe, that my religious writings are all covert anti-Leftish propaganda, and my appearance in the Honours list would of course strengthen their hands. It is therefore better that I should not appear there. I am sure the Prime Minister will understand my reason, and that my gratitude is and will be none the less cordial.

[7] How very kind indeed of you to send me such a nice Xmas present; for, though things are improving over here under Winston, we are still not exactly living in a land of milk and honey – cake in particular remaining something of a luxury.

[8] Writing a book is an adventure. To begin with it is a toy and an amusement. Then it becomes a mistress, then it becomes a master, then it becomes a tyrant. The last phase is that just as you are about to be reconciled to your servitude, you kill the monster and fling him to the public.

Biografia

Tolkien e a Educação Domiciliar – Homeschooling

by Eduardo Stark
(tolkienbrasil@gmail.com)

Antes de ler esse é artigo é interessante também ler sobre a Educação Clássica AQUI.

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A infância de J.R.R. Tolkien foi cheia de momentos determinantes em sua vida. A começar por um tipo peculiar de educação, que hoje em dia não é tão comum como fora antigamente. Tolkien teve a chamada Educação Domiciliar ou Homeschooling entre os anos de 1896 a 1899.

A Educação Domiciliar, Educação doméstica ou também chamada de “Homeschooling” (nos E.U.A), “home education” (no Reino Unido), Hausunterricht (na Alemanha) é uma prática educacional que vem sendo adotada por milhares de famílias pelo mundo. Trata-se de se realizar a educação das crianças e adolescentes sem o auxílio do Estado. A Educação Domiciliar dá a liberdade de escolhas pedagógicas aos pais que ensinam o conteúdo ou contratam alguém que o faça em suas casas. Dessa forma, a criança não frequenta a escola pública ou particular, tendo suas aulas ao longo do dia ou em horário reservado pelos pais.

No Reino Unido são cerca de 100.000 educandos, na Austrália são 50.000 famílias que adotam o ensino domiciliar. Nos Estados Unidos, com dados de 2012, são mais de um milhão de crianças que participam de alguma forma do homeschooling, outros apontam ser atualmente cerca de dois milhões e meio de pessoas. Esse fenômeno está começando a ampliar no Brasil com cerca de 4.200 famílias.

O Ensino Domiciliar foi sempre permitido ao longo da história da humanidade. Desde os primórdios, os pais ensinavam seus filhos os meios para que pudessem se formar e encarar a vida da melhor forma possível.Quando não exercido pelos pais, se contrata algum letrado para atuar como o tutor das crianças. Caberia a ele atuar no ensino dos jovens. Como exemplo, temos o macedônio Alexandre, o Grande, em que o filósofo Aristóteles foi contratado para ser o seu tutor.

Com o surgimento das primeiras universidades ocidentais fundadas pela Igreja Católica no final da Idade Média, o jovem adulto agora participava de estudos junto com outros e diante de um professor. Porém, o ensino ainda permanecia domiciliar para a ampla maioria da população europeia.

No final do século XIX, no contexto da Reforma Protestante, Martinho Lutero defendeu a escola obrigatória e gratuita para todos, com a finalidade de que as pessoas aprendessem a ler a bíblia e interpretá-la.Com a escola pública estabelecida pelo Estado, a Reforma Protestante poderia ser melhor aplicada em países cujos soberanos fossem protestantes. Foi dentro da ideia de disputa de fieis, influenciar novos fieis e defender as ideias protestantes que surgiu a escola pública. A escola pública seria instrumento para que o individuo conhecesse a bíblia e não se dobrasse a outras ideias, que Martinho Lutero considerava como heréticas (judeus, Católicos, islâmicos e outros protestantes). Lutero coloca a necessidade de se criar tais escolas como uma luta contra o diabo, conforme disse em discurso proferido em 1524:

Caros governantes… Eu afirmo que as autoridades civis têm a obrigação de obrigar as pessoas a mandar seus filhos para a escola… Se o governo pode obrigar os cidadãos que estão aptos para o serviço militar a carregar lança e rifle, a montar muralhas e realizar outros deveres marciais em tempo de guerra, quanto mais tem o direito de obrigar as pessoas a mandar seus filhos para a escola, porque neste caso estamos em guerra com o diabo, cujo objetivo é secretamente esgotar nossas cidades e principados de seus homens fortes. (PERRIN, John William. The History of Compulsory Education in New England, 1896, p.6)[1]

No mesmo ano do discurso de Lutero, em 1524, o duque João de Gotha criou a primeira escola pública do ocidente, sendo seguido por Thuringia em 1527. A partir de então a ideia de escola pública gratuita e obrigatória passou a ser defendida por outros protestantes e se espalhou por toda a Europa.

Contudo, a Educação Domiciliar continuou sendo praticada, porém enfrentando agora grandes empecilhos em diversos Estados.  Porém, com as reformas educacionais no século XVIII e XIX, conhecidas como o Sistema Educacional Prussiano, é que a educação passou a ser eficazmente obrigatória, laica e gratuita para todos, onde os professores deveriam se formar em instituições de ensino superior.A proposta teve ascensão concreta com o Generallandschulreglement, um decreto de 1763 por Frederico, o grande.

Na Revolução Francesa foi defendida a ideia da Educação Pública obrigatória e laica. E após o período napoleônico, surgiram os primeiros sistemas educacionais para os Estados Nacionais. Embora se declarasse que a Educação Pública fosse obrigatória, a Educação Domiciliar era ainda frequente.

A diferença do sistema prussiano com relação ao inicio da escola pública por Lutero, é que agora o Estado deveria proporcionar um ensino laico, sem finalidade religiosa, embora a religião fosse introduzida como uma mera disciplina no currículo escolar. Desde então, muitos governantes foram influenciados pela educação prussiana e passaram a adotar nos Estados o Ensino Público laico, gratuito e obrigatório. Foi assim que a Educação Domiciliar passou a dar lugar a Escola Pública obrigatória, culminando com a sua formalização na Constituição Alemã de Weimar de 1919.

Juventude Hitlerista da Educação Pública nazista

 

O nazismo de Adolf Hitler proibiu a Educação Domiciliar na Alemanha

Liderados por Adolf Hitler, Mussolini, Lenin, Stalin e outros, os regimes autoritários do século XX buscaram usar a educação obrigatória para formar um público controlado e carregado de ideologias impostas pelo Estado. Foi assim que a Educação Domiciliar foi proibida e criminalizada. Porém, com a queda dos regimes esses países legalizaram a Educação Domiciliar. O caso da Alemanha chama a atenção, tendo em vista que ainda se mantém aplicável a lei nazista.

Na Alemanha, com base nas ideias de Martinho Lutero e Frederico, o grande, a Constituição de Weimar de 1919 introduziu formalmente a educação estatal laica obrigatória e gratuita no artigo 145. Mas a Educação Domiciliar ainda era permitida, pois entendeu-se que a Constituição falava da obrigação de se educar as crianças e não em dever de frequência escolar.Além do fato de que o Estado não tinha ainda construído escolas suficientes e não possuía recursos para distribuição gratuita dos materiais, pois a Alemanha estava em momentos de crises econômicas após a primeira guerra mundial.

Com a ascensão dos nazistas, o Estado passou a aplicar uma política de repressão a todo os tipos de ensinos que não fossem exclusivos do Estado. Assim, escolas controladas pela Igreja Católica foram fechadas e o ensino nas escolas particulares foram suprimidos ou regulamentados fortemente.

Dentro dessa política repressiva é que o governo de nazista decidiu proibir o Ensino Domiciliar, usando a Escola Pública e laica de Martinho Lutero e Frederico, o Grande[2]. Para Hitler o individuo deveria ser considero propriedade do Estado:

O que não tem sido feito em outros setores deve ser empreendido pelo Estado. A raça deve ser vista como ponto central da atuação do Estado na vida geral da nação. Deve ser conservada pura. A infância deve ser vista como a mais preciosa propriedade da Pátria.(HITLER, Minha Luta, p. 306-307)

A educação intelectual estava em segundo plano para Adolf Hitler. “Em um Estado nacionalista, a escola deve reservar mais tempo para os exercícios físicos” (HITLER, Minha Luta, p. 310). Era necessário dar mais ênfase a educação física do que mental e de conteúdo.

O Estado deve dirigir a educação do povo, não no sentido puramente intelectual, mas visando sobretudo à formação de corpos sadios. Em segundo plano, é que vem a educação intelectual. (HITLER, Minha Luta, p. 309).

Além da priorização da educação física, Hitler pregava que a Educação Pública deveria ser utilizada para finalidade de formar as ideias de supremacia racial que os nazistas defendiam.

O trabalho de educação coletiva do Estado nacionalista deve ser coroado com o despertar do sentido e do sentimento da raça, que deve penetrar no coração e no cérebro da juventude que lhe foi confiada. Nenhum rapaz, nenhuma rapariga deve abandonar a escola sem estar convencido da necessidade de manter a pureza da raça. (HITLER, Minha Luta, p. 322).

Foi assim que surgiu a aplicação concreta da Constituição de Weimar de 1919, para que a Escola Pública fosse obrigatória a todos e que o Ensino Domiciliar deveria ser agora reprovado e suprimido pelo Estado. Não haveria mais a vontade e escolha dos pais sobre o futuro dos filhos em se tratando de educação. Isso caberia exclusivamente ao Estado.

Assim como, já hoje, o Estado, no que diz respeito à cultura intelectual, passa por cima do livre arbítrio dos indivíduos e, sem consultar a vontade dos pais, torna obrigatória a frequência às escolas, assim, também o Estado, de futuro, deve agir no problema da conservação da raça, sem indagar se as razões para essa atitude são ou não são compreendidas pelas massas. (HITLER, Minha Luta, p. 310)

Assim, sob a liderança do Reich de Adolf Hitler foi proibido definitivamente a Educação Domiciliar na Alemanha.  A Lei de Educação Obrigatória no Reich Alemão (Gesetz über die Schulpflicht im Deutschen Reich ou apelidada de Reichsschulpflichtgesetz) de 6 de julho de 1938, com emenda em 16 de maio de 1941, regulamentou a educação obrigatória perante o Estado, determinando que as crianças deveriam ser matriculadas em escolas.

Educação obrigatória. No Reich alemão é obrigatória a educação. Garantida a educação e instrução da juventude alemã no espírito do nacional-socialismo. Isto se aplica a todas as crianças e jovens de nacionalidade alemã que estejam domiciliados ou tenham residência habitual.[3]

A lei nazista ainda apresenta as punições para as crianças e pais que descumprirem a obrigação de frequência escolar. As crianças poderiam ser levadas à força pela polícia e os pais poderiam ser presos por não levar a criança na escola:

Escolaridade obrigatória. Crianças e adolescentes que não cumpram a obrigação de frequentar a escola profissional ou vocacional são levadas à escola à força. Aqui, a ajuda da polícia pode ser reivindicada. Penalidades. Qualquer pessoa que infrinja as disposições sobre escolaridade obrigatória intencionalmente ou por negligência, é punível com uma multa de até 150 Reichsmark ou com prisão, salvo violação de outras leis que aplicarem uma sanção mais grave.[4]

Após a Segunda Guerra Mundial, novas perspectivas educacionais foram analisadas e o homeschooling foi apontado como alternativa para um sistema educacional público que não atendia a contento os objetivos desejados. Dessa forma, diversos países que sofreram regimes autoritários passaram a permitir a Educação Domiciliar.

Contudo, até hoje a Educação Domiciliar não é permitida na Alemanha e há vários casos judiciais e controvérsias dos pais que desejam educar seus filhos e evitar a aplicação da lei imposta pelos nazistas. Muitas famílias tiveram que abandonar a Alemanha e foram morar no Reino Unido que permite amplamente a Educação Domiciliar.

 

Homeschooling – ensino domiciliar

 

Educação Domiciliar é legal no Brasil?

Como visto, a Educação Domiciliar é praticada atualmente em vários países. Nos Estados Unidos é amplamente praticado em todos os Estados e com legislações específicas. A maioria dos países europeus permitem a educação domiciliar, tais como exemplo Reino Unido, França, Itália, Irlanda, Bélgica, Áustria, Dinamarca,Noruega, Estônia, Eslovênia e Finlândia. Em Portugal é permitido pelo DL nº 553/80 (Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo). Embora tenha uma autorização estatal, apenas 620 pessoas estão inscritas no Ensino Domiciliar em Portugal.

No século XIX a Educação Domiciliar no Brasil era plenamente permitida. Os pais podiam ensinar os filhos ou mesmo contratar um tutor para educá-los. Porém, com a influência da Constituição Alemã de Weimar de 1919, o Brasil passou a tornar obrigatória a matricula e frequência em escola pública.

A Constituição Federal de 1934 ditou que deveria haver uma lei federal sobre educação e que nela deveria haver dispositivo em que haja “ensino primário integral gratuito e de frequência obrigatória extensivo aos adultos”. A partir de então as Constituições posteriores também impuseram a educação obrigatória em 1937, 1946, 1967 e 1988.

Atualmente, no Brasil são cerca de 4.200 famílias que estão vinculadas ao Ensino Domiciliar. Porém, não há uma legislação específica sobre esse tipo de ensino e a Constituição de 1988 e leis vigentes implicam em dizer que não se permite o ensino domiciliar. Por isso, o tema sofreu grandes controvérsias judiciais nos últimos anos. É que a Constituição Federal de 1988 dita que a educação deve resultar da ação da tríade: Estado, Família e Sociedade (Art. 205). E ainda está entre os princípios norteadores do ensino a “igualdade de condições de acesso e permanência na escola” (Art. 206). Ainda, no Art. 208 da Constituição diz que o ensino fundamental deve ser obrigatório e gratuito e no § 2º diz que o “não oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente”. E, no mesmo artigo, o § 3º acrescenta: “Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela frequência à escola”. A Lei nº 9394 de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, dispõe que a educação básica é obrigatória e gratuita para pessoas dos 4 aos 17 anos de idade. E ainda que é dever dos pais ou responsáveis efetuar a matrícula das crianças na educação básica a partir dos 4 (quatro) anos de idade. 

Tendo em vista essa limitação vinda da Constituição e Legislação, ocorreram uma série de controvérsias entre pais que adotam o Homeschooling e o interesse do Estado em puni-los. Resultado disso foi o processo judicial que chegou ao Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário 888815, com relatoria do Ministro Luis Roberto Barroso. Em 12 de setembro de 2018, o Supremo Tribunal Federal decidiu o RE 888815 e decidiu que caberia ao legislador estabelecer Emenda Constitucional ou Lei que regulamentasse a Educação Domiciliar, não sendo possível sua aplicação no presente momento. Assim, na proibição da Educação Domiciliar, o Brasil permanece junto com Cuba, China, Coréia do Norte, Venezuela, Grécia, Macedônia e Alemanha.

No Brasil os defensores do Homeschooling estão associados em diversos grupos espalhados pelo país. Um dos conhecidos é o trabalho desenvolvido pelo casal Déia e Tiba. Também são conhecidos o casal Gustavo e Camilla Abadie que preparam material para Educação Domiciliar pela editora Concreta. O professor Carlos Nadalin exerce papel relevante com estudos e análises.

 

Tolkien e a Educação Domiciliar

Tolkien nasceu em 3 de janeiro de 1892, era o final da Era Vitoriana no antigo Império Britânico. O pai do Tolkien acabou falecendo pouco tempo depois e coube a sua mãe arcar com o sustento familiar e promover a educação dele.

O quadro do momento era que Mabel Tolkien era uma jovem viúva de cerca de 26 anos, com dois filhos pequenos e sem uma renda fixa que cobrisse todas as despesas. Essa dificuldade financeira não foi empecilho para que ela buscasse educar seus dois filhos da melhor forma possível.

Mabel era uma mulher inglesa que havia sido bem educada. Ela conhecia várias línguas como Francês, Alemão e Latim. Além de ter conhecimentos artísticos na pintura e piano, ela sabia trabalhar com botânica. Todo o conhecimento que ela havia aprendido decidiu agora ensinar seus filhos.

Foi assim que entre os anos de 1896 a 1899, J.R.R. Tolkien e seu irmão Hilary Tolkien tiveram a educação domiciliar ministrada por sua mãe e sua tia Jane. Para o próprio autor do Senhor dos Anéis esse foi o período de maior importância em sua vida quanto a sua formação, conforme Tolkien afima “Quatro anos, mas que me pareceram os mais longos da minha vida e que foram os mais importantes na minha formação” (CARPENTER, J.R.R. Tolkien- uma biografia, HarpercollinsBrasil, 2018, p.39).

A biografia escrita por Humphrey Carpenter apresenta detalhes sobre como essa educação domiciliar foi desenvolvida. Mabel concentrava os estudos dos dois filhos em aprender a ler e escrever (o que Tolkien já sabia fazer aos quatro anos) e depois focando no estudo da gramática e línguas.

 

Estudo de Caligrafia

Mabel logo começou a educar os filhos, que não poderiam ter melhor professora – nem ela poderia ter um aluno mais apto que Ronald, que já sabia ler aos 4 anos e logo aprenderia a escrever com perfeição. A caligrafia de Mabel era encantadoramente anticonvencional. Dona da mesma habilidade do pai, ela optou por um estilo vertical e elaborado, ornamentando suas maiúsculas com voltas delicadas. Ronald logo começou a praticar uma letra que, apesar de diferente da mãe, viria a se tornar igualmente elegante e idiossincrática. (CARPENTER, J.R.R. Tolkien- uma biografia, HarpercollinsBrasil, 2018, p.34-35).

O estudo da caligrafia se baseia em proporcionar a escrita mais bela e por isso é considerada uma arte visual. Tolkien usou o que aprendeu com sua mãe ao longo de toda sua vida. Em várias de suas cartas pode-se ver uma letra elaborada e com uma tendência a busca do belo. Além disso, o Tolkien gostava de simular manuscritos medievais para suas obras e usava todo o conhecimento de caligrafia. (Sobre Tolkien e os manuscritos medievais veja esse artigo AQUI).

O conhecimento de caligrafia aprendido por Tolkien também foi utilizado na criação de alfabetos fictícios para os elfos e anões. Em O Senhor dos Anéis podemos verificar o chamado Tengwar, o alfabeto élfico.

Manuscritos de Tolkien em comparação


Estudo das línguas Alemão, Francês e latim

Uma base importantíssima na vida do Tolkien foi o gosto por línguas e isso foi desenvolvido durante a infância com os primeiros estudos realizados com sua mãe. A preferência linguística do Tolkien estava associada aos sons e estética pessoal. Conforme explicou Humphrey Carpenter:

Contudo, suas lições favoritas eram as línguas. Nos primeiros dias em Sarehole a mãe começou a lhe ensinar os fundamentos do latim, e isso o entusiasmou. Estava tão interessado nos sons e nas formas das palavras quanto em seus significados, e ela percebeu que ele tinha uma aptidão especial para línguas. Mabel começou a lhe ensinar francês. Dessa língua ele não gostou tanto – não havia nenhum motivo especial, mas os sons não lhe agradavam tanto quanto os do latim e do inglês. (CARPENTER, J.R.R. Tolkien- uma biografia, HarpercollinsBrasil, 2018, p.35).

O estudo do latim foi fundamental para formar as bases gramaticais e posteriormente a leitura dos livros clássicos. Foi com esse conhecimento que Tolkien leu na juventude as obras de Homero e Virgilio. O latim foi aprimorado cada vez mais a partir da conversão da mãe do Tolkien ao catolicismo no ano de 1900. Assim, o latim foi importante formação religiosa do Tolkien, uma vez que as missas católicas eram realizadas nessa língua.

Família que adota o homeschooll

Desenhos e música

Ela também tentou despertar seu interesse pelo piano, mas sem sucesso. Para ele, aparentemente, as palavras tomavam o lugar da música: gostava de escutá-las, lê-las e recitá-las, quase sem se importar com o que significavam. Era também um bom desenhista, principalmente quando o tema era uma paisagem ou árvore. (CARPENTER, J.R.R. Tolkien- uma biografia, HarpercollinsBrasil, 2018, p.35).

Tolkien não se tornou um músico. Mas constantemente apreciava escutar músicas clássicas.O próprio legendarium do Tolkien inicia com a criação do Universo e sua relação com a música cantada pelos Ainur em glória a Eru Ilúvatar, o Deus único da Terra-média.

Da mesma forma a habilidade de produzir desenhos foi desenvolvida nessa época. Existem diversas pinturas feitas por Tolkien que demonstram seu estilo próprio de ilustrações. Ele usou essa habilidade inclusive para produzir as imagens coloridas em seu livro O Hobbit.

Árvore de Amalion por Tolkien

Botânica e o encantamento por árvores

O amor pela natureza surgiu nessa época dos estudos em casa. Tolkien vivia em uma região muito bonita (que lembra o condado) e o contato com esse ambiente proporcionou o gosto pelo que é natural. As aulas de botânica que teve com sua mãe ampliaram ainda mais esse gosto.

A mãe lhe ensinou um bocado de botânica, ele foi receptivo e logo ficou bastante versado no assunto. Mas, também nesse caso, ele estava mais interessado na forma e na textura das plantas que em seus detalhes botânicos, especialmente no que dizia respeito a árvores. E, apesar de gostar de desenhar árvores, gostava mais ainda de estar com árvores. Subia nelas, encostava-se nelas e até falava com elas. (CARPENTER, J.R.R. Tolkien- uma biografia, HarpercollinsBrasil, 2018, p.35).

O gosto pela árvores se tornou frequente nas histórias que o Tolkien criou. Tanto que estão presentes com ênfase em O Senhor dos Anéis, O Silmarillion e até mesmo no conto Folha de Niggle, onde havia um pintor fazendo um quadro de uma árvore.

 

As disciplinas estudadas por Tolkien no Homeschooling

Esse ensino praticado trouxe ao Tolkien não apenas o conhecimento formal, mas também uma verdadeira paixão por línguas, que mais tarde ele iria utilizar em todas as suas obras e em sua vida como professor universitário.

A única matéria que Mabel não conseguia dominar muito era na área de exatas. Assim, a tia Jane, irmã de Mabel, foi chamada para dar aulas de geometria para os meninos Ronald e Hilary Tolkien. Mas o pequeno Ronald não desenvolveu o gosto pela área de exatas e não se interessava por matemática. Além disso, havia estudos em ciência, história, astronomia, história natural (especialmente botânica e zoologia), paleontologia (ele gostava das imagens com animais pré-históricos), geologia, gramática e etimologia.

Com base nas biografias e informações adicionais pode-se observar as principais disciplinas estudadas por Tolkien foram as listadas abaixo, sendo bem provável que outras matérias foram adicionadas a elas:

1. Línguas

Gramática
Latim
Alemão
Francês
Etimologia

2.Artes

Caligrafia
Desenhos e pintura
Música
Piano

3.Ciências e matemática

Matemática
Botânica
Zoologia
Astronomia
Paleontologia
Geologia
História

Os livros eram lidos em conjunto com a mãe, ou eram lidos de forma individual como tarefa. Mas havia um laço forte entre os filhos e sua mãe. Uma demonstração do quanto Mabel Tolkien foi uma jovem forte e que acreditava na boa educação de seus filhos.

Além das matérias listadas acima, Mabel fornecia diversos livros para que os meninos pudessem ler como forma de descontração. A leitura desses livros era vista como algo fora do estudo, ou seja, livros de entretenimento. (em um próximo artigo serão tratados quais eram esses livros).

Tolkien em 1901

Educação formal acompanhada do ensino doméstico

Pelo fato de ser viúva e sem uma renda apropriada, Mabel Tolkien precisava ter algum trabalho e teria que deixar os filhos por algum tempo. Foi com o crescimento do Tolkien que Mabel decidiu que ele deveria estudar em uma escola formal. Mabel acreditava que a educação fornecida pela escola de gramática de Birmingham poderia ampliar o que havia ensinado ao Tolkien.

Ao começar os estudos na King’s Edward em 1900, Tolkien ainda assim não deixou de ser acompanhado por sua mãe, que lhe fornecia livros para ler e que, dentro do possível, discutiam alguns assuntos dados na escola.

Infelizmente, Mabel Tolkien foi diagnosticada com diabetes, que na época não havia um tratamento eficaz, e veio a falecer em 1904, deixando os dois filhos Ronald e Hilary Tolkien, agora órfãos de pai e mãe. Antes de morrer, Mabel deixou os filhos aos cuidados de um padre. Ela queria que eles continuassem a seguir sua religião católica. O Padre Francis Morgan assumiu a responsabilidade pela educação dos dois meninos até eles atingirem a maioridade. E foi com ele que Tolkien aprendeu muitas coisas, especialmente um encanto pelas línguas latinas, o espanhol.

A raiz de tudo foi com a mãe do Tolkien, onde ele chegou a afirmar em carta que “é graças a minha mãe que me ensinou (até eu obter uma bolsa na antiga escola de gramática em Birmingham) que eu devo meus gostos por filologia, especialmente línguas germânicas e por romance[5] Pode-se dizer claramente que sem o ensino domiciliar fornecido pela mãe do Tolkien ele não teria desenvolvido as obras literárias que encantaram o mundo.

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Em um próximo artigo será tratado quais os livros Tolkien leu durante esse período de educação domiciliar.

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NOTAS:

[1] Dear rulers…I maintain that the civil authorities are under obligation to compel the people to send their children to school…. If the government can compel such citizens as are fit for military service to bear spear and rifle, to mount ramparts, and perform other martial duties in time of war, how much more has it a right to compel the people to send their children to school, because in this case we are warring with the devil, whose object it is secretly to exhaust our cities and principalities of their strong men. (PERRIN, John William. The History of Compulsory Education in New England, 1896, p.6).
[2] Pertencem a essa classe não só os grandes estadistas, como também todos os grandes reformadores. Ao lado de Frederico, o Grande, figura aqui Martinho Lutero, bem como Ricardo Wagner. (HITLER, Minha Luta, p.159)
[3] Allgemeine Schulpflicht. Im Deutschen Reich besteht allgemeine Schulpflicht. Sie sichert die Erziehung und Unterweisung der deutschen Jugend im Geiste des Nationalsozialismus. Ihr sind alle Kinder und Jugendlichen deutscher Staatsangehörigkeit unterworfen, die im Inlande ihren Wohnsitz oder gewöhnlichen Aufenthalt haben. (Reichsschulpflichtgesetz vom 6. Juli 1938).
[4] Schulzwang. Kinder und Jugendliche, welche die Pflicht zum Besuch der Volks- oder Berufsschule nicht erfüllen, werden der Schule zwangsweise zugeführt. Hierbei kann die Hilfe der Polizei in Anspruch genommen werden. Strafbestimmungen. Wer den Bestimmungen über die Schulpflicht vorsätzlich oder fahrlässig zuwiderhandelt, wird mit Geldstrafe bis zu 150 Reichsmark oder mit Haft bestraft, sofern nicht nach anderen Gesetzen eine höhere Strafe verwirkt ist. (Reichsschulpflichtgesetz vom 6. Juli 1938).
[5] “to my mother who taught me (until I obtained a scholarship at the ancient Grammar School in Birmingham) that I owe my tastes for philology, especially of Germanic languages, and for romance”. (Letters, p. 218).

Biografia, Diversas

A divergência entre J.R.R. Tolkien e Hilaire Belloc

Elmo Anglo saxão

by Eduardo Stark
(tolkienbrasil@gmail.com)

 

Joseph Hilaire Pierre René Belloc, mais conhecido como Hilaire Belloc (1870-1953) é o tipo de escritor que em seu tempo foi considerado e visado por muitos, mas que o tempo não o favoreceu e foi sendo negligenciado e quase esquecido das grandes projeções midiáticas e acadêmicas. Seu nome está intimamente relacionado ao grande escritor G. K. Chesterton. Ambos eram amigos e tinham diversos pontos em comum e ideias que defendiam em especial uma terceira via da economia conhecida como “distributivismo”, como uma alternativa ao capitalismo e ao socialismo. Dentre os fundamentos do Distributivismo estão os ensinamentos dos Papas Leão XIII e Pio XI.

Belloc foi um dos prolíficos escritores na Inglaterra no final do século XX, tendo publicado mais de 150 livros e livretos. Mas também é conhecido por suas diversas profissões como filósofo, orador, poeta, marinheiro, satirista, soldado e político ativista. Além disso, Belloc era católico e graças ao seu auxilio Chesterton se converteu do anglicanismo para o catolicismo por volta de 1922.

Diversos escritos de Belloc tratam sobre história e religião. Não mediu esforços em mostrar as imprudências realizadas durante a Revolução Francesa e suas consequências no mundo contemporâneo. Bem como, escreveu diversos textos para jornais e periódicos sobre a Idade Média.

Belloc era membro do Partido Liberal e se tornou membro do parlamento pelo Salford South. Ele defendia com convicção sua liberdade religiosa até mesmo em sua época de discursos parlamentares. Certa vez, por exemplo, foi questionado se ele era um “papista” (termo pejorativo usado na Inglaterra para aqueles que são católicos). Em resposta, Belloc retirou do seu bolso um rosário e disse: “Sir, sempre que possível eu frequento a Missa todos os dias e me ajoelho e recito com essas contas todas as noites. Se isso te ofende, então eu rezo a Deus que me poupe da indignidade de representá-lo no Parlamento.” [1] A multidão o aplaudiu e Belloc ganhou a eleição. Não foi por outra razão que H.G. Wells certa vez disse sobre Belloc: “Debater com o Sr. Belloc é como discutir com uma tempestade de granizo”.[2]

 

Hilaire Belloc, sua longa barba, seu cachimbo e chapeú. Lembra algum personagem de Tolkien?

 

E qual a conexão de Belloc com J.R.R. Tolkien? Sabemos que Tolkien admirava Chesterton, sendo um leitor contumaz e colecionador de suas obras (veja mais nesse artigo sobre Chesterton e Tolkien clicando AQUI). Da mesma forma, o mesmo pode ser dito em relação a Hilaire Belloc. Segundo Priscilla Tolkien, a filha do autor do Hobbit, seu pai era “aprofundado nos trabalhos de Chesterton e Hilaire Belloc[3]

Alguns estudiosos Tolkienistas atribuem ao Condado o mesmo sistema econômico desenvolvido por Belloc e Chesterton. Entretanto, não há declaração do autor do Hobbit sobre uma possível influência nesse sentido. Até o momento, enquanto novos elementos não surgirem, esse comparativo merece maiores exames e debates.

Na década de 20 do século XX, Oxford estava repleta de grandes mentes. Pessoas que se destacariam em seus campos de atuação de forma tão profunda que se tornariam referências fundamentais para a geração posterior. Além disso, havia intercâmbios, palestras e eventos que buscavam complementar os estudos com intelectuais vindos de toda parte do mundo.

Foi em um desses eventos em Oxford que admiráveis intelectuais estavam sentados na mesma sala: J.R.R. Tolkien, Pe.Ronald Knox, Pe.Martin D’Arcy e Hilaire Belloc.

Ronald Knox (1888-1957) foi um padre católico, escritor de histórias de detetive, e tradutor da Bíblia para o Inglês e o livro A Imitação de Cristo, dentre outros trabalhos com a rádio BBC. Knox era clérigo da Igreja Anglicana e sua conversão à fé católica foi influenciada em parte por G. K. Chesterton, antes mesmo de o próprio Chesterton se tornar católico. Quando Chesterton se converteu em 1922, foi o próprio Knox que influenciou o Chesterton.

Martin Cyril D’Arcy (1888-1976) foi um padre jesuíta católico, importante filósofo e teólogo. Foi amigo de W.H. Auden e Dorothy L.Sayers (ambos amigos e correspondentes de Tolkien). Padre Martin foi autor do livro “The Mind and the Heart of Love” publicado por T.S. Eliot em 1945. D’Arcy foi conhecido na Inglaterra como um dos maiores intelectuais católicos a partir de 1930 até sua morte.

Bernard Shaw, Hilaire Belloc e G.K. Chesterton

Nesse evento, Hilaire Belloc havia sido convidado por Pe.Ronald Knox (que era capelão da Universidade)  para dar uma palestra aos católicos da Universidade de Oxford. Enquanto Belloc falava, sentado diante de Tolkien estava o jesuíta Martin D’Arcy, que registrou o momento em suas memórias:

Em sua palestra, Belloc apresentou um de seus temas favoritos: que os anglo-saxões eram totalmente sem importância na história da Inglaterra. Então, estava presente naquela ocasião um homem que provavelmente era a maior autoridade do mundo em assuntos anglo-saxões e era o professor de história anglo-saxã na época. Atualmente ele é professor de Literatura Inglesa em Oxford. O nome do homem é Tolkien, e ele era um católico muito bom… Bem, Tolkien discordou profundamente de Belloc sobre a questão dos anglo-saxões. Ele estava sentado bem na minha frente e eu o vi se contorcendo quando Belloc vinha com algumas de suas observações mais extremas. Então, durante o intervalo, eu disse a ele: “Oh, Tolkien, agora você tem sua chance. É melhor você enfrentá-lo.” Ele olhou para mim e disse: “Gracious me! Você acha que eu enfrentaria Belloc a menos que eu tivesse todo o meu caso cuidadosamente preparado?” Ele sabia que Belloc sempre tiraria algum fato da manga que o desconcertaria! Então, esse foi um tremendo tributo provavelmente da maior autoridade do mundo naquela época em particular.[4]

Não demorou muito para Tolkien preparar sua resposta ao que Belloc disse. Em 22 de janeiro de 1928, Tolkien leu um artigo chamado “The Chill Barbarians of the North” (Os Gélidos Bárbaros do Norte), em uma reunião da Newman Society em Oxford. Esse artigo ainda é inédito e seu conteúdo ainda desconhecido do grande público. O jornal católico The Tablet apresentou o seguinte registro em 7 de abril de 1928:

O Sr. Tolkien, recém-nomeado professor de anglo-saxão, criticou as opiniões associadas a Belloc e sustentou que a cultura do Norte era tão real quanto o Latim, e que, no que se refere à observação de terras estrangeiras, os romanos eram estúpidos e sem imaginação. Sem dúvida, o fato é que o Norte e o Sul se combinaram para formar nossa civilização; mas sempre pareceu ao escritor que nossa inspiração literária tenha sido Grega, além de nosso próprio sentimento do norte e o encanto com a natureza selvagem que é a antítese do espírito grego ou latino.[5]

Esse é um típico de “duelo” intelectual que surgia naquela época, do qual os verdadeiros ganhadores eram aqueles que conseguiam ver mentes brilhantes em pleno funcionamento. Mesmo tendo semelhanças muito evidentes, como a forte defesa católica e a apreciação pela escrita, Belloc e Tolkien tinham essa diferença de ver a importância dos anglo-saxões.

É interessante a afirmação do Tolkien de que a inspiração literária inglesa tenha sido em boa parte Grega. Ele mesmo utilizou diversos elementos das mitologias gregas em suas histórias, em especial O Silmarillion. O próprio legendarium Tolkieniano é como a combinação do norte e sul que formou a civilização, uma espécie de fusão de diversas mitologias e lendas Grega, Romana, Germânica, Anglo-Saxã e outras.

Após esse incidente, certamente Tolkien não diminuiu a apreciação pelas obras de Belloc. A prova disso é que em 22 de outubro de 1945 Tolkien presenteou seu filho Michael com dois livros de Belloc: Characters of the Reformation (1936) e The Crisis of Our Civilization (1937).

No Brasil existem poucos livros traduzidos de Hilaire Belloc. Os mais conhecidos e recentes são “O Estado Servil” (2017) com tradução de Fausto Machado Tiemann pela editora Danúbio, “As Grandes Heresias” (2009) com tradução de Antônio Emílio Angueth de Araújo pela editora Permanência, e o livro “Como aconteceu a reforma” (2017) com tradução de Luíza Monteiro de Castro Dutra Araújo pela editora Cristo Rei.

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NOTAS:

[1] “Sir, so far as possible I hear Mass each day and I go to my knees and tell these beads each night. If that offends you, then I pray God may spare me the indignity of representing you in Parliament.”

[2] Debating Mr. Belloc is like arguing with a hailstorm.

[3] The J.R.R. Tolkien Companion & Guide, II, Wayne G. Hammond, Christina Scull, p.32

[4] In his talk Belloc came out with one of his pet themes: that the Anglo-Saxons were utterly unimportant in the history of England. Now, there was present on this occasion a man who was probably the greatest authority in the world on Anglo-Saxon subjects and was the professor of Anglo-Saxon history [sic] at the time. He is presently professor of English Literature at Oxford. The man’s name is Tolkien, and he was a very good Catholic …. Well, Tolkien disagreed profoundly with Belloc on the question of the Anglo-Saxons. He was sitting just in front of me, and I saw him writhing as Belloc came out with some of his more extreme remarks. So during the interval, I said to him, ‘Oh, Tolkien, now you’ve got your chance. You’d better tackle him.’ He looked at me and said, ‘Gracious me! Do you think I would tackle Belloc unless I had my whole case very carefully prepared?’ He knew Belloc would always pull some fact out of his sleeve which would disconcert you! Now, that was a tremendous tribute from probably the greatest authority in the world at the time on that particular subject. (Martin C. D’Arcy, Laughter and the Love of Friends: Reminiscences of the Distinguished English Priest and Philosopher, Westminster, Maryland: Christian Classics, 1991, pp. 112-113.)

[5] Mr. Tolkien, the newly appointed Professor of Anglo-Saxon, criticized the views associated with Mr. Belloc and maintained that the Northern culture was quite as real as the Latin, and that so far as observation of foreign lands was concerned the Romans were stupid and devoid of imagination. No doubt, the fact is that North and South have combined to form our civilization; but it has ever seemed to the writer that our literary inspiration has been Greek, apart from our own Northern sentiment and delight in wild nature which is the antithesis of either the Greek or Latin spirit. (The Tablet, University Notes, p. 467).

Biografia, Diversas

Padre Robert Murray, o jesuíta que auxiliou Tolkien em O Senhor dos Anéis

Robert Murray

Comunicamos o falecimento do Padre Robert Murray, jesuíta amigo pessoal de J.R.R. Tolkien, que contribuiu com a critica e revisão de O Senhor dos Anéis. Ele morreu pacificamente em 24 de abril de 2018 na comunidade Corpus Christi Jesuit em Boscombe, após uma breve enfermidade. Ele tinha 92 anos de idade, e foi jesuíta por 68 anos. Segue o obituário publicado originalmente pelo site “Jesuits in Britain” (www.jesuit.org.uk):

Robert nasceu em Peking (hoje Beijing), China, em 8 de junho de 1925, onde seus pais estavam trabalhando como missionários leigos protestantes. Neto de Sir James Murray (o fundador do Oxford English Dictionary), sua mãe morreu quando ele tinha cinco anos de idade, e seu pai se casou novamente. Depois que a família retornou à Inglaterra em 1934, ele foi educado no Eltham College e depois na Taunton School depois que o Colégio se mudou para lá em 1939. No final da Segunda Guerra Mundial, ele estudou persa por um ano na Escola de Estudos Orientais e Africanos. (SOAS), com vista ao serviço de guerra, mas depois passou a tomar uma licenciatura em Greats em Oxford, durante o qual ele foi recebido na Igreja Católica Romana. Esta conversão também é em parte devido à sua amizade com a família Tolkien. Robert tinha a responsabilidade de revisar rascunhos e manuscritos dados a ele por J.R. Tolkien de O Senhor dos Anéis. Ele entrou na Sociedade em 1949 em Roehampton e fez seus primeiros votos dois anos depois. Seguindo os estudos usuais de filosofia e teologia em Heythrop em Oxfordshire, e depois ensinando no St Ignatius College em Stamford Hill, Robert foi ordenado em 1959. Após seu quarto ano de teologia e Terceira provação[1] em Münster, Alemanha, ele obteve um doutorado em patrística. e teologia bíblica na Gregoriana em Roma, especializando em siríaco. Então, em 1963, voltou a lecionar em Heythrop, onde passaria o resto de sua vida profissional. Ele foi um dos que se mudou para Londres em 1970 para restabelecer o Colégio como parte da Universidade de Londres. Ele foi editor do Heythrop Journal de 1971-1983. Robert era capaz de ler 12 idiomas, incluindo aramaico, hebraico, siríaco e persa. Em 1971, ele deu duas palestras na Romênia a convite do Patriarca Ortodoxo, e em 1984, depois de um seminário em Hong Kong, ele pôde visitar a China continental pela primeira vez em mais de 50 anos. Ele foi premiado com um Senior Research Fellowship por Heythrop em 1993, e um honorário Doutorado em Letras em 2004. Em 1992, seu livro The Cosmic Covenant: Biblical Themes of Justice, Peace and the Integrity of Creation (O Pacto Cósmico: Temas Bíblicos de Justiça, Paz e Integridade da Criação) foi publicado, e em 1999, Robert se aposentou de Heythrop, mas continuou como escritor e como membro do Serviço Jesuíta da China. Em 2004, seu livro “Symbols of Church and Kingdom: a study in Early Syriac tradition” (Símbolos da Igreja e do Reino: um estudo na tradição síria primitiva) foi publicado. Ele se mudou para Boscombe em 2010, onde viveu até a sua morte. Que ele descanse em paz.[2]

Padre Robert Murray foi um amigo pessoal do Tolkien desde 1944, quando foi apresentado pela tia de Tolkien. Nessa época Murray era estudante de graduação na Corpus Christi College em Oxford. Em abril de 1945 Tolkien apresentou o Padre Douglas Carter para Robert Murray. E no ano seguinte Murray se juntou a Igreja Católica, devido em parte a sua relação com a família Tolkien. Em 1949, após a graduação Murray se juntou a Companhia de Jesus e foi ordenado em 1959.

Pe. Robert Murray

Robert Murray foi um dos poucos privilegiados que leram os originais de O Senhor dos Anéis antes de sua publicação e apresentou comentários e criticas para Tolkien, especialmente sobre questões teológicas na obra. Murray escreveu que o livro lhe deixara com uma forte sensação de “uma compatibilidade positiva com a ordem da Graça”, e comparou a imagem de Galadriel em relação a Virgem Maria. Um trecho da resposta do Tolkien está na Carta 142, em 2 de dezembro de 1953, onde o autor diz o seguinte:

“O Senhor dos Anéis obviamente é uma obra fundamentalmente religiosa e católica; inconscientemente no início, mas conscientemente na revisão. É por isso que não introduzi, ou suprimi, praticamente todas as referências a qualquer coisa como “religião”, a cultos ou práticas, no mundo imaginário. Pois o elemento religioso é absorvido na história e no simbolismo.Contudo, está expresso de modo muito desajeitado e soa mais presunçoso do que percebo. Pois, na realidade, planejei muito pouco conscientemente; e devo mormente ser grato por ter sido criado (desde que eu tinha oito anos) em uma Fé que me nutriu e ensinou todo o pouco que sei; e isso devo â minha mãe, que se apegou à sua religião e morreu jovem, em grande parte devido às dificuldades da pobreza resultante de tal ato.” (TOLKIEN. As Cartas de J.R.R. Tolkien, 2006)

O Padre Robert Murray comentando a respeito desse trecho da carta de Tolkien disse o seguinte: “A esse testemunho eu acrescento o meu próprio, foi a atração exercida inconscientemente por Ronald Tolkien e sua família que, sob Deus, mais me atraíram para a Igreja Católica em 1946. De muitas conversas conheço a profundidade da fé de Ronald e do sofrimento espiritual pelo qual ele passou”.[3]

Além da carta mencionada acima outras duas foram publicadas. A carta 156 em 4 de novembro de 1954, que trata sobre os magos de O Senhor dos Anéis e a Carta 209, em 4 de maio de 1958, que pede ao Tolkien que trate sobre a palavra “Sagrado” nas línguas Indo-Europeias.

Tendo sido ordenado padre em 31 de julho, em 1 de agosto de 1959 Robert Murray teve sua primeira Missa na St. Aloysius Church em Oxford.  Murray lembrou que Tolkien e seu filho Christopher Tolkien estavam presentes naquele dia, e que o professor estava “em plena vestimenta acadêmica, excitantemente tornando-o desajeitado como um menino”.[4]

A amizade dos Tolkiens com Murray durou ao longo dos anos, até os últimos dias de sua vida. Em agosto de 1973 chegou a almoçar com Tolkien, que no mês seguinte veio a falecer, em 2 de setembro. Em 6 de setembro de 1973, uma Missa Requiem foi realizada para Tolkien na Igreja de St. Anthony of Padua em Headington, Oxford. As orações e leituras foram escolhidas pelo seu filho John, que realizou a missa com a ajuda de Robert Murray e o pároco, Monsenhor Doran. Em 15 de setembro de 1973, foi publicado o obituário de Tolkien no jornal The Tablet, com autoria de Robert Murray.

Após o falecimento de Tolkien. Robert Murray contribuiu com diversas entrevistas sobre Tolkien e colaborou com Humphrey Carpenter na elaboração da biografia autorizada do autor do Hobbit.

Pe. Robert Murray aos 90 anos de idade

 

REFERÊNCIAS:

Hammond, Wayne G. and Scull, Christina, The J.R.R. Tolkien Companion and Guide: Chronology, HarperCollins, 2006.

 TOLKIEN. As Cartas de J.R.R. Tolkien, Arte e Letra, 2006.

Robert Murray S.J.  Disponível em: https://www.jesuit.org.uk/profile/robert-murray-sj Acessado em 27 de Abril de 2018.

MURRAY, Robert. A tribute to Tolkien, The Tablet, 15 de Setembro de 1973.

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NOTAS:

[1] Terceira provação (Tertianship) é a etapa final da formação de um membro da Companhia de Jesus. O padre provincial geralmente convida o jesuíta para iniciar a terceira provação alguns anos após a conclusão de seus estudos, para os irmãos, ou de sua ordenação presbiteral, para os padres. É um tempo de vivência mais intensa da espiritualidade da ordem e de seu estilo de vida. É como um noviciado na maturidade da vida religiosa. Neste período o religioso pratica novamente os trinta dias dos exercícios espirituais de Santo Inácio de Loyola. Esta etapa é acompanhada por um jesuíta maduro denominado instrutor da terceira provação.Após esta experiência há a incorporação definitiva do religioso na Companhia de Jesus por meio dos votos públicos e solenes, chamados na Companhia de últimos votos.

[2] Robert was born in Peking (now Beijing), China, on 8th June 1925, where his parents were working as Protestant lay missionaries. The grandson of Sir James Murray (the founder of the Oxford English Dictionary), his mother died when he was five years old, and his father re-married. After the family returned to England in 1934 he was educated at Eltham College and then at Taunton School after the College was evacuated there in 1939. Towards the end of the Second World War he studied Persian for a year at the School of Oriental and African Studies (SOAS) with a view to war service, but then went on to take a degree in Greats in Oxford, during which time he was received into the Roman Catholic church. This conversion is said to also be partly due to his friendship with the Tolkien family. Robert had the responsibility of proofreading drafts and manuscripts given to him by J.R.R Tolkein of The Lord of the Rings.He entered the Society in 1949 at Roehampton, and took his First Vows two year later.Following the usual studies of philosophy and theology at Heythrop in Oxfordshire, and then teaching at St Ignatius College in Stamford Hill, Robert was ordained in 1959. After his fourth year of theology, and tertianship in Munster, Germany, he gained a doctorate in patristic and biblical theology at the Gregorian in Rome, specialising in Syriac. Then in 1963 he returned to teach at Heythrop, where he was to spend the rest of his working life. He was one of those who moved to London in 1970 to re-establish the College as part of the University of London. He was editor of the Heythrop Journal from 1971-1983.Robert was able to read 12 languages, including Aramaic, Hebrew, Syriac and Persian. In 1971 he gave two lectures in Romania at the invitation of the Orthodox Patriarch, and in 1984, after a seminar in Hong Kong, he was able to re-visit mainland China for the first time in over 50 years. He was awarded a Senior Research Fellowship by Heythrop in 1993, and an honorary Doctorate of Letters in 2004.In 1992 his book The Cosmic Covenant: Biblical Themes of Justice, Peace and the Integrity of Creation was published, and In 1999 Robert retired from Heythrop, but continued as a writer and as a member of the Jesuit China Service. In 2004 his book “Symbols of Church and Kingdom: a study in Early Syriac tradition” was published. He moved to Boscombe in 2010, where he lived until his death.May he rest in peace.

[3] “To this testimony I add my own, that it was the attraction unconsciously exercised by Ronald Tolkien and his family which, under God, did most to draw me to the Catholic Church in 1946. From many conversations I know the depth of Ronald’s faith and of the spiritual suffering through which it sustained him”. (THE TABLET, A tribute to Tolkien, 15 de Setembro de 1973).

[4] “in full academic dress, excitement making him clumsy as a small boy” THE TABLET, A tribute to Tolkien, 15 de Setembro de 1973.

Biografia

Descoberta! Quatro maçons na família de J.R.R.Tolkien

by Eduardo Stark
(tolkienbrasil@gmail.com)

A maçonaria está envolta com histórias de revoluções e mistérios. Figuraram como membros de suas lojas (locais onde os maçons se reúnem) diversas personalidades famosas, como exemplo Voltaire, Diderot, Goethe, Beethoven, Mozart, Victor Hugo, Montesquieu, Benjamin Franklin, George Washington, Mark Twain, Oscar Wilde, Charles Dickens, Arthur Conan Doyle, Charles Chaplin e tantos outros. No Brasil são conhecidos Dom Pedro I, José Bonifácio, Rui Barbosa, Deodoro da Fonseca, Luiz Gonzaga, Tancredo Neves e outros.

Em 26 de abril de 2018, foi publicado pelo blog Tolkniety as informações de que quatro membros da família Tolkien eram maçons, dentre eles o bisavô, um tio e talvez o avô do autor de O Senhor dos Anéis.

A informação é relevante para entender um pouco mais sobre as circunstâncias que levaram Mabel Tolkien e seus dois filhos J.R.R. Tolkien e Hilary Tolkien a serem negligenciados a ponto da jovem viúva morrer sozinha e isolada.

A seguir serão fornecidos mais detalhes sobre essa pesquisa realizada, bem como informações sobre a relação da Igreja Católica e a maçonaria, já que Tolkien era católico. Não será feito juízo de valor sobre essa relação, nem mesmo temas de teoria da conspiração, pois implicaria em um artigo mais extenso. Foram apresentados documentos sobre o tema e ao final alguns argumentos relacionados ao Tolkien e sua família.

 

A Igreja Católica e a Maçonaria

As informações sobre a verdadeira origem da maçonaria no mundo são incertas. Existem diversas teorias e argumentos sobre quando a primeira loja foi criada. Mas em se tratando de instituição mais antiga e ainda existente até os dias atuais, destaca-se a United Grand Lodge of England (Grande Loja Unida da Inglaterra), que tem atualmente mais de quinhentos mil membros pelo mundo. Foi fundada em 24 de junho de 1717 a partir da união de quatro lojas que se encontraram na taverna Goose & Gridiron em Londres.

Não demorou muito para que as lojas pelo mundo se organizassem e tivessem relações políticas diversas. O que originou os primeiros conflitos de interesses, ideologias e religião. Diante disso, em 28 de Abril de 1738, o Papa Clemente XII proibiu que os católicos se associassem a maçonaria, por meio da bula “In eminenti apostolatus specula”.

IN EMINENTI APOSTOLATUS SPECULA, sobre as Sociedades Secretas.

CLEMENTE, bispo, servo dos servos de Deus a todos os fiéis, Saudações e Bênçãos Apostólicas.

1.Tendo-nos colocado a Divina Providência, apesar de nossa indignidade, na cátedra mais elevada do Apostolado, para vigiar sem cessar pela segurança do rebanho que nos tem sido confiado, temos dedicado todos os nossos cuidados, no que a ajuda do alto nos tem permitido, e toda a nossa aplicação tem sido para opor ao vicio e erro uma barreira que detenha seu progresso, para conservar especialmente a integridade da religião ortodoxa [refere-se o Papa à Igreja Católica Romana], e para afastar do Universo católico nestes tempos tão difíceis, tudo o que puder ser para eles motivo de perturbação.

2.Demos conta, e o rumor público não nos permitiu duvidar, que foram formadas, e que se afirmavam dia após dia, centros, reuniões, agrupamentos, agregações ou conventículos, que sob o nome de “Liberi Muratori” ou “Franco-mações” ou sob outra denominação equivalente, segundo a diversidade de línguas, nas quais eram admitidas indiferentemente pessoas de todas as religiões, e de todas as seitas, que com a aparência exterior de uma natural probidade, que ali se exige e se cumpre, estabeleceram certas leis, certos estatutos que as ligam entre si, e que, em particular, os obrigam às penas mais graves, em virtude do juramento sobre as santas Escrituras, a guardar um segredo inviolável sobre tudo o que sucede em suas assembleias.

3.Mas como tal é a natureza humana do crime que se atraiçoa a si mesmo, e que as mesmas preocupações que toma para ocultar-se o descobrem pelo escândalo que não pôde conter, esta sociedade e suas assembleias chegaram a fazer-se tão suspeitas aos fieis, que todo o homem de bem as considera hoje como um sinal pouco equívoco de perversão para qualquer um que as adopte. Se não fizessem nada de mau não sentiriam esse ódio à luz.

4.Por conseguinte, desde há muito tempo, estas sociedades têm sido sabiamente proscritas por numerosos príncipes em seus Estados, já que consideraram a esta classe de gente como inimigos da segurança pública.

5.Depois de uma madura reflexão, sobre os grandes males que se originam habitualmente dessas associações, sempre prejudiciais para a tranquilidade do Estado e a saúde das almas, e que, por esta causa, não podem estar de acordo com as leis civis e canónicas, instruídos por outra parte, pela própria palavra de Deus, que em qualidade de servidor prudente e fiel, elegido para governar o rebanho do Senhor, devemos estar continuamente em guarda contra as gentes desta espécie, por medo a que, a exemplo dos ladrões, assaltem nossas casas, como acontece com as raposas que se lançam sobre a vinha e semeiam por todo o lado a desolação, ou seja, o temor a que seduzam as gentes simples e firam secretamente com suas flechas os corações dos simples e dos inocentes.

6.Finalmente, querendo deter os avanços desta previsão, e proibir uma via que daria lugar a deixar-se ir impunemente a muitas iniquidades, e por outras várias razões de nós conhecidas, e que são igualmente justas e razoáveis; depois de ter deliberado com nossos veneráveis irmãos os Cardeais da santa Igreja romana, e por conselho seu, assim como por nossa própria iniciativa e conhecimento certo, e em toda a plenitude de nossa potência apostólica, resolvemos condenar e proibir, tal como condenamos e proibimos, os sobreditos centros, reuniões, agrupamentos, agregações ou conventículos de Liberi Muratori ou Franco-mações ou qualquer que seja o nome com que se designem, por esta nossa presente Constituição, válida para a perpetuidade.

7.Por tudo o referido, proibimos muito expressamente e em virtude da santa obediência, a todos os fieis, sejam laicos ou clérigos, seculares ou regulares, compreendidos aqueles que devem ser muito especialmente nomeados, de qualquer estado, grau, condição, dignidade ou preeminência que desfrutem, quaisquer que fossem, que entrem por qualquer causa e sob pretexto algum em tais centros, reuniões, agrupamentos, agregações ou conventículos antes mencionados, nem favorecer seu progresso, recebe-los ou oculta-los em sua casa, nem tampouco associar-se aos mesmos, nem assistir, nem facilitar suas assembleias, nem presta-lhes ajuda ou favores em público ou em privado, nem operar directa ou indirectamente por si mesmo ou por outra pessoa, nem exortar, induzir nem comprometer-se com ninguém para fazer adoptar nestas sociedades, assistir a elas nem prestar-lhes nenhuma classe de ajuda ou fomentá-las; lhes ordenamos pelo contrário, absterem-se completamente destas associações ou assembleias, sob a pena de excomunhão, na que incorrerão os infractores que mencionamos pelo simples factos e sem outra declaração; de cuja excomunhão não poderão ser absolvidos mais que por nós ou por o Soberano Pontífice então reinante, que não seja em “articulo mortis”. Queremos ademais e ordenamos que os bispos, prelados, superiores, e o clero ordinário, assim como os inquisidores, procedam contra os infractores de qualquer grau, condição, ordem, dignidade ou preeminência; trabalhem para redimi-los e castigá-los com as penas que mereçam a título de pessoas veementemente suspeitas de heresia.

8.A este efeito, damos a todos e a cada um deles o poder para persegui-los e castiga-los segundo os caminhos do direito, recorrendo, se assim for necessário, ao Braço secular.

9.Queremos também que as cópias da presente Constituição tenham a mesma força que a original, desde o momento que sejam legalizadas ante notário público, e com o selo de uma pessoa constituída em dignidade eclesiástica.

10.Contudo, ninguém deve ser demasiado temerário para atrever-se a atacar ou a contradizer a presente declaração, condenação, defesa e proibição. Se alguém levasse sua ousadia até este ponto, já sabe que incorrerá na cólera de Deus todo-poderoso e dos bem-aventurados apóstolos Pedro e Paulo.

Dado em Roma, na igreja de Santa Maria maior, no ano de 1738 depois da Encarnação de Jesus Cristo, nas 4 calendas de maio. O ano VIII do nosso pontificado.

Clemente XII Papa

Desde o documento do Papa Clemente XII, a lista de documentos da Igreja Católica que proíbem os seus fiéis de serem membros de loja maçônica se tornou vasta. Abaixo está uma lista dos principais documentos publicados por papas (o que exclui as diversas cartas e documentos dos bispos e padres) que proíbem a maçonaria na Igreja Católica em várias ocasiões e organizada em ordem cronológica:

1738: Clemente XII, In eminenti apostolatus

1751: Bento XIV, Providas Romanorum.

1821: Pio VII, Ecclesiam a Jesu Christo.

1825: Leão XII, Quo graviora.

1829: Pio VIII, Traditi humilitati.

1830: Pio VIII, Litteris altero.

1832: Gregório XVI, Mirari vos.

1846: Pio IX, Qui pluribus.

1849: Pio IX, Quibus quantisque malis.

1864: Pio IX, Quanta cura.

1865: Pio IX, Multiplices inter.

1869: Pio IX, Apostolicae Sedis moderationi.

1873: Pio IX, Etsi multa.

1882: Leão XIII, Etsi Nos.

1884: Leão XIII, Humanum genus.

1887: Leão XIII, Officio sanctissimo.

1890: Leão XIII, Dall’alto dell’Apostolico Seggio.

1892: Leão XIII, Custodi di quella fede.

1892: Leão XIII, Inimica vis

1894: Leão XIII, Praeclara gratulationis publicae.

1902: Leão XIII, Annum ingressi.

O Papa Leão XIII foi um forte combatente da maçonaria, tendo feito diversos documentos sobre o tema (como visto na lista acima). Ocorreu até mesmo sua atuação no Brasil, pois durante o período imperial havia muitos padres maçons. Alguns bispos advertiram esses padres da proibição clara do papa em relação a filiação maçônica, porém causou um importante conflito conhecido historicamente como a “Questão Religiosa”. O principal bispo contra a maçonaria foi Dom Vital, bispo de Olinda, que na época foi preso por autoridades imperiais e tempo depois foi solto e acolhido em Roma pelo papa Pio IX. O desgaste entre o imperador Dom Pedro II e a Igreja Católica é apontado como sendo um dos fatores da queda do regime monárquico.

Quando a lei canônica foi codificada no conhecido “Código Canônico de 1917”, as proibições existentes foram mantidas, especialmente no Can. 2335. O católico não pode ser maçom, sob pena de excomunhão:

“Can. 2335: Filiação com Maçonaria ou Sociedades similares. Aqueles que se associam a seita Maçônica ou outras sociedades do mesmo tipo, que tratam contra a Igreja ou contra as legitimas autoridades civis, incorre ipso facto em excomunhão simplesmente reservado à Santa Sé.

Após o Concílio Vaticano II, um novo código canônico foi elaborado em 1983, que omitiu a menção específica à maçonaria, e não mais coloca a pena de excomunhão, apenas o interdito (não receber a comunhão na missa).

Can. 1374: Aquele que se filia a associação que trama contra a Igreja deve ser punido com a penalidade justa, aquele que promove ou participa em tal associação deve ser punido com um interdito.

O último documento oficial de referência é a Declaração sobre a maçonaria, de 26 de Novembro de 1983, assinado pelo então prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, cardeal Joseph Ratzinger, que se tornou depois o Papa Bento XVI. O texto afirma que “permanece imutável o parecer negativo da Igreja a respeito das associações maçônicas, pois os seus princípios foram sempre considerados inconciliáveis com a doutrina da Igreja e por isso permanece proibida a inscrição nelas. Os fiéis que pertencem às associações maçônicas estão em estado de pecado grave e não podem aproximar-se da Sagrada Comunhão”.

Assim, analisando os vários documentos da Igreja Católica, João Evangelista Martins Terra chega a conclusão que “a dupla fidelidade, à Igreja e à maçonaria, ou a dupla moralidade, a cristã e a filantropia maçônica, é impossível para o católico” (Maçonaria e Igreja Católica.p108).

Atualmente a maçonaria e a Igreja Católica, especialmente no Brasil, parecem estar em boas relações institucionais, embora doutrinariamente a divergência ainda permaneça. E embora a proibição do Católico de ser um maçon também ainda exista, muitos pertencem a lojas e frequentam as missas ao domingo.

 

Os Tolkiens e a maçonaria

A maçonaria se tornou forte entre a nobreza inglesa e muitos pertenceram a lojas. Começando pelo príncipe Augustus Frederick, Duque de Sussex que liderou a Grande Loja Unida da Inglaterra no início do século XIX.

Mesmo diante dos conflitos da Igreja Católica com os maçons, no final do século XIX parecia não haver uma forte proibição da Igreja Anglicana em relação aos maçons. Isso por que o próprio sucessor da casa imperial era o grão mestre da Grande Loja Unida da Inglaterra. Albert Edward, Príncipe de Wales liderou a maçonaria inglesa entre os anos de 1874 até 1901, ano em que se tornou o Rei da Inglaterra Edward VII, governando o império britânico até 1910. Certamente grande parte de seus aliados políticos também pertenciam ao grupo. Aliás, o fato de o descendente real ser um maçom certamente levou muitos de seus súditos a ingressarem na maçonaria, provavelmente deva ter sido o caso de alguns dos Tolkiens da época.

O tolkienista Ryszard Derdzinski descobriu, através de documentos liberados pelo site Ancestry, que pelo menos quatro membros da família Tolkien do final do século XIX eram maçons: Henry Tolkien, John Benjamin Tolkien, Frank Neville Tolkien e um outro Tolkien com o primeiro nome incerto.

Henry Tolkien (1814–1885), tio-avô de J. R. R. Tolkien, irmão de seu avô, John Benjamin Tolkien (1807–1896). Ele era um empresário do ramo da música e tinha sua loja na 28 King William Street, Londres. Ele foi iniciado na Grande Loja Unida da Inglaterra com 41 anos de idade em 1 de agosto de 1855. Ele era um membro da Lodge of Confidence (No. 193) em Londres até 1860. Esta Loja foi estabelecida em 1790 e nomeada em 1820. Em 1790 a loja se encontrava em Dolphin, Red Lion Street, em Holborn, Londres. A loja mudou-se para muitas estalagens e tavernas de Londres (nos tempos de Henry Tolkien era o Hotel Anderton, Fleet Street, Londres, Inglaterra), mas agora se encontra no Freemasons’ Hall, na Great Queen Street, em Londres.[1]

 

Henry Tolkien

 

Registro de maçom Henry Tolkien, 1855–1860

 

Como visto, Henry Tolkien era um empresário do ramo da música e sua fama se estendeu por todo o mundo, chegando até mesmo ao Brasil.  No período do Império de Dom Pedro II, havia uma relação comercial intensa com a Inglaterra e muitos objetos de valor eram transacionados. Os pianos Tolkien ficaram conhecidos por sua alta qualidade e podem ser encontrados sendo leiloados nos jornais do império da época.  Há uma menção ao nome de Henry Tolkien no Jornal do Commercio de 22 de março de 1859, informando que estava sendo leiloado um piano feito por ele. Entre a elite brasileira era comum se tornarem membros de lojas maçônicas, um exemplo evidente era o próprio José Bonifácio, Rui Barbosa e o Barão de Mauá. Veja mais informações sobre essas informações AQUI.

 

John Benjamin Tolkien (1845–1883), meio tio de J. R. R. Tolkien, meio irmão de Arthur Tolkien. Ele era um empresário do ramo da música em Birmingham, afinador, repórter de jornal e compositor. De 21 de março de 1871 (quando ele foi iniciado) até 1881 ele foi membro (Senior Warden) da Lodge of Perseverance (No.573) em Halesowen, Worcester (nos tempos de John Benjamin Tolkien era no Shenstone Hotel em Halesowen). [2]

Registro de maçom de John Benjamin Tolkien, 1771–1881

Frank Neville Tolkien (1884-1966), engenheiro de Castleton, filho de Henry Alfred Tolkien, neto de Septimus Tolkien, irmão mais novo do avô de J. R. R. Tolkien. Então, Frank Neville Tolkien era primo distante de J. R. R. Tolkien. Sua data de iniciação foi em 26 de fevereiro de 1908. Ele era um membro da Loja St. Martin’s em Castleton (No. 2320), que tinha seu lugar na Church Inn, Castleton, perto de Manchester, Lancashire. Ele renunciou em No. 2320 em novembro de 1912, mas se juntou a outra “Lodge of Coronation” (No. 3479) em Blackburn. Frank Neville Tolkien pertenceu a ela até pelo menos 1921 e frequentou o Masonic Hall em Blackburn, Lancashire.[3]

Frank Neville Tolkien, maçom 1908–1912

 

O avô de J.R.R. Tolkien foi um maçon?

O pesquisador Ryszard Derdzinski não encontrou informações diretas sobre o avô de Tolkien, mas há fortes indícios de que ele também fosse um maçon. Como aponta:

Tolkien desconhecido – nós o conhecemos em The Freemason’s Chronicle, v. 43-44, 1896, p. 72, que registra a presença de um Tolkien junto com vários outros Irmãos no dia esportivo do Hertford County College. É bem possível que tenha sido o pai de Arthur Reuel Tolkien, John Benjamin Tolkien, porque o dia esportivo aconteceu no sábado, dia 25 de julho.[4]

E ainda ampliando a discussão sobre a possibilidade do avô de Tolkien ser um maçom:

Encontrei uma informação interessante em The Freemason’s Chronicle (17 de abril de 1875, p. 247). Sugere que John Benjamin Tolkien, o pai de Arthur Tolkien e o avô de J.R.R.Tolkien, da Music Warehouse em 87 New Street, Birmingham publicou a música de seu filho (“Brother John Tolkien S.W. 573”) intitulada “United Ever – New Masonic Song” dedicado a M. W. Grande Mestre Provincial de Warwickshire e Worcestershire. Como podemos ver, a família do pai de J. R. R. Tolkien era maçonicamente inclinada (o avô do professor tinha um irmão e filho maçom!).[5]

Registro do informe em que menciona a música “United Ever – New Masonic Song” pelos tolkiens.

 

Certamente novos estudos devem ser feitos em relação a comprovação de que o avô do Tolkien fosse um maçon, porém as evidências são bem contundentes, tendo em vista que um de seus filhos (meio-tio do Tolkien) e o seu irmão eram membros de lojas maçônicas. E é algo comum entre os maçons compartilhar as ideias e participação entre as famílias.

 

Mabel Suffield (Tolkien) e sua relação com os Tolkiens maçons

 

A informação de que os antepassados de Tolkien eram maçons parece ser interessante para juntar o quebra cabeça da época que a mãe de Tolkien ainda estava viva. Como visto acima, no final do século XIX ocorreu uma série de atritos entre a maçonaria e a Igreja Católica. Mabel viveu justamente no momento em que o Papa Leão XIII atuava contra a maçonaria em todo o mundo e os conflitos eram constantes.

Mabel Suffield, que acrescentou o nome Tolkien do seu marido Arthur Tolkien, por volta de 1900 se converteu ao catolicismo e junto com ela seus dois filhos J.R.R. Tolkien e Hilary Tolkien. A consequência disso foi grave. Nenhum dos lados da família desejava acolher abertamente os dois meninos e a viúva. Ser Católico no final do século XIX era se tornar uma minoria religiosa e discriminada.

Dessa forma, Mabel Tolkien nadava contra a corrente ideológica e religiosa de sua época. Havia se convertido ao catolicismo em um país cuja maioria era protestante (Anglicano) e em 1901 assumia o trono da Inglaterra o Rei Edward VII, que foi até então grão mestre maçom da Grande Loja Unida da Inglaterra.

A descoberta referida pode colocar mais um ponto de entendimento sobre os reais motivos do abandono familiar da mãe de Tolkien. Diversas hipóteses surgem diante disso. As divergências entre maçonaria e Igreja Católica na época podem ter influenciado ainda mais na decisão dos Tolkiens em evitar aproximar-se dos pequenos John e Hilary. Ou mesmo, a própria Mabel Tolkien poderia ter se afastado mais dos Tolkiens, tendo em vista a excomunhão da Igreja Católica em relação aos maçons.

Além disso, a aproximação de Mabel Tolkien com o Padre Francis Morgan pode ter relação com esses fatores. O clérigo era membro da Companhia de Jesus, que era um braço forte da Igreja Católica contra a maçonaria da época. Diante das dificuldades, e do abandono dos familiares, Mabel acabou falecendo quase que isolada. Coube ao Padre Francis Morgan se tornar o tutor dos dois meninos Tolkien.

Dessa forma, as possíveis respostas em relação ao tema podem ser assim colocadas, de forma resumida:

  1. O fato dos Tolkiens terem membros maçons pode ter contribuído ainda mais com o isolamento de Mabel e seus filhos em relação a eles. Tendo em vista a época de atritos entre a Igreja Católica e a maçonaria.
  2. A iniciativa de distanciamento pode ter partido da própria Mabel Tolkien, observando a proibição da Igreja na época e a excomunhão dos maçons.
  3. O Padre Francis Morgan pode ter tido alguma relação em instruir Mabel Tolkien sobre o tema. Ele era um Padre Jesuíta, o que na época representava quase que um inimigo natural da maçonaria.
  4. Outra hipótese é a de que Mabel não chegou a se quer saber dessa participação dos Tolkiens com a maçonaria. Tendo em vista que a vinculação a essa instituição era bem mais reservada do que é atualmente, pode ser que ela não chegou a saber disso.

O tema pode levantar ainda mais possibilidades e que precisa ser melhor investigado. Talvez novos documentos, cartas ou registros possam trazer maiores informações. O que se sabe até o momento é que a escolha de Mabel Tolkien em ser católica foi um fator determinante para seu isolamento familiar. Os motivos até então foram religiosos, tendo em vista que seus parentes os Suffields e os parentes de seu marido os Tolkiens, ambos eram fortemente protestantes.

Embora não seja o objeto do presente artigo, é sempre bom ressaltar que J.R.R. Tolkien não foi um maçom e não teve a intenção de se juntar a nenhum grupo do tipo. Ele era um católico tradicional, o que implica em uma forte oposição a ideias contrárias a Igreja. Como visto acima, foi e ainda é proibido ao católico ser membro da maçonaria. Contudo, certamente se for descoberto algo novo e que revela essa nova perspectiva da vida de Tolkien será explorado em outro artigo.

É importante ressaltar que Tolkien teve pouco contato com seu avô, o que impossibilitou uma influência no sentido de se tornar um membro de loja.  Tolkien foi criado por sua mãe na infância e na juventude pelo Padre Francis Morgan, que foi o seu tutor após a morte de Mabel Tolkien.

Segundo o próprio Tolkien: “devo mormente ser grato por ter sido criado (desde que eu tinha oito anos) em uma Fé que me nutriu e ensinou todo o pouco que sei; e isso devo â minha mãe, que se apegou à sua religião e morreu jovem, em grande parte devido às dificuldades da pobreza resultante de tal ato.” (TOLKIEN. As Cartas de J.R.R. Tolkien, 2006)

Certamente Tolkien teve muitos colegas e amigos que eram professores de Oxford e que foram membros de lojas maçônicas ou de sociedades secretas. Um deles é o conhecido Charles Williams, que chegou a frequentar organizações como a Ordem da Golden Down. Porém, Williams era mais próximo de C.S. Lewis, e o que se sabe é que Tolkien não gostava muito e pouco conversava com Charles Williams, embora não o tratasse com desdenho.

Sugestões ou comentários que vinculam às obras de Tolkien a maçonaria são, em geral, meramente especulativos ou mesmo confundem as fontes judaico-cristãs usadas para a obra de O Senhor dos Anéis com fontes maçônicas, que em princípio tiveram também entre suas fontes a religião cristã.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

DERDZINSKI, Ryszard. Four Freemasons in J.R.R. Tolkien’s Family: http://tolkniety.blogspot.com.br/2018/04/four-freemasons-in-jrr-tolkiens-family.html Publicado em: 26 de abril de 2018. Acessado em: 26 de abril de 2018.

MARTINS TERRA, João Evangelista. Maçonaria e Igreja Católica. Editora Santuário, Aparecida, 1996.

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NOTAS:

[1] Henry Tolkien (1814–1885), great-uncle of J. R. R. Tolkien, brother of his grandfather, John Benjamin Tolkien (1807–1896). He was a music dealer and he had his shop at 28 King William Street, London. He was initiated to the United Grand Lodge of England in the age of 41 on 1 August 1855. He was a member of the Lodge of Confidence (No. 193) in London till 1860. This Lodge was established in 1790 and named in 1820. In 1790 the lodge met at the Dolphin, Red Lion Street, Holborn, London. The lodge moved to many inns and taverns around London (in the times of Henry Tolkien it was Anderton’s Hotel, Fleet Street, London, England) but it now meets at Freemasons’ Hall, Great Queen Street, London.

[2] John Benjamin Tolkien (1845–1883), J. R. R. Tolkien’s half-uncle, half-brother of Arthur Tolkien. He was a music dealer in Birmingham, a tuner, a newspaper reporter and a composer. From 21 March 1871 (when he was initiated) to 1881 he was a member (Senior Warden) of the Lodge of Perseverance (No. 573) in Halesowen, Worcester (in the times of John Benjamin Tolkien it was in the Shenstone Hotel in Halesowen).

[3] Frank Neville Tolkien (1884–1966), an engineer from Castleton, son of Henry Alfred Tolkien, grandson of Septimus Tolkien who was J. R. R. Tolkien’s grandfather’s younger brother. So Frank Neville Tolkien was J. R. R. Tolkiens distant cousin. His date of initiation was 26 February 1908. He was a member of St Martin’s Lodge in Castleton (No. 2320) which had its place at Church Inn, Castleton, near Manchester, Lancashire. He resigned in No. 2320 in November 1912 but joined another Lodge of Coronation (No. 3479) in Blackburn. Frank Neville Tolkien belonged to it until at least 1921 and he attended Masonic Hall in Blackburn, Lancashire.

[4] Unknown Tolkien – we know him from The Freemason’s Chronicle, v. 43-44, 1896, p. 72 which records the presence of a Tolkien along with several other Brothers at the sports day of Hertford County College. It is quite possible that it was Arthur Reuel Tolkien’s father, John Benjamin Tolkien because the sports day took place on Saturday 25th July.

[5] I have found an interesting information in The Freemason’s Chronicle (17 April 1875, p. 247). It suggests that John Benjamin Tolkien, J.R.R. Tolkien’s grandfather (Arthur Tolkien’s father) from Music Warehouse at 87 New Street, Birmingham published his son’s (“Brother John Tolkien S.W. 573”) “United Ever – New Masonic Song” dedicated to M. W. Provincial Grand Masters of Warwickshire and Worcestershire. As we can see the family of J. R. R. Tolkien’s father was Freemason-inclined (Professor’s grandfather had a Freemason brother and son!).

Biografia

Tolkien entres ateus e agnósticos

 

by Eduardo Stark
(tolkienbrasil@gmail.com)

O ser humano é o único ente vivo que consegue compreender a sua própria existência de um ponto de vista racional. Isso nos leva a pensar sobre a possibilidade de que não estaríamos isolados no mundo, mas que algo além desse plano físico poderia existir. É nesse ponto que se divide as ideias entre aqueles que têm convicção sobre a existência de alguma transcendência e aqueles que consideram apenas o mundo material como a realidade.

O escritor J.R.R. Tolkien tem diversos leitores espalhados por todo o mundo. Isso implica ter diferentes opiniões sobre o que se considera como sendo a verdade. Pessoas de todas as crenças leem as obras do Hobbit e O Senhor dos Anéis e conseguem ter o prazer literário, sem se incomodar com controvérsias religiosas. Foi justamente essa a intenção do autor ao dizer que o livro de O Senhor dos Anéis não tinha motivação política, religiosa, educacional, moral ou econômica (veja mais AQUI). A ideia é que os livros devem ser lidos com o propósito de entretenimento e, se possível, proporcionar uma maior elevação intelectual ao leitor.

Não é segredo que Tolkien era um católico devoto e tradicional (veja mais AQUI), o que se deduz que ele acreditava nos ensinamentos da Igreja Católica registrados nos últimos dois mil anos. E certamente a religião teve influência direta em suas obras em muitos aspectos. E ainda, se o leitor deseja um conhecimento mais aprofundado sobre as obras, especialmente sobre as fontes e origem dos textos, é necessário um conhecimento sobre a religião cristã, especificamente católica.

A controvérsia surge quando um leitor se incomoda com esse aspecto pessoal do autor. Ou mesmo se sentem constrangidos diante de textos que evidenciam o catolicismo na obra de Tolkien. Esse tipo de incomodo surge com premissas equivocadas ou mesmo preconceito em relação à Igreja Católica. Há leitores que ao descobrir a religião de Tolkien chegam a abandonar a leitura da obra tendo em vista isso. Ora, se fossemos observar aspectos pessoais de cada livro do passado, e não aproveitarmos o que a obra se propõe, poucos seriam os livros proveitosos. Como exemplo, teríamos que ignorar as descobertas de Galileu, Isaac Newton por serem cristãos? Ou evitaríamos escutar músicas de Mozart, Bach e Beethoven por serem compositores com fé religiosa cristã? Na verdade, seria preciso ignorar praticamente todos os grandes escritores anteriores ao século XX se levarmos em conta que eram religiosos.

As obras de Tolkien devem ser apreciadas da melhor forma possível, como uma obra de arte em seu sentido próprio. Aqueles que não compartilham da mesma crença do autor podem aproveitar e se deleitar com as obras livremente. É como se estivesse escutando uma música muito bela, com uma letra sutil tratando sobre religião. Ainda seguindo os exemplos dos compositores citados acima, temos a música “Benedictus qui venit in nomine domini[1]. Ao menos três dos grandes compositores elaboraram melodias para essas palavras: Bach, Beethoven e Mozart. Devemos ignorar essas belas músicas por se tratarem de algo religioso? Ao escutar a música não se questiona sobre a vida pessoal do compositor. Apenas se escuta e a aprecia por ser algo belo. Agora, aquele que desejar se aprofundar e entender do que se trata a letra da música, qual o seu contexto e fundo religioso, terá certamente que buscar referências. É esse o comparativo que se aplica a obra de Tolkien. É possível que o leitor se divirta, mas para alcançar o entendimento da obra é preciso buscar as fontes do autor, nelas incluindo fortemente sua religião.

Se os livros do Tolkien de alguma forma são responsáveis por auxiliar a conversão do individuo de uma não crença para uma crença, certamente é algo que iria agradar o autor, porém, não foi claramente o seu objetivo. A ideia é que os livros sejam apreciados da melhor forma possível, porém, a interpretação religiosa é algo que o Tolkien considerava muito mais elevada do que ele poderia imaginar. Para Tolkien os aspectos religiosos estavam tão superiores a sua obra que considerava um elogio não merecido ter essas comparações.

Nesse ponto, aquele que não pratica a mesma religião que Tolkien pode seguir o motivo que ele deu ao escrever os livros: “O motivo principal foi o desejo de um contador de histórias de tentar fazer uma história realmente longa, que prendesse a atenção dos leitores, que os divertisse, que os deliciasse e às vezes, quem sabe, os excitasse ou emocionasse profundamente”. (Prefácio, 2ª edição do Senhor dos Anéis). Mas, caso seja necessário um aprofundamento e a busca de maior entendimento da obra, entender a religião do autor é algo de grande importância: “se assim posso dizer, com humildade, a religião cristã (que eu professo) é, de longe, a mais poderosa fonte suprema, num plano inferior: o meu interesse linguístico é a força mais poderosa”. (Em carta para L.M. Cutts, em 26 de outubro de 1958).

Os argumentos acima foram utilizados especialmente para as obras do Tolkien que tem relação com o seu Legendarium. Ele também escreveu sobre temas religiosos propriamente, porém, sempre com aspectos técnicos de sua profissão de filólogo e de linguista. Ele não se considerava um teólogo e não tinha a pretensão de ser.

J.R.R. Tolkien, professor de Oxford e autor do Hobbit e O Senhor dos Anéis

 

Tolkien entre ateus e agnósticos

É fato que a propagação do ateísmo e agnosticismo é um fenômeno recente na história da humanidade. Especialmente no final do século XIX, escritores ateístas se notabilizaram no mundo, como exemplo Karl Marx e Sigmund Freud. Este último foi fortemente combatido por C.S. Lewis, amigo de Tolkien, em seus diversos livros e escritos (veja mais AQUI). Tolkien foi um professor universitário no início do século XX, justamente quando os primeiros ateus surgiam. Naquele tempo a ideia de valorização da ciência estava em ascensão e isso gerava muitos debates e professores convictos da inexistência de Deus. Havia até mesmo certa ridicularizarão dos intelectuais em relação a escritores muito religiosos. Com as duas guerras mundiais isso foi se ampliando cada vez mais e a descrença era frequente no âmbito universitário.

Era comum Tolkien conviver com professores de Oxford que eram ateus. Dentre seus próprios amigos pessoais havia aqueles que não acreditavam em Deus. Começando por C.S. Lewis, que chegou a Oxford como ateu convicto e foi persuadido por Tolkien a ser cristão. Lewis se tornou um dos grandes apologistas cristãos do século XX e em muitos de seus escritos utiliza ideias que o Tolkien havia utilizado para convertê-lo. Além disso, vários membros do grupo dos Inklings discutiam abertamente temas religiosos e Tolkien estava sempre pronto para defender as ideias e a fé católica.

Havia alunos de Tolkien que não acreditavam na existência de Deus. O fato de serem descrentes não o impedia de compartilhar com eles conhecimentos e diversões.  Nesse aspecto, Tolkien era um acadêmico e uma pessoa tolerante com ideias diferentes, mesmo que elas fossem totalmente incompatíveis com o que ele acreditava. Além disso, Tolkien não se considerava um teólogo e entendia que cabia a Igreja Católica exercer o magistério sobre os preceitos de fé. Como bom católico, ele assimilava e praticava sua religião com dedicação.

Grande parte dos professores que tinham alguma religião em Oxford mantinham suas práticas de fé em âmbito privado. Não era interessante usar o cargo da Universidade para realizar proselitismo. Nesse ponto, C.S. Lewis foi uma exceção forte. Sendo uma voz que tratava sobre o cristianismo em seus diferentes enfoques e publicamente o defendia em livros e palestras. Essa liberdade de Lewis era derivada de sua personalidade forte e pelo fato de não ter compromissos famílias (não teve filhos e se casou apenas no final de sua vida).

Tolkien e C. S. Lewis

Diferentemente, Tolkien tinha esposa e filhos pequenos e a prudência era seu caminho para evitar maiores problemas em um país de predominância religiosa anglicana. Então, raramente podia-se ver o autor do Hobbit em longos debates teológicos com outros professores de Oxford. Isso era realizado com amigos próximos e visitas a sua casa, predominantemente em âmbito privado. O “ativismo Católico” de Tolkien era exercido de outra forma, especialmente em vários grupos que ele participava, como a Henry Newman Association. (veja um exemplo de ativismo do Tolkien AQUI).

Além disso, Tolkien se dedicava a academia. Ele era um professor de anglo-saxão e não um teólogo e propagador de sua fé diretamente. Segundo Tolkien a Filologia era parte de seu trabalho e gostava muito, mas nunca teve a ideia que “fosse necessária para a salvação” (Valedictory Adress, in The Monster and Critics, p. 225).[2] Contudo, Tolkien defendia que existia a vocação para ser professor e que isso talvez fosse até algo religioso: “A devoção ao ‘ensino’, como tal e sem referência à própria reputação, é uma vocação elevada e até de certa forma espiritual.[3] (Carta 250 para Michael Tolkien). Dessa forma, o uso do cargo para finalidades de propaganda religiosa não parecia ter sido bem vinda, tendo em vista o aspecto técnico e acadêmico, porém, Tolkien compreendia o próprio ato de ser professor como uma vocação espiritual. Certamente, aqueles que o procuravam e conversavam sobre o tema encontravam em Tolkien muitos argumentos para se converter ou esclarecer sobre a fé católica.

 

A descrença e a conduta cristã diante de escândalos

Mas o que J.R.R. Tolkien diria a quem tem a fé abalada? Será que Tolkien teve seus momentos de dúvida? Como um católico deve se comportar diante de escândalos?

Na carta para Michael Tolkien de 1 de novembro de 1963, o professor ensina sobre a questão da fé ao seu filho. Tolkien tinha uma imensa preocupação de que seus filhos deixassem a Igreja Católica. Ele até se culpava de uma negligência em relação a eles. A carta está publicada com o número 250 no livro As Cartas de J.R.R. Tolkien.  O tema central desse ponto é que o filho do Tolkien parecia estar com a fé abalada diante de algum escândalo na Igreja Católica da época e coube ao seu pai explicar como se deveria comportar diante disso:

….você fala de “fé alquebrada”. Essa é completamente outra questão: em último caso, a fé é um ato de vontade, inspirado por amor. Nosso amor pode ser esfriado e nossa vontade desgastada pela demonstração de deficiências, tolice e até mesmo pecados da Igreja e seus ministros, mas não acredito que alguém que já teve fé retroceda por essas razões (menos de todos alguém com qualquer conhecimento histórico). (Carta 250 Para Michael Tolkien, 1 de novembro de 1963)

Nesse contexto, muitos Católicos abalavam sua fé em relação à Igreja ou mesmo a abandonavam ao verem escândalos envolvendo membros do clero. Tolkien ensina ao seu filho que isso não é uma justificativa razoável para aquele que realmente entende ou entendeu a sua fé. Porém, sentir-se triste e desconsolado diante de notícias ruins é algo considerado normal, como se fosse um amor abalado diante de algo desagradável no relacionamento. O próprio Tolkien afirma ter tido seus momentos de sua vida que não se dedicou como gostaria a Igreja.

…apaixonei-me pelo Sagrado Sacramento desde o início — e pela misericórdia de Deus nunca deixei de amá-lo: mas, infelizmente, de fato não vivi de acordo com ele. Criei vocês mal e conversei muito pouco com vocês. Por iniquidade e preguiça quase deixei de praticar minha religião — especialmente em Leeds e na 22 Northmoor Road. Para mim não o Cão de Caça do Céu, mas o incessante apelo silencioso do Tabernáculo e a sensação de fome insaciável. Lamento aqueles dias amargamente (e sofro por eles com toda paciência que posso ter); principalmente porque falhei como pai. (Carta 250 Para Michael Tolkien, 1 de novembro de 1963)

Fica evidenciado que Tolkien nunca chegou a ser ateu. Mas que teve alguns momentos que ele considerava não estar praticando bem sua religião. Talvez um dos momentos mais íntimos do pai em relação ao filho esteja expresso nesse parágrafo. O Tolkien afirma ao Michael que não se considerava um bom pai, por justamente não ter tido tempo suficiente para educa-lo na fé da Igreja. Fato é que Tolkien foi um católico considerado até ‘escrupuloso’, do tipo que frequentava a missa mais de uma vez por semana e sempre se confessava e a carta parece demonstrar o quanto o Tolkien era uma pessoa humilde e autocrítica, não se considerando um grande exemplo de fé.

O curioso é que Tolkien se considerava um pai que falhou. Mas escreveu diversos livros infantis para os filhos e frequentemente chegava a lê-los. Como exemplo, Roverandom, Mr. Bliss, Mestre Gil de Ham, As Cartas de Papai Noel. E especialmente o livro O Hobbit, que foi escrito para seus filhos lerem e foi publicado em 1937. O temor de Tolkien se expressa no sentido de seus filhos deixarem a fé católica. Ele agora rezava e pedia a Deus para que seus filhos fossem seguidores fiéis. Mas é importante ressaltar que o filho mais velho dele, John Francis Tolkien, se tornou padre jesuíta, o que demonstra que não foi uma educação cristã tão negligenciada como o autor do Hobbit imaginava.

Ainda tratando sobre a fé que pode ser abalada, Tolkien deixa claro que essa tentação em não acreditar é algo presente no ser humano e isso pode se ampliar diante de casos polêmicos na Igreja. Contudo, esses escândalos não podem ser motivo suficiente para abandonar a fé.

É conveniente porque tende a desviar nossos olhos de nós mesmos e de nossas falhas para encontrar um bode expiatório. Mas o ato de vontade de fé não é um único momento de decisão final: é um ato — estado permanente indefinidamente repetido que deve continuar — de modo que oramos pela “perseverança final”. A tentação à “descrença” (que realmente significa rejeição de Nosso Senhor e de Suas afirmações) está sempre lá dentro de nós. Parte de nós anseia em encontrar uma desculpa para tal fora de nós. Quanto mais forte a tentação interna, mais fácil e severamente ficaremos “escandalizados” com os outros. Creio que sou tão sensível quanto você (ou qualquer outro cristão) aos “escândalos”, tanto do clero quanto da laicidade. (Carta 250 Para Michael Tolkien, 1 de novembro de 1963)

Ainda nessa mesma carta, em um momento de clamor, Tolkien demonstra sua fé ao filho e pede que ele jamais abandone a religião: “Agora rezo por todos vocês, incessantemente, para que o Curador cure meus defeitos e que nenhum de vocês jamais deixe de dizer Benedictus qui venit in nomine Domini”.

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NOTAS:

[1] A frase citada por Tolkien “Benedictus qui venit in nomine Domini” significa “Bendito o que vem em nome do Senhor” e é parte do Sanctus, um hino da liturgia cristã da Igreja Católica (embora a Igreja Ortodoxa e Anglicana também utilizem a expressão).

[2] Philology was part of my job, and I enjoyed it. I have always found it amusing. But I have never had strong views about it. I do not think it necessary to salvation. (Valedictory Address, 225)

[3] The devotion to ‘learning’, as such and without reference to one’s own repute, is a high and even in a sense spiritual vocation”

Biografia, Sobre Livros

Papa Francisco reconhece o “erro” que Tolkien apontou na tradução do ‘Pai Nosso’ em Inglês

 

by Eduardo Stark
(tolkienbrasil@gmail.com)

O chamado “Pai Nosso” é conhecido como a oração mais importante ensinada por Jesus Cristo aos seus discípulos e que é repetida até os dias de hoje por Igrejas por todo o mundo. O problema começa quando justamente se pretende traduzir a oração em diversas línguas. Algumas delas podem conter “erros teológicos” que poderiam ser corrigidos com uma tradução mais equilibrada.

Em entrevista concedida em Dezembro de 2017, o Papa Francisco se manifestou quanto a tradução do Pai Nosso em versão do inglês, dizendo que havia imprecisões quanto a tradução que poderiam levar a erros teológicos. É justamente nesse sentimento que o Papa Francisco concorda com J.R.R.Tolkien, em um de seus estudos linguísticos realizado há mais de oitenta anos atrás sobre a tradução do Pai Nosso para o Inglês.

A seguir trataremos do tema das traduções do Pai Nosso visando contextualizar a ideia do Papa Francisco e em seguida apresentar a relação com o ensaio escrito por J.R.R. Tolkien sobre a tradução do Pai Nosso para a língua Inglesa.

O Pai Nosso e suas traduções

No sexto capítulo do Evangelho de Mateus, Jesus Cristo ensina aos seus seguidores como se deve realizar uma oração a Deus. Trata-se de um momento solene e de característica individual, onde o ser humano pode dirigir seus pedidos com reverência ao criador. Há uma crítica aos chamados hipócritas que usam da oração para se exibir a terceiros, mostrando em público como estão orando e como são fiéis a Deus. Dessa forma, é ensinado por Jesus que a oração deve ser um ato de humildade e que seja realizado em segredo: “quando orares, entra no teu quarto e, fechando a porta, ora a teu pai que está lá, no segredo; e teu Pai, que vê no segredo, te recompensará”.

Em seguida, o livro de Mateus apresenta o seguinte texto:

 “Nas vossas orações não useis de vãs repetições, como os gentios, porque imaginam que é pelo palavreado excessivo que serão ouvidos. Não sejais como eles, porque vosso Pai sabe do que tendes necessidade antes de lho pedirdes. Portanto, orai desta maneira: Pai nosso que estás nos céus, santificado seja o teu Nome, venha o teu Reino, seja feita a tua vontade, na Terra como no Céu. O pão nosso de cada dia dá-nos hoje. E perdoa-nos as nossas dívidas, como também nós perdoamos aos nossos devedores, E não nos submetas à tentação, mas livra-nos do Maligno”.

O texto em português utilizado acima foi retirado da Bíblia de Jerusalém e logo em suas notas ao versículo “E não nos submetas à tentação”, pode ser lido o seguinte:

“A tradução proposta é equivocada. Deus nos submete à prova, mas não tenta ninguém (Tg 1,12; 1Cor 10,13). O sentido permissivo do verbo aramaico, utilizado por Jesus, “deixar entrar” e não “fazer entrar”, não foi traduzido pelo grego e pela Vulgata. Desde os primeiros séculos, muitos manuscritos latinos substituem “Ne nos inducas” por “Ne nos patiaris induci”. Pedimos a Deus que nos livre do tentador e suplicamos a ele a fim de não entrar em tentação (cf. Mt 25,41), isto é, a apostasia”.

A nota da Bíblia de Jerusalém resume toda a controvérsia. O evangelho de Mateus foi escrito originalmente em língua Aramaica, sendo o sentido diverso do que foi feito na tradução para o Grego. Posteriormente, São Jerônimo traduziu a Bíblia do grego antigo para o Latim, na conhecida Vulgata Latina, e nesse processo manteve o mesmo sentido da versão em Grego e não no sentido aramaico. A Vulgata Latina se tornou a tradução mais utilizada pelos tradutores posteriores, sendo a Bíblia com grande número de cópias. O versículo em questão utiliza a sentença “et ne nos inducas in tentationem” que é uma tradução do grego “καὶ μὴ εἰσενέγκῃς ἡμᾶς εἰς πειρασμόν” (kai me eisenenkeis hemás eis peirasmón), que seria traduzido como “E não nos induzas à tentação”.

As primeiras traduções do Pai Nosso para as línguas comuns (as línguas que não eram o latim), foram sendo realizadas por escribas medievais com base na Vulgata Latina. Existem várias traduções para o Inglês antigo e nenhuma é considerada oficial pela Igreja Católica. Eram feitas com a pretensão de trazer o entendimento dos fiéis ingleses.

No período Medieval, inicialmente temos a versão em gótico “Yah ni briggais uns in fraistubbnyai” (E não nos leve à tentação), em Anglo-Saxão, por volta de 995 como exemplo “And ne gelæd ðū ūs on costnunge”[1] (E não guia-nos à tentação) e também o mesmo verso “Ne læt usic costunga cnyssan to swiðe”[2] e diversas em Inglês Médio.

Chama atenção a tradução realizada pelo Rei Alfred de Wessex, conhecido como um dos maiores reis dos Anglo-saxões que resistiu a invasão dos Vikings à Bretanha. É uma das traduções mais antigas nessa língua e data de 875. A versão tomou como base a Vulgata Latina:

Fæder ure þu þe eart on heofonum;
Si þin nama gehalgod
to becume þin rice
gewurþe ðin willa
on eorðan swa swa on heofonum.
urne gedæghwamlican hlaf syle us todæg
and forgyf us ure gyltas
swa swa we forgyfað urum gyltendum
and ne gelæd þu us on costnunge
ac alys us of yfele soþlice

Posteriormente, em 1389, Wycliffe traduziu a Bíblia para o Inglês, também se baseando na Vulgata Latina, como “and leede us nat in to temptacioun”[3] (E não nos lidere para a tentação). Também tendo como a fonte de tradução o texto em latim de São Jerônimo, Tyndale (1526) traduziu o versículo como “leede vs not into temptacion” (não nos lidere à tentação).

Rei Alfred, o grande, um dos primeiros a traduzir o Pai Nosso para o Inglês Antigo. Na série The Last Kingdom.

E, por último, porém a mais relevante versão em Inglês da bíblia, a conhecida King James Version (1611) traduziu o versículo como “And lead us not into temptation.” (E não nos lidere à tentação). Essa tradução se popularizou entre os falantes de língua inglesa e se tornou consenso nas orações entre protestantes e católicos.

As várias edições da Bíblia tomaram como base a versão do Rei James e somente com a tradução da Bíblia autorizada pelo vaticano em 1966, a conhecida Bíblia de Jerusalém, apresentou um texto diferenciado para o versículo “And do not put us to the test” (E não coloque-nos ao teste).

A Bíblia de Jerusalém, publicada em 1966 no Reino Unido, com organização de Alexander Jones, foi a mais importante iniciativa católica inglesa para traduzir a bíblia. Na época, renomados estudiosos das línguas antigas foram convidados para trabalhar e dentre eles, o próprio J.R.R. Tolkien, que ficou encarregado de traduzir o livro de Jonas do Antigo Testamento. (você pode ler o artigo completo sobre a participação do Tolkien na tradução da Bíblia AQUI).Mesmo com a participação direta do Tolkien, o editor ou o tradutor do evangelho de Mateus e Lucas não devem ter contatado o autor do hobbit sobre o assunto e por isso a tradução se manteve ainda com os mesmos problemas.

Nas traduções em Espanhol e Português o problema da tradução parece não ter sido tão evidente. Algumas traduções em espanhol estão comono nos introduzcas en la tentación”, porém entre os católicos é costume usar “Y no nos dejes caer en tentación”. Da mesma forma, em língua Portuguesa, entre os católicos se utiliza a tradução “não nos deixeis cair em tentação”.

Ocorre que outras traduções do Pai Nosso, que também tiveram como base a Vulgata Latina, traduziram de forma similar a versão em inglês. Em Alemão foi traduzido como “und führe uns nicht in Versuchung”, em Italiano “non indurci in tentazione” e em Francês “Et ne nous soumets pas à la tentation”.

Observando essas traduções, o Vaticano tomou providências quanto ao Italiano e o Francês. Em 2008 a Conferencia Episcobal Italiana apresentou uma nova tradução do trecho que passa a ser usado como “non abbandonarci alla tentazione” (Não nos abandoneis à tentação). Já quanto ao Francês, em 3 de dezembro de 2017, entrou em vigor a nova tradução da sexta linha do Pai Nosso na França, que havia sido aprovada em 12 de julho de 2013 pelo Vaticano. Até então, os fiéis rezavam “Ne nous soumets pas à la tentation” (não nos induzam à tentação); Entretanto, a partir de então, os fieis católicos passam a usar “Et ne nous laisse pas entrer en tentation” (não nos deixes cair em tentação).

Das traduções mencionadas, resta ainda a nova tradução do Inglês e do Alemão e é nesse ponto que chegamos a fala do Papa Francisco e J.R.R. Tolkien, como será visto a seguir.

 

A versão em inglês da Bíblia de Jerusalem

 

O Papa Francisco e o comentário sobre as traduções do Pai Nosso

Em 7 de dezembro de 2017, foi noticiado pelo Vaticano que durante o programa “Padre Nostro”, transmitido pela TV 2000, o Papa Francisco se referiu à mudança introduzida na oração do Pai Nosso na língua francesa. O Pe. Marco Pozza, capelão da prisão em Pádua (Itália), perguntou ao Pontífice se Deus poderia induzir à tentação.

“‘Não nos induzas à tentação’. Aqui há amigos que não são crentes, ou também crentes, que às vezes dizem: ‘Deus pode induzir à tentação? ’”, perguntou o sacerdote e apresentador do programa “Padre Nostro”.

O Santo Padre respondeu que esta “não é uma boa tradução”. “Agora os franceses também mudaram o texto com uma tradução que diz: ‘não nos deixes cair em tentação’”.

“Sou eu que caio, mas não Ele não me empurra à tentação para ver como eu caí. Um pai não faz isso, um pai ajuda a levantar-se rapidamente”, afirmou. Nesse sentido, o Pontífice advertiu que “quem te induz à tentação é Satanás. Este é o trabalho de Satanás”.

O pronunciamento do Papa Francisco a respeito do tema está relacionado ao versículos bíblicos Tg 1,12 e 1Cor 10,13, que demonstram que Deus não tenta o ser humano a cometer o mal.

Não há indicativo de que o Papa Francisco tenha sido influenciado por Tolkien. Até mesmo pelo fato de que os documentos em que o autor trata sobre o assunto ainda não foram totalmente publicados. Contudo, é notório o fato que o líder maior católico leu as obras de J.R.R. Tolkien, o Hobbit e O Senhor dos Anéis e os citou em uma homilia de 2008.

 

J.R.R. Tolkien

Tolkien e a critica a tradução inglesa do Pai Nosso

Em seu tempo, é inegável que J.R.R. Tolkien foi o maior estudioso de línguas antigas relacionadas ao Inglês. Ele foi professor de Anglo-saxão em Oxford atuou no dicionário de Inglês Medieval. Foi responsável por diversas orientações acadêmicas e por trabalhar em manuscritos medievais, com foco especialmente no épico Beowulf.

Além de ser um renomado filólogo, Tolkien também foi um católico devoto e tradicional. E isso trouxe implicações em todos os âmbitos de sua vida, desde familiares, profissionais e em suas obras literárias.

Investigando sobre a controvérsia da tradução do versículo do Pai Nosso. O jornalista John R. Holmes analisou os manuscritos de Tolkien, encontrados nos arquivos da Biblioteca Bodleian, em Oxford no Reino Unido. O manuscrito Tolkieniano tinha como título “the history of the ‘Our Father’ in English,” (a história do ‘Pai Nosso’ em Inglês).

Em uma passagem que Tolkien escreveu há mais de 80 anos, ele observou que a palavra traduzida no inglês moderno como “tentação” já era problemática na tradução latina do Pai Nosso em grego “Tentatio”, escreveu Tolkien:

“(ou a temptatio não relacionada que foi confundida) foi uma boa tradução de [peirasmos] ‘um teste ou prova (de força ou valor)’ e já tinha começado por volta de1200 nos contextos bíblicos e teológicos.” [4]

A confusão, argumentou Tolkien,

“certamente fez ‘lead us no tinto temptation’ (não nos levar à tentação) ininteligível (de Deus), embora em todo caso esta petição continue difícil. Lead também não é a palavra certa – já que agora sugere a ação de um líder ou guia, frequentemente a ação sinistra de um enganador.”[5]

No início da primavera de 1936 – um ano antes da publicação de O Hobbit – Dom Adrian Morey da Downside Abbey em Bath enviou a Tolkien uma fotocópia de um antigo manuscrito inglês que ele havia encontrado no Museu Britânico e pediu o comentário de Tolkien.

O ensaio resultante ocupou pelo menos os próximos 30 anos da vida de Tolkien. O texto na Bodleian consiste em um grande volume de notas feitas em caneta azul em 1936, transferidas para datilografados em algum momento da década de 1940 e cobertas com emendas á caneta vermelha datadas de 1966. Quando Tolkien morreu em setembro de 1973, o estudo permaneceu incompleto, junto com vários de seus outros escritos. Um item da coleção que foi concluído, no entanto, revela a experiência de classe mundial de Tolkien em outra forma criativa: caligrafia. Aparentemente, o primeiro impulso de Tolkien em ver o fac-símile do manuscrito foi fazer um de seus próprios, em uma bela imitação do manuscrito anglo-saxão do século X. É, de fato, superior ao original e digno de enquadramento.

O encanto por Tolkien em relação ao Pai Nosso foi constante em sua vida. Ele aprendeu a oração com sua mãe ainda na infância e desde então foi sendo repetida todos os dias em suas orações na missa pela manhã ao acordar cedo.

Na década de 50 do século XX, Tolkien traduziu para o Quenya o Pai Nosso. Como forma de treinar aspectos linguísticos e no exercício de sua criatividade católica. Como parâmetro da tradução usou o texto em inglês de 1928[6] do livro das orações comuns da Igreja Católica.

Àtaremma i ëa han ëa,
na aire esselya,
aranielya na tuluva,
na kare indomelya,
cemende tambe Erumande.
Ámen anta sira ilaurëa massamma,
ar amen apsene úcaremmar,
siv’ emme apsenet tien i úcarer emmen.
Álame tulya úsahtienna
mal ame etelehta ulcullo.
Násie.

Segundo Tolkien, a língua Quenya seria o equivalente ao latim para os elfos da terra-média e númenorianos. Uma língua considerada antiga e elevada para solenidades. Tolkien também transcreveu a oração nos alfabetos dos elfos e também traduziu para a língua élfica Sindarin.

 

 

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[1] Corpus Christi College MS 140, ed. Liuzza, 1994.

[2] The Exeter Book, ed. Krapp and Dobbie, 1936

[3] Oure fadir that art in heuenes, halewid be thi name; thi kyndoom come to; be thi wille don in erthe as in heuene: gyue to us this dai oure breed ouer othir substaunce; and forgyue to us oure dettis, as we forgyuen to oure gettouris; and lede us not in to temptacioun, but delyuere us fro yuel.

[4] “(or the unrelated temptatio that was confused with it) was a good translation of [peirasmos] ‘a test or trial (of strength or worth)’ and was already beginning c. A.D. 1200 in English in scriptural and theological contexts.”

[5] The confusion, Tolkien argued, “has surely made ‘lead us not into temptation’ unintelligible (of God), though in any case this petition remains difficult. Lead is also no longer the right word — since it now suggests the action of a leader or guide, often the sinister action of a deceiver.”

[6] Book of Common Prayer (1928)Our Father, who art in heaven, Hallowed be thy Name. Thy kingdom come. Thy will be done, On earth as it is in heaven. Give us this day our daily bread. And forgive us our trespasses, As we forgive those who trespass against us. And lead us not into temptation, But deliver us from evil. For thine is the kingdom, and the power, and the glory, for ever and ever. Amen.

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REFERÊNCIAS:

 

1888 , The Gothic and Anglo-Saxon gospels in parallel columns with the versions of Wycliffe and Tyndale https://archive.org/details/gothicanglosax00ulfi

Papa Francisco fala sobre nova tradução do Pai Nosso em francês’ http://www.acidigital.com/noticias/papa-francisco-fala-sobre-nova-traducao-do-pai-nosso-em-frances-84772/

Vinyar Tengwar: The journal of the Elvish Linguistic Fellowship, a Special Interest Group of the Mythopoeic Society. Edited by Carl F. Hostetter. Crofton (Maryland): 1988

Pope Francis, J.R.R. Tolkien and the Lord’s Prayer commentary John R. Holmes, http://www.ncregister.com/daily-news/pope-francis-j.r.r.-tolkien-and-the-lords-prayer

Bíblia de Jerusalém, editor Paulus, São Paulo, 2002

The Jerusalem Bible, Alexander Jones ed., London, 1966.

Biografia

Educação Clássica: o estudo que Tolkien teve e que nós perdemos!

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by Eduardo Stark

Que a educação brasileira se encontra entre os mais baixos índices no mundo não é novidade para ninguém. Muitos professores, desesperançados, acreditam que a tendência é piorar ainda mais, chegando a um ponto insustentável. Alguns estudiosos já começam a dizer que a educação como está sendo feita prejudica a vida das pessoas. Mas como se chegou a esse nível?

Se você conhece alguma pessoa mais idosa que teve seus estudos iniciais antes da década de 80 do século XX provavelmente ele irá dizer que: “naquela época a educação era boa nas escolas públicas” ou algo nesse sentido. Acontece que essa impressão surge pelo fato de se comparar a escola atual com aquela escola que estava já em decadência. Antes da escola de nossos avós existia uma educação que nós não tivemos acesso e que nossos avós viram os últimos suspiros.

O curioso é que essa educação “antiga” foi a que educou os maiores nomes da história da humanidade no ocidente. Eles tiveram acesso e usaram seus valores em suas vidas e obras. Pense em nomes de grandes pessoas antes de 1920 e provavelmente elas terão algo em comum: A Educação clássica.

A lista de nomes conhecidos que tiveram esse tipo de educação é gigante e impossível de elencar todos aqui. Mas apenas para se ter uma ideia pense em:  Galileu, Shakespeare, Charles Darwin, Albert Einstein, Leonardo da Vinci, Martinho Lutero, G.K. Chesterton, Lewis Carrol, C.S. Lewis, e especialmente o nosso querido John Ronald Reuel Tolkien.

O professor Tolkien viveu em uma época que as coisas estavam mudando com uma rapidez incompreensível. O século XX foi o período que grandes mudanças foram realizadas em todos os campos da vida do homem comum. A tecnologia avançou rapidamente, a mentalidade geral foi alterada e tudo o que o Tolkien havia estudado, e que ele gostava muito, parecia ser algo tão distante e desprezado por qualquer pessoa que se dizia moderna. Tolkien se sentia como alguém inadequado ao seu tempo.

Tolkien foi um professor de Oxford e outras universidades. Ele era visto com certo preconceito por partes de seus colegas professores por ser católico em um país predominante anglicano. Além disso, ele não era apenas um católico simples, na verdade era um medievalista e estudioso de obras clássicas. Isso o colocava quase que automaticamente no rol de “dinossauros de Oxford”.  Não por acaso que Tolkien chegou a afirmar o seguinte:

 “Nascemos numa era de trevas e fora do (nosso) devido tempo. Mas existe o seguinte consolo: se assim fosse, não conheceríamos, ou não amaríamos tanto, aquilo que amamos. Imagino que o peixe fora da água seja o único peixe a pressentir a água” (Carta 52, para Christopher Tolkien, 9 de novembro de 1943).

Antes de Tolkien se aposentar como professor em 1959, havia a tendência entre os universitários em aderir a ideias recém vindas do iluminismo e as novas de Freud e Karl Marx e outros modernos. Isso trouxe implicações diretas no meio de convívio de Tolkien. As universidades passavam por reformas constantes de suas grades curriculares e debates intermináveis eram feitos com a finalidade de revolucionar a educação. E nesses ciclos de debates o Tolkien apresentava suas ideias e as defendia com convicção. Contudo, atualmente quem é mais reconhecido por esse enfrentamento de ideias é o C.S. Lewis. Lewis foi um grande amigo do Tolkien e junto com ele foi também um grande crítico das mudanças na educação.

Do que trata a educação clássica

É complicado resumir o que esse grande patrimônio intelectual pode tratar. Mas em princípio a educação clássica está relacionada a constante busca pela verdade que todo ser humano tem. A admiração ou espanto em relação a nossa realidade faz com que busquemos entender as coisas e para que isso seja feito de uma forma interessante é necessário ferramentas intelectuais.

Se a busca pela verdade é algo que está em todos os seres humanos. Logo, é necessário que haja uma liberdade de pensamento para que as pessoas possam desenvolver seus raciocínios. Porém, para que essa liberdade seja proporcionada é necessário que se aprenda a justamente raciocinar ao seu modo. É nesse ponto que a Educação Clássica também é chamada de Educação Liberal, pois ela tem como um de seus objetivos proporcionar a capacidade de emancipação intelectual e individual.

Essa busca pela sabedoria é tão antiga quanto o próprio ser humano.  Com os filósofos gregos antigos a base de nossas ideias ocidentais foram sendo desenvolvidas até os moldes atuais. É nesse ponto que começa o estudo da educação clássica: uma busca por entender o que as melhores mentes passadas trataram sobre determinados assuntos de importância universal. Afinal, se grandes homens pensaram sobre determinado assunto é de se notar o que eles disseram.

A educação clássica está relacionada a aprender as ferramentas intelectuais para a busca da verdade e as ideias dos grandes pensadores anteriores.

Além disso, existe também o aspecto de proteção civilizacional. Sempre que um novo ser humano nasce ele está sem ideias formadas em sua complexidade. A cada nova vida tudo se inicia e a criança vem com a sua inocência ao mundo. Dessa forma, cabe à sociedade e a família proporcionar ao novo ser tudo aquilo que irá lhe dar o status de pessoa humana.

Essa ideia de herança cultural e intelectual é o que nos torna diferentes dos animais.  Um gato ao nascer é apenas um gato e o que ele aprender com ele (se for possível) não será transmitido aos seus filhotes. Dessa forma, toda vez que nascer um gato tudo será novamente refeito do início. Com o ser humano há a possibilidade de continuarmos ou mesmo herdar aquilo que nossos antepassados nos legaram. Se fossemos como os gatos haveria ainda uma forma primitiva de civilização e os avanços seriam quase impossíveis.

Em um claro conceito do que seria Educação Clássica, Mark Cotlin, editor da Classical Teaching Magazine e diretor da Classical Latin School Association, apresenta o seguinte:

Educação Clássica é o cultivo da sabedoria e virtude através do estudo dos Grandes Livros e as Artes Liberais com a finalidade de transmitir e preservar a Civilização Ocidental.

Os Grandes Livros são aqueles livros considerados clássicos na história e que tiveram papéis de relevância nos assuntos de âmbito intelectual. A educação clássica implica em ler os clássicos um por um e examinar as ideias dos pensadores anteriores e confrontar com suas ideias, debater e tirar conclusões sobre esses livros. A escolha da leitura das obras tem inicio normalmente em ordem cronológica, iniciando pelos gregos antigos Homero, Platão, Aristóteles e passando por vários autores ao longo dos últimos dois mil anos, chegando aos mais recentes como Karl Marx, Freud, Einstein e outros. Com a leitura das obras na sua fonte o individuo pode formar suas próprias conclusões usando suas ferramentas intelectuais das artes liberais.

As Artes Liberais são as disciplinas que possibilitam entender o mundo. Está dividida em dois grupos: o Trivium (gramática, lógica e retórica) e o Quadrivium (Geometria, Aritmética, Música e Astronomia). Com o conhecimento dessas disciplinas o estudante passa a saber lidar com a comunicação e como entender as formas do mundo e pode agora passar aos estudos mais específicos ou mesmo seguir alguma carreira profissional.

O que isso tem a ver com J.R.R. Tolkien?

Seria muito complicado resumir a quantidade de referências a obras clássicas que Tolkien colocou em suas obras. Pois as obras estão cheias e impregnadas de tudo relacionado a filosofia, teologia, literatura e outros ramos.  

Inicialmente, o autor aprendeu com sua mãe ensinamentos de línguas, lógica e literatura. E depois desenvolveu os estudos clássicos na escola King’s Edward. O fato de Tolkien ter sido criado por um padre jesuíta após a morte de sua mãe implicou em um estudo teológico completo. Tendo uma leitura dos bons autores gregos e os livros de Patrística, Escolástica e vida dos santos medievais da Igreja Católica.

As obras do Tolkien estão cheias de referências a Platão, Aristóteles, Santo Agostinho, Santo Tomás de Aquino. Especialmente em O Silmarillion há claras referências a esses filósofos.  A tese de P.H.D em filosofia de Jonathan S. Mcintosh para a University of Dallas, Texas em 2009, se tornou um livro de referência quanto a apontar e explicar essas influências nas obras do Tolkien. A tese se tornou o livro intitulado “The Flame Imperishable: Tolkien St. Thomas and the Metaphysics of Faërie” publicado pela editora Angelico Press em 2017.

The Flame Imperishable

O primeiro gosto literário pelos épicos surgiu com a leitura de Homero. Conforme Tolkien afirmou: “Fui educado nos Clássicos, e descobri pela primeira vez a sensação do prazer literário em Homero” (Carta 147, para Robert Murray, 2 de dezembro de 1953). Em diversas cartas ele menciona os livros clássicos e os comentava com seus amigos. O fato de ser professor de Oxford implicava em ler atentamente as obras da antiguidade e medieval.

As línguas antigas é outro aspecto da educação clássica que foi usado por Tolkien. Para os elfos o autor desenvolveu várias línguas artificiais e usou como uma das fontes o Latim para o élfico Quenya. Diversos textos do latim foram traduzidos para o Quenya e a estrutura gramatical teve forte influência a ponto de se considerar o Quenya como o “latim dos elfos”.

Além de todas as influências colocadas na obra, há claras referências a noções que são vindas da educação clássica. A ideia de que se deve preservar a cultura e os ensinamentos dos antepassados é recorrente em O Senhor dos Anéis em várias citações dos personagens. Os heróis em o Senhor dos Anéis são aqueles que preservam sua cultura diante de ameaça de destruição total. Aragorn era um grande erudito e também Faramir, Frodo e Bilbo. Os protagonistas entendem de história e ideias do seu mundo, ao passo que outros coadjuvantes nem sempre preservam a cultura. Essa noção foi bastante reduzida nos filmes e incomodou Christopher Tolkien, filho do autor do Hobbit, que criticou os filmes por reduzir os aspectos filosóficos.

Esse temor estava presente entre os europeus na idade média, que constantemente se viam ameaçados por invasões de povos bárbaros e islâmicos. Preservar os ensinamentos dos antepassados era um ato de resistência propriamente. Foi dentro desse e outros aspectos que a Educação Clássica se consolidou. Preservar o conhecimento era vital para se evitar declínio e perca do acumulo do saber anterior. Em tempos mais recentes, com a ameaça de destruição total da humanidade com a Bomba Atômica em 1945, esse sentimento voltou em todo o mundo. A possibilidade de que cidades inteiras poderiam virar poeira trouxe o temor de que a cultura e tudo o que foi construído até aqui fosse perdido e o ser humano retornaria ao início de tudo. Contudo, mesmo diante dessa ameaça, o ensino clássico foi negligenciado por muito tempo.

Apontar todas as referências a obras clássicas e as ideias de educação clássica colocadas nas obras do Tolkien demandaria um trabalho de muitas laudas, mas talvez possa se ter uma noção com os pontos apresentados acima. Mas basta deixar claro que essa foi a educação que ele teve quando jovem e que usou vários elementos em sua vida adulta como profissional e especialmente em suas obras. Se o bom leitor de Tolkien realmente pretende entender as obras com toda a profundidade que ela exige é uma necessidade estudar os clássicos.

Além de ser um defensor da Educação Clássica, Tolkien teve como amiga pessoal Dorothy Sayers que desenvolveu um importante papel na Educação Clássica, como será visto adiante.

 

Origem, declínio e renascer da educação clássica

A educação clássica é muito antiga e suas origens precisas são incertas, mas pode-se dizer que sua formação teve inicio com os gregos antigos e foi sendo aprimorada na Idade Média.

A importância educacional se fortaleceu com o período de governança de Carlos Magno (768-814), rei dos francos que se tornou imperador e dominante sobre quase toda a Europa. Carlos Magno pretendia restaurar as bases do antigo Império Romano Cristão e tratou de valorizar a educação de jovens com base nas artes liberais. Algumas pessoas costumam comparar o personagem Aragorn com a figura real do Carlos Magno…

Com o surgimento das primeiras Universidades pela Europa fundadas pela Igreja Católica, a educação clássica foi fundamental na estrutura curricular. A própria Universidade de Oxford, onde o Tolkien foi professor, é uma das mais antigas instituições de ensino da Europa tendo quase mil anos de existência.

A educação clássica foi utilizada ao longo de vários séculos. Havia várias reformas e criticas Durante o período pós-idade média. Até que os intelectuais do movimento iluminista passaram a criticar essa forma de ensino e apontar novos meios de educação. Com isso, novas ideias foram sendo desenvolvidas com a pretensão de especialmente desvincular a educação de qualquer ligação com a antiguidade e a idade média, retirando o ensino cristão. Alguns cursos mantiveram a educação clássica, porém se retirava da lista de livros os autores cristãos. Dessa forma havia um estudo dos gregos antigos e ao se chegar no período inicial da idade média havia um silêncio bibliográfico e a leitura passava a recomeçar em Maquiavel no período moderno.

A adoção das ideias iluministas e a repercussão da Revolução Francesa moldaram o pensamento contemporâneo e isso foi sendo colocado também nas escolas. Até que no final do século XIX e início do século XX grande parte do ensino havia abandonado a educação clássica que havia produzido centenas de grandes nomes.

Cardeal Newman

Ainda na metade do século XIX, John Henry Newman, que era um sacerdote e acadêmico, defendia que a educação clássica precisava ser preservada. Newman chegou a atingir altos postos no clero anglicano e depois acabou se convertendo ao Catolicismo, se tornando cardeal e importante figura do “Movimento de Oxford”. Fundou várias Igrejas por todo o Reino Unido, dentre eles o oratório de Birmingham, onde o tutor do Tolkien Pe. Francis Morgan operava como sacerdote no final do século XIX. As ideias de Newman passadas ao Pe. Francis Morgan certamente chegaram ao escritor do Hobbit e O Senhor dos Anéis.

O abandono da Educação Clássica se acentuou com início da Primeira Guerra Mundial. O mundo estava em tempos de alto pragmatismo e os reformadores aproveitaram o momento para mudar o ensino. Foi assim que no início do século XX as primeiras escolas como conhecemos atualmente surgiram.

A reação dessas mudanças educacionais, especialmente nos Estados Unidos, começaram nas Universidade de Columbia e  Universidade de Chicago. Onde os professores Mark van Doren, Robert Hutchins e Mortimer J. Adler defendiam a educação clássica e a leitura dos Grandes Livros. Fruto desse movimento é que surgiu a Irmã Miriam Joseph, como defensora do ensino clássico e do Trivium em 1937. Os métodos educacionais foram aplicados em âmbito católico nos Estados Unidos. Enquanto Mortimer Adler e Robert Hutchins ao longo do século XX promoveram a Enciclopédia Britânica e a coleção de Grandes Livros da Civilização Ocidental.

Livro sobre o Trivium da editora É realizações.

Os regimes autoritários do século XX (nazismo, socialismo, fascismo) apresentaram um novo modelo educacional (usando vários modelos do iluminismo e Educação Moderna) onde os jovens eram constantemente testados pelo professor e os ensinamentos eram voltados com a finalidade política. O questionamento e a busca individual pelo conhecimento eram substituídos pela coletivização da classe escolar. E o professor era a autoridade inquestionável por ser o representante do Estado e das ideias defendidas por seus líderes. Nesses regimes as escolas que ainda utilizavam formas da educação clássica eram rapidamente eliminadas.

É justamente nesse ponto que se faz a clara diferença entre a Educação Clássica e a Educação Moderna. Na Educação Clássica se busca a investigação da verdade e o constante questionamento e aprofundamento dos temas. Enquanto que na Educação Moderna são apenas passadas informações prontas pelo professor em sala de aula, sendo o estudante testado se memorizou tais informações. Na Educação Moderna não se busca a emancipação individual e o melhoramento como pessoa, o jovem se torna uma máquina de informações, mas não consegue entender ou concluir raciocínios e pensar por si mesmo.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial havia esperanças de inovações nas escolas. Porém, a Educação Clássica não parecia ser levada em consideração, uma vez que a UNESCO apresentava (e ainda apresenta) ideias educacionais relacionadas a educação moderna.

Escola Moderna na época do Nazismo

Dorothy Sayers, a amiga do Tolkien que iniciou o renascer da educação clássica

Foi justamente uma amiga próxima de J.R.R. Tolkien que trouxe as bases para a educação clássica ser restaurada. Dorothy Sayers (1893 – 1951) foi uma importante escritora de livros de investigação criminal e poesia. Especializou-se em estudos dos clássicos e é responsável por uma das melhores traduções da Divina Comédia para a língua Inglesa.  Sayers estava no ciclo de amizades de C.S. Lewis e J.R.R. Tolkien. A proximidade é tão intensa que muitos a colocam na posição de “A Inkling feminina”.

Embora não fosse uma educadora propriamente, Dorothy Sayers escreveu e apresentou um ensaio sobre a educação e os rumos que ela poderia tomar, tendo como o foco a educação clássica. O ensaio é o “The Lost Tools of Learning” de 1947. O ensaio foi um verdadeiro tapa de luva na classe acadêmica da época tendo repercussões no meio. Contudo, com o passar do tempo não foi devidamente relembrado, até que em 1991 Douglas J. Wilson publicou o livro “Recovering the Lost Tools of Learning” que inspirou um grande número de escolas cristãs primárias e secundárias e até mesmo a faculdade New Saint Andrews, que organizou a Association of Classical and Christian Schools.

A partir desse movimento tendo como base os escritos de Dorothy Sayers é que foi se restaurando a Educação Clássica em diversas escolas e universidades. Foi desse período que foi ampliado o chamado “homeschooling”, que é a educação clássica feita em casa para as crianças.

O ensaio completo da Dorothy Sayers foi reproduzido na integra AQUI. Com tradução e comentários de Gabriele Greggersen, a tradutora e especialista em C.S. Lewis.

Dorothy Sayers

Iniciando a Educação Clássica no Brasil

O Brasil demonstra um inicio de restauração da Educação Clássica, especialmente entre os cristãos católicos. O uso da Internet para propagar os ensinamentos é frequente.

O site Escola de Artes Liberais (http://escoladeartesliberais.com.br) apresenta uma série de artigos explicando o desenvolvimento da Educação Clássica. E dentro do mesmo âmbito a Confraria de Arte Liberais também exerce papel restaurador.

A Escola Tomista (http://estudostomistas.org/) do professor Carlos Nougué apresenta ensinamentos basilares para se formar o Trivium, com um enfoque nos ensinamentos de Santo Tomás de Aquino.

Sobre leitura de obras clássicas no modelo proposto por Mortimer J. Adler existe o canal criado por mim mesmo (sim, o administrador do site Tolkien Brasil tem um outro canal sobre clássicos) que pode ser acessado AQUI.

E mais recentemente foi fundada a UNIVERSIDADE SÃO JERONIMO (http://saojeronimo.org/sobre) que oferece cursos para aqueles que desejam se aprofundar nos ensinamentos católicos clássicos. Tendo aulas de filosofia, teologia, direito e línguas antigas como o Latim. O interessante desse site é que oferece a plataforma gratuita para o aluno ou mesmo uma plataforma paga por um preço acessível.

A Universidade São Jerônimo visa resgatar muito do saber cristão que foi negligenciado ou mesmo esquecido. Com isso parece atender o que J.R.R. Tolkien disse em carta:

“o principal propósito da vida, para qualquer um de nós, é aumentar, de acordo com nossa capacidade, nosso conhecimento de Deus por todos os meios que tivermos, e ficarmos comovidos por tal conhecimento para louvar e agradecer.” (Carta 310, para Camilla Unwin, 20 de maio de 1969).

O Professor Clístenes Hafner através de seus cursos de línguas na sua escola clássica traz um verdadeiro renascimento do estudo do Latim e grego. Os métodos utilizados são interessantes para aprimorar o conhecimento linguístico e o raciocínio.

Existem outros cursos e sites, mas levem em consideração que esse texto não tem o objetivo de exaurir o tema e cabe ao leitor procurar livros e meios para se aprofundar.

Biografia

Tolkien foi indicado duas vezes ao Prêmio Nobel de Literatura

by Eduardo Stark

J.R.R. Tolkien é considerado um grande escritor do século XX e isso não parece ser novidade atualmente. Contudo, na época em que o autor esteve vivo o reconhecimento parecia mais complicado de ser alcançado, especialmente entre os estudiosos de literatura. A Fantasia, Contos de Fadas, Mitologia e todas as histórias que tivessem algo diferenciado, em termos de elementos padrões da realidade, era visto como um escapismo, uma necessidade de fuga das questões relevantes para a vida em sociedade. E assim, não era levado em consideração pelos estudos acadêmicos seriamente.

Esse bloqueio por parte dos intelectuais da literatura na época fez com que C.S. Lewis e Tolkien fossem vistos com um pouco de desconfiança ou mesmo exclusão em alguns desses meios acadêmicos.  Os elementos da fantasia e a grande popularidade de seus livros fizeram com que tanto Lewis quanto Tolkien fossem deixados de lado por muitas instituições que premiavam escritores.

O caso do Prêmio Nobel e as indicações de Tolkien é tema de estudos atualmente graças a liberação de documentos em 2012, que provaram que o autor do Senhor dos Anéis havia sido indicado ao prêmio pór seu amigo C.S. Lewis.

Então surgem os diversos questionamentos. Por que Tolkien não ganhou o prêmio Nobel? Seria a pouca simpatia dos acadêmicos em relação a livros que tem grande acolhimento popular? Ou ainda seria um misto de esnobismo e inveja literária? E ainda, por que C.S. Lewis indicou Tolkien em uma época que eles estavam, aparentemente, distantes em sua amizade?

As respostas para essas perguntas pretendem ser o objeto do presente texto. Certamente poderão ser descobertos novos documentos que esclareçam melhor o período, mas o que será apresento a seguir são as informações encontradas até o momento em conjunto com a organização das ideias e do contexto da época.

O Prêmio Nobel de Literatura

O Prêmio Nobel surgiu a partir da iniciativa de Alfred Bernhard Nobel, um químico sueco responsável pela invenção da dinamite. Em seu testamento havia a indicação para que fosse criado uma fundação que premiasse todo ano aqueles que tivessem contribuído para desenvolvimento da Humanidade. Assim, em 1900 foi criada a Fundação Nobel cujo objetivo era entregar os prêmios em áreas distintas: Química, Física, Medicina e Literatura.

A Academia Sueca foi fundada em 20 de março de 1786 pelo Rei Gustavo III como sendo uma das Academias Reais da Suécia. Desde 1901 essa instituição se tornou responsável por escolher os premiados em matéria de literatura, em memória de Alfred Nobel.

A cada ano a Academia Sueca envia pedidos de indicações de candidatos ao prêmio Nobel em Literatura. Podem apontar nomes aqueles que são membros de Academias, membros de sociedades ou academias literárias, professores de literatura e línguas, ex ganhadores do Prêmio Nobel de literatura e presidentes de organizações de escritores.

Em Outubro de cada ano, os membros da Academia votam nos candidatos que irão receber o prêmio e aqueles que receberem mais da metade dos votos é o escolhido. Somente aqueles candidatos que apareceram mais de uma vez na lista de indicados poderá participar, por isso muitos indicados aparecem mais de uma vez nas listas ao longo dos anos. Após a escolha, o vencedor do Prêmio ganhará uma medalha de ouro, um diploma com uma citação e uma quantia significativa de dinheiro.

O Prêmio Nobel da Literatura é objeto de debates entre os estudiosos da literatura, especialmente quanto a algumas nomeações questionáveis. Contudo, o Prêmio é reconhecido internacionalmente como um dos maiores prestígios e reconhecimento em termos de conhecimento humano. Certamente aqueles que são indicados e premiados estão entre as grandes pessoas do mundo que fizeram algo diferente.

E. M. Forster, escritor indicado por Tolkien ao Nobel.

 

Tolkien indicou E. M. Forster para o Prêmio Nobel em 1954

O escritor Edward Morgan Forster recebeu vinte e nove nomeações entre os anos de 1945 a 1966[1]. Entre essas várias indicações está aquela assinada por J.R.R. Tolkien junto com F. P. Wilson e Lord David Cecil em 1954[2]. Para entender em qual contexto se deu essa nomeação é interessante saber um pouco sobre a relação do Tolkien com os outros dois professores, pois a amizade entre eles levam ao verdadeiro motivo dessa indicação.

Frank Percy Wilson (1889-1963) na sua infância estudou na King Edward’s School em Birmingham, mesma escola que Tolkien havia frequentado. Wilson também serviu como soldado na Primeira Guerra Mundial, e assim como Tolkien, sobreviveu à Batalha de Somme em 1916. Entre os anos de 1929 a 1936 foi professor de Literatura Inglesa na Universidade de Leeds, onde provavelmente deve ter feito contato com Tolkien, que também era professor de Leeds no período. Entre os anos de 1945 a 1959 Tolkien ocupou a cadeira de professor de Inglês e Literatura na Merton College, na Universidade de Oxford, enquanto F. P. Wilson foi professor de Literatura Inglesa na mesma instituição entre os anos de 1947 a 1957, [3] sendo sucedido no cargo por Nevill Coghill, um membro dos Inklings.[4]

A ideia de indicar Edward Morgan Forster ao Prêmio Nobel parece ter sido uma iniciativa que passou por Lord David Cecil, um amigo de Tolkien e membro dos Inklings. Em 1949 Cecil havia publicado o livro “Poets and Storytellers” um série e ensaios sobre quatro canônicos e dois escritores contemporâneos, sendo um deles o próprio Forster.

A relação entre os três indicadores é evidenciada, mas o que motivaria tal escolha e o qual o contexto da indicação é que ainda permanece um mistério entre os estudiosos do assunto. Até o momento apenas hipóteses podem ser ressaltadas. Ao tratar sobre o tema Dennis Wilson Wise concluiu o seguinte:

Minha hipótese é que eles colaboraram com a intenção de assegurar ao seu amigo C.S. Lewis o cargo de professor na Universidade de Cambridge. Durante esse mesmo período em que esse triunvirato submeteu sua indicação em 1954, os amigos e aliados de Lewis, frustrados por parecer que sua carreira estava bloqueada em Oxford, orquestraram a criação de uma nova cadeira em Inglês Medieval e Renascentista em Cambridge. A maioria das discussões sobre esse episódio na história dos Inklings se concentra na persuasão que Lewis precisava para aceitar esta prestigiada promoção, mas ninguém sabe nada sobre os esforços por trás dos bastidores necessários para criar a cátedra em primeiro lugar. Por minha parte, penso que é provável que algumas políticas acadêmicas regulares possam estar envolvidas. Como um meio para acalmar qualquer resistência potencial em Cambridge em aceitar Lewis às suas fileiras de professores, três “Dons” de Oxford – o triunvirato de Tolkien, Wilson e Cecil – prometeram nomear um dos escritores mais famosos de Cambridge para o Prêmio Nobel de Literatura. Todos os três indicadores tiveram amplo motivo para ajudar Lewis. Além disso, Tolkien e Wilson foram escolhidos, ao lado de vários aliados de Lewis, com sede em Cambridge, como eleitores da nova cátedra. (WISE, Dennis Wilson, J.R.R. Tolkien e a indicação em 1954 de E. M. Forster pelo Prêmio Nobel de Literatura, Mythlore, vol. 36, nº 1, 2017, p. 144-145).[5]

A hipótese defendida por Dennis Wilson Wise parece ser razoável e coerente com o contexto.bA relação entre esses três professores de Oxford estava especialmente estreita em 1954, com relação a trabalhos acadêmicos e a nomeação de professores. Em 12 de março de 1954, Tolkien participou de uma reunião da Diretoria da Faculdade de Inglês em Oxford, onde discutiu os trabalhos em uma comissão juntamente com J.N. Bryson (presidente), Lord David Cecil, Humphry House e F.P. Wilson[6].  

Poucos meses depois, em Maio, Tolkien participou como eleitor em uma comissão para estabelecer a nova cadeira de Inglês Medieval e Renascentista em Cambridge, sendo também membro E.P. Wilson e outros. A primeira escolha unanime  para o cargo foi  o C.S. Lewis. O vice-chanceler de Cambridge, Sir Henry Willink, chegou a enviar carta para Lewis informando a escolha e o convidando para o cargo, mas devido a algum mal entendido Lewis acabou recusando a oferta. Ele se sentia velho demais e não queria deixar sua residência em Oxford. Coube a Tolkien conversar e convencer Lewis que ele deveria ocupar o cargo. Tolkien se sentiu responsável pela escolha e chegou a intermediar a situação em vários momentos, até que finalmente Lewis aceitou o cargo.

Um outro momento, 18 de maio de 1954, demonstra a relação entre esses nomes. Ocorreu o encontro entre F.P. Wilson e David Cecil com Tolkien e Lewis, em que eles discutiram sobre se a literatura Vitoriana deveria ser excluída dos exames compulsórios na Oxford English School e, no lugar fosse colocado o Inglês Antigo e estudos medievais. Inicialmente Tolkien e Lewis compartilhavam da importância dessa mudança. Tolkien havia convencido Lewis, que passou a defender a ideia, enquanto Wilson e David Cecil eram opositores da mudança. Ao que parece, temendo algum tipo de antipatia por parte de Wilson e Cecil, Tolkien decidiu não mais apoiar a mudança, enquanto Lewis permaneceu isolado na defesa da ideia. De certa forma, Lewis se sentiu constrangido e isso parece te implicado em desgaste na amizade do autor do Hobbit com ele.

Fato é que nesse período a indicação ao Prêmio Nobel aconteceu e logo depois Lewis decidiu aceitar o cargo em Cambridge. Em 9 de Dezembro de 1954, a Faculdade de Inglês de um jantar informal de despedida para C.S. Lewis na Merton College. Entre os presentes, além do próprio Lewis e seu irmão Warnie, estavam Tolkien e seu filho Christopher, Hugo Dyson, Lord David Cecil, J.N. Bryson, F.P. Wilson, Nevill Coghill, Irvine R. Browning (um dos alunos de Lewis), J.A.W Bennett, R.E. Havard, e Emrys Jones, que seria o sucessor de Lewis em Magdalen.

C. S. Lewis e a indicação do Tolkien ao Prêmio Nobel em 1961

No final de 1960, o Comitê de Literatura do Prêmio Nobel entrou em contato com C.S. Lewis, pedindo que ele indicasse alguém para o prêmio de 1961. A Academia sueca tem o costume de convidar alguns acadêmicos, premiados anteriores e outros representantes institucionais para indicações. Inicialmente Lewis pareceu indeciso entre quatro nomes. Conforme consta em carta para Alastair Fowler (Berg), em 7 de janeiro de 1961:

“Em segredo: Se você fosse convidado a nomear um candidato para o Prêmio Nobel (literatura) quem seria o escolhido? Mauriac teve isso. Frost? Eliot? Tolkien? E. M. Forster? Você conhece a inclinação ideológica (se houver) da Academia Sueca? Mantenha tudo sob seu chapéu.”.[7]

O destinatário da carta era Alastair David Shaw Fowler (1930-), atualmente com 88 anos de idade, um crítico literário escocês e editor, sendo um especialista em Edmund Spenser, teoria de gênero literário e literatura renascentista. Fowler foi aluno de C.S. Lewis em Oxford e em 1967 editou o livro Spenser’s Images of Life que contém textos do autor de Nárnia.

A pergunta de Lewis sobre a inclinação ideológica da Academia parece interessante. Demonstra que desde aquela época havia certa tendência de escolhas por motivos políticos, ou ao menos Lewis acreditava que fosse o caso. Indica também um certo desconhecimento de Lewis sobre o processo de escolha do Prêmio Nobel,  o que o fez pedir uma auxílio a um amigo. O fato de ser feito o pedido de sigilo demonstra a confiança de Lewis em relação a Fowler e demonstra que poucas pessoas chegaram a conhecer essa indicação.

Dos mencionados na carta, T. S. Eliot já havia recebido o prêmio em 1948, “por sua destacada e pioneira contribuição para a poesia contemporânea”[8]. Enquanto que E. M. Foster, como visto anteriormente já havia sido indicado ao prêmio por seus amigos Inklings Tolkien e Lord David Cecil e por seu ex-tutor F. P. Wilson. E naquele mesmo ano de 1961 seria indicado novamente por outra pessoa. De modo que só restou a escolha entre Frost e Tolkien.

 

C. S. Lewis, escritor e amigo de Tolkien

 

Naquele momento, a amizade entre Tolkien e C.S.Lewis parecia abalada e distante. Eles não se viam com tanta frequência e raramente tinham contato por carta ou por terceiros. Tudo isso decorrência de uma série de debates e desentendimentos que fizeram a amizade enfraquecer. Talvez nessa época Lewis tenha descoberto que o que motivou Tolkien na indicação ao prêmio Nobel de E. M. Forster tenha sido a possibilidade de influência na escolha do cargo de professor em Cambridge. Dessa forma, é razoável dizer que Lewis poderia estar tentando retribuir o que Tolkien havia feito. Assim, a escolha de Lewis para o prêmio foi o J.R.R. Tolkien.

No ano seguinte, 1962, C.S. Lewis foi novamente incumbido de escolher outro nome e indicou Robert Frost para o prêmio Nobel. Um nome, como visto, que havia cogitado inicialmente em 1961. Frost chegou a receber trinta e uma indicações ao prêmio entre os anos de 1950 e 1963, mas jamais recebeu o título.

Assim, em 1961 C.S. Lewis indicou Tolkien para o Prêmio Nobel[9], conforme a carta endereçada ao Comitê de Literatura do Prêmio Nobel, guardada nos arquivos da Academia Suíça abaixo:

“Prezados senhores, respondendo ao seu convite, tenho a honra de indicar como candidato ao Prêmio Nobel de literatura de 1961 o professor J.R.R. Tolkien de Oxford, em reconhecimento por sua famosa trilogia romântica O Senhor dos Anéis. Coloco-me inteiramente a sua disposição. C.S. Lewis”[10].

De todos os amigos pessoais do Tolkien, Lewis foi o que teve maior contato com O Senhor dos Anéis, tendo escutado os capítulos serem lidos pelo autor em reuniões privadas e em conjunto com os Inklings. Lewis também foi o responsável pela defesa da obra em jornais, tendo feito duas resenhas dos livros.

Não há documentos ou testemunhos que Tolkien teve conhecimento dessa indicação ao Prêmio Nobel. Fato é que os documentos relacionados a essa indicação ficaram em sigilo desde essa época e só se tornaram públicos em 2012.  

Como dito acima, nessa época os dois escritores estavam com a amizade distanciada por fatores pessoais e talvez tenha sido uma forma do C.S. Lewis de agradar o velho amigo com uma surpresa generosa. Era um costume do Lewis fazer citações relativas ao Tolkien em seus livros e ensaios ou mesmo dedicatórias em livros sem que ele soubesse, o que em alguns casos, Tolkien não considerava como surpresas agradáveis. Tolkien demonstra esse desgosto e, também o momento que passava de distanciamento em relação ao Lewis, em um trecho de suas cartas, ao escrever o seguinte: “Acabei de receber um exemplar do último livro de C.S.L: Studies in Words. Ai! Sua tolice cansativa está se tornando um estilo permanente. Estou profundamente aliviado por saber que não sou mencionado[11]

A lista dos indicados ao Prêmio Nobel em 1961 contempla mais de cinquenta nomes, dentre eles nomes de famosos pensadores como Simone de Beauvoir, Jean-Paul Sartre e Aldous Huxley. A lista completa é a que está adiante:

Ivo Andrić                                         Jean Anouilh
W.H. Auden                                      Gaston Bachelard
Simone de Beauvoir                          Karen Blixen
Heinrich Böll                                     Maurice Bowra
Georges Duhamel                              Lawrence Durrell
Friedrich Dürrenmatt                         Johan Falkberget
E.M. Forster                                       Gertrud von le Fort
Robert Frost                                       Romulo Gallegos
Armand Godoy                                 Julien Gracq
Robert Graves                                     Graham Greene
Gunnar Gunnarsson                           L. Hartley
Adrianus Roland Holst                      Taha Hussein
Aldous Huxley                                  Pierre-Jean Jouve
Ernst Jünger                                       Yasunari Kawabata
Miroslav Krleza                                 André Malraux
William Somerset Maugham              Eugenio Montale
Alberto Moravia                                Giulia Scappino Mureno
Pablo Neruda                                     Junzaburo Nishiwaki
Sean O’Casey                                    Ramón Menéndez Pidal
Sarvepalli Radhakrishnan                  Cora Sandel
Aksel Sandemose                              Jean-Paul Sartre
Giorgos Seferis                                  Ignazio Silone
Georges Simenon                               Charles Percy Snow
Michail Solochov                               John Steinbeck
John Ronald Reuel Tolkien                        Junichiro Tanizaki
Miguel Torga                                     Tarjei Vesaas
Simon Vestdijk                                  Arthur David Waley
Edmund Wilson

Dos nomes mencionados na lista, Tolkien teve contato pessoal com alguns deles. Como exemplo W.H. Auden, que escreveu uma resenha de O Senhor dos Anéis e se correspondia com Tolkien; Robert Graves, especialista em mitologia Greco-romana e que chegou a morar na mesma rua que Tolkien em Oxford; e Edmund Wilson, critico literário que escreveu uma resenha sobre O Senhor dos Anéis, A Sociedade do Anel em 1956.[12]

Todos os documentos relacionados ao processo de indicação e nomeação dos vencedores do Prêmio Nobel sofrem um sigilo por um período de 50 anos. Após esse prazo os arquivos são reabertos ao público para estudos e análises por historiadores e interessados. Foi assim que em 2012 o jornalista sueco Andreas Ekström, analisando os documentos informou sobre essa indicação e apresentou trechos dos motivos de Tolkien não ter sido o vencedor do prêmio.

Segundo um dos principais julgadores, Anders Österling  a “prosa de Tolkien de forma alguma chega ao nível de narrativa de alta qualidade[13] Naquela época, Österling era um dos mais importantes membros da academia e sua opinião teve peso certamente. Além disso, a regra de que o prêmio deveria ser concedido a um candidato que já tivesse sido indicado anteriormente também pesou no momento da votação.

Em 10 de dezembro de 1961, finalmente ocorreu a cerimônia de premiação. Em meio a vários nomes de peso na literatura, o ganhador do Prêmio Nobel de 1961 foi o Ivo Andrić (1892-1975) da Iugoslávia “pela força épica com a qual ele traçou temas e descreveu destinos humanos desenhados a partir da história de seu país”.[14]

J.R.R. Tolkien

 

Pela segunda vez Tolkien no Prêmio Nobel em 1967

Em 1967 o nome de J.R.R. Tolkien estava novamente concorrendo pelo Prêmio Nobel[15]. Nesse ano o autor já estava bem mais conhecido internacionalmente, em especial nos Estados Unidos devido a pirataria de seus livros pela Ace Books.

Naquele momento Tolkien havia chegado também a Suécia. Desde 1959 o Senhor dos Anéis havia sido traduzido e publicado e em 1968, em Gothenburg foi fundada em “The Tolkien Society”, a primeira organização de fãs na Europa com a finalidade de tratar sobre o autor de O Hobbit. O nome foi mudado com o acréscimo “of Sweden” quando em 1969 surgiu a sociedade inglesa.

Anos antes o Tolkien teve contato com o ciclo universitário de Lund, onde acabou contribuindo com uma nota introdutória para o livro “A Philological Miscellany Presented to Eilert Ekwall” em 1942, publicado para marcar o aniversário de sessenta e cinco anos de Eilert Ekwall, Professor de Inglês da Universidade de Lund, na Suécia.Ao que parece, desde então Tolkien manteve contato com suecos e recebeu diversos convites de visitas ao país.

O responsável pela indicação do professor Tolkien ao Nobel foi Gösta Holm. Per Olof Gösta Holm (1916-2011) foi um filólogo sueco, professor de línguas escandinavas na Universidade de Lund desde 1961. Não há muitas relações entre Holm e Tolkien. Talvez eles tenham se correspondido e tratado sobre as línguas escandinavas, mas o fato é que havia esse contato com o Tolkien e o meio universitário sueco.

A lista de indicados ao Prêmio Nobel de 1967 contém setenta nomes:

Jorge Amado                                     Carlos Drummond 

Louis Aragon                                     Miguel Angel Asturias

Jorge Luis Borges                              W.H. Auden

Samuel Beckett                                  Saul Bellow

Jorge Luis Borges                              Emil Boyson

Arturo Capdevila                               Josep Carner

Alejo Carpentier                                René Char

Mohammed Ali Djamalzadeh            Lawrence Durrell

Rabbe Enckell                         Hans Magnus Enzensberger

E.M. Forster                                       Max Frisch

Rómulo Gallegos                               Jean Genet

Jean Giono                                         Witold Gombrowicz

Robert Graves                                              Graham Greene

Jorge Guillén                                     Lawrence Sargent Hall

Taha Hussein                                     Eugène Ionesco

Ernst Jünger                                    Friedrich Georg Jünger

Marie Luise Kaschnitz                       Yasunari Kawabata

Basi i Khalkhali                                 Väinö Linna

Georg Lukács                                    Karls Löwtih

André Malraux                                Ramón Menéndez Pidal

Yukio Mishima                                  Eugenio Montale

Henry de Montherlant                       Alberto Moravia

Pablo Neruda                                     Junzaburo Nishiwaki

Germán Pardo García                       Konstantin Paustovski

Joé María Pemán                                André Pézard

Katherine Anner Porter                     Ezra Pound

Rahnema Anna Seghere

Georges Simenon                               Claude Simon P. Snow

J.R.R. Tolkien

Pavlo Tychyna                                   Ivan Drach

Lina Kostenko                                   Pietro Ubaldi

Robert Penn Warren                          Tarjei Vesaas

Simon Vestdiik                                  Thornton N. Wilder

Edmund Wilson                                 Juith Wright

Carl Zuckmayer                                 Arnold Zweig

Arnulf Overland

Devido a grande quantidade de indicações de pessoas da América Latina,  no discurso de entrega do prêmio, Anders Österling chegou a afirmar que “A América Latina hoje pode se orgulhar de um grupo ativo de escritores proeminentes, um coro multifacetado em que as contribuições individuais não são facilmente discerníveis”.[16] De fato, o ano de 1967 contemplava muitos nomes de escritores da América Latina. Como exemplo, os brasileiros Jorge Amado e Carlos Drummond de Andrade, porém esses nomes estavam indicados ao prêmio pela primeira vez e isso objetivamente era um empecilho para que fossem escolhidos.

O vencedor do prêmio de 1967 foi o Miguel Ángel Asturias (1899-1974), da Guatemala, “por sua realização vívida literária, profundamente enraizada nos traços nacionais e tradições dos povos indígenas da América Latina.”[17] Segundo Anders Österling  o escolhido era um “proeminente representante da literatura moderna na América Latina[18] Até o momento, Asturias já tinha sido indicado outras três vezes, em 1964, 1965 e 1966[19].

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NOTAS DE REFERÊNCIAS:

[1] https://www.nobelprize.org/nomination/archive/show_people.php?id=3128 Site Nobel Prize, acessado em 11 de janeiro de 2018.

[2] https://www.nobelprize.org/nomination/archive/show.php?id=17677 Site Nobel Prize, acessado em 11 de janeiro de 2018.

[3] Lewis, C. S. (13 November 1992). All My Road Before Me: The Diary of C. S. Lewis, 1922-1927. Houghton Mifflin Harcourt. p. 473

[4]  Bloom, Harold (1 January 2009). Geoffrey Chaucer. Infobase Publishing. p. 48.

[5] My hypothesis is that they collaborated  in order to help secure their friend C.S. Lewis a professorship at the University of Cambridge. During the same time that the triumvirate submitted their 1954 nomination, Lewis’s friends and allies—frustrated that his career seemed blocked at Oxford—orchestrated the creation of a new chair in Medieval and Renaissance English at Cambridge. Most discussions of this episode in Inklings’ history focus on the coaxing Lewis needed to accept this prestigious promotion, but nobody knows anything about the behind-the-scenes efforts needed to create the professorship in the first place. For my part, I think it likely that some normal academic politicking might have been involved. As a means to mollify any potential resistance in Cambridge to adding Lewis to its professorial ranks, three Oxford dons—the triumvirate of Tolkien, Wilson, and Cecil—promised to nominate one of Cambridge’s most famous writers for the Nobel Prize in Literature. All three nominators had ample reason to help Lewis; furthermore, Tolkien and Wilson were even chosen, alongside several Cambridge-based allies of Lewis, as electors for the new professorship. (WISE, Dennis Wilson. J.R.R. Tolkien and the 1954 nomination of E. M. Forster for the Nobel Prize in Literature, Mythlore, vol. 36, no. 1, 2017, p. 144-145).

[6]  p.

[7] “In confidence. If you were asked to nominate a candidate for the Nobel Prize (literature) who wd. be choice? Mauriac has had it. Frost? Eliot? Tolkien? E. M. Forster? Do you know the ideological slant (if any) of the Swedish Academy? Keep this all under your hat”. The Collected Letters of C.S. Lewis, Narnia, Cambridge, and Joy 1950-1963, volume III,  ed. Walter Hooper. Harpercollins, 2007, p.1224.

[8] “for his outstanding, pioneer contribution to present-day poetry”  https://www.nobelprize.org/nobel_prizes/literature/laureates/1948/index.html Site Nobel Prize, acessado em 11 de janeiro de 2018.

[9] https://www.nobelprize.org/nomination/archive/show.php?id=16784 Site Nobel Prize, acessado em 11 de janeiro de 2018.

[10]  McGrath, Alister. A vida de C.S. Lewis, do ateísmo às terras de Nárnia, p.363.

[11] Carta 224, para Christopher Tolkien, 12 de Setembro de 1960.

[12] The Nation, April 14, 1956. “Oh, Those Awful Orcs!”.

[13] https://www.sydsvenskan.se/2012-01-03/greene-tvaa-pa-listan-1961

[14] http://www.nobelprize.org/nobel_prizes/literature/laureates/1961/index.html

[15] http://www.svenskaakademien.se/akademien/akademiens-arkiv/nobelarkivet-1967

[16] Latin America today can boast an active group of prominent writers, a multivoiced chorus in which individual contributions are not readily discernible.

https://www.nobelprize.org/nobel_prizes/literature/laureates/1967/press.html. Acessado em 12 de janeiro de 2018.

[17] http://www.nobelprize.org/nobel_prizes/literature/laureates/1967/index.html. Acessado em 12 de janeiro de 2018.

[18] a prominent representative of the modern literature of Latin America.

[19] https://www.nobelprize.org/nomination/archive/show_people.php?id=13187

Biografia

Encontrada Carta de J.R.R. Tolkien na Universidade de Edimburgo

O autor do Senhor dos Anéis viveu em um período que a Internet não era acessível a uma grande quantidade de pessoas. Por isso, a forma mais comum de comunicação entre indivíduos ainda era por meio de cartas. Praticamente todos os dias Tolkien escreveu respostas aos seus leitores e tratava de diversos assuntos com amigos e familiares. As cartas de Tolkien são um ótimo recurso para entender melhor as suas histórias e sua vida. Nelas é possível saber a posição política, religião, relações familiares etc. Como as cartas eram enviadas para as pessoas, a tendência é que cada uma delas guardasse em suas casas a carta. Como um objeto de valor por ter uma resposta de um grande escritor.

Com o falecimento de Tolkien em 1973, coube a seu filho Christopher Tolkien ser o responsável por lidar com os manuscritos e a obra do pai. Em trabalho com Humphrey Carpenter editou um livro que contém grande parte das cartas que conseguiram reunir. Mas muitas das cartas não haviam sido encontradas e algumas se encontravam perdidas. No prefácio do livro “As Cartas de J.R.R. Tolkien” é solicitado que as pessoas que encontrassem cartas entrassem em contato com a família Tolkien e talvez haveria uma possível nova edição do livro contendo o novo material.

Desde então centenas de cartas foram sendo descobertas. Muitas delas com informações sobre o mundo imaginário de Tolkien e outras com informações pessoais. Recentemente uma nova carta foi descoberta na Universidade de Edimburgo.

Uma funcionária do “Centre for Research Collections” da Universidade de Edimburgo, enquanto estava olhando os arquivos acabou encontrando uma carta de J.R.R. Tolkien para o professor Campbell, agradecendo pela homenagem feita na Universidade.

 

 

A transcrição da carta com uma tradução direta para o Português:[1]

28 de Julho de 1973

Prezado Professor Campbell,

Voltei agora a Oxford depois de mais algumas viagens, e escrevo, bastante tardiamente, para agradecer por sua participação nos eventos dos dias 11 e 12 de julho, que tanto na festa como no cerimonial foram para mim a ocasião acadêmica mais resplandecente na qual eu participei. As ocasiões festivas, para minha própria surpresa, sobrevivi com um prazer não frustrante devido à generosa substituição do whisky pelo vinho, e estou inveterado no conselho do meu médico: “você deve transferir sua fidelidade inteiramente de Bacus para Ceres”. Na laureação, me senti como um hobbit, como é mostrado em ‘O Senhor dos Anéis’, especialmente por Merry e Pippin: grande orgulho e prazer na recepção de alta honra e título, combinado com (e de uma maneira reforçada por) uma dificuldade em acreditar que isso realmente estava acontecendo comigo, ou era realmente merecido, exceto pela generosidade dos meus superiores. As palavras do discurso deixaram-me emocionado. Especialmente as palavras “tornando-o um de nós”. Garanto-vos que Edimburgo me conquistou rapidamente, e apesar dos meus 81 anos terem me deixado relutante em viajar muito, uma viagem para o norte, se a oportunidade e a saúde permitir, não será relutante.

Atenciosamente,

J.R.R. Tolkien.

 

Em 10 de julho Tolkien e sua filha Priscilla haviam viajado para Edimburgo e permaneceram na casa de um amigo chamado Angus McIntosh, que era professor de Inglês, e com sua esposa Barbara.Em 12 de julho de 1973, a Universidade de Edimburgo concedeu ao Tolkien um título honorário de Doutor em Letras. A carta foi escrita em 28 de Julho de 1973, poucos dias antes do falecimento do Tolkien em 2 de setembro do mesmo ano.

Nesse período o professor Tolkien estava sob cuidados médicos. Ele estava com algumas gastrites e precisava estar atento a seus hábitos alimentares, especialmente evitar bebidas alcoólicas muito pesadas. Um ponto que chama a atenção na carta é a comparação do sentimento do Tolkien em relação a receber o título da Universidade, com os personagens Merry e Pippin em O Senhor dos Anéis.

A carta não é totalmente inédita, pois o escritor Jason Fisher já havia tomado conhecimento dela em 2011 e feito uma citação em seu livro “Tolkien and the Study of His Sources: Critical Essays”.

 

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[1] July 28th 1973, Dear Professor Campbell, I have now returned to Oxford after some further travelling, and write, rather belatedly to thank you for your part in the events of July 11th and 12th, which both in feasting and in ceremonial were to me the most resplendent academic occasion in which I have taken part. The festive occasions to my own surprise I survived with unmarred pleasure, owing to the generous substitution of whisky for wine, and I am confirmed in my doctor’s advice: ‘you must transfer your allegiance wholly from Bacchus to Ceres’. At the laureation I felt like a hobbit would: as is exhibited in  ‘The Lord of the Rings’, especially by Merry and Pippin: great pride and delight in the reception of high honour and title, combined with (and in a way enhanced by) a difficulty ^in believing that^ it was really happening to me, or was really deserved except by the generosity of my superiors. The words of the Address left me overwhelmed. Especially the words ‘making him one of us’. I assure you that Edinburgh has gripped me fast; and though my 81 years had begun to make me reluctant to travel far, a journey back north, if opportunity and health allows, will not be reluctant. Yours sincerely, J R R Tolkien.