Diversas, Eduardo Stark

Resposta do tradutor da HarperCollins Brasil sobre a polêmica “Orque” e “Gobelim”

Para se inteirar sobre o tema é interessante que você tenha lido os seguintes artigos:

  1. As origens da palavra “Orc”
  1. As diretrizes do tolkien para traduzir a palavra “Orc”
  1. Análise de “Orc” nas traduções neolatinas
  1. Conclusões sobre a mudança de “orc” para “orque” pela editora Harper Collins Brasil
  2. Nota de esclarecimento sobre o novo padrão de tradução de Tolkien 

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Após a Nota da Editora Harper Collins Brasil sobre a palavra Orque e Gobelim, onde verificamos que a equipe da editora não leu atentamente os artigos sobre o tema e se quer se prestaram a assistir os vídeos com comentários (pois se leram não conseguiram entender o que foi explicado, mesmo com tudo bem explicado). O tradutor Reinaldo José Lopes decidiu expressar sua opinião a respeito, pois foi ele o idealizador de “Orque” e “Gobelim”. O que se segue é o texto dele com comentários. O tom de suas palavras parece ser o de alguém com deboche ou tratando a situação de forma desprezível e em vários pontos deixou de usar argumentos para partir para a ofensa ou tratando de forma pejorativa a pesquisa realizada. No entanto, garantimos o direito de resposta em todas as ocasiões, assim como fizemos com a nota da editora sobre o caso, não deixaremos de publicar o dito com a mesma publicidade dos questionamentos. Ademais, o texto se concentra em pontos periféricos ao tema e não trata da questão central, que é a impossibilidade de se fazer adaptação fonética com as palavras Orc e Goblin, conforme enunciado pelo próprio Tolkien em diversas cartas e documentos que podem ser lidos todos na integra AQUI. Uma simples comparação entre o que o tradutor comenta e o que foi proposto no site demonstra a técnica de um e outro sobre o tema. Renovamos o pedido a editora para que corrija os erros e altere os termos “Orque” e “Gobelim” para o original “Orc” e “Goblin” que foi expresso pelo próprio Tolkien. Segue os comentários do tradutor:

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Tradutor da HarperCollins Brasil em vermelho. Respostas em preto.

A treta sobre o uso de termos como Orques e Gobelins nas novas edições da obra de Tolkien, publicadas pela editora HarperCollins Brasil, voltou com toda a força nos últimos dias. Eduardo Oliferr, do site Tolkien Brasil, que já tinha escrito uma série monumental (embora profundamente equivocada; stay tuned) de artigos sobre o tema condenando as novas traduções, iniciou uma verdadeira campanha em sua página do Facebook, conclamando outros fãs a manifestar sua contrariedade e praticamente exigindo que a editora altere os termos. Há uma ameaça mal-disfarçada de boicote no ar. Bem, como vocês sabem, eu sou parte interessada nessa história. Sou o tradutor de A Queda de Gondolin, O Silmarillion e O Hobbit e membro do Conselho de Tradução da HarperCollins Brasil junto com os colegas tradutores Gabriel Brum (também aqui da Valinor) e Ronald Kyrmse. Creio firmemente, porém, que temos argumentos muito bons do nosso lado. E me parece claríssimo que a análise feita pelo Eduardo é parcial, enviesada e, em última instância, errada. Abaixo, explico o porquê disso ponto a ponto, aproveitando para citar várias críticas ou dúvidas das pessoas que estão atacando as novas traduções.

O tradutor diz que a pesquisa sobre o tema foi “uma série monumental (embora profundamente equivocada). Estranhamente não apontou até o momento nenhum comentário abaixo que desabone a pesquisa como um todo. Não se trata de “condenando as novas traduções”. Se o tradutor tivesse visto os vídeos e lido os artigos, está expresso que se trata do questionamento quanto aos dois termos errados “Orque” e “Gobelim”. O direito de expressão é algo sagrado em nossa democracia e isso jamais pode ser eliminado, ainda mais quando uma editora pretende impor termos que contrariam as diretrizes deixadas por Tolkien. É direito de todo cidadão se manifestar contra algo que não gostou e de expor isso de forma livre, arcando com as consequências de seus atos se forem ilícitos. Da mesma forma, como consumidores e fãs dos livros do Tolkien é direito de cada um optar entre comprar os novos livros com os erros ou  não comprar. Em nenhum momento nenhum membro da equipe Tolkien Brasil disse para que os livros deixem de ser comprados ou propor boicotes. Isso está na liberdade de cada consciência e não somos nós que vamos impor algo ao público. Apenas foi divulgado que existem erros nessas traduções e são erros voluntários. De fato, o Reinaldo José Lopes, que traduziu seu primeiro livro “A Queda de Gondolin” e é parte interessada nesse tema por ter sido o autor de “Orque” e “Gobelim”. Em nenhum momento do texto apresentado pelo tradutor foi evidenciado os textos completos, como fizemos nos artigos da Tolkien Brasil. Os trechos apresentados são recortados para dar a impressão de que são fundamentos, quando na verdade não foram apresentados de forma coerente, por isso são mostrados em sua integra. Além disso o tradutor da Harper Collins Brasil usa diversas falácias argumentativas que estão evidentes, como será visto a seguir.

1)“Tolkien odiava/não aceitava adaptações fonéticas de qualquer tipo nos termos de suas obras” Isso é, no máximo, sendo muito generoso, uma meia-verdade. O problema é tomar como verdade absoluta uma “fotografia” de UM momento específico citado nas Cartas de Tolkien, nos anos 1950, e extrapolar isso pra todos os lugares e todas as épocas em que foram feitas traduções da obra tolkieniana. Não sei se vocês sabem, mas Tolkien era… gente. Um ser humano, que mudava de ideia, negociava, avançava e recuava, esquecia as coisas. Isso tem de ser levado em consideração. Sim, Tolkien ficou chocado quando tradutores holandeses e suecos, nos anos 1950, resolveram traduzir ou adaptar a nomenclatura inglesa do Condado e dos nomes dos hobbits. A primeira reação dele foi vetar tudo, e aí teremos edições totalmente anglicizadas por aí. Mas lentamente ele foi levando em consideração que suas obras são, em tese, supostas traduções de manuscritos antigos em línguas que não têm nada a ver com o inglês, e que, portanto, tudo o que está em inglês – segundo essa teoria – seria “traduzível” ou adaptável foneticamente, em alguma medida. Ele continuou meio infeliz com a ideia num nível visceral, mas sabia que era o certo a fazer.

Aqui o tradutor incorre na Falácia do espantalho, posto que não foi mencionado nos artigos da Tolkien a frase em negrito e nem mesmo por algum membro do site. O fato é que o foco dos artigos foi em torno das palavras “Orc” e “Goblin” e não há nenhuma carta ou documento que mostre que tais palavras são adaptáveis foneticamente conforme regras do Tolkien. Todas as citações do Tolkien sobre a palavra Orc e como deve ser traduzida podem ser lidas AQUI.

Aqui é apresentado um breve retrospecto de como Tolkien lidava com traduções. Para verificar o que o Tolkien dizia, em ordem cronológica, acesse esse artigo AQUI. Tolkien não gostava de adaptações fonéticas ou criações feitas por tradutores, como foi o caso da Suécia e o exposto acima. Mas o tradutor erra ao dizer que “tudo o que está em inglês – segundo essa teoria – seria traduzível ou adaptável foneticamente, em alguma medida”. Pois a ideia do Tolkien era de que sua obra era tipicamente inglesa, mesmo que fosse traduzida para dar maior conforto aos leitores, a essência da obra se manteria inglesa.

Como um princípio geral para a orientação da [Sra. Skibniewska], minha preferência é, o quanto possível, pelo mínimo de tradução ou alteração de qualquer nome. Como ela percebeu, este é um livro em Inglês e seu jeito Inglês não deve ser erradicado. (SCULL. HAMMOND. Reader’s Guide. p. 1036-1037).[1]

O que aconteceu depois dessa afirmação foi que o Tolkien escreveu um guia para os tradutores dinamarqueses e alemães. Nesse guia, muitas palavras foram deixadas inalteradas e se manteve a essência “inglesa” da obra. Várias são as palavras que foram inalteradas e que tem sua origem no Inglês Antigo. Por exemplo, a palavra “Ent”. Então, a tradução tem que dar significado para o leitor de língua não inglesa, mas as características não são completamente abandonadas, especialmente as de forma setentrional europeia.

E ele próprio sugere a possibilidade de adaptações ortográficas e fonéticas na Nomenclatura de O Senhor dos Anéis, documento que preparou para os tradutores nos anos 1960. Dois exemplos claros são os nomes Sharkey (o apelido de Saruman, traduzido como Charcote na edição da Martins Fontes) e Maggot, sobrenome do fazendeiro Magote. Sobre Sharkey, Tolkien escreve: “A palavra, portanto, com uma modificação de ortografia para se adequar à LT [língua de tradução]; a alteração do sufixo diminutivo e quase afetuoso –ey para se adequar à LT também seria adequada”. Daí “Charcote” (a terminação lembra “mascote”, “filhote” em português). Eis um trecho do verbete sobre Maggot: “A ideia é que seja um nome ‘sem significado’ (…) provavelmente é melhor deixá-lo intacto, embora alguma assimilação ao estilo da LT também fosse adequada”. Isso explica a remoção do “g” duplo e a vogal no final em “Magote”. (Aliás, notem o “provavelmente”. Tolkien sabia que o trabalho de tradução comporta incertezas e soluções que variam – diferentemente de alguns de seus fãs…).

Em seguida o tradutor incorre na falácia da Generalização apressada (também chamada de Inversão do Acidente). Esse tipo de falácia implica em apresentar uma exceção como sendo base para uma generalização. Ou seja, se pode uma coisa específica, logo podemos fazer o mesmo com o total. Seria o caso de dizer “se Tolkien aceitou algumas adaptações, logo, ele aceitaria também adaptação fonética das palavras Orque e Gobelim”. Ora, não é preciso dizer que isso está fora da lógica. Primeiramente pelo fato de que a exceção não forma a regra. O guia dos tradutores é bem claro ao dizer que “as palavras devem ser traduzidas pelo seu significado (o mais próximo possível)”. Essa é a regra, que tem que ser aplicada, as exceções são quando o próprio autor, por liberalidade concede alguma possibilidade não enquadrada na regra geral.

O Guia para tradutores apresenta regras para diversas palavras. Cada uma com seu significado e características próprias. Sharkey e Maggot são regras específicas, onde o autor tentou conformar os nomes para as línguas germânicas (para quem o guia foi escrito originalmente). A seguir são apresentados os textos na integra, para elucidar melhor o tema:

Sharkey. Este é suposto ser um apelido modificado para se encaixar na Língua Comum (no Inglês textanglicizado), baseado no orkish sharkû ‘homem velho’. A palavra deve, portanto, ser mantida com a modificação da ortografia para se adequar à Língua da Tradução; a alteração do sufixo diminutivo e quase afetivo -ey para se ajustar à Língua de Tradução também seria aplicável. (TOLKIEN. Nomenclature of the lord of the rings, p.763).[2]

A regra é clara, uma vez que a palavra “Sharkey” é uma forma inglesa da palavra “sharku”, o tradutor deveria se preocupar em realizar algo parecido. Mas isso implica em dizer que Tolkien está liberando a adaptação fonética para todas as palavras? Não. Trata-se de caso específico e não tem relação com as palavras “Orc” e “Goblin”, pois o próprio guia dos tradutores tem a regra expressa sobre Orc.

Maggot. Pretende ser um nome “sem sentido”, parecido com hobbit no som. Na verdade, é um acidente que maggot é uma palavra inglesa que significa ‘verme’ ‘larva’. A tradução holandesa tem Van de Made, (made = Alemão Made, Inglês Antigo maða ‘maggot’), mas é provavelmente melhor deixar o nome inalterável, como na tradução sueca, apesar de alguma assimilação ao estilo da língua da tradução pudesse ser colocada. (TOLKIEN. Nomenclature of the lord of the rings, p. 760)[3]

Como visto, Tolkien novamente se preocupa com o sentido das palavras. Ele observou que a palavra “Maggot” era do seu mundo e não tinha um sentido claro, por isso deveria ser mantida com pequenas alterações. Não se trata de adaptação fonética como pretendem os tradutores brasileiros nas palavras “Orc” e “Goblin”.

Mesmo com essas diretrizes das palavras “Sharkey” e “Maggot”, Tolkien deixou claro no mesmo guia como pretendia que a palavra “Orc” fosse colocada em suas obras. E é claro que ele afirmou que “Deveria ser mantida”, ou seja, nada de adaptação fonética. O trecho do guia a seguir foi analisado parágrafo por parágrafo em nosso artigo sobre as diretrizes do Tolkien AQUI.

Orc. Este é o suposto nome na Língua Comum dessas criaturas naquela época. Portanto, de acordo com o sistema deve ser traduzido para o inglês, ou a língua da tradução. Foi traduzido como “goblin” em O Hobbit, exceto em um lugar; mas esta palavra, e outras palavras de sentido similar em outras línguas europeias (até onde eu sei), não são realmente adequadas. O orc em O Senhor dos Anéis e O Silmarillion, embora certamente feito em parte de características tradicionais, não é realmente comparável em suposta origem, funções e relação aos Elfos. Em qualquer caso orc me pareceu, e parece, no som um bom nome para essas criaturas. Deveria ser mantido. Deveria ser escrito ork (como na tradução holandesa) em uma língua germânica, mas eu usei a grafia orc em tantos lugares que hesitei em mudá-lo no texto em inglês, embora o adjetivo seja necessariamente escrito orkish. A forma élfica-cinzenta é orch, plural yrch. Eu originalmente peguei a palavra do inglês antigo orc [Beowulf 112 orc-nass e a glosa orc = pyrs (‘ogre’), heldeofol (‘diabo do inferno’)]. Não se deve supor que isso esteja ligado com o Inglês moderno orc, ork, um nome aplicado a vários animais marinhos da ordem dos golfinhos. (TOLKIEN. Nomenclature of the lord of the rings, p. 761-762)[4]

2)Mas ele jamais permitiria esse tipo de coisa com as palavras mais importantes de sua obra!!! Errado. Um dos volumes da obra “The J.R.R. Tolkien Companion & Guide”, obra de referência organizada por Christina Scull e Wayne Hammond, mostra Tolkien totalmente aberto a negociar mudanças sutis e mesmo brutais para o termo “hobbit”. Sim, “hobbit”. Em 1962, a editora Fabril, de Buenos Aires, estava negociando a publicação de uma tradução de O Hobbit, e Tolkien disse o seguinte: “Numa língua latina, o termo ‘hobbits’ parece horroroso e, se eu tivesse sido consultado antes, teria concordado imediatamente com alguma naturalização da forma: p. ex. ‘hobitos’, que combina melhor com ‘elfos’, palavra adotada há muito, além da boa sorte de conter o sufixo normal diminutivo do espanhol [-ito, no caso].”A editora chegou a propor ‘jobitos’, uma vez que, como em português, o “h” do espanhol é mudo, enquanto o “j” do castelhano é aspirado. Tolkien disse que preferia “hobitos” e acrescentou que muitos hobbits provavelmente abandonavam o “h” aspirado no começo das palavras, tal como os camponeses da Inglaterra. Ou seja, alguns hobbits diziam ser “óbits”!

Aqui o tradutor incorre na Falácia do espantalho, posto que não foi mencionado nos artigos da Tolkien a frase em negrito e nem mesmo por algum membro do site. O fato é que o foco dos artigos foi em torno das palavras “Orc” e “Goblin” e não há nenhuma carta ou documento que mostre que tais palavras são adaptáveis foneticamente conforme regras do Tolkien. Em seguida o tradutor incorre novamente na falácia da Generalização apressada (também chamada de Inversão do Acidente).

Tolkien era um escritor que valorizava suas palavras criadas e não gostava da ideia de outra pessoa intervindo nisso. O mundo do Tolkien foi criado, aliás, tendo como base as palavras sendo criadas em primeiro momento e, posteriormente, as histórias. Conforme pode ser visto no trecho abaixo, quando o autor se deparou com tradutores que desejavam criar coisas com seus nomes:

Gostaria de evitar uma repetição de minha experiência com a tradução sueca de O Hobbit. Descobri que essa tradução tomou liberdades injustificadas com o texto e com outros detalhes, sem consulta ou aprovação; ela também foi desfavoravelmente criticada no geral por um especialista sueco, familiarizado com o original, a quem a enviei. Tenho em conta o texto (em todos seus detalhes) de O Senhor dos Anéis com muito mais ciúme. Alterações, grandes ou pequenas, rearranjos ou resumos deste texto não serão aprovados por mim — a não ser que provenham de mim mesmo ou de consulta direta. Espero sinceramente que essa minha preocupação seja levada em consideração. (TOLKIEN. Carta de 3 de abril de 1956, para a Allen & Unwin)[5]

Em seus comentários, o tradutor não mencionou o trecho completo e omitiu especialmente o início do parágrafo que contextualiza o ocorrido. Aqui está o trecho na integra, onde está demonstrado que se trata de casos excepcionais, onde o próprio Tolkien aceitou modificar as palavras.

Seguindo as dificuldades de Tolkien com O Senhor dos Anéis da Suécia, os contratos para traduções de O Hobbit e O Senhor dos Anéis estipulavam que a palavra Hobbit fosse mantida. Tolkien estava, no entanto, disposto a aceitar outra palavra em circunstâncias especiais. Quando uma nova tradução sueca de O Hobbit estava sendo preparada, Tolkien escreveu para Alina Dadlez que seria melhor usar a mesma palavra que havia aparecido no Senhor dos Anéis da Suécia – mas ‘Hobbit’ foi usado mesmo assim. Em uma carta sobre a tradução para o espanhol de O Hobbit, em 20 de julho de 1962, ele escreveu: “Em uma língua latina hobbits parece terrível, e se eu tivesse sido consultado anteriormente, teria prontamente concordado com alguma naturalização da forma: por ex. hobitos, que consorcia melhor com elfos há muito adotados, ao mesmo tempo que tinha a sorte de conter o sufixo diminutivo Es[panhol] normal, e um tronco hob-, que, tanto quanto sei, não tem associações em espanhol” (Tolkien- George Allen & Unwin, HarperCollins). Dadlez passou os comentários de Tolkien para o editor, Fabril, em Buenos Aires, que respondeu em 14 de setembro de 1962 que como h é mudo em espanhol talvez devesse ser jobitos. Dadlez explicou isso a Tolkien, que escreveu em 19 de setembro: “Prefiro hobitos, pois preserva melhor a relação com a palavra original. Eu não me importo muito que o h seja “mudo”; Tenho certeza de que muitos hobbits engolem seus hs como a maioria das crianças rurais na Inglaterra” (arquivo de Tolkien-George Allen & Unwin, HarperCollins). (Tolkien-George Allen & Unwin archive, HarperCollins). (SCULL, Christina. HAMMOND, Wayne. The J.R.R. Tolkien Companion and Guide, Reader’s Guide, p. 1035-1036).[6]

Posterior a edição de 1964, as versões em espanhol vieram com o nome “hobbit”, pois decidiram seguir o Guia para tradutores do Tolkien de 1967, que diz expressamente que a palavra Hobbit deve ser mantida. Mas, voltando ao foco do assunto, que é tratar sobre “Orc” e “Goblin”, é importante ressaltar que a tradutora argentina Tereza Sánchez Cuevas traduziu “goblin” como sendo “duende”. Nada de adaptação fonética aqui. Se fosse o caso, o próprio Tolkien teria sugerido alteração ou reclamaria disso, caso verificasse uma incoerência muito evidente. Mas a tradutora realizou uma tradução de “Goblin” pelo seu significado mais próximo no espanhol.

Em outra negociação, desta vez em 1968, com a editora francesa Editions Stock, a empresa propôs alterar “hobbit” para “hopin” porque “hobbit” parecia um palavrão francês (eles não dizem qual). Tolkien fez birra, jogou-se no chão e chamou os franceses de bobos, feios e chatos. Né?Não. Tolkien embarcou na ideia.“De qualquer modo, ‘hopin’ me parece uma solução apropriada e engenhosa: ‘hopin’ está para ‘lapin’ [“coelho” em francês] assim como ‘hobbit’ está para ‘rabbit’ [“coelho” em inglês].” Para quem não se lembra, essa comparação entre hobbits e coelhos aparece várias vezes no livro. Ele só pediu para os ilustradores não desenharem Bilbo com cara de coelho por causa disso. Mas fiquem tranquilos – estamos sendo conservadores e não vamos mexer em “hobbit”. Mais conservadores que o próprio Tolkien, pelo visto…

Continuando na mesma empreitada falaciosa, novamente o tradutor não apresenta argumentos sólidos e não mostrou o texto de forma completa. Segue abaixo o parágrafo na integra, onde diz logo ao final que na edição francesa, após os debates a palavra “hobbit” foi mantida:

Em 13 de maio de 1968, Andre Bay da Editions Stock, que estava prestes a publicar uma tradução francesa de O Hobbit, escreveu a Alina Dadlez que ele estava insatisfeito com a palavra Hobbit, que tinha conotações em francês – que, no entanto, ele não ousava explicar a uma mulher. Ele sugeriu Hopin em seu lugar. Quando isto foi levado ao Tolkien, ele respondeu: “Devemos confiar nas objeções levantadas por aqueles que sabem mais das profundezas da linguagem coloquial! De qualquer forma, hopin parece-me uma solução adequada e engenhosa: hopin / lapin = hobbit / rabbit, suponho. Não que eu pretendesse tal conexão. Então, esperemos que seja assim: desde que qualquer ilustrador saiba que isso não deve influenciá-lo indevidamente ”(15 de maio de 1968, arquivo Tolkien-George Allen & Unwin, HarperCollins). No final, a tradução francesa também usou a forma hobbit. (SCULL, Christina. HAMMOND, Wayne. The J.R.R. Tolkien Companion and Guide, Reader’s Guide, p. 1036).[7]

Não é preciso racionar muito para perceber que a preocupação do Tolkien e do tradutor francês era com o significado e não com uma adaptação fonética (nos moldes dos tradutores brasileiros). A ideia central foi a confusão de significado que a palavra poderia trazer aos franceses. Enquanto que o caso apresentado “Gobelim”, por exemplo, tem o significado que é o mesmo que a “tapeçaria francesa”. Não é uma palavra com significado semelhante. Enquanto que “Orque” não existe em língua portuguesa e não significa nada. Deve ser acrescentado o fato de que essa palavra “hopin” foi feita com a autorização do próprio Tolkien, enquanto que a tradução brasileira não conta com esse fino acompanhamento, uma vez que, logicamente, Tolkien não está mais entre nós fisicamente.

3)Ah, mas nenhuma tradução europeia acabou seguindo essas ideias. Dois grandes especialistas em Tolkien também são contra elas. Vocês querem saber mais que eles? Verdadeiro, porém irrelevante. Esse raciocínio parte de uma visão binária: se a nossa escolha de tradução é boa, a deles é ruim, e vice-versa. Bom, em tradução isso é relativamente raro. A não ser que a gente estivesse errando o significado ou o tom de uma palavra (trocando um termo formal por gíria, por exemplo), não existe 100% errado ou certo nessa área. O que existe são ESCOLHAS que podem ser defensáveis ou não, por diferentes motivos. Manter o termo original é defensável? Totalmente. Ligeiras adaptações ao estilo da língua de tradução são defensáveis? A resposta, como o próprio Tolkien deixou entrever, também é SIM. Ah, e só pra arrematar, isso é, no fundo, argumento de autoridade. Ou seja, uma falácia lógica.

Novamente outra falácia do espantalho. Em nenhum momento foi dito que apenas dois especialistas estrangeiros são em desfavor de adaptações fonéticas. A pesquisa foi feita com base em informações colhidas por diversos tradutores e especialistas. Foi uma pesquisa ampla. Os nomes estão listados logo no início do primeiro artigo sobre o tema. Mas que são aqui novamente repetidos: Oronzo Cilli, Carl F. Hostetter, Jared Lobdell David Giraudeau, Paulo Pereira, Henk Brassien, Edouard Kloczko, Audrey Morelle, Vicent Ferré, Daniel Lauzon e Vittoria Alliatta di Vilafranca.

Esses foram especialistas em Tolkien que foram consultados por sua relevância acadêmica e por terem trabalhado diretamente com as obras do Tolkien. Em especial, Jared Lobdell que foi o editor oficial do “Guia para tradutores” em 1975, com auxílio de Christopher Tolkien. O guia foi escrito pelo próprio Tolkien em 1967, como dito acima. Jared Lobdell tem atualmente 82 anos, sendo professor de crítica literária nos E.U.A e é considerado um grande especialista em Tolkien desde a década de 60. Tendo diversos livros e artigos acadêmicos publicados. Sim, o editor do mesmo “guia para tradutores”  que os tradutores brasileiros não seguem da forma correta nas palavras “Orc” e “Goblin”.  Ao questionarmos sobre o tema Jared Lobdell nos informou o seguinte, com base no guia dos tradutores escrito pelo Tolkien, que o próprio Jared publicou:

“Provavelmente “ork” seria melhor. Tolkien sugeriu manter Orc (ou Ork). Não confundir com o monstro marítimo “orc” “orca”. Quanto a “Goblin”, fique longe de tapeçarias ou carpetes. Deve existir uma palavra em Português para essa criatura. Mas você deve procurar. Não conheço ninguém que tenha traduzido foneticamente tais palavras.” Jared Lobdell, editor oficial do Guia para tradutores em 20 de janeiro de 2019.

Se não for válido o próprio editor do Guia para tradutores, alguém academicamente preparado em sua própria língua nativa inglesa (que não é a língua nativa dos tradutores), interpreta de forma completamente diferente dos tradutores brasileiros (que são os únicos que adotam adaptação fonética), quem poderia ser mais confiável no tema?

Bom, consultamos também, a princesa italiana Vittoria Alliata de Villa Franca, cuja entrevista completa está publicada AQUI. Ela teve contato com o próprio Tolkien durante a tradução para o italiano. E novamente… ela não realizou adaptação fonética e Tolkien não permitiu que ela fizesse. A sua tradução foi feita passo a passo acompanhada pelo Tolkien, que considerou a melhor tradução feita naquela época (Tolkien sabia falar italiano e até viajou para a Itália na década de 50).

Não basta esses dois nomes ? Tudo bem. Veja abaixo a lista de traduções e como os tradutores de línguas românicas fizeram em relação a palavra Goblin. Nenhum deles realizou adaptação fonética, nem mesmo os que tiveram contato com o Tolkien, como foi o caso da edição argentina de 1964, como mencionado acima. A opção foi a de manter o nome “Goblin” ou traduzir para uma criatura folclórica de cada região. Nada de adaptação fonética.

Mesmo apresentando todas as citações do próprio Tolkien em artigos completos. Mesmo diante de estudo com fontes de diversos outros especialistas internacionais, mesmo com posição totalmente diferente de todos os outros tradutores, será que estão realmente corretos?

Mas claro… “apenas” os tradutores Gabriel Oliva Blum e Reinaldo José Lopes “são os melhores e maiores quando se trata sobre Tolkien”… conforme eles mesmos publicaram em redes sociais em sua página (momento para rir bastante):

 

Comentário de 29-01-2019 na página do facebook. (Não adianta apagar, pois muita gente já viu e tirou print para rir).

  

4) Vocês não estão traduzindo, estão só inventando palavra!Bom, não sei se vocês sabem, mas palavras são inventadas o tempo todo. Tipo “futebol”, “upar”, e “shippar”. Isso normalmente acontece quando a língua de tradução não tem equivalentes considerados precisos para o termo designado na chamada língua de partida (o idioma original). “Duendes”, em português, são entidades com associações fofinhas e naturebas que não dão conta dos “goblins” de Tolkien – daí a opção por “gobelim/gobelins”. Quanto a “Orc”, nunca tivemos uma palavra que sequer se aproximasse em sentido ou tom no nosso idioma. A opção mais lógica é abraçá-las como neologismos – desde que a adaptação fonética necessária seja feita. Aliás, no caso de “Orc” a adaptação fica na fronteira entre o fonético e o gráfico. Ou você conhece algum brasileiro que pronunciasse “Orc” de um jeito que não soasse como “Orque” (aliás, “orqui”, né)?

Ao que indica, o tradutor incorreu em uma falácia “tu quoque”. O tradutor compara palavras que são incorporadas em um processo diferente do que estão propondo. A palavra “Orc” e “Goblin” já comporta um significado na língua portuguesa. É como a palavra “Rock” ou “Marketing” e tantas outras que tem seu significado próprio sem ter alterações fonéticas. E importante dizer que

Em princípio, oponho-me de toda maneira tão fortemente quanto possível à “tradução” da nomenclatura (mesmo por uma pessoa competente). Pergunto-me por que um tradutor deva considerar-se requisitado ou no direito de fazer qualquer coisa semelhante. O fato de este ser um mundo “imaginário” não lhe dá qualquer direito de remodelá-lo de acordo com seu gosto, mesmo que ele pudesse em poucos meses criar uma nova estrutura coerente que levei anos para desenvolver. (TOLKIEN. Carta para Rayner Unwin de 3 de julho de 1956).[8]

A passagem acima evidencia que o Tolkien se preocupava com as palavras do seu mundo. Ele gostaria que os tradutores tivessem o mínimo de respeito e o consultassem antes de criar uma palavra no ato de traduzir. Foi devido a esses problemas com tradutores que em 1967 ele escreveu o guia para tradutores, com a finalidade de evitar que os tradutores tivessem ampla liberdade com nomes de seu mundo. É evidente que o Tolkien tinha bastante cuidado com os nomes do seu mundo a ponto de os considerar como uma parte fundamental de todas as histórias. Será que realmente ele daria liberdade a um tradutor para criar palavras ou mesmo fazer “adaptação fonética” não expressa em seu guia? Não. A conclusão parece ser bem enfática, uma vez que ele, por muito tempo achava que os nomes não deveriam ser traduzidos e somente com a escrita do guia foi que ele listou os nomes que teriam essa possibilidade.

5) O próximo passo vai ser “robitos” e “Tomás Bombadinho”! É um absurdo! Temer essa possibilidade é simples falta de atenção com a maneira como temos trabalhado. As mudanças só afetaram essas palavras porque elas não foram criadas por Tolkien nem são nomes pessoais, mas estão em uso na língua inglesa faz tempo e, portanto, podem ser pensadas como substantivos comuns “adaptáveis”. E, de novo, Tolkien ressalta que o importante é o SOM de “Orc”, não a grafia. Aliás, nota de rodapé: “hobbit” também tinha registro em certos compêndios antes da obra de Tolkien, mas parece que era o termo usado para falar de um ente sobrenatural que não tem nada a ver com Bilbo e companhia. Para todos os efeitos, faz mais sentido tratá-la como invenção de Tolkien e, portanto, mais “intocável”.

Essa é uma Falácia do Espantalho. Em nenhum momento dos artigos foi mencionado tal expressão ou mesmo indicativo de que seria dessa forma as novas edições da HarperCollins Brasil. Além disso,o tradutor usou a falácia da redução ao absurdo. Por serem apenas falácias e não apresentar argumentos sólidos é prudente ignorar e prosseguir nos comentários.

6)Mas gobelim é nome de tapeçaria! Meia-verdade, mas irrelevante. Na verdade o termo preferido pelos dicionários, como o Houaiss, é “gobelino”.Mas e daí? Será que, a esta altura do campeonato, preciso mesmo apresentar a alguém supostamente tão douto quanto o Eduardo o conceito de homófono e homógrafo? “Pena” pode ser de galinha, de dó ou de tempo passado na prisão. Isso por acaso faz a palavra ser proibida em português? De mais a mais, quantas pessoas com nível superior que você conhece vão imediatamente gritar “tapete!” quando você diz “gobelim”?

Pelo menos três falácias são usadas nessa parte: do apelo à vaidade, Non sectur, Apelo ao rico (Ad Crumenam). Mesmo sendo argumentos sem base, é importante apresentar mais informações ao leitor a seguir. Ao que parece o tradutor não pesquisou a respeito do tema. Uma simples pesquisa no Google é possível se verificar o uso da palavra “Gobelim” com o significado de “tapete francês” em diversos dicionários online. A palavra pode ser escrita “Gobelino” ou “Gobelim”. O fato desse ser o conceito da palavra implica em justamente um grande erro. Pois a ideia central do Tolkien era que os nomes de seu mundo fossem compreendidos pelo significado. Palavras de seu mundo que conflitassem com outras de significado diferente deveriam ser analisadas. Como foi o mesmo caso do nome Hobbit na edição francesa, visto acima. Onde o tradutor estava questionando o significado da palavra em Francês e dizendo que seria conflitante adotar a palavra dessa forma. O mesmo ocorre com Gobelim, que por já ter um significado próprio em língua portuguesa conflita com a escolha. Não se trata de colocar uma palavra em nosso idioma com dois ou mais significados, mas sim de observar as diretrizes do Tolkien que foi “traduzir pelo significado” as palavras indicadas no guia para tradutores. Gobelim não é o mesmo que Goblin na língua portuguesa e só por isso não é correto, dentro das diretrizes do Tolkien, escolher tal palavra. Ademais, no Guia para os tradutores do Tolkien a primeira regra básica é “as palavras não listadas no guia, devem permanecer inalteráveis inteiramente”. Não é difícil analisar o guia e verificar que Goblin não está listado como um nome traduzível e não existe nenhuma regra do Tolkien dizendo que tal nome deva ser adaptado foneticamente. A regra é simples: ou se mantém Goblin no original ou se traduz pelo significado. Foi assim que todos os tradutores atuaram e apenas os tradutores brasileiros da Harper Collins Brasil fizeram adaptação fonética (sem previsão expressa do Tolkien).

Ainda está sendo finalizado um artigo sobre a palavra Goblin e diversas informações são apresentadas. Mas já pode ser adiantado que “Gobelim” foi a escolha mais equivocada da Harper Collins Brasil, pelo simples fato de que: Tolkien não escreveu nenhuma regra para que essa palavra seja adaptada foneticamente. Além disso, como visto acima, nenhum tradutor (nem mesmo os que tiveram contato com o Tolkien) realizaram adaptação fonética.

7)Vocês estão fugindo do debate! Parafraseando Bilbo, parece que tem gente que sabe mais do que acontece dentro da minha própria casa do que eu mesmo (ou da casa dos demais membros do Conselho de Tradução). O convite para o debate veio em janeiro, o mês em que eu tenho duas crianças pequenas de férias em casa o dia todo, quando eu também preciso trabalhar como repórter, atualizar meu blog (que sou pago pra fazer), escrever meu próprio livro (que tá atrasado…), traduzir O Hobbit, cozinhar, arrumar a casa, cuidar das porquinhas-da-índia… e eu ainda não defini data pra debater com o rapaz porque estou com medo. Então tá. Debato com a maior tranquilidade – quando eu tiver tempo, e quando houver honestidade intelectual e um mínimo de cortesia pra debater. Nem um minuto antes disso. Essa história toda me lembra a obra do psicólogo Jonathan Haidt sobre como as decisões humanas são tomadas. Ele resume os achados dele da seguinte maneira: “As intuições vêm primeiro, o raciocínio estratégico vem depois”. A estranheza inicial de “Orques” e “Gobelins”, a “feiura”, fez com que intuitivamente muita gente achasse que as traduções estavam erradas. Correram, então, atrás de todo tipo de argumento para tentar justificar racionalmente essa intuição. Faltou, porém, olhar os argumentos por todos os lados possíveis. Tudo bem você achar as palavras feias ou, em termos tolkienianos, “pouco eufônicas”. Tudo bem você achar que outra solução seria melhor. Mas dizer que as nossas opções estão “erradas” e “contrariam Tolkien” não é opinião, meu amigo. É puro autoengano. E agora, se vocês me dão licença, tenho de entregar a tradução de O Hobbit até o dia 10 de fevereiro.

Na metade de Janeiro de 2019, fomos contatados por um rapaz que tem um podcast e é amigo do tradutor da HarperCollins Brasil. Ele já havia inclusive gravado um podcast anterior sobre os livros do Tolkien. Ele pretendia que fosse feito um debate da melhor forma possível. Evidente que aceitamos, pois se trata de um tema relevante e seria uma ótima oportunidade de explicar melhor o erro da HarperCollins Brasil e corrigi-lo. Após ter aceitado o convite. O rapaz do podcast disse que o tradutor não parecia disposto ou estava enrolando, pois não respondia mais. De todos os argumentos falaciosos levantados, esse trecho final parece ser a demonstração de que o tradutor não anda muito bem.  Era realmente necessário usar a família como escudo para não participar de um debate? Ou é apenas o tradutor que tem família e afazeres? o tradutor gastou um bom tempo para escrever todo esse texto com falácias e não tem tempo para um debate? Ele realmente não teria tempo para participar do debate? De todo modo, a ação mais lógica seria ter respondido o rapaz do podcast e dizer que estava ocupado no momento e agendasse uma data posterior. Usar a família dessa forma, foi uma exposição desnecessária. O tradutor coloca como requisito para o debate a “honestidade intelectual”. Pois bem, como pôde ser visto acima, a desonestidade intelectual por parte do tradutor foi visível. Não rebateu nenhum argumento central, não expôs fontes sobre o tema e utilizou falácias, bem como recursos como ironias, desqualificação ou ataque pessoal (além de usar os filhos como argumento para não debater). Ressaltando que, em nenhum momento este site, ou qualquer de seus membros usou ataques pessoais a quem quer que seja. Basta ver os artigos sobre o tema que o foco é sempre, por óbvio, o tema. Agora demonstrado nesse texto um pouco da personalidade e forma de agir do tradutor. Se esse é o tradutor da HarperCollins Brasil, sentimos pena daqueles que dependem apenas das edições brasileiras para conhecer mais sobre Tolkien. Pois a empresa e o tradutor não parecem demonstrar respeito pelos leitores.

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NOTAS E FONTES:

[1] As a general principle for [Mrs Skibniewska’s] guidance, my preference is for as little translation or alteration of any names as possible. As she perceives, this is an English book and its Englishry should not be eradicated. (SCULL. HAMMOND. Reader’s Guide. p. 1036-1037).

[2] Sharkey. This is supposed to be a nickname modified to fit the Common Speech (in the English textanglicized), based on orkish sharkû ‘old man’. The word should therefore be kept with modification of spelling to fit the language of translation; alteration of the diminutive and quasi-affectionate ending -ey to fit that language would also be in place. (TOLKIEN. Nomenclature of the lord of the rings, p.763).

[3] Maggot. Intended to be a ‘meaningless’ name, hobbit-like in sound. Actually it is an accident that maggot is an English word meaning ‘grub’, ‘larva’. The Dutch translation has Van de Made (made = German Made, Old English maða ‘maggot’), but the name is probably best left alone, as in the Swedish translation, though some assimilation to the style of the language of translation would be in place. (TOLKIEN. Nomenclature of the lord of the rings, p. 760)

[4] Orc. This is supposed to be the Common Speech name of these creatures at that time; it should therefore according to the system be translated into English, or the language of translation. It was translated ‘goblin’ in The Hobbit, except in one place; but this word, and other words of similar sense in other European languages (as far as I know), are not really suitable. The orc in The Lord of the Rings and The Silmarillion, though of course partly made out of traditional features, is not really comparable in supposed origin, functions, and relation to the Elves. In any case orc seemed to me, and seems, in sound a good name for these creatures. It should be retained. It should be spelt ork (so the Dutch translation) in a Germanic language, but I had used the spelling orc in so many places that I have hesitated to change it in the English text, though the adjective is necessarily spelt orkish. The Grey-elven form is orch, plural yrch. I originally took the word from Old English orc [Beowulf 112 orc-nass and the gloss orc = pyrs (‘ogre’), heldeofol (‘hell-devil’)]. This is supposed not to be connected with modern English orc, ork,a name applied to various sea-beasts of the dolphin order. (TOLKIEN. Nomenclature of the lord of the rings, p. 761-762)

[5] I wish to avoid a repetition of my experience with the Swedish translation of The Hobbit. I discovered that this had taken unwarranted liberties with the text and other details, without consultation or approval; it was also unfavourably criticized in general by a Swedish expert, familiar with the original, to whom I submitted it. I regard the text (in all its details) of The Lord of the Rings far more jealously. No alterations, major or minor, re-arrangements, or abridgements of this text will be approved by me – unless they proceed from myself or from direct consultation. I earnestly hope that this concern of mine will be taken account of.

[6] Following Tolkien’s difficulties with the Swedish Lord of the Rings, contracts for translations of both The Hobbit and The Lord of the Rings stipulated that the word Hobbit be retained. Tolkien was, however, willing to accept another word in special circumstances. When a new Swedish translation of The Hobbit was being prepared, Tolkien wrote to Alina Dadlez that it might be best to use the same word which had appeared in the Swedish Lord of the Rings – but ‘Hobbit’ was used nonetheless. In a letter about the Spanish translation of The Hobbit on 20 July 1962 he wrote: ‘In a Latin language hobbits looks dreadful, and if I had been earlier consulted I would have readily agreed to some naturalization of the form: e.g. hobitos, which consorts better with the long-adopted elfos, while having the good fortune to contain the normal Sp[anish] diminutive suffix, and a stem hob-, which as far as I know has no associations in Span­ish (Tolkien-George Allen & Unwin archive, HarperCollins). Dadlez passed Tolkien’s comments to the publisher, Fabril, in Buenos Aires, who replied on 14 September 1962 that as h is mute in Spanish perhaps it should be jobitos. Dadlez put this to Tolkien, who wrote on 19 September: ‘I prefer hobitos since it preserves to the eye more relationship to the original word. I do not much mind the h being “mute”; I am sure many hobbits drop their hs like most rural folk in England’ (Tolkien-George Allen & Unwin archive, HarperCollins). (SCULL, Christina. HAMMOND, Wayne. The J.R.R. Tolkien Companion and Guide, Reader’s Guide, p. 1035-1036).

[7] On 13 May 1968, Andre Bay of Editions Stock, who were about to publish a French translation of The Hobbit, wrote to Alina Dadlez that he was unhappy about the word Hobbit, which had unfortunate connotations in French – which, however, he did not dare explain to a woman. He suggested Hopin instead. When this was put to Tolkien he replied: T must rely on the objec­tions raised by those who know more of the depths of the colloquial language! Anyway hopin seems to me a suitable and ingenious solution: hopin / lapin =hobbit/rabbit, I suppose. Not that I intended any such connexion. So hopin let it be: as long as any illustrator is aware that this should not influence him unduly’ (15 May 1968, Tolkien-George Allen & Unwin archive, HarperCollins). In the end, the French translation also used the form hobbit. (SCULL, Christina. HAMMOND, Wayne. The J.R.R. Tolkien Companion and Guide, Reader’s Guide, p. 1036).
[8] In principle I object as strongly as is possible to the ‘translation’ of the nomenclature at all (even by a competent person). I wonder why a translator should think himself called on or entitled to do any such thing. That this is an ‘imaginary’ world does not give him any right to remodel it according to his fancy, even if he could in a few months create a new coherent structure which it took me years to work out. (TOLKIEN. Carta de 3 de abril de 1956, para a Allen & Unwin)

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Nota de esclarecimento sobre o novo padrão de tradução de Tolkien no Brasil pela HarperCollins Brasil

Dando o direito de resposta para a editora Harper Collins Brasil sobre a polêmica dos erros “Orque” e “Gobelim”. Foi nos enviado o texto que se segue. É importante ressaltar que até o momento não ocorreu nenhum debate direto e pelo texto apresentado nos parece que não chegaram a ler o que foi postado no site Tolkien Brasil, pois o texto apresenta muitas falhas de argumentos, mas que serão oportunamente evidenciados.

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No complexo processo de edição de livros, os tradutores são parte fundamental. A arte de traduzir demanda do tradutor o conhecimento e a sensibilidade para transformar enunciados enigmáticos na língua original, de modo que o leitor possa compreendê-los em sua língua materna. Para isso, é preciso moldar a linguagem, gerando inevitáveis alterações em relação ao original. Uma tradução nunca será a mesma coisa que o livro original, pois traduzir não se resume a transferir ou substituir palavras de um idioma a outro. Pressupor que uma tradução é única e idêntica ao seu original é também pressupor que as línguas são transparentes e, desse modo, o tradutor seria mero “reprodutor” das ideias do autor. Não é bem assim: há muitos impasses linguísticos e culturais que uma boa tradução precisa superar de maneira adequada.

J.R.R. Tolkien representa um esforço dobrado na empreitada da tradução. O próprio autor, que era um filólogo de renome, reafirmou muitas vezes que, antes de qualquer coisa, toda a sua mitologia foi escrita com o intuito de dar um mundo às línguas inventadas por ele. Ou seja, cada palavra escolhida por Tolkien não é apenas um veículo para a narrativa, mas parte integrante do mundo subcriado. Assim, a riqueza poética e a complexidade linguística de sua obra são incomparáveis.

Por tudo isso, editar e traduzir a obra tolkieniana foi um desafio que nós, da HarperCollins Brasil, abraçamos ao lado de uma série de entusiastas e especialistas que foram incorporados ao projeto para pensar em cada detalhe. Além da dificuldade que uma tradução coerente de Tolkien exige por si só, a grande adversidade de encarar a reedição de obras cujo universo já está consolidado no imaginário popular — se não pelos próprios livros, já traduzidos anteriormente, pelas adaptações cinematográficas de seus principais títulos, O Senhor dos Anéis e O Hobbit — também não pode ser desconsiderada. Desse modo, apesar de alguns termos não terem sido traduzidos anteriormente da maneira “mais adequada” (do ponto de vista da fidelidade com o sentido proposto por Tolkien), alguns já estavam tão arraigados na cultura popular que sua alteração poderia gerar ruído entre os leitores. O que fazer diante disso?

Cada caso foi levado em conta e discutido individualmente por toda a equipe envolvida nesta nova produção. Todos os critérios de padronização e tradução foram exaustivamente debatidos por um conselho de especialistas chamado, internamente, de “Conselho de Tradução”. Esse conselho discutiu, literalmente, cada tradução de termo, cada raiz de palavra, cada associação fonética para que se chegasse a um consenso. Portanto, todas as conclusões adotadas nas obras impressas são fruto do acordo das seguintes pessoas: Samuel Coto (gerente editorial da HarperCollins Brasil), Ronald Kyrmse (tolkienista, membro há quase 40 anos da The Tolkien Society e tradutor de mais de uma dezena de livros de Tolkien), Reinaldo José Lopes (jornalista, autor e tradutor com mestrado e doutorado concentrado em tradução de Tolkien) e Gabriel Oliva Brum (tradutor literário especializado em ficção especulativa).

Em alguns casos, algumas decisões tomadas destoam um pouco das traduções anteriores. Todas elas foram pensadas e repensadas, buscando chegar sempre ao termo que, na opinião conjunta dos integrantes do Conselho, seria aquele que Tolkien escolheria se escrevesse em português. Para tanto, o Conselho procura consultar, principalmente, o texto “Nomenclatura de O Senhor dos Anéis” ou “Guia para os nomes de O Senhor dos Anéis”, escrito pelo próprio Tolkien e publicado em diferentes coletâneas. Em tal Guia, o autor deixa bastante claro o que se podia ou se devia traduzir da nomenclatura de seus livros e o que ele queria que ficasse intacto.

Tolkien explica no Guia que “no texto original, o inglês representa a fala comum (FC) do suposto período […]. A LT [Língua de Tradução] agora substitui o inglês como o equivalente da fala comum; os nomes em inglês devem, portanto, ser traduzidos para a LT de acordo com seu significado (o mais próximo possível)” (2005, p. 751).

Portanto, tudo aquilo que estava em westron (Fala Comum), que foi “traduzido” para o inglês por Tolkien, deve ser traduzido para o português, que assume seu lugar como Língua de Tradução. A partir da citação acima é possível perceber, ainda, que o próprio Tolkien entendia que uma tradução sempre abre uma pequena margem para adaptação, ao mencionar que tudo deveria ficar “o mais próximo possível”. Outro exemplo que demonstra que Tolkien entendia que o trabalho do tradutor merece certa discricionariedade nas escolhas foi quando comentou sobre a tradução de Rivendell [Valfenda]. Assim está exposto no Guia: “Mas é claro que o tradutor está livre para conceber um nome na LT que seja adequado em sentido e/ou topografia; nem todos os nomes na FC são traduções precisas daqueles em outras línguas” (2005, p. 752).

A parte destacada da citação acima é cristalina em evidenciar a impossibilidade de haver correspondência exata entre termos de todas as línguas. Foi por isso que traduções ao redor do mundo fizeram, em maior ou menor grau, diversas adaptações de nomenclatura. O que dizer, por exemplo, da tradução italiana de O Senhor dos Anéis (1967) que, por discricionariedade da tradutora, optou por não traduzir Orc para o correspondente Orco, e sim para seu diminutivo Orchetti? Sem dúvidas, foi uma tradução adaptada. E tal adaptação contou com a aprovação do próprio Tolkien, que chegou a elogiar a escolha. Ademais, outras traduções escolheram “traduzir” Orc/Orcs para criaturas similares em suas culturas, mas que, sabe-se, não são correspondentes exatos. Tudo isso faz parte do processo editorial, como comentado no início desta nota.

Por esse motivo, optou-se por utilizar, no novo padrão de tradução, a palavra Orque/Orques quando no original em inglês foi utilizado Orc/Orcs, por exemplo. Como mencionado antes, Tolkien determinou que a língua de tradução substitui o inglês; portanto, no caso de Orc/Orcs, deve haver uma tradução. Porém, como fazer isso se não dispomos de um termo correspondente em nossa língua nativa? A solução encontrada pelo Conselho de Tradução uniu a bagagem teórica de seus membros às instruções de Tolkien.

Em seu Guia, que foi especificamente direcionado a línguas germânicas, como alemão, sueco, dinamarquês, etc., Tolkien recomendou aos tradutores germânicos uma certa adaptação quanto ao termo Orc, que deveria ser escrito Ork. Portanto, para nossa língua, o termo foi aportuguesado para Orque, seguindo o tipo de adaptação recomendada, mas no estilo de línguas românicas, como português, francês, italiano etc. Como Orc é uma palavra em inglês e “a Língua de Tradução agora substitui o inglês como o equivalente da fala comum”, não faria sentido mantê-la em sua grafia original. Com Orque/Orques, mantêm-se também a similaridade fonética com o original Orc/Orcs.

Ademais, o próprio Tolkien confirma a possibilidade dessa grafia em uma língua românica (no caso, em francês) em um trecho da Carta n. 144 (de 25 de abril de 1954): “Assim, yrch “orcs, alguns orcs, des orques” ocorre em vol I pp. 359, 402 […]”.

Desse modo, concluímos que a HarperCollins Brasil passou a fazer uso de um termo utilizado pelo próprio J.R.R. Tolkien, tendo sido seguidas todas as suas instruções: substituiu-se o inglês pela Língua de Tradução (português), adaptando-se o termo (diante da inexistência de um correspondente exato em português) para outro, cujo uso já havia sido indicado pelo autor no francês (Orques), idioma que possui a mesma origem românica de nossa língua nativa. Ou seja, o critério para a adoção do termo Orque em português não apenas está de acordo com as orientações do próprio autor, como está dentro da discricionariedade do tradutor, também reconhecida pelo autor em seu Guia.

Vale mencionar que a questão do termo Orque/Orques é apenas uma partícula de um amplo e diverso espectro sobre o qual o Conselho de Tradução vem se debruçando há meses para que a tradução seja feita com a máxima fidelidade possível à intenção original de Tolkien. Diversos outros pontos também são objeto de minuciosa análise, tais como critérios de padronização em hifenização, manutenção de idiossincrasias do próprio original tolkieniano (que podem parecer despadronização ao leitor desavisado), entre outras.

A complexidade e o estilo característicos de Tolkien são tão fora do comum que os revisores de sua época costumavam, por vezes, corrigir termos e expressões que, na verdade, nada tinham a ser corrigidos, e Tolkien precisava lhes escrever explicando por que tinha escolhido esta ou aquela palavra. Um exemplo é o plural de dwarf [anão], que, segundo as regras gramaticais da língua inglesa, deve ser grafado dwarfs [anões]. Tolkien, contudo, adotou um plural “não convencional” para a palavra, grafando, de forma irredutível, dwarves como plural de dwarf. Ele chegou ao ponto de irritar-se com os revisores de O Senhor dos Anéis, que insistiam em “corrigir” a palavra para dwarfs. Embora as palavras inglesa e portuguesa sejam de origens distintas, optou-se por manter em português um plural diferenciado, que refletisse, assim, dentro do possível, a singularidade dos anões tolkienianos e do uso preferido por Tolkien da grafia no original. Assim, embora o singular dwarf seja traduzido e escrito normalmente como anão, o plural dwarves aparece como anãos, forma que, de acordo com as regras do português, não é errada, apenas menos usual que anões.

Além disso, o modo de escrita, por vezes arcaico, de Tolkien não raro faz com que o leitor de língua inglesa precise fazer uso de um bom dicionário. Textos escritos entre os anos 1910 e 1920, como “A Queda de Gondolin”, fazem parte de uma fase peculiar da escrita do autor; são textos que soam bem estranhos e arcaicos em inglês e, por isso mesmo, também precisam soar dessa mesma forma em português. Isso tanto é verdade que Christopher Tolkien, como editor de A Queda de Gondolin e de Beren e Lúthien, fez questão de colocar, ao final de ambos os livros, uma seção de glossário com termos obsoletos, arcaicos e palavras raras. Inclusive, alguns dos nomes próprios que fazem parte das línguas inventadas por Tolkien têm grafias ligeiramente diferentes de versões posteriores, a exemplo de Melko, que depois recebeu um “r” no final (Melkor), fato este que poderá causar um impacto extra aos leitores já habituados às obras O Senhor dos Anéis e O Silmarillion.

Com relação ao eventual estranhamento quanto a termos que agora aparecerão de forma diversa daquela encontrada em traduções anteriores, jogos derivados ou adaptações cinematográficas, ainda que o apego do público a uma ou outra expressão consolidada deva ser considerado, ele não pode servir de parâmetro para o trabalho se estiver em desacordo com o esmero técnico que se espera de uma obra de J.R.R. Tolkien.

A editora reitera que está aberta às críticas e, a partir de argumentos sólidos, não descarta a possibilidade de repensar escolhas que se provarem equivocadas. Contudo, o critério para determinar a adequação ou não de um termo não pode ser o gosto pessoal ou mesmo a consolidação do termo em uso “por costume” por parte de alguns leitores, pois isso seria um desrespeito ao legado linguístico e literário de Tolkien.

Por fim, é impossível determinar com 100% de certeza qual seria a preferência de Tolkien para tradução ou adaptação de alguns termos, uma vez que ele mesmo não pode mais fazer tal avaliação. Mas, com base em outras traduções — inclusive a já mencionada italiana, que contou com a aprovação do autor e preferiu a utilização do diminutivo da palavra Orco (Orchetti) devido a uma interpretação completamente subjetiva sobre o tamanho físico das criaturas de Tolkien, a despeito de seu significado original no inglês antigo —, tendo como referência as próprias diretrizes do autor e, até o momento, considerando a falta de conclusões objetivas em relação às poucas críticas que a nova tradução recebeu, sentimo-nos confiantes de que estamos fazendo um projeto editorial o mais coerente possível com a proposta de Tolkien. Assim, fazemos nossas as palavras do próprio autor em carta a seu editor na época da publicação do primeiro volume de O Senhor dos Anéis, em 1954: “I have exposed my heart to be shot at” [Expus meu coração para que ele fosse alvejado”].

 

Referências

CARPENTER, Humphrey. As cartas de J.R.R. Tolkien. Rio de Janeiro: HarperCollins Brasil, no prelo.

TOLKIEN, J.R.R. “Nomenclature to The Lord of the Rings”. In: The Lord of the Rings: A Reader’s Companion. Londres: HarperCollins, 2005.

Entrevistas

Tolkien entre a direita e a esquerda: Entrevista com a Princesa Vittoria Alliata, tradutora na Itália

Princesa Vittoria Alliata

by Eduardo Stark

Tolkien é um homem de tradição e não um homem de revolução. Devemos deixar isso bem claro”. Com essas palavras enfáticas, a princesa Vittoria Alliata apresenta um resumo de sua luta contra duas correntes revolucionárias. De um lado a direita e de outro a esquerda na Itália e no meio a tradutora de O Senhor dos Anéis.

Certamente, o desejo de muitos fãs de J.R.R. Tolkien seria o de ter algum contato com o autor. Infelizmente Tolkien faleceu em 1973 e restam poucas pessoas que tiveram contato pessoal com ele. Uma dessas pessoas agraciadas é a princesa Vittoria Alliata, que fez a primeira tradução para o italiano de O Senhor dos Anéis, que foi elogiada e aprovada pelo próprio Tolkien.

Vittoria Alliata de Villafranca e Valguarnera nasceu em Genebra em 23 de janeiro de 1950. Ela é escritora, tradutora e jornalista na Itália, especialista em direito islâmico, escreveu diversas obras a respeito e traduziu livros para o Italiano. Em sua adolescência começou a trabalhar como tradutora e um dos seus primeiros trabalhos foi a tradução de O Senhor dos Anéis.

Vittória Alliata é uma descendente de família nobre. Ela é filha do príncipe Francesco Alliata Villafranca e primo de Dacia Maraini. Essa é uma das famílias mais antigas da Europa com vínculos na Grécia antiga e tem relações histórias com a Itália desde a época do imperador romano Constantino (século IV). Um de seus notáveis membros foi o Santo Dacio Agliati, que foi arcebispo de Milão no século VI e lutou contra diversas heresias de sua época e defendeu o Papa Vigílio. Na idade média, os irmãos Gaspare, Melchiorre e Baldasserre Alliata foram lutar nas Cruzadas em favor dos peregrinos que estavam sendo atacados por muçulmanos. Outro membro dessa família que se notabilizou foi o Beato Signoretto Alliata,que ajudava pobres e excluídos em hospitais na Sicilia, quando partiu a fim de catequizar as pessoas no deserto do norte da África, onde foi atacado por um grupo de muçulmanos e foi considerado mártir pela Igreja Católica. Outro conhecido foi o capitão Leone Alliata, que em 1274 defendeu Constantinopla contra os ataques bárbaros e é daí que o ramo da família se estabeleceu em Pisa, logo depois partindo para a Sicilia, onde a família ainda permanece até hoje. No século XV, Francesco Alliata conseguiu o título de príncipe pelo Rei Felipe III da Espanha e no século XVII a família recebeu do rei Carlos III o título hereditário do Reino da Sicilia, cargo ocupado até 1838.  

Se os antepassados de Vittoria Alliata lutaram bravamente no passado contra as ameaças ao seu povo, agora parece que a princesa está em mais uma guerra, dessa vez pela tradução de O Senhor dos Anéis.

Em 19 de janeiro de 2019, ocorreu uma reunião na Biblioteca do Senado, onde o tema central era “a politização de O Senhor dos Anéis”. Atendendo a convite do Senador Maurizio Gasparri, um grupo de estudiosos e jornalistas contou a história editorial das obras de Tolkien na Itália, defendendo a tradução de Vittoria Alliata di Villafranca e rejeitando a decisão da editora Bompiani de retraduzir os três livros do Senhor dos Anéis.

Em contato com Vittoria Alliata, o site Tolkien Brasil, representado por seu fundador Eduardo Stark, realizou uma entrevista para esclarecer o que se passa na Itália e como a tradutora atuou nas obras do Tolkien. Certamente será apresentada aqui a versão dos fatos segundo a entrevistada. Maiores informações e complementos poderão ser publicados no site posteriormente em outro momento.

A entrevista tem seu valor para entender um pouco mais sobre o que se passa sobre Tolkien na época em que a tradutora teve contato com o autor.Além de apresentar novas informações sobre o tema, a princesa relata dados que ainda não tinham sido publicados anteriormente.

Primeiramente, a tradutora fala sobre sua carreira e como se tornou tradutora ainda muito jovem, aos quinze anos de idade. O fato de pertencer a uma família de nobres possibilitou um bom estudo na juventude e a possibilidade de estar em contato com editores:

Eu me tornei uma tradutora ainda muito jovem, pois eu aprendi muitas línguas com minhas babás, e na escola de Francês, e depois consegui minha proficiência Cambridge em Inglês. Na época eu tinha quinze anos. Também estudei na escola de interpretes, onde me graduei em interpretação e tradução simultânea. Em diversas línguas Francês, Românico, Espanhol e, claro, Inglês. Então eu comecei a traduzir para várias editoras, ainda com quatorze ou quinze anos. Comecei com coisas simples e então pensei em traduzir coisas mais importantes e comecei a entrar em contato com os editores. E foi assim que tive contato com a editora Astrolabio, que sugeriu esse livro [O Senhor dos Anéis], que na época não era tão conhecido como hoje. Eles me deram o primeiro volume para tentar trabalhar no primeiro capítulo e também me deram algumas partes do Apêndice, para depois mandar para eles avaliarem e enviarem para o próprio autor [Tolkien}, que iria julgar e avaliar o texto. Ele estava muito bravo, pois as duas primeiras traduções não foram como ele esperava e ele queria que fosse assegurado que a tradução seguisse a risca as suas regras. Ele tinha suas próprias regras para a conversão do espírito de sua obra”.

Quanto aos critérios utilizados na tradução e aprovação do Tolkien sobre a tradução, a tradutora Vittoria explica o que observou naquela época e apresenta a importância sobre o tema para o professor J.R.R. Tolkien:

Eu sei que Tolkien apreciou minha tradução, e seu filho Michael Tolkien disse que apreciou tremendamente e foi aprovado por seu amigo que era um professor de italiano em Oxford. E claro que naqueles dias ele ainda era um autor desconhecido em grande parte da Europa. E era extremamente difícil de traduzir, não pelas próprias dificuldades da língua ou apenas por causa das diferenças, mas também por que ele esperava que o tradutor desse ao leitor a impressão que Tolkien não fosse um estrangeiro, distante, de um mundo desconhecido. Mas ao invés disso, ele desejava uma conexão direta com o próprio passado e os ancestrais míticos. Algo que atingisse cada um dos leitores. Então, meu trabalho, com a idade de quinze anos, quando o fiz, foi tornar atrativo e divertido os elementos contidos no texto. E ao mesmo tempo evidenciar sua profundidade, com um excêntrico e exótico impacto inglês. Mas tentando tornar em algo que influenciou Tolkien, com a dimensão épica de Virgilio. Especialmente Virgilio, uma de suas inspirações. Então, converter isso para o italiano foi usar a língua em uma forma evocativa, uma espécie de balada, uma novela época. Eu me inspirei na forma de escrita do Dante, em que os italianos poderiam estar mais relacionados. E estou convicta que o sucesso da tradução e o motivo do ataque é pelo fato de que é muito italiana. Pois ela prende o leitor italiano e não espera que o leitor seja um especialista em sagas pagãs e nórdicas. Não pressupõe que o leitor seja um fã ou conhecedor da grã-bretanha, ou mesmo que tenha lido uma de suas lendas britânicas. Ele te apresenta ao mundo, que é o seu mundo. Você se sentirá lutando em uma experiência planetária.

Quanto a questão dos nomes de O Senhor dos Anéis, o tema parece ser de grande importância para a tradutora Vittoria Alliata. Ela apresenta como sua tradução foi modificada por pessoas da direita na Itália e como agora as pessoas da esquerda pretendem, segundo ela, realizar a mesma coisa.

Nesses últimos meses, meus inimigos em comum decidiram que minha tradução tem que ser condenada. Por que não é uma tradução marxista/maoista. E Tolkien é, de acordo com eles, um escritor marxista, que foi capturado e usado pelos fascistas e neonazistas. E então eles pretendem destruir minha tradução e tudo o que foi construído nesses longos anos, protegendo Tolkien por mais de cinquenta anos. E agora estamos vendo uma manipulação política, por pessoas que acham que estão perdendo o poder na Itália e talvez em toda a Europa. Eles estão tirando do seu contexto real e tentando fazer do Tolkien um tipo de marionete política. É uma operação desprezível. E estamos lutando contra isso.

Quanto as manipulações que sua tradução sofreu no passado pelo que ela chama de “extrema-direita”, ela explica que o seu original foi modificado em várias partes, especialmente quanto aos nomes dos personagens e criaturas:

De fato, a forma como eu traduzi o livro e todos os nomes quando Tolkien me deu esse documento especial em como traduzir nomes específicos. Centenas deles. Ele foi muito preciso em explicar como ele queria cada nome inventado fosse traduzido em língua estrangeira. Para que o livro não parecesse distante dos leitores. O sucesso do livro, com várias edições da minha tradução, prova que eu estava correta. E até mesmo pelo fato de que foi criticada, no princípio pela extrema direita, pelo curador que desejava tornar a obra mais britânica e mais pagã, uma obra pagã. E evidente que Tolkien não era um autor pagão, ele era um grande fiel católico. Então a ideia do curador era transformar a obra em um livro pagão, ele interferiu em minha tradução, após a morte do Tolkien. Assim, após 1973, minha tradução foi manipulada politicamente para uma forma ideológica pagã de extrema direita. E agora ocorre o posto. Acho isso tudo incrível, mas acho que é a prova que é uma tradução razoável, que merece ser anotada por novas descobertas. Pois claro que, naquela época não existiam outras edições e nenhum livro sobre Tolkien. E ele era uma pessoa muito discreta. Que não aparecia e ele quase não dava entrevistas. Então não sabíamos muito e não tinha internet e poucos jornais falavam das histórias. Então as coisas surgiram com milhares de livros, que poderiam ser parte de uma tradução anotada da obra que mantivesse a identidade original que eu fiz.

Ainda sobre o tema, Vittoria esclarece que parece ocorrer o mesmo tipo de ação em relação a tradução do Tolkien. Ela explica sobre como realizou seu trabalho em meio a uma dificuldade da época por ausência de recursos:

Eu fui a primeira tradutora para a qual o guia dos nomes foi dado por Tolkien. E foi deixado claro por ele que eu deveria respeita-lo cem por cento. E uma das lutas com a nova tradução é que eles querem deixar todos os nomes em inglês. Ironicamente, essa é a mesma luta que eu tive na década de 70. Quanto tempo se passou! Eles estavam tentando tornar o livro em uma espécie de mito céltico ou algo muito nórdico, o que Tolkien não desejava. Pois uma de suas razões que ele considerou é uma direção â nossa vida e a resolução dos problemas naquele tempo. Essas eram as ideias dele. Mostrar uma saga medieval que passou muitos anos até chegar a algo que todos pudessem entender.  Assim, ele se preocupava com os nomes. Ele me enviou vários detalhes de como gostaria que cada nome fosse traduzido, mais ainda do que já foi publicado pela Tolkien Estate. Mas infelizmente eu devolvi para o editor. Naquela época não havia a possibilidade de se fazer fotocópias. Naquele tempo haviam duas traduções feitas, uma delas é a sueca que Tolkien não gostou. Foi muito difícil, pois eu não tinha nenhuma referência, eu trabalhei sozinha e tinha apenas o contato do Tolkien, através dos editores italianos. E foi muito satisfatório o fato de que ele amou o que eu fiz e foi uma grande honra para mim.

A Princesa nunca veio ao Brasil, porém possui alguns conhecidos. Começando pela família Matarazzo, que são seus parentes por parte de avô e tem primos morando no Brasil. Além disso, a princesa diz tem estima pela família imperial brasileira, como diz “Eu sou uma grande amiga da família imperial brasileira. Sou uma grande amiga dos Orleans e Bragança e seus membros espanhóis e franceses”.

Acompanhando as notícias sobre as eleições 2018 no Brasil, Vittoria Alliata ficou surpresa com o fato de que após mais de cem anos de golpe militar e deposição da monarquia, o príncipe Luiz Felipe de Orleans e Bragança foi o primeiro a conseguir um cargo de destaque na república. Foi assim que ela se lembrou das histórias antigas que envolvem as famílias nobres europeias. E narra o seguinte:

Luiz Felipe [rei da frança de 1839 a 1848] foi um apoiador da minha família. Ele veio e ficou aqui em minha casa, onde ele conheceu sua esposa Maria Amélia [de Nápoles e Sicília], embora seus parentes, que eram os Bourbon, fossem contra o casamento. Mas eles foram convencidos. Eles eram contra o casamento por que ele era filho de Luiz Felipe Igualdade (Philippe Égalité), que era apoiador da guilhotina, que decepou Maria Antonieta. Mas eles convenceram para que Maria Amélia se casasse. E nessa casa eles tiveram o começo de uma bela história de amor. Eles escrevem em suas memórias que foi aqui que o destino da Europa foi mudado. Então, talvez esse também chamado de Luiz Felipe de Orleans, irá mudar o destino da América latina. Assim eu tenho esperança.

O deputado Luiz Felipe Orleans tem como nome Luiz Philippe Maria José Miguel Gabriel Rafael Gonzaga de Orléans e Bragança, nasceu em 3 de abril de 1969 e é um empresário brasileiro, cientista político que é príncipe de Orléans e Bragança no Brasil e França. Descendente dos imperadores Dom Pedro I e Dom Pedro II e sobrinho do príncipe Dom Luís Gastão de Orléans e Bragança, atual chefe da casa imperial do Brasil. Luiz Phillipe é autor do livro “Por que o Brasil é um país atrasado? – o que fazer para entrarmos de vez no século XXI” (2017). Em 2018 foi eleito para o mandato de Deputado Federal no Brasil, sendo o primeiro membro da família imperial brasileira a ocupar um cargo político de relevância desde a Proclamação da República em 15 de novembro de 1889.

Embora a princesa italiana Vittoria Alliata tenha suas relações com a monarquia, evidentemente por ser uma descendente. Ela deixa claro que como tradutora pretende que as obras se mantenham o mais coerente possível com o que Tolkien desejava. Diante desses conflitos e insegurança, ela entrou em contato com a família Tolkien para ficarem cientes do que ocorre na Itália.

Diversas

Escritor de ficção acusa Tolkien de ser racista contra Orcs!

Escritor Andy Duncan

Acusar Tolkien de ser racista é algo tão antigo quanto as próprias obras dele. Inicialmente, na década de 60 (do século XX), os movimentos de contra cultura, especialmente os hippies, admiravam as obras do Tolkien como verdadeiros símbolos de liberdade, pluralismo e tolerância racial. Tendo como exemplo a Sociedade do Anel, um grupo de vários indivíduos de diferentes povos e raças se unindo contra uma força maligna.

Porém, após a publicação da biografia do Tolkien escrita por Humphrey Carpenter (recentemente republicada pela editora Harper Collins Brasil veja AQUI), aquela geração de leitores descobriu que o autor do Hobbit era um senhor de idade católico tradicional e com tendências politicamente conservadoras, em muitos aspectos. Isso não foi do agrado de algumas pessoas que agora viram o grande sucesso literário como uma “ameaça ideológica”. Com isso, as primeiras declarações de que a obra do Tolkien pudesse ser racista surgiram na metade da década de 80. Desde então, aqueles que não leram as obras ou não pesquisaram sobre a vida do Tolkien têm essa visão distorcida.

Foi pensado nisso que fizemos esse artigo AQUI, mostrando a opinião do Tolkien sobre racismo, apartheid na África do Sul (onde o autor nasceu). Tolkien era contra o racismo e qualquer forma de discriminação. Ele também se posicionou contra os nazistas e sua política racial durante a segunda guerra mundial (veja AQUI, sobre Tolkien contra o Hitler).

Porém, a mentalidade de acusar sem entender a obra, ou sem ter lido com maior detalhe ainda permanece e parece que novamente isso ocorreu. O escritor de ficção Andy Duncan apresentou sua opinião sobre O Senhor dos Anéis e sobre o racismo durante uma conversa sobre sua obra “Senator Bilbo”, durante o podcast “Geek’s Guide to the Galaxy” em novembro de 2018, originalmente hospedado pela Wired magazine. O que ele disse sobre os Orcs e sua relação na Terra-média foi o seguinte:

Não é difícil perder a informação repetidas vezes em Tolkien de que algumas raças são piores que outras. Que alguns povos são piores que outros. E isso parece-me, a longo prazo, se você assimilar isso demais, haverá consequências terríveis para nós e toda a sociedade. Então, o “Senador Bilbo” é uma paródia em que há um demagogo racista passando no mundo dos halfings [Hobbits] em uma espécie de padrão desesperado para manter à distância toda a mudança que está chegando com a resolução de o Senhor dos Anéis.

Pense desta maneira. Eu não estou questionando que neste tipo paródico da Terra-média, como estou imaginando, não estou questionando que havia um Sauron, e ainda não estou negando todo o derramamento de sangue e toda aquela maldade, que precisava ser repudiada mais do que eu faria, em nosso mundo seria negar o holocausto. Por outro lado, posso facilmente imaginar que muitas daquelas pessoas que estavam fazendo a vontade do Senhor das Trevas estavam fazendo isso por mera auto-preservação e assim por diante. Que um muitas daquelas criaturas foram capturadas de sua terra por Sauron e não tiveram muita escolha do que fazer. Então, eu tive essa noção muito complicada da política de tudo isso.

Duncan também comparou o tratamento dos Orcs com os refugiados atualmente e parece ter feito criticas ao Presidente Donald Trump sobre a situação das fronteiras com o México. Segundo Andy Duncan “É mais fácil demonizar o oponente do que tentar entendê-lo e entender as forças complexas que estão liderando-os, por exemplo, os refugiados tentando atravessar as fronteiras do sul dos Estados Unidos, legalmente ou ilegalmente. È fácil construir muros e demonizá-los como “escória”.

É fato que se algum escritor desconhecido deseja fazer sucesso, comumente ele utiliza Tolkien como escada. Isso aconteceu, por exemplo, no início das carreiras de J.K. Rowling e George R.R. Martin e tantos outros escritores de fantasia, que tiveram Tolkien como fonte de inspiração. Parece que o escritor Andy Duncan teve essa mesma ideia quando escreveu o conto de “Senator Bilbo”, porém, ao invés de ressaltar as qualidades como os escritores anteriormente fizeram, em entrevistas está acusando Tolkien de ser racista (isso acabou noticiando o ocorrido em sites e jornais de grande projeção como The Telegraph).

Andy Duncan escreveu essa paródia quando descobriu que existiu um político norte-americano chamado Theodore G. Bilbo (1877-1947), cujo sobrenome é o mesmo que o nome do protagonista de O Hobbit “Bilbo Bolseiro”. Theodore era um forte pregador da “supremacia branca”, defendia a segregação e foi membro da Ku Klux Khan. Certamente Tolkien não pensava no político quando deu nome ao personagem. Esse tipo de coincidência de nomes acontecia frequentemente, como exemplo o Sam Gamgee, em que um homem com o mesmo nome enviou uma carta para o Tolkien dizendo ser homônimo do personagem.

Os comentários sobre o comentário do Andy Duncan ficam por conta de quem leu as obras. Interpretações são múltiplas e isso que produz o bom debate sobre o tema. Racismo ou qualquer forma de discriminação é algo que nossa sociedade não deve aceitar assim como o próprio Tolkien também não tolerava. E só para deixar claro… Tolkien costumava em suas cartas apelidar os nazistas de “Orcs”.

Glossopoeia

Conclusões sobre a mudança de “Orc” para “Orque” pela editora Harper Collins Brasil

 

  by Eduardo Stark
(tolkienbrasil@gmail.com)

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Antes de ler esse artigo, é interessante que você tenha lido as partes iniciais sobre o tema. A sua compreensão poderá ser comprometida se não tiver aquelas informações prévias.

Veja a primeira parte AQUI, a segunda parte AQUI, a terceira parte AQUI.

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No início de 2018 a editora Harper Collins Brasil adquiriu os direitos autorais de tradução e publicação no Brasil e realizou a contratação de três encarregados das traduções: Reinaldo José Lopes, Ronald Kyrmse e Gabriel Oliva Blum. Antes mesmo da finalização dessas contratações, como administrador e fundador do site Tolkien Brasil, fui comunicado pelo Samuel Coto, editor responsável da Harper Collins Brasil. Naquela oportunidade apresentei elogios a todos os três nomes apresentados. Muito embora tenham cometido erros de traduções em livros anteriores, não há que se negar que são bons fãs do Tolkien. Nesse ambiente de empolgação e de entusiasmo com a nova editora o site Tolkien Brasil apoiou os empreendimentos das novas publicações. Também não se deve negar que a editora Harper Collins está promovendo uma grande evolução em se tratando de Tolkien no Brasil, deixando para trás as experiências ruins com a antiga editora Martins Fontes. Essa antiga editora não se atentava aos anseios dos fãs, especialmente quando estes apresentaram graves erros nas traduções das obras. Como exemplo, O Senhor dos Anéis pela editora Martins Fontes tem mais de 200 erros e omissões de parágrafos que nunca foram corrigidos.

Contudo, foi logo anunciado que os tradutores iriam modificar alguns nomes que estavam já utilizados na tradução anterior. Passaram a mudar a palavra “Orc” para “Orque”, “Goblin” passou a ser “Gobelim” e o plural “Anões” foi modificado para “Anãos”, dentre outras mudanças. Os tradutores alegavam que tais mudanças estavam de acordo com o que o Tolkien apresentou em seus escritos e que seguiam as diretrizes do autor.

Em 15 de setembro de 2018 ocorreu uma reunião online, via skype, em que participaram o Samuel Coto, editor responsável pela Harper Collins Brasil, e os tradutores Reinaldo José Lopes, Ronald Kyrmse e Gabriel Oliva Blum. E também os amigos Claudia e Alexander. Nesse oportunidade foi explicado as razões das mudanças.

As justificativas para as mudanças, especialmente para “Orque” e Gobelim”, não pareciam ser razoáveis e dentro do que o Tolkien direcionava. Iniciei uma pesquisa sobre o assunto e em 22 de setembro de 2018, decidi fazer uma pergunta no grupo do facebook do Tolkien Brasil para saber a impressão dos leitores sobre essas mudanças (Veja Aqui). Foram mais de 200 comentários, onde a maioria das pessoas reclamou das mudanças feitas. No mesmo dia, o tradutor do livro “A Queda de Gondolin”, Reinaldo José Lopes respondeu em um post sobre o tema, onde tentou esclarecer a mudança das palavras. (Veja Aqui). No dia seguinte, tendo em vista a grande controvérsia, foi necessário escrever outro post para esclarecer minha posição até então. Foi decidido que iria terminar de escrever o artigo que estava fazendo sobre o tema. (Veja Aqui).

Assim, nos últimos posts desse site analisamos a palavra “Orc” em vários pontos. Primeiramente sobre a origem da palavra no mundo real e no mundo imaginário do Tolkien, apresentando toda a complexidade da palavra e do uso que o Tolkien fez em suas obras. A segunda parte foi dedicada a apresentar as diversas diretrizes dadas pelo próprio Tolkien sobre como a palavra “Orc” deveria ser traduzida para outras línguas. A terceira parte consistiu em analisar as atividades dos tradutores do Tolkien em línguas neolatinas: Francês, Espanhol, Italiano e Português. Com isso foi feito um acréscimo de informações para todos os que pretendem conhecer melhor a complexidade das obras do Tolkien e como ele escolhia as palavras para seu mundo imaginário.

Agora passamos a tratar especificamente sobre a decisão da editora Harper Collins Brasil em mudar a palavra “Orc” para “Orque”.

 

 

“Empréstimo” do Francês?

 

Aquele que tem um conhecimento sobre a língua francesa ou que teve acesso aos livros do Tolkien nessa língua logo percebe que “Orque” e “Gobelin” são palavras usadas no francês. A palavra “Orque” em francês moderno é o mesmo que no português “Orca”, um tipo de baleia gigante. Enquanto que no francês medieval “Orque” tem o mesmo significado que um “demônio, monstro”. Foi observando a palavra em francês medieval que os tradutores daquele país usaram o termo na tradução. Já “Gobelin” em francês moderno é uma criatura folclórica ao estilo dos trasgos ou duendes. “Gobelin” em francês moderno também é um tipo de tapeçaria.

Se os tradutores optaram por escolher essas duas palavras do francês não realizaram uma tradução e sim uma substituição das palavras em inglês pelas francesas. De modo que não parece interessante substituir palavras estrangeiras quando poderia ser deixado o original. Seria o mesmo que traduzir “Ball” em Inglês por “Ballon” em francês, ao invés de se traduzir para o Português com a palavra “Bola”.

Além disso, vem o fato de que das línguas neolatinas (espanhol, italiano, português, francês etc), a língua francesa não era a preferida do Tolkien, era na verdade o espanhol e em seguida o italiano. De modo que, se fosse para escolher palavras vindas da mesma árvore linguística deveria ser escolhido alguma com maior proximidade ao Português e que fosse do agrado do Tolkien, o que seria então a língua espanhola e não a francesa.

Contudo, os tradutores alegaram que não realizaram tal “empréstimo”, embora seja uma incrível coincidência que são as mesmas palavras usadas no Francês para as mesmas criaturas no mundo do Tolkien. Fato é que os tradutores conheciam que essas palavras eram usadas no francês antes de realizarem a mudança. Mas segundo informado, eles realizaram uma adaptação fonética e não empréstimo linguístico. Dessa forma, é necessário analisar esse se essa ideia é válida dentro das diretrizes fornecidas pelo Tolkien.

Adaptação fonética?

 

Os tradutores dizem que o Tolkien pretendia que a palavra “Orc” fosse adaptada foneticamente. Então a pergunta que se deve fazer é se a palavra “Orc” pode ser adaptada foneticamente ou se deve ser traduzida pelo sentido. Em postagem do facebook de 22 de setembro de 2018, o tradutor Reinaldo José Lopes disse o seguinte:

De modo geral, Tolkien deixou bastante claro o que se podia ou devia traduzir da nomenclatura de seus livros e o que ele queria que ficasse intacto. Boa parte disso está no texto “Nomenclatura de O Senhor dos Anéis” ou “Guia Para os Nomes de O Senhor dos Anéis”, publicado em diferentes coletâneas. Os termos “Orc” e “goblin” fazem parte dessa categoria que admite tradução ou adaptação para a fonética da língua de tradução segundo o próprio Tolkien.

Ainda para embasar esse argumento, o tradutor disse o seguinte: “O próprio Tolkien usa a expressão francesa “des Orques” (alguns Orques) para se referir à essa espécie em suas cartas, outro sinal de que ele admitia esse tipo de adaptação fonética”.

Eis aqui o primeiro equívoco. O uso da palavra “Orque” pelo próprio Tolkien foi apenas para dar o significado a palavra em Sindarin “yrch” e não para dizer que tal palavra deveria ser adaptada foneticamente para traduções, muito menos disse que seria o caso de ser tal palavra uma adaptação fonética. Como visto anteriormente, “Orque” é uma palavra francesa que no período medieval tinha o mesmo significado de “Orco” ou “Orc”, referindo a um demônio ou monstro do folclore. No capítulo anterior é possível ver a análise que os tradutores fizeram sobre a palavra “Orque” e as razões de terem optado por essa palavra na tradução, a ideia foi a de buscar o sentido da palavra.

Em post do site Jovem Nerd, de 22 de outubro de 2018, Reinaldo José Lopes reiterou a atitude criadora como tradutor:

O tradutor explica que “orc” é uma palavra em inglês que surgiu na Idade Média, cujo significado original é a de “ser infernal, demônio ou monstro” e que Tolkien escolheu para se referir às criaturas que aparecem nas histórias da Terra-média. “Por ser um termo em inglês, ele tem que ser traduzido”, diz Lopes. “Porém, Tolkien ressalta que como sonoridade e como estilo, o som geral de ‘orc’ já está bom e esse som tem que ser mantido”, acrescenta. No caso de línguas germânicas, como é o caso do alemão ou o sueco, a grafia de “orc” foi substituída por “ork” para que a fonética da palavra fosse a mesma.[1]

De fato, Tolkien disse que o som de “orc” parecia agradável e foi por esse motivo que escolheu tal palavra. Porém, em nenhum momento o autor apresenta a ideia em seu guia de que todas as línguas de tradução deveriam realizar uma adaptação fonética para essa palavra. Pelo contrário, ele específica para as línguas germânicas, que se deu não apenas pelo som produzido, mas também pelo seu significado, uma vez que “Ork” também significa “Orc” ou “Orco”, o monstro do folclore, já mencionado.

O processo de escolha das palavras nas línguas indo-européias passou pela mistura de sonoridade e pelo significado. Assim, “Orque” em francês tem o mesmo significado que “Orco” no espanhol, que por sua vez tem o mesmo significado que “Ork”. Todas essas palavras tiveram a mesma origem comum no latim “Orcus”, conforme pode ser visto na tabela evidenciada no capítulo anterior. Como o Português é uma língua indo-européia, o critério que deveria ser utilizado é o mesmo das demais línguas desse ramo linguístico, ou seja, a tradução pela equivalência.

A adaptação fonética pura, sem um vínculo mínimo de significado original na língua de tradução, foi utilizada apenas em línguas que não fazem parte do ramo indo-europeu. Isso é devido ao fato de que na cultura desses países simplesmente não há influência, nesse ponto, do latim e das histórias em torno da palavra. Assim, em Finlandês ficou “Örkki”, em japonês オーク [Oku], em Coreano 오크 [Okeu], em Russo Орки [Orki}, e em Turco “Oklar”.

Deve ser ressaltado que no guia para tradutores escrito por Tolkien ele se destinava aos que falavam línguas germânicas, em especial o alemão e dinamarquês. Além disso, a proposta do Tolkien era que as palavras fossem traduzidas de acordo “com seu significado”. Não há possibilidade dada pelo Tolkien que as palavras fossem adaptadas fonéticamente. Especialmente as palavras de seu mundo, como é o caso de “Orc”, não sofreriam adaptação fonética por não existir tal diretriz, isso ocorreu em países de língua não indo-europeia por uma necessidade.

A inapropriada “criação de palavras”

 

Mesmo que a palavra escolhida “Orque” não seja retirada do francês, como dizem os tradutores, ocorre outro problema ainda maior. Segundo eles a palavra é uma construção linguística ou uma palavra criada. O problema dessa forma de pensamento é que afronta diretamente o que o próprio Tolkien pensava sobre os tradutores criadores de palavras. A citação abaixo demonstra a opinião de Tolkien a respeito de palavras que eram adaptadas foneticamente ou por intervenção do tradutor:

Em princípio, oponho-me de toda maneira tão fortemente quanto possível à “tradução” da nomenclatura (mesmo por uma pessoa competente). Pergunto-me por que um tradutor deva considerar-se requisitado ou no direito de fazer qualquer coisa semelhante. O fato de este ser um mundo “imaginário” não lhe dá qualquer direito de remodelá-lo de acordo com seu gosto, mesmo que ele pudesse em poucos meses criar uma nova estrutura coerente que levei anos para desenvolver. Presumo que se eu tivesse apresentado os Hobbits falando italiano, russo, chinês, ou o que queira, ele teria deixado os nomes em paz. (TOLKIEN. Carta para Rayner Unwin de 3 de julho de 1956).[2]

Está evidenciado que Tolkien se preocupava com o ato do tradutor criar palavras para a finalidade de “traduzir”. O comentário do tradutor brasileiro evidencia que foi criado um “sistema” ou remodelagem para formar as palavras. Na postagem do faceebook de 22 de setembro de 2018, Reinaldo José Lopes não esconde o fato de ter sido uma palavra criada:

A orientação geral de Tolkien era: se a palavra faz parte da língua inglesa corrente, ela pode ou até deve ser traduzida ou adaptada para a língua de tradução. Foi o padrão que seguimos no caso de “Orque”, “Gobelim” e “Trol” (com um L só). Imaginamos como seria se há séculos as palavras “orc” e goblin” fossem incorporadas ao português e sofressem a evolução fonética natural dentro da língua. “Orque” e “Gobelim” seriam resultados plausíveis desse processo. “Trol” perde o L duplo inexistente em português. É importante lembrar também que tanto orc quanto goblin são palavras, em última instância, de origem latina, e portanto não é absurdo adaptá-las à fonética do português.

O primeiro equívoco está em afirmar que “Orc” é uma palavra que está na língua inglesa corrente. Na verdade, Tolkien usou a palavra vinda do anglo-saxão (demônio, monstro) e não aquela do inglês moderno (baleia assassina). Contudo, a permissão de tradução viria pelo fato de ser uma palavra em língua westron, conforme está no guia para os tradutores.

Quando a “evolução fonética natural dentro da língua”. Não parece correto dizer que o resultado para o português seria “Orque”, tendo em vista que em espanhol e italiano, duas línguas muito parecidas com o Português, tiveram a palavra originalmente “Orcus” e essa evoluiu naturalmente para a palavra “Orco”.

Ainda no post do site Jovem Nerd, de 22 de outubro de 2018, Reinaldo José Lopes reiterou a atitude criadora como tradutor:

Nós fizemos exatamente um análogo disso para o português. Nós não temos naturalmente no português palavras terminadas em ‘c’ e num geral também não temos palavras terminadas em ‘k’, e, portanto, pensando nisso, nós colocamos uma grafia que tem um som parecido, que é o ‘q-u-e’, que é basicamente como uma pessoa pronunciaria o ‘c’ de ‘orc’. A ideia então, pensando que “orc” é uma palavra que veio do inglês antigo para o inglês moderno, nós então pensamos como essa palavra, que veio do inglês, seria escrita no português caso ela tivesse entrado na nossa língua em um período mais antigo, como isso modificaria ela? Faz sentido pensar que nós teríamos esse ‘q-u-e’, com o som mais atenuado, mais enfraquecido, seguindo a nossa tendência em botar vogal no final de tudo.[3]

Aqui o tradutor informa corretamente que a palavra veio do Inglês antigo. Porém, erra quando diz que ela veio “para o inglês moderno”. Como demonstrado no primeiro capítulo, a palavra “Orc” tem vários significados sendo que no Inglês antigo significava “demônio, monstro”. Tal palavra não foi utilizada no Inglês moderno, sendo que nessa língua corrente tem o significado de “baleia assassina” e não de “demônio, monstro”. O que o Tolkien fez foi buscar a palavra em seu significado antigo e utilizar com esse significado em suas obras, embora não fosse semelhante aos Orcs que pretendia, como analisado no segundo capítulo.

Outro problema da escolha de “Orque” foi ignorar a possibilidade de ser pronunciado a vogal “E” de diferentes formas. Afinal, o Brasil é um país continental e de diferentes sotaques e formas de pronunciar as palavras. “Orque” poderia ser pronunciado como “Orquê” ou “Orqué” ou ainda “Orquí”. O que seria diferente da palavra “Orc”, cujos leitores sabem a pronuncia e não ocorre confusão em decorrência dessa grafia vinda do Inglês.

 

Palavras consolidadas e modificação

 

Na metade dos anos 1960s, Tolkien reanalisou a palavra “Orc” e decidiu que deveria mudar a grafia para “Ork” devido a aspectos gramaticais. O Senhor dos Anéis já havia sido publicado em 1954 e 1955. Em 1967 ele abandonou a ideia de alteração, observando que já havia se passado mais de dez anos desde a publicação do livro e o fato de ter usado a palavra “Orc” tantas vezes. A palavra já havia se consolidado com esta escrita.

Deveria ser escrito ork (como na tradução holandesa) em uma língua germânica, mas eu usei a grafia orc em tantos lugares que hesitei em mudá-lo no texto em inglês, embora o adjetivo seja necessariamente escrito orkish. (TOLKIEN. Nomenclature of the lord of the rings, p. 762)[4]

Como visto acima, alguns anos após a publicação de O Senhor dos Anéis, por volta de 1960, Tolkien encontrou-se em um dilema sobre a correta grafia da palavra. Segundo ele “…deveria ser ork. Conquanto apenas por causa das dificuldades de grafia no inglês moderno:” (TOLKIEN. Morgoth’s Ring, p.422)[5] Tolkien se preocupava com os aspectos ortográficos que iria implicar tal escolha, sobretudo o adjetivo “orkish” que seria a forma certa e não “orcish”.

Então, em 1965, dois anos antes da escrita do guia para tradutores, Tolkien teve a possibilidade de alterar a grafia de Orc para Ork durante a revisão de O Senhor dos Anéis, mas não fez a modificação, haja vista que, como apontado no guia para os tradutores, o autor percebeu que isso não seria mais conveniente. Ele usou muitas vezes a grafia Orc e a palavra já havia se enraizado por mais de dez anos desde a publicação de O Senhor dos Anéis. Há para Tolkien uma preocupação com a decorrência dessa alteração, especialmente em relação ao público e ao que já havia sido estabelecido.

A primeira tradução do Senhor dos anéis feita em Portugal em 1981 usou a grafia original “Orc” e a segunda tradução brasileira (da editora Martins Fontes) optou também por usar “Orc” em 1994. Com os filmes do diretor Peter Jackson o nome se consolidou ainda mais entre os fãs. Agora em 2018, quase 25 anos depois a editora Harper Collins Brasil, que adquiriu os direitos das obras do Tolkien mudou a grafia para “Orque” e os tradutores alegam que seguem as diretrizes do Tolkien…

 

Qual seria o melhor caminho?

 

Inicialmente o caminho para escolha seria o mesmo que as traduções para o espanhol e italiano. Ambas utilizaram a palavra “Orco”, seja pelo significado “criatura monstruosa do folclore” ou pela modificação final da palavra como o exemplo “Elf” se tornou “Elfo”, logo “Orc” seria “Orco”. Porém, a palavra “Orco” não carrega o mesmo significado na língua portuguesa. Tal palavra tem apenas o sentido de “inferno, hades” na língua portuguesa. Assim, poderia haver um conflito de significados de palavras.

O professor Tolkien demonstra, através de suas cartas e escritos, ser um autor que buscava preservar sua obra e mante-lá próximo do que pretendia. Foi um dos fatores que o incomodava quando verificava traduções em que os tradutores tomavam liberdades criativas. Foi assim que ele criou justamente o guia para tradução, na possibilidade de fazer com que tivesse limitações a atuação criativa dos tradutores quanto a nomenclaturas.  Foi assim que em 1956, Tolkien disse que não gostaria que as palavras “Hobbit” e “Orc” fossem modificadas, por serem parte daquele mundo.

Assim, diante de uma possibilidade entre “palavra criada pelos tradutores” e uma palavra “Original do Tolkien”, certamente é preferível que se mantenha o original, ou seja, “Orc” ao invés de algo que não está consolidado e que carrega em si mesma uma decisão equivocada.

 

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NOTAS:

[1] https://jovemnerd.com.br/nerdbunker/o-senhor-dos-aneis-mudancas-traducao-br/

[2] In principle I object as strongly as is possible to the ‘translation’ of the nomenclature at all (even by a competent person). I wonder why a translator should think himself called on or entitled to do any such thing. That this is an ‘imaginary’ world does not give him any right to remodel it according to his fancy, even if he could in a few months create a new coherent structure which it took me years to work out. I presume that if I had presented the Hobbits as speaking Italian, Russian, Chinese, or what you will, he would have left the names alone.(TOLKIEN. Carta de 3 de abril de 1956, para a Allen & Unwin)

[3] https://jovemnerd.com.br/nerdbunker/o-senhor-dos-aneis-mudancas-traducao-br/

[4] In any case orc seemed to me, and seems, in sound a good name for these creatures. It should be retained. It should be spelt ork (so the Dutch translation) in a Germanic language, but I had used the spelling orc in so many places that I have hesitated to change it in the English text, though the adjective is necessarily spelt orkish. (TOLKIEN. Nomenclature of the lord of the rings, p. 761-762)

[5] …should be ork. If only because of spelling difficulties in modern English: an adjective orc + ish becomes necessary, and orcish will not do. In any future publication I shall use ork. (TOLKIEN. Morgoth’s Ring, p.422)

Glossopoeia

Análise de “Orc” nas traduções neolatinas

by Eduardo Stark
(tolkienbrasil@gmail.com)

 

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Essa é a terceira parte de uma série de artigos que analisa a palavra “Orc” e como ela pode ser traduzida de acordo com as diretrizes do Tolkien. A primeira parte trata sobre a origem da palavra veja AQUI e a segunda parte sobre o que Tolkien disse sobre como a palavra poderia ser traduzida veja AQUI.

Renovo  o agradecimento pelo o auxilio e a colaboração dos tolkienistas e tradutores Oronzo Cilli, Carl F. Hostetter, Henk Brassien, Jared Lobdell David Giraudeau, Paulo Pereira, Ryszard Derdzinski, Edouard Kloczko, Audrey Morelle, Vicent Ferré, Daniel Lauzon, Vittoria Alliata di Vilafranca. O presente texto foi abrilhantado com as informações prestadas por esses grandes estudiosos das obras do Tolkien e possibilitou que se tornasse mais completo do que inicialmente era pretendido. 

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Como dito anteriormente, o empenho em traduzir as obras de um autor como Tolkien implica em uma série de decisões que são pouco exploradas em outros livros estrangeiros. O mundo imaginário, em que se passa as aventuras de O Senhor dos Anéis, tem diversas peculiariedades que repercutem na própria forma de escrita do autor. O fato de serem obras que envolvem diversos aspectos em si mesmo e o que o Tolkien pretendia imprimir em sua obra apresenta um verdadeiro caldo cultural peculiar. É por isso que, nesse processo, é uma tarefa impossível manter a fidelidade plena em relação ao original.

As características culturais, linguísticas e históricas são fontes essenciais para se entender as obras e ainda mais para se traduzir os livros. Foi tratando sobre a tradução de O Senhor dos Anéis e sobre as noções apresentadas pelo Tolkien que o estudioso Alan Turner escreveu o ensaio onde explicou os principais pontos do assunto e afirmou o seguinte:

O Senhor dos Anéis contém um vasto potencial de significado para aqueles que desejam estudá-lo de perto, e esse potencial pode não ser inteiramente sem efeito para aqueles cuja principal preocupação é a história. Em uma situação ideal, o leitor de uma tradução seria capaz de descobrir tantos níveis quanto o leitor do texto-fonte. Em termos concretos, isso significaria que toda a rede de relações linguísticas e seu significado literário estabelecido pelo dispositivo da pseudotranslação seriam acessíveis ao leitor sensível na língua-alvo. Mas uma replicação 100% precisa dessa rede é impossível, porque a estrutura é baseada em inglês, e cada idioma ocupa uma posição única dentro da família de idiomas relacionados, que não pode ser replicada com precisão em nenhuma outra língua-alvo, assim como a nomenclatura da Inglaterra está unicamente ligada à topografia e à história cultural da Inglaterra e não pode ser mapeada precisamente em nenhum outro local. Mais uma vez, a solução de cada tradutor depende do tempo e do local. (TURNER. Tolkien in Translation, p. 27-28)[1]

Entender a cultura, a língua e a história da Inglaterra pode contribuir para elucidar aspectos essências das obras. Porém, existe um vinculo com seu país que é único e inalterável, mesmo quando vertido o livro para outra língua. Cabe ao tradutor adaptar o máximo que puder e deixar livre aquilo que não foi possível ser compreendido de forma clara no idioma da tradução. Tendo em vista essa dificuldade inicial em se traduzir seria  interessante observar quais as diretrizes apresentadas pelo próprio autor. Uma vez que isso fosse feito, outro passo importante é verificar como os tradutores, especialmente das línguas neolatinas, agiram diante de palavras complexas como “Orc”.

A tradução pelo sentido foi a primeira ideia do Tolkien, especialmente no período entre 1930 a 1937. Para Tolkien “Orc” era um nome típico de seu mundo e por isso deveria ser traduzido de acordo com o seu significado para um ser folclórico ou mitológico. Foi por isso que escolheu a palavra “Goblin” para substituir “Orc” no livro O Hobbit. Porém, Tolkien observou que no âmbito europeu não era possível encontrar seres que fossem totalmente compatíveis em significado. Foi assim que passou a adotar a ideia de que a palavra Orc não deveria ser traduzida, em época entre 1954 a 1956, Tolkien desenvolveu a ideia de que por ser uma palavra própria do mundo, na língua de Rohan ou Westron, não seria traduzível para outros idiomas.

Quando as primeiras traduções para línguas europeias foram sendo realizadas, Tolkien apresentou a solução de que o termo Orc deveria ser traduzido conforme a sua equivalência nas línguas Indo-europeias. Haveria o vínculo da escrita, fonética e mitologia na palavra. Assim, Tolkien chega a afirmar que “A escolha dos equivalentes foi direcionada em parte por significado (onde é discernível nos nomes originais), em parte pelo tom geral, e em parte pelo comprimento e estilo fonético”. (TOLKIEN. The People of Middle-earth p.46-48).[2] Portanto, na tradução verificando a equivalência se observa tanto o som da palavra quanto seu significado na língua a ser traduzida. Para Tolkien era preciso ter elementos fonéticos que fossem interessantes em cada língua, porém não deveriam ser dessassociados de seus significados. Havia uma conexão entre essas duas características que o fascinava. Foi assim que disse: “O prazer básico nos elementos fonéticos de uma linguagem e no estilo de seus padrões, e então em uma dimensão superior, o prazer na associação dessas formas de palavras com significados, é de importância fundamental” (TOLKIEN. The Monsters and the Critics, p. 190)[3]. Essa forma de pensar foi utilizada nas principais traduções de O Senhor dos Anéis durante a época em que o Tolkien esteve vivo.

E por último, para aquelas línguas que não tivessem uma ligação histórica-cultural com a palavra “Orc” (em seu sentido indo-europeu) poderiam realizar a adaptação fonética para que não soasse de forma estranha aos leitores. A adaptação se justifica, portanto, pela máxima proximidade do som da palavra, visto que não existe palavra equivalente em significado, e que represente também o mesmo som.

Deve ser ressaltado que, no âmbito de línguas Indo-européias, adotou-se a tradução pela equivalência e não adaptação fonética. O exemplo claro disso é que no Guia para tradutores Tolkien indicou a palavra “Ork” para línguas germânicas, que tem o mesmo significado que “Orco” em Italiano e Espanhol e também “Orc” do Inglês Antigo. Ao realizar a primeira tradução para o sueco, o tradutor Ake Ohlmarks, oprtou pela adaptação fonética pura, sem nenhum significado na sua língua, escrevendo “Orcher” (pl. Orchernas), o que não agradou ao Tolkien, pois haveria a necessidade de se ter também um sentido da palavra, ainda que remoto e distante da semelhança com o Orc de seu mundo.

Assim, observando as principais traduções realizadas por editoras europeias e de outros países pelo mundo e as formas de pensar do próprio Tolkien ao longo do tempo, pode ser compilada a seguinte tabela, onde estão as principais informações de como foi traduzido a palavra “Orc”: 

Especificamente entre as línguas de origem Indo-européias, existem aquelas de raíz latina e que formam um tronco linguístico, as chamadas línguas Neolatinas. Existe um vínculo cultural entre as palavras de escolha para as traduções, além do próprio som da palavra. Nesse misto de sentido e sonoridade é que se processa a escolha das palavras para traduzir. As raízes linguísticas estão ligadas pelas línguas anteriores, em especial o latim e o grego, que deram origem a palavra Orco e no Inglês Antigo Orc.

Pela tabela abaixo pode ser visto que nas principais traduções há uma manutenção da grafia “Orc” com apenas a inclusão da vogal “O” ao final. Ocorre uma adaptação da palavra ao idioma da tradução, como exemplo “Elf” que se tornou “Elfo”. Porém, existe também o vínculo de significado, visto que “Orco” tem a mesma origem ou apresenta a mesma raiz e significado que a palavra “Orc” do Inglês Antigo. Enquanto que as línguas que inicialmente não têm essa palavra com tal significado simplesmente se absteram em adaptar ou traduzir a palavra, permaneceram com a mesma grafia constante no original “Orc”. No Brasil três formas foram adotadas Orco (editora Artenova e o tradutor William Lagos), Orque (editora HarpercollinsBrasil em 2018) e Orc (todas as demais traduções).

 

Línguas Demônio Inferno Baleia assassina Tradução Orc de Tolkien
Espanhol Orco /huerco (s) Orco (s) Orca (s) Orco (s)
Italiano Orco (s) Orco (s) Orca (s) Orco (Orchi)
Asturiano Orco (s) Orco (s) Orca (s) Orco (s)
Português (Brasil) —- Orco (s) Orca (s) Orc**
Português

(Portugal)

—- Orco (s) Orca (s) Orc (s)
Catalão —- Orco (s) Orca (s) Orc (s)
Francês * —– Orque (s) Orque (s)
Inglês * —– Orc (s) Orc (s)

 

O significado de “Orc” como sendo um ser marítimo ou baleia assassina não deveria ser considerado, mas foi incluído pelo fato de que no Inglês e Francês moderno são escritos da mesma forma quando usada no período medieval. “Orque” em Francês e “Orc” em Inglês são palavras que em seu significado moderno são apenas a Baleia Assassina, enquanto que na idade média carregavam o mesmo significado de “demônio” presente nas línguas espanhol e italiano. Foi dessa fonte medieval que o Tolkien se valeu da palavra para as criaturas de seu mundo, da mesma forma os tradutores franceses usaram a palavra apresentada na idade média.

É interessante entender como os tradutores trataram dessa palavra, especialmente aqueles que atuaram com o auxílio do Tolkien. Assim, os comentários a seguir foram realizados com base em comentários dos próprios tradutores e as melhores fontes apresentadas. Com isso, poderá ser entendido o processo de escolha das palavras conforme a intenção do Tolkien.

Sobre a tradução para o Italiano

A primeira tradução de O Senhor dos Anéis, para a língua Italiana, foi publicada em 1967, fruto do trabalho de Vittoria Alliata de Villafranca, naquela época uma jovem de 16 anos. Mesmo com tão pouca idade, a tradução foi considerada pelo Tolkien como sendo a mais interessante já realizada até então.

O próprio Tolkien conhecia a Itália, tendo realizado uma visita em agosto de 1955, junto com sua filha Priscilla. Naquele mesmo ano, em carta para Faith Tolkien (Carta 167) ele disse que “Continuo apaixonado pelo italiano e sinto-me bastante desolado sem uma oportunidade para tentar falá-lo!”. Algum tempo depois dessa visita, as negociações para a primeira tradução italiana começaram a se organizar.

Orcs por Alan Lee

 

A editora italiana que adquiriu os direitos autorais começou realizando uma pré-seleção de tradutores. Nessa oportunidade, o trabalho da jovem Vittoria Alliata de VillaFranca foi reconhecido. Essa foi a primeira tradução, após as edições germânicas (dinamarquesa, sueca, alemã e holandesa) que usou como base o guia para tradutores escritos pelo próprio Tolkien. Foi assim que a tradutora decidiu realizar sua tradução nesses moldes. Em entrevista, Vittoria Alliata esclareceu como traduziu as nomenclaturas dos livros do Tolkien:

Para a tradução de nomes próprios, Tolkien havia preparado um glossário que ele deu aos seus tradutores, onde ele explicava o significado e a origem de cada nome com a minúcia de um glotólogo e dava orientações precisas sobre o tipo de tradução a ser adotado. O objetivo era sempre aquela familiaridade com os eventos, que tinham que ser experimentados como se a Terra-média fosse um antigo território italiano. Neste Tolkien se refere à grande tradição dos contos de fadas, que permanecem os mesmos de Esopo à La Fontaine, assumindo apenas diferentes conotações “regionais”. Portanto, se um nome tivesse que parecer exótico, adotei etimologias gregas, ou até mesmo árabes; se tinha que ser familiar ou evocativo, etimologias latinas ou italianas: sempre, contudo, origens italianas plausíveis. O mesmo acontecia com o tom e o ritmo das rimas infantis que não tinham pretensões poéticas, mas às vezes goliardicas, às vezes mágicas ou folclóricas, e para as quais Tolkien me agradou particularmente. Nada tinha que permanecer em inglês pela vontade precisa do autor, e eu de fato traduzi, por exemplo, “Sackville-Baggins” para “Borsi-Sacconi”, concordando com Tolkien. Foi Quirino Principe, editor da edição Rusconi, que decidiu usar o original em inglês para a maioria dos nomes. Eu certamente nunca ousaria assumir essa responsabilidade, especialmente depois da morte do autor. (MESSINA, Guido. Intervista a Vittoria Alliata di Villafranca)[4]

Ao terminar a tradução, o Tolkien considerou a melhor tradução já feita até então. Pelo fato de que a tradutora seguiu suas diretrizes e concordou com aqueles pontos mais críticos. Conforme Vittoria Alliata disse em entrevista: “De fato, quando completado ele comunicou a Ubaldini que considerava uma das melhores traduções. Deve ser dito que eu concordei com ele nos pontos mais críticos e que eu pedi para ele esclarecer quaisquer dúvidas, sempre através de Ubaldini”. (MESSINA, Guido. Intervista a Vittoria Alliata di Villafranca)[5]

A editora Astrolabio publicou a primeira parte do livro La Compagnia dell’Anello (“A Sociedade dos Anel”). Três anos depois a editora Rusconi adiquiriu os direitos e publicou toda a tradução, agora com revisão de Quirino Principe, um tradutor e critico musical. O editor não concordava com muitas escolhas feitas por Alliata, o que fez com que ele mantivesse muitos nomes no original em inglês. Além disso, Quirino retraduziu todos os poemas e apêndices, porém essas mudanças foram questionadas, visto que ele não leu o “Guia de nomes” escrito pelo Tolkien, como Alliata havia feito. Em 2003 a mesma tradução foi novamente editada, agora pela Sociedade Tolkien Espanhola, e foi republicado pela editora Bompiani.

Em se tratando da tradução de “Orc”, Vittoria Alliata havia optado pela palavra “Orchetti”, que é um diminutivo de “Orco”, uma criatura folclórica italiana. Segundo Alliata, a primeira sugestão para traduzir seria a palavra “Ogro”, porém, entendeu que não seria adequado em significado, tal como Tolkien havia mencionado.  Ela considerava o “Orco” como sendo uma criatura muito grande e por isso optou por colocar o diminutivo sendo “Orchetti”. Com a modificação feita na tradução, em 2003, a edição do Senhor dos Anéis passou a usar “Orco” para significar “Orc”, enquanto que “Orchetti” seria o mesmo que “Goblin”. Na tradução original de Vittoria Alliata “Goblin” permaneceu sem alterações.

Sobre a tradução francesa

Os tradutores franceses encontraram uma situação mais cômoda do que a italiana, pois eles tinham em mãos o Guia para tradutores, uma carta do Tolkien em que menciona a palavra “Orques” como sendo a tradução de “Orc” e o autor ainda estava vivo. Foi assim que em 1972 a 1973 foi publicada a primeira edição de O Senhor dos Anéis em língua francesa, com tradução de Francis Ledoux pela editora Christian Bourgois.

Ainda antes de ser publicado O Senhor dos Anéis, Naomi Mitchison estava lendo os dois primeiros volumes e teve muitas dúvidas. Entrando em contato com Tolkien, este a respondeu por carta em em 23 de abril de 1954. Nesse escrito o professor Tolkien tratava sobre vários pontos de sua obra e acabou indicando como uma possível tradução para a palavra “Yrch” em Sindarin, a palavra em francês “Orque”, como pode ser visto no trecho a seguir:

Os idiomas Eldarin fazem distinções em formas e usam entre um plural “partitivo” ou “particular” e o plural geral ou total. Assim, yrch “orcs, alguns orcs, des orques” ocorre em vol I pp. 359,402; os Orcs, como uma raça ou o todo de um grupo mencionado previamente, teria sido orchoth. (Carta para Naomi Mitchison, em 24 de abril de 1954).[6]

A palavra usada pelo Tolkien é “Orque” que vem do francês medieval, que tem sua origem remota no latim “Orcus”. Tem o mesmo significado que “Orc” no sentido de ser uma criatura folclórica, um tipo de demônio. Porém, da mesma forma que em “Orc”, esse significado foi abandonado e no francês moderno “Orque” significa apenas uma espécie de baleia assassina. Dessa forma, as palavras tiveram uma evolução semelhante em se tratando de significados e por isso a escolha para a tradução. Foi pensando nessa referencia da carta e nas diretrizes do Tolkien que foi feita a opção pelo tradutor francês. Sobre isso especialista Audrey Morelle escreveu um artigo sobre Orcs no site Tolkiendil, onde afirmou o seguinte:

“Orque” foi usado como a tradução francesa da palavra “Orc”.  De fato, não há certeza real sobre essa tradução: o único elemento no qual podemos confiar é uma carta na qual se vê a expressão “des orques”. Tolkien discute a forma plural genérica orchoth em Sindarin, ele então dá a tradução em inglês e no que parece ser francês. (CAMUS, MORELLE, tolkiendil.com)[7]

Observando as diretrizes do Tolkien e especialmente a ideia de “Orc” ser uma adaptação fonédita de “orka” em westron. Morelle justificou a escolha de “Orque” dizendo o seguinte: “Em Parma Eldalamberon nº 17, p . 47 , Tolkien nos diz que, do ponto de vista  internista, o termo orc é uma adaptação do Westron orka . Infelizmente, isso não nos ajuda a saber exatamente que forma usar. Então fizemos a escolha de usar a forma francesa “Orque“. (CAMUS, MORELLE, tolkiendil.com)[8]

De acordo com declaração feita pelo Tolkienista e linguista francês Edouard Kloczko, ao tradutor francês, além de se preocupar com o significado da palavra, também se preocupou com a pronuncia da palavra: “Muitas palavras em francês tendem a perder seu som consonantal no final. Dessa forma, “Orc” ou “Ork” poderia ser pronunciado de forma equivocada como “Or”. Com “Orque” esse erro não seria possível.”

Também tratando sobre o assunto, o tolkienista francês David Giraudeau afirmou o seguinte: “Orque com o final “-que” pode ser entendido junto com outras palavras francesas (como em “marque”, “laque”, “plaque”, “risque”, “manque”, etc.). Enquanto que “Gobelin” provavelmente veio da associação com a criatura folclórica francesa de mesmo nome”. Segundo Giraudeau “Em Português “Orc” (masc.e fem.) seria uma boa escolha

Orcs de John Howe

Dessa forma, a escolha de “Orque” se torna interessante e adequada por seu significado similar a “Orc” e pelo próprio som adequado aos franceses.

É interessante ressaltar, que para o Tolkien a língua francesa não estava na ordem de preferência das línguas românicas. Ele gostava muito do espanhol e em seguida o italiano. Embora conhecesse a língua, ele não gostava dela, conforme afirmou em carta de 1958:

Por exemplo, não gosto de francês e prefiro o espanhol ao italiano — mas a relação desses fatos com meu gosto por idiomas (que é obviamente um grande ingrediente em O Senhor dos Anéis) levaria muito tempo para ser elucidada e deixaria você gostando (ou não gostando) dos nomes e trechos de idiomas em meus livros, da mesma forma que antes. (Carta para Deborah Webster, em 25 de outubro de 1958)[9]

Nessa carta está demonstrado que Tolkien utilizava em grande parte o seu gosto linguístico no processo de escolha dos nomes e criação de línguas para o seu mundo. Assim, o gosto do Tolkien é um ponto importante de ser observado no processo de escolha dos nomes pelos tradutores.


Sobre as traduções para o Espanhol

Em fevereiro de 1967, o canadense Mr. Sands se ofereceu como tradutor de O Senhor dos Anéis para o Espanhol. E Tolkien respondeu o seguinte:

No que diz respeito ao seu projeto: uma boa tradução destes para o mercado espanhol, estou interessado. Eu tenho algum conhecimento da língua espanhola em ambos os lados do Atlântico e acho que, especialmente a variedade europeia, é extremamente atraente. (DROUT. J.R.R. Tolkien Encyclopedia: Scholarship and Critical Assessment, p.624)[10]

Dentre as várias línguas romanicas, que tiveram origem no latim, o espanhol era a mais apreciada pelo Tolkien. Conforme ele afirmou: O espanhol chegou em mim por acaso e me atraiu muito. E deu-me um grande prazer e ainda dá – muito mais do que qualquer outra língua românica. (TOLKIEN. The Monsters and the Critics and Other Essays, p. 191)[11] Depois dessa língua vem o italiano na sua ordem de preferência.

Entre os anos de 1977 a 1980 foi publicada a primeira edição de O Senhor dos Anéis em espanhol pela editora Minotauro. A tradução ficou a cargo de Luis Domènech (Francisco Porrúa) e Matilde Horne.

Quanto a tradução de “Orc” entre os falantes do espanhol, foi escolhida a palavra “Orco”. Observando que essa é a palavra derivada da criatura do folclore, assim como no italiano. Foi utlizada a tradução pela equivalência, onde a adaptação fonética e o significado são relevantes e estão incluídos dentro do mesmo aspecto que as demais palavras originárias do latim “Orcus”.

 

Orcs por Alan Lee

 

Sobre as traduções para o Português

A primeira tradução do Hobbit publicada em 1962 pela editora Livraria Civilização, com o título “O Gnomo” foi traduzida pelo casal Maria e Mario Braga. Nessa edição as palavras “Goblin” e “Orc” foram traduzidas como “Duende”, pela proximidade de significado.

Enquanto que as primeiras edições do Senhor dos Anéis publicadas em Português foram feitas pela editora Artenova entre os anos de 1974 a 1979. Os tradutores Antonio Ferreira da Rocha e Luiz Alberto Monjardim optaram traduzir ambos “Orc” e “Goblin” apenas com uma palavra “Orco”, sofrendo influência da edição espanhola.

Enquanto que em Portugal, nas edições publicadas pela editora Europa-América, com traduções de Fernanda Pinto Rodrigues, a palavra “Goblin”  foi substituída por “Gnomo”, enquanto que “Orc” permaneceu como o original “Orc”, seguindo a ideia de impossibilidade de tradução por ausência de significado correspondente. A tradutora optou por não escolher a palavra “Orco”, pois seu significado em Português é o mesmo que “inferno, hades” e não uma criatura folclórica, como ocorre no italiano ou espanhol.

Seguindo a mesma tendência, as traduções brasileiras, publicadas pela editora Martins Fontes, mantiveram os nomes como no original “Orc”, enquando que a palavra “Goblin” foi simplesmente substituída por “Orc”. É por isso que nas edições de O Hobbit dessa editora não se verifica a palavra “Goblin”.

Posteriormente, em 2008, a editora Selo Martins Fontes, publicou a edição biligue de As Aventuras de Tom Bombadil, onde consta a tradução dos poemas por William Lagos, que traduziu a palavra “Ork” por “Orco”. A tradução de Lagos tem como apelo a busca pelo sentido do poema e seu significado mais literal do que estético. Enquanto que na tradução do mesmo livro feita em Portugal em 1985, a palavra “Ork” foi traduzida como “Espírito”.

Em 2018, a editora Harper Collins Brasil apresentou a nova tradução de “Orc”, optando pela palavra francesa ou adaptação fonética “Orque”, para se distanciar das edições anteriores da Europa-américa e Martins Fontes.

Publicações Ano Orc Tradutores
Editora Livraria Civilização 1962 Duende (s) Mario e Maira Braga
Editora Artenova 1974-1979 Orco (s) Luiz A. Monjardim

Antonio Ferreira Rocha

Editora Europa-américa 1980-2018 Orc (s) Fernanda P. Rodrigues
As Aventuras de Tom Bombadil 1985 Espirito (s) Ersílio Cardoso
Editora Martins Fontes 1994-2018 Orc (s) Lenita Rimoli Esteves

Ronald Kyrmse

As Aventuras de Tom Bombadil 2008 Orco (s) William Lagos
Editora HarperCollins Brasil 2018 Orque (s) Ronald Kyrmse
Reinaldo José Lopes

Observando as traduções para o Português, percebe-se que há a tendência por não traduzir a palavra ou utilizar a palavra “Orco”. Enquanto que dois tradutores optaram pela tradução pelo significado. A tabela a seguir mostra, de forma simplificada, as informações colhidas relativas a palavra “Orc”.

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NOTAS:

[1] The Lord of the Rings contains a vast potential of significance for those who wish to study it closely, and this potential may not be entirely without effect for those whose chief concern is the story. In an ideal situation, the reader of a translation would be able to discover just as many levels as the reader of the source text. In concrete terms, that would mean that the whole network of linguistic relationships and their literary significance set up by the device of pseudotranslation would be accessible to the sensitive reader in the target language. But a 100% accurate replication of that network is impossible, because the structure is based on English, and each language holds a unique position within the family of related languages, which cannot be precisely replicated in any other target language, just as the nomenclature of England is uniquely linked to the topography and cultural history of England and cannot be mapped precisely onto any other location. Once again, each translator’s solution is dependent upon time and place. (TURNER. Tolkien in Translation, p. 27-28)

[2] The choice of equivalents has been directed partly by meaning (where this is discernible in the original names), partly by general tone, and partly by length and phonetic style. (TOLKIEN.The People of Middle-earth p.46-48).

[3] ‘‘the basic pleasure in the phonetic elements of a language and in the style of their patterns, and then in a higher dimension, pleasure in the association of these word-forms with meanings, is of fundamental importance.’’ (TOLKIEN. The Monsters and the Critics, p.190).

[4] Per la traduzione dei nomi propri Tolkien aveva preparato un glossario che consegnava ai suoi traduttori, dove spiegava con una minuziosità da glottologo il significato e l’origine di ogni singolo nome e dava precise direttive sul tipo di traduzione da adottare. Lo scopo era sempre quella familiarità con le vicende, che dovevano essere vissute come se la Terra di Mezzo fosse una antica contrada italiana. In questo Tolkien si riferiva alla grande tradizione delle favole, che rimangono uguali da Esopo a La Fontaine, assumendo solo diversi connotati “regionali”. Pertanto, se un nome doveva sembrare esotico, io adottavo etimologie greche, o addirittura arabe; se doveva essere familiare o evocativo, etimologie latine o italiane: sempre comunque origini italianamente plausibili. Lo stesso valeva per il tono e il ritmo delle filastrocche che non avevano pretese poetiche, ma talvolta goliardiche, talvolta magiche o folkloriche e per le quali Tolkien mi felicitò particolarmente. Nulla doveva restare in inglese per preciso volere dell’autore, ed io infatti tradussi per esempio, Sackville-Baggins in Borsi-Sacconi, concordandolo con Tolkien. Fu Quirino Principe, curatore dell’edizione Rusconi, a decidere di utilizzare l’originale inglese per gran parte dei nomi. Io certo non avrei mai osato assumermi tale responsabilità, specie dopo la morte dell’autore. (MESSINA, Guido. Intervista a Vittoria Alliata di Villafranca).

[5] Anzi, a lavoro completato comunicò ad Ubaldini che la considerava una delle migliori traduzioni realizzate. Va detto che concordavo con lui i punti più critici e che gli chiedevo di chiarire eventuali dubbi, sempre tramite Ubaldini. (MESSINA, Guido. Intervista a Vittoria Alliata di Villafranca)

[6] The Eldarin languages distinguish in forms and use between a ‘partitive’ or ‘particular’ plural, and the general or total plural. Thus yrch ‘orcs, some orcs, des orques‘ occurs in vol I pp. 359, 402; the Orcs as a race, or the whole of a group previously mentioned would have been orchoth.” (Carta para Naomi Mitchison, em 24 de abril de 1954)

[7] « Orque » a été utilisé comme traduction française du mot « Orc ». En fait, il n’existe pas de véritable certitude quant à cette traduction : le seul élément sur lequel on peut éventuellement s’appuyer est une lettre où l’on voit apparaître l’expression « des orques ». Tolkien discute la forme plurielle générique orchoth en sindarin, il donne alors la traduction en anglais et dans ce qui semble être du français. (CAMUS, MORELLE, tolkiendil.com)

[8] le Parma Eldalamberon n°17 p.47, Tolkien nous indique que du point de vue interniste, le terme orc est une adaptation du Westron orka. Mais cela ne nous aide malheureusement pas tout à fait à savoir quelle forme utiliser. Nous avons donc fait le choix d’utiliser la forme française « Orque ».(CAMUS, MORELLE, tolkiendil.com)

[9] For instance I dislike French, and prefer Spanish to Italian – but the relation of these facts to my taste in languages (which is obviously a large ingredient in The Lord of the Rings) would take a long time to unravel, and leave you liking (or disliking) the names and bits of language in my books, just as before. (Carta para Deborah Webster, em 25 de outubro de 1958).

[10] With regard to your project: a good translation of these for the Spanish market, I am interested. I have some acquaintance with the Spanish language on both sides of the Atlantic and I find it, especially the European variety, extremely attractive. (DROUT. J.R.R. Tolkien Encyclopedia: Scholarship and Critical Assessment, p.624).

[11] ‘‘Spanish came my way by chance and greatly attracted me. It gave me strong pleasure, and still does—far more than any other Romance language’’(TOLKIEN. The Monsters and the Critics and Other Essays, p. 191).

Diversas, Glossopoeia

As diretrizes do Tolkien para traduzir a palavra “ORC”


 

by Eduardo Stark
(tolkienbrasil@gmail.com)

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Antes de ler esse artigo é importante que se tenha lido o artigo anterior que está AQUI. Sem essa leitura prévia a sua noção do texto pode ser comprometida.

Renovo  o agradecimento pelo o auxilio e a colaboração dos tolkienistas Oronzo Cilli, Carl F. Hostetter, Henk Brassien, Jared Lobdell David Giraudeau, Paulo Pereira, Ryszard Derdzinski, Edouard Kloczko, Audrey Morelle, Vicent Ferré e Daniel Lauzon. O presente texto foi abrilhantado com as informações prestadas por esses grandes estudiosos das obras do Tolkien e possibilitou que se tornasse mais completo do que inicialmente era pretendido. Agradeço em especial a todos os seguidores e amigos do site Tolkien Brasil. Todo esse esforço e dedicação é para nós que somos fãs e queremos ver as obras do Tolkien em nosso país apresentadas da melhor forma possível.

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Antes de analisar as diretrizes quanto à tradução da palavra “Orc”, é interessante verificar os fatos históricos e documentos que apresentam a opinião do professor Tolkien sobre traduções de seus livros. Entender as ideias do autor sobre isso possibilita também compreender melhor como se deve proceder na escolha das palavras para a tradução.

Quando Tolkien iniciou seus primeiros escritos sobre o Legendarium, o seu conjunto de lendas e mitos, havia a pretensão de se realizar um grande trabalho que pudesse ser comparável às mitologias gregas, nórdicas e outras. O resultado disso seria uma mitologia criada e dedicada à Inglaterra. Para isso, Tolkien usou diversos elementos do folclore Inglês, e também buscou elementos nas culturas e povos setentrionais (noroeste da Europa). As obras tinham uma relação linguística e cultural com o país em que o próprio autor residia. E dessa forma, seus escritos são formados com um núcleo Inglês.

Inicialmente, o Tolkien previa a possibilidade de que seus livros pudessem ser traduzidos para outras línguas. De fato, ele acreditava que as obras não iriam alcançar um grande sucesso a ponto de diversas editoras estrangeiras terem interesse publicar versões nos seus idiomas próprios. Mas logo que veio o sucesso de O Senhor dos Anéis, publicado em três volumes, entre 1954 e 1955, as editoras estrangeiras começaram o processo de negociação sobre tradução da obra máxima do Tolkien.

Contudo, o que parecia algo interessante, se tornou para o professor de Oxford um verdadeiro tormento, pois os primeiros tradutores pareciam não entender os significados das palavras daquele mundo e realizavam traduções que eram muito distantes do que o autor pretendia. Tolkien se preocupava com os detalhes de sua obra e não seria diferente com as traduções dela. Ele considerava a primeira tradução sueca de O Hobbit, de 1947, como algo que não deveria se repetir, pois o tradutor tomou liberdades demais a ponto de mudar até mesmo a nomenclatura “Hobbit” para “Hompen”.

No entanto, em 1956 estavam sendo negociados os preparativos para outras traduções, pelo departamento da editora, e Tolkien enviou uma carta informando sobre o que achava dessa possibilidade. Nesse escrito podemos verificar a preocupação do autor e sua visão restritiva:

É claro, desejo que os senhores prossigam com seus esforços com respeito a edições estrangeiras…..Contudo, é compreensível que um autor, enquanto ainda vivo, sinta uma profunda e imediata preocupação pela tradução. E este autor, infelizmente, também é um linguista profissional, um Don pedante, que possui ligações e amizades amplamente pessoais com os principais estudiosos de inglês do continente…..A tradução de O Senhor dos Anéis mostrar-se-á uma tarefa formidável, e não vejo como pode ser realizada satisfatoriamente sem a assistência do autor*. Por “assistência” não quero dizer interferência, é claro, apesar de que a oportunidade de considerar amostras seria desejável. Meu conhecimento linguístico raramente se estende, além da descoberta de liberdades e erros óbvios, à crítica das precisões que seriam exigidas. Porém, há muitas dificuldades especiais neste texto. Para mencionar uma: há várias palavras que não serão encontradas nos dicionários ou que requerem um conhecimento do inglês mais antigo. Em pontos como esses, e em outros que inevitavelmente surgiriam, o autor seria a mais satisfatória, e a mais rápida, fonte de informação. Essa assistência estou preparado para fornecer, imediatamente, se eu for consultado.  Gostaria de evitar uma repetição de minha experiência com a tradução sueca de O Hobbit. Descobri que essa tradução tomou liberdades injustificadas com o texto e com outros detalhes, sem consulta ou aprovação; ela também foi desfavoravelmente criticada no geral por um especialista sueco, familiarizado com o original, a quem a enviei. Tenho em conta o texto (em todos seus detalhes) de O Senhor dos Anéis com muito mais ciúme. Alterações, grandes ou pequenas, rearranjos ou resumos deste texto não serão aprovados por mim — a não ser que provenham de mim mesmo ou de consulta direta. Espero sinceramente que essa minha preocupação seja levada em consideração. (TOLKIEN. Carta de 3 de abril de 1956, para a Allen & Unwin)[1]

Nota-se uma inquietação flamejante do autor em relação à tradução de seus livros. Para Tolkien havia a necessidade de que ele tivesse uma participação maior, sendo consultado diretamente. Tudo isso para evitar que existissem traduções que fossem inadequadas.

Ainda sobre o mesmo tema, Tolkien ressaltou que em princípio, ou seja, antes de qualquer coisa, as editoras estrangeiras deveriam evitar traduções de nomenclaturas (nomes dos personagens, nomes próprios, nomes em línguas inventadas pelo autor etc). Essa foi uma medida radical adotada pelo Tolkien para que se evitassem atitudes inapropriadas por parte dos tradutores. Foi assim que em carta para seu editor em 1956 disse o seguinte:

Em princípio, oponho-me de toda maneira tão fortemente quanto possível à “tradução” da nomenclatura (mesmo por uma pessoa competente). Pergunto-me por que um tradutor deva considerar-se requisitado ou no direito de fazer qualquer coisa semelhante. O fato de este ser um mundo “imaginário” não lhe dá qualquer direito de remodelá-lo de acordo com seu gosto, mesmo que ele pudesse em poucos meses criar uma nova estrutura coerente que levei anos para desenvolver. Presumo que se eu tivesse apresentado os Hobbits falando italiano, russo, chinês, ou o que queira, ele teria deixado os nomes em paz. Ou que eu tivesse pretendido que “o Condado” fosse algum Loamshire fictício da Inglaterra real. Mesmo assim, na verdade, em um país e período imaginários, como estes, coerentemente criados, a nomenclatura é um elemento mais importante do que em um romance “histórico”. (TOLKIEN. Carta para Rayner Unwin de 3 de julho de 1956).[2]

Após apresentar suas considerações, Tolkien esclarece o que poderia ser feito em relação a nomenclatura. Basicamente ele entendia que ao invés dos nomes serem traduzidos, poderia ser incluído um glossário que apresentasse os significados dos termos. Assim, haveria a preservação do original e evitaria existir intervenções dos tradutores:

Tenho certeza de que o procedimento correto (assim como para a editora e o tradutor o mais econômico?) é deixar os mapas e a nomenclatura em paz o tanto quanto possível, porém substituir alguns dos Apêndices menos desejados por um glossário de nomes (com significados, mas sem refs.). Eu poderia fornecer um para tradução. (TOLKIEN. Carta para Rayner Unwin de 3 de julho de 1956).[3]

O tema parecia ser muito importante para o Tolkien, a ponto de deixá-lo muito emotivo e até mesmo irritado com a situação. Como ele mesmo diz nessa mesma carta de 1956: “Não sou linguista, mas sei algo sobre nomenclatura, e estudei-a especialmente, e estou realmente muito furioso”[4].

E em um ponto final na questão, Tolkien diz que não iria admitir que se repetissem as experiências anteriores com a tradução do nome Hobbit e ressalta também que esse era um nome daquele mundo e que deveria permanecer como se escrevia, assim como a palavra Orc também, não importando se soariam bem aos leitores holandeses:

Que agora eu possa dizer de uma vez que não tolerarei qualquer remendagem similar com a nomenclatura pessoal. Nem com o nome/palavra Hobbit. Não admitirei mais qualquer Hompen (no qual não fui consultado), nem qualquer Hobbel ou sei lá o que. Elfos, Anões, Trolls, sim: estes são meros equivalentes modernos dos termos corretos. Mas hobbit (e orc) são daquele mundo e devem permanecer, quer soem holandeses ou não….. (TOLKIEN. Carta para Rayner Unwin de 3 de julho de 1956).[5]

Quanto às palavras “Hobbit” e “Orc”, por serem palavras inseridas dentro do próprio mundo, com um significado e contexto próprios, não poderiam ser passíveis de tradução e nem mesmo adaptação para a língua estrangeira.

Por todo o exposto, pode-se observar que Tolkien tinha uma preocupação bastante alta com a nomenclatura de seu mundo e como seria o tratamento delas nas traduções. As negociações prosseguiram, mas Tolkien ainda mantinha a mesma ideia de que as nomenclaturas não deveriam ser traduzidas. Assim, em carta de 24 de novembro de 1956 ele disse:

Eu ainda acho a tradução da nomenclatura um erro primário, indicativo de uma atitude errada; e eu não fui capaz de tratar desse ponto, não acho que eu deva ter mais sucesso em outros pontos. (SCULL. HAMMOND. Reader’s Guide. p. 1032)[6]

Alguns anos mais tarde, em resposta a uma possível tradutora polonesa, em 11 de setembro de 1959, Tolkien escreveu para Alina Dadlez, e novamente apresentou suas ideias de que não deveria haver mudanças ou o minimo possível de intervenção na nomenclatura do livro.

Como um princípio geral para a orientação da [Sra. Skibniewska], minha preferência é, o quanto possível, pelo mínimo de tradução ou alteração de qualquer nome. Como ela percebeu, este é um livro em Inglês e seu jeito Inglês não deve ser erradicado. O fato de os Hobbits realmente falarem uma antiga língua própria é, naturalmente, uma afirmação pseudo-histórica que se torna necessária pela natureza da narrativa… Minha opinião é que os nomes das pessoas devem ser todos deixados como estão. Eu preferiria que os nomes dos lugares fossem deixados intactos também, incluindo Shire. A maneira apropriada de tratar isso eu acho é por uma lista daqueles que têm um significado em inglês a ser dado no final, com comentário ou explicação em polonês. Eu acho que um método ou procedimento adequado seria o que foi seguido nas versões holandesa e sueca, com a Sra. Skibniewska fazendo uma lista de todos os nomes no livro que ela acha difícil ou que ela possa, por qualquer razão, desejar alterar ou traduzir. Ficarei então muito feliz em anotar esta lista e criticá-la. (SCULL. HAMMOND. Reader’s Guide. p. 1036-1037).[7]

A persistência do Tolkien em preservar suas obras parece ser evidenciada. Os livros tem essa característica inglesa própria e por mais que as traduções adaptem as nomenclaturas, o livro ainda permanecerá com o aspecto inglês. Esse estilo próprio não deveria ser erradicado, segundo o autor.

Mas apesar dessa oposição, os tradutores continuaram a fazer traduções que não agradavam ao Tolkien. Por exemplo, em 1962, a tradução portuguesa de O Hobbit pela editora Livraria Civilização, traduziu o termo para “O Gnomo”, dentre outros livros pela Europa que ou adaptavam a palavra ou traduziam para uma criatura folclórica inadequada.

E nos anos seguintes novas propostas de tradução surgiram. Até que Tolkien decidiu escrever um guia para orientar os trabalhos dos tradutores dinamarqueses e alemães. Isso iria lhe poupar tempo de analisar cada caso e seriam diretrizes mais claras do que deveria ser feito. Assim, em 12 de dezembro de 1966, ele escreveu para Alina Dadlez:

Quando estava lendo os exemplares da tradução alemã proposta, comecei a preparar uma lista de nomes anotados baseada no índice: indicando os nomes que deveriam ser deixados inalterados e dando informações do significado e origem daqueles que era desejável transformar no idioma da tradução, juntamente com alguns conselhos preliminares sobre como proceder. Espero que em breve conclua isso e possa enviar uma cópia ou cópias para o uso dos tradutores… (SCULL. HAMMOND. Reader’s Guide. p. 1037)[8]

Em 2 de janeiro de 1967 o guia estava praticamente terminado e em carta Tolkien respondeu ao Otto B. Lindhardt, editor dinamarquês que tinha interesse em publicar O Senhor dos Anéis: “recentemente me dediquei a fazer e quase terminei um comentário sobre os nomes desta história, com explicações e sugestões para o uso de um tradutor, tendo especialmente em mente dinamarquês e alemão” (SCULL. HAMMOND. The Lord of the Rings, A Reader’s Companion, 2005, p.751).[9].

Diante disso, surge o questionamento se Tolkien teria mudado sua posição de inalterabilidade das nomenclaturas para algo que fosse permitido por completo. De fato, com o tempo o professor Tolkien percebeu que o seu princípio poderia ser flexibilizado para que as traduções pudessem ser compreendidas pelo leitor de cada país, porém, isso não quer dizer que fosse concedida uma total liberdade aos tradutores. Na verdade a criação de um guia demonstra que o autor não fornecia tanta abertura para a tradução e gostaria que suas diretrizes fossem seguidas.

A criação de um guia de nomenclatura significa mais ainda uma atitude do autor em preservar sua obra e evitar que tradutores tivessem liberdades criativas indevidas sobre a obra. Tolkien indica os nomes que não gostaria que fossem traduzidos ou alterados e também elenca aqueles que podem ser traduzidos. Mas a regra geral aplicada a grande maioria dos nomes é pela impossibilidade de alteração ou tradução.

Diversas cópias desses comentários sobre as nomenclaturas foram feitas e enviadas pela editora britânica aos tradutores de diversos países, embora o documento fosse dedicado primeiramente aos tradutores dinamarqueses e alemães. O guia foi organizado posteriormente e publicado pela primeira vez com edição de Christopher Tolkien, como título “Guide to the Names in The Lord of the Rings” (Guia dos nomes em O Senhor dos Anéis) no livro A Tolkien Compass, em 1975. Posteriormente, Christina Scull e Wayne Hammond editaram a partir do texto datilografado e republicaram com o título “Nomenclature of The Lord of the Rings” (Nomenclatura de O Senhor dos Anéis) no livro “The Lord of the Rings: A Reader’s Companion” em 2006.

Para entender as diretrizes do Tolkien para os tradutores é relevante analisar esse documento e explicitar suas principais regras. A seguir serão analisados os principais tópicos necessários para se entender o tema, e posteriormente sobre a palavra Orc.

 

2.1. Os preceitos basilares para a tradução da nomenclatura

Na tradução de um texto são feitos vários procedimentos relativos à linguagem. É preciso entender o significado das palavras, refletir sobre o seu contexto, verificar as similaridades, comparar as línguas, observar os aspectos formais, as fontes do texto e outros meios de adequar as palavras. É por isso que a tradução, em regra, é um processo de escolha de termos adequados. Contudo, essa opção não é totalmente livre como seria em uma criação individual. O tradutor está limitado aos sentidos e contextos que o autor na língua original pretendia transmitir.

Em Tolkien isso parece ser ainda mais restrito, pois além de estar no limite da própria tradução, deve-se também observar toda a camada imaginária que o autor criou. As palavras precisam ser observadas não apenas no contexto dos idiomas de origem e de destino, mas também dentro do próprio mundo imaginário. Em especial as nomenclaturas, devem ser analisadas com as estruturas de línguas em nosso mundo e também dentro dos idiomas do Legendarium. 

Foi devido a essa complexidade que Tolkien se preocupava com as traduções, a ponto de inicialmente vetar qualquer tradução das nomenclaturas. Posteriormente, ele decidiu que seria melhor instruir os tradutores quanto às principais palavras que poderiam ser versadas para outro idioma.

Existem vários livros e periódicos que contêm escritos do Tolkien que trazem informações importantes sobre o mundo imaginário. Mas para saber as regras basilares para a tradução das nomenclaturas do Legendarium é importante observar duas fontes principais:

  1. O Apêncice F do livro O Senhor dos Anéis, O Retorno do Rei: Nesse texto, Tolkien explica sobre as línguas faladas pelos diversos seres que participam de suas histórias. Além disso, com uma perspectiva do mundo interno, é explicado como Tolkien realizou a tradução do Livro Vermelho do Marco Ocidental, escrito originalmente em idioma Westron, para o Inglês moderno.
  2. Nomenclature of The Lord of the Rings” (Nomenclatura de O Senhor dos Anéis) no livro “The Lord of the Rings: A Reader’s Companion” em 2006. Ou também publicado com o título “Guide to the Names in The Lord of the Rings” (Guia dos Nomes em O Senhor dos Anéis) no livro A Tolkien Compass, em 1975. Esse texto incluiu uma apresentação breve com as regras gerais e em seguida uma lista dividida em três partes. A primeira trata dos nomes de personagens e criaturas, enquanto que a segunda parte trata sobre os lugares e a terceira sobre os nomes de coisas.

É a partir dessas duas fontes principais que se formam os preceitos ou diretrizes gerais que estão dispostos a seguir. Certamente existem outros pontos sobre tradução, porém esses são os mais significativos para que se possa entender o processo de tradução da palavra “Orc” e “Goblin”, que será especificamente analisado em tópico posterior.

Como se trata de um guia e não propriamente de uma imposição do autor em relação aos tradutores, é adequado chamar os postulados dados por Tolkien de “preceitos” ou “diretriz” e não de “regras”, uma vez que esta implica em um significado mais específico de obrigação e sanção em caso de violação. Pode-se dizer que Tolkien escreveu recomendações para se traduzir, que se ignoradas teriam o efeito de desagradar profundamente o autor.

1º Preceito: Nomes não listados devem permanecer inteiramente sem modificações

No Apêncice F, em O Senhor dos Anéis, O Retorno do Rei, Tolkien explica como o processo de tradução ficcional ocorreu. Ele fornece detalhes de que o Livro Vermelho do Marco Ocidental foi escrito na mesma língua falada pelos Hobbits. A ideia inicial é que, dentro do âmbito ficcional, Tolkien é um tradutor que encontrou os manuscritos que estavam em uma língua chamada Westron. Porém, esse idioma fazia parte de um mundo onde também existiam outras línguas de povos diferentes. Isso proporcionaria ao leitor uma maior sensação de realidade e até mesmo de estética linguística.

Ao apresentar a matéria do Livro Vermelho como história para ser lida por pessoas da atualidade, a totalidade do ambiente linguístico foi traduzida, até onde isso era possível, em termos de nossos tempos. Apenas os idiomas alheios à Língua Comum foram mantidos em suas formas originais, mas essas aparecem principalmente em antropônimos e topônimos. (TOLKIEN. O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei, p. 425).[10]

Com base nessa ideia, Tolkien diz que as várias palavras que eram próprias das línguas do mundo secundário deveriam ser mantidas sem tradução. Enquanto que a língua inglesa representaria a língua Westron. Ao pensar em outra língua de tradução a diretriz então tomou a seguinte forma:

Todos os nomes que não estão na lista a seguir devem ser deixados inteiramente inalterados em qualquer idioma usado na tradução, exceto as flexões –s e -es que devem ser adaptadas de acordo com a gramática do idioma. (TOLKIEN. Nomenclature of the lord of the rings, p.751)[11]

A primeira diretriz é que todos os nomes que não estiverem listados no guia devem ser deixados inteiramente sem nenhuma alteração para qualquer língua que fosse feita a tradução. Portanto, essa regra foi estabelecida para que se evitasse a tradução ou modificação dos nomes em línguas criadas pelo Tolkien. Em regra, as palavras que estivessem em Quenya, Sindarin, Khuzdul etc, deveriam permanecer como no original. Além disso, o autor pretendia evitar qualquer modificação na maioria dos nomes próprios dos personagens.

Assim, a lista que está no guia não contempla todos os nomes da obra, mas somente aquelas principais que o autor entende que merecem uma atenção por parte dos tradutores, podendo traduzir ou não, conforme sua diretriz para cada palavra.

Os exemplos de nomes que não estão na lista e que se aplicam a essa regra são múltiplos, incluindo nomenclatura de personagens, criaturas, objetos e lugares. Por exemplo: Thangorodrim, Morgoth, Silmarilli, Orthanc, Fingolfin, Argonath, Beorn, Thorin, Gandalf, Bilbo, Gondor, Minas Tirith, Mordor, Osgiliath, Aragorn, Frodo… etc.

 

2º Preceito: Salvo exceção, nomes em Língua Comum (Westron) são traduzidos para o Inglês moderno conforme seu significado

De acordo com a ficção tolkieniana, o Westron era a língua falada pelos protagonistas de O Hobbit e O Senhor dos Anéis. Dessa forma, muitos nomes de personagens, objetos e lugares estavam nesse idioma. Além disso, os Hobbits e humanos da Terra-média anotaram suas histórias na Terceira e início da Quarta Era do Sol, narrando como foram suas batalhas contra as forças malignas. Esses manuscritos estavam também na Língua Comum. Passados milhares de anos, o professor Tolkien encontrou esses textos e iniciou o trabalho de traduzir para o Inglês moderno. Assim, ele afirmou que “A Língua Comum, como linguagem dos hobbits e de suas narrativas, foi inevitavelmente vertida para o nosso idioma [Inglês]” (TOLKIEN. O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei, p. 426).

Também traduzi todos os nomes em westron de acordo com seus significados. Quando, neste livro, aparecem nomes ou títulos em nossa língua, trata-se de uma indicação de que nomes na Língua Comum estavam em uso na época, além ou em vez daqueles em outras línguas (normalmente élficas). (TOLKIEN. O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei, p. 426)[12]

A escolha foi por traduzir as palavras do Westron de acordo com o significado e não com alguma alteração fonética ou adequação da palavra ao Inglês moderno. Fazendo assim, Tolkien dava o indicativo das palavras que estavam sendo usadas na época, pelos hobbits e humanos.

Essa escolha de tradução ficcional tem um apelo no mundo externo, na medida em que Tolkien era um estudioso de línguas e isso resultou em muitos aspectos nas suas obras. Não é surpresa que as línguas têm um papel fundamental para todo o entendimento do legendarium. Sobre o processo de tradução ficcional, Tolkien explica em sua carta para Naomi Mitchison:

… sou um filólogo, e muito embora eu quisesse ser mais preciso em outros aspectos e características culturais, isso não está dentro da minha capacidade. De qualquer forma, o “idioma” é o mais importante, pois a história tem de ser contada e o diálogo conduzido em um idioma; mas o inglês não pode ter sido o idioma de povo algum naquela época. O que de fato fiz foi igualar o Westron, ou a muito difundida Língua Comum da Terceira Era, com o inglês; e traduzir tudo, incluindo nomes como O Condado, que estivesse no Westron em termos ingleses, com alguma diferenciação de estilo para representar diferenças dialetais. Idiomas bastante estranhos à L[íngua].C[omum]. foram deixados em paz. Exceto por alguns fragmentos na Língua Negra de Mordor, e por alguns nomes e um grito de guerra na Língua Anã, esses são quase que inteiramente Élficos (Eldarin). (TOLKIEN. Carta para Naomi Mitchison, 25 de abril de 1954)

Para dar uma maior sensação de realidade, e assim maior proximidade com o leitor, Tolkien preferiu não deixar todas as nomenclaturas em Westron na sua forma original. Ao invés disso, ele traduziu aqueles que estavam nessa língua e também equiparou os nomes que estavam em idiomas mais antigos dentro daquele mundo. Com isso ele pretendia produzir um efeito aos leitores ingleses que estivessem seguindo a jornada junto com os hobbits e que no meio do caminho encontravam outros povos com línguas diferentes, porém que tivessem uma remota similaridade. Foi pensando nessa noção de choque cultural ou contraste entre línguas remotamente aparentadas que o Tolkien estabeleceu esse sistema em suas obras, como ele atesta em seus escritos:

Pareceu-me que a apresentação de todos os nomes nas formas originais obscureceria uma característica essencial da época, tal como era percebida pelos hobbits (cujo ponto de vista procurei principalmente manter): o contraste entre uma língua difundida, tão comum e habitual para eles como a nossa para nós, e os restos vivos de idiomas muito mais antigos e veneráveis. Todos os nomes, se fossem meramente transcritos, pareceriam igualmente remotos aos leitores modernos: por exemplo, se o nome élfico Imladris referir-se a Valfenda como Imladris seria como se hoje se falasse de Winchester como Camelot, exceto que a identidade era certa, ao passo que em Valfenda vivia ainda um senhor de renome muito mais antigo do que seria Artur, se ainda fosse em nossos dias rei em Winchester. (TOLKIEN. O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei, p. 427)[13]

Com isso, Tolkien não pretendia que seus livros se distanciassem demais do entendimento do leitor. Tendo essa ideia em mente, o autor substituiu as línguas antigas com parentesco ao Westron de outros lugares para aquelas antigas do tronco linguístico germânico. Como exemplo, a língua de Rohan foi colocada como o Inglês Antigo, ou a língua do norte próximo a Montanha Solitária que foi substituída pelo idioma nórdico. Como exemplo de uso dessa língua, no livro O Hobbit, parte dos nomes dos personagens são de origem nórdica, embora anglicizados, como Gandalfr, Durinn, Dvalinn, Eikinsjaldi, Jarknasteinn, Beorn, Bard, Smaug. Muitos foram retirados dos manuscritos antigos Voluspa e Gylfaginning.

Entretanto, os idiomas que tinham relação com o Westron ofereceram um problema especial. Transformei-os em formas de falas relacionadas com o inglês. Posto que os Rohirrim são representados como recém-chegados do Norte, e usuários de um arcaico idioma Humano relativamente intocado pela influência do Eldarin, transformei seus nomes em formas similares (mas não idênticas) às do inglês antigo. O idioma de Valle e do Lago Comprido seria representado, caso aparecesse, como mais ou menos escandinavo em caráter; mas é representado apenas por alguns nomes, especialmente os dos Anões que vieram daquela região. Estes são todos nomes Anões em nórdico antigo. (TOLKIEN. Carta para Naomi Mitchison, 25 de abril de 1954)[14]

Outras línguas europeias que tivessem alguma relação com o Inglês moderno também foram utilizadas para substituir aqueles idiomas relacionados ao Westron. Por exemplo, a língua antiga dos homens de Bri e dos Grados é representada por elementos da língua celta. Enquanto que a antiga língua dos homens de Rhovanion está substituída pelo Gótico.

O sistema linguístico construído pelo Tolkien demonstra o quanto sua obra tem características próprias daquela região, mesmo que seja uma obra ficcional e traduzida para outro idioma, essas palavras ainda permanecem como indicio desse vínculo.

Com base nessas informações, podem-se verificar no quadro, as línguas de nosso mundo e as línguas que estão no Livro Vermelho do Marco Ocidental. O Inglês moderno ocupa a mesma posição do Westron e por isso se torna central no sistema apresentado, sendo ela um referencial e ponto de partida para se comparar com os outros idiomas mais arcaicos.

  Línguas no mundo Interno Tradução por Tolkien
 

Westron

Língua Comum

(Westron)

Inglês Moderno

(Língua franca)

Língua do Condado Inglês Moderno
 

 

Línguas relativas ao

Westron

Língua de Valle (Dale) Nórdico Antigo (Anões)
Língua de Rohan Inglês Antigo
Língua antiga de Rhovanion Gótico
Língua antiga de Bri Celta
Outros idiomas Quenya, Sindarin,

Khuzdul…

Manter nomes no original

Por todo o exposto, deve-se assumir que para Tolkien havia uma relação entre os idiomas de cada povo e os efeitos linguísticos disso deveriam ser reproduzidos também em sua tradução para o inglês, formando um sistema inteiro entre as línguas faladas por povos diferentes e a língua falada pelos protagonistas. Foi pensando dessa forma que sua obra se tornou ainda mais complexa dentro desse âmbito linguístico.

 

orcs em hobbit

 

 

3º Preceito: O nome em Inglês moderno, que representa a Língua Comum (Westron), deve ser traduzido para a Língua da tradução conforme seu significado.

Observando o que foi exposto no tópico anterior, é importante apresentar a diretriz dada por Tolkien em seu guia para tradutores: “Os nomes que são dados em Inglês moderno representam nomes na Língua Comum, muitas vezes, mas nem sempre, sendo traduções de nomes antigos em outros idiomas, especialmente Sindarin (élfico-cinzento)”. (TOLKIEN. Nomenclature of the lord of the rings, p.751).[15]

É com base nisso que se forma o preceito geral para os tradutores, em que o Inglês moderno seria o mesmo que o idioma para o qual o livro seria traduzido. E dessa forma, o que estivesse em Westron deveria ser também traduzido para a língua moderna.

Como exemplo, a palavra Weathertop, palavra inglesa que representa a Língua Comum. Ela então deve ser traduzida para a língua de destino. Ou seja, ficcionalmente existia uma palavra em Westron que Tolkien traduziu para o Inglês moderno como “Weathertop”. Nesse caso, como a língua inglesa é a tradução da palavra em Westron, à língua da tradução também deve traduzir a mesma palavra, substituindo a língua inglesa. Porém, não se pode adaptar foneticamente essa palavra á língua de tradução, mas sim observar o seu significado. Nota-se “Weathertop” é uma junção de duas palavras inglesas “Weather” (tempo, temporal, clima) e “Top” (topo, cume, alto, ápice). Em Portugal a palavra “Weathertop” foi traduzida como “Cume do Tempo” e no Brasil como “Topo do Vento”.

Em se tratando das diretrizes da tradução do Livro Vermelho, Tolkien divide em dois grandes grupos as línguas em sua obra. Aquelas em Língua Comum (Westron) que foi traduzido em sua maior parte e aquelas que são línguas diferentes que não foram traduzidas. Dessa forma, os nomes foram traduzidos de acordo com o significado das palavras do Westron para o Inglês, observando o uso das palavras naquele período.

A língua da tradução agora substitui o inglês como o equivalente da Língua Comum; os nomes em inglês devem, portanto, ser traduzidos para o outro idioma de acordo com seu significado (o mais próximo possível). (TOLKIEN. Nomenclature of the lord of the rings, p.751)[16]

Ao deixar em itálico a última frase “de acordo com seu significado”, Tolkien deixou evidenciado que a tradução deveria ter o seu sentido correspondente o mais próximo possível. Até nesse momento ele parece se preocupar com a fidelidade em relação ao original. Nisso reside o papel do tradutor de observar quais as palavras na língua de tradução são equivalentes, ou seja, tem acepção às palavras em inglês.

O fato de mencionar que o inglês moderno deve ser traduzido para outra língua, impede que as nomenclaturas em línguas diferentes sejam traduzidas. Aquelas línguas setentrionais escolhidas pelo Tolkien para produzir um efeito linguístico de relação entre o inglês moderno (como westron) e outras línguas, permanecem sem tradução. (conforme apontado no quadro no tópico anterior). Dessa forma, as características inglesas ou europeias setentrionais do livro acabam se mantendo justamente por não ocorrer essas adaptações ou traduções.

Língua Comum

(Westron)

Significado na Língua da tradução (Português)
Outras línguas Manter no original

Certamente a escolha de palavras antigas dentro do contexto das histórias, como recursos para a fala dos personagens, parece ser razoável em uma tradução que procure fidelidade. Porém, em se tratando de nomenclatura, o autor deixou evidente as suas considerações no sentido de que apenas as palavras em Inglês moderno deveriam ser traduzidas, conforme o significado do termo e não adaptações fonéticas.

2.2. A tradução dos nomes dos seres do mundo imaginário

Ao decidir criar um conjunto de histórias que formam um imaginário de mitologias, lendas e contos de fadas, o professor Tolkien também criou línguas diferentes e para cada uma delas os povos e raças com toda sua complexidade baseada na realidade. As criaturas e seres que ativamente participaram dessas histórias tinham, portanto, sua própria cultura e idioma.

Porém, dentro da ideia ficcional de que ele seria um tradutor do Livro Vermelho do Marco Ocidental, foi necessário traduzir ou dar nome a esses seres com algo que soasse familiar aos leitores de língua inglesa. Para Tolkien, o leitor inglês poderia não se acostumar com vários nomes que não fossem conhecidos e isso poderia afastar a sensação de realidade e de conexão com as histórias.

Foi nessa ideia que o professor de Oxford escolheu nomes de seres já conhecidos nas histórias tradicionais da Europa e os utilizou para denominar as criaturas de seu mundo. Mas os seres das mitologias e folclore da Europa não se adequavam em sua representação integral nas histórias. Com base nisso Tolkien afirmou que:

Tenho dificuldade em encontrar nomes ingleses para criaturas mitológicas com outros nomes, uma vez que as pessoas não “aceitariam” uma série de nomes Élficos, e prefiro que elas aceitem minhas criaturas lendárias mesmo com as falsas associações da “tradução” do que não as aceitem de modo algum. (TOLKIEN. Carta para Robert Murray, SJ. em 4 de novembro de 1954).[17]

E nesse mesmo sentido, aponta essa dificuldade de adequar especificamente os nomes na língua inglesa: “Minha dificuldade é de que, uma vez que tentei apresentar uma espécie de legendarium e história de uma “época esquecida”, todos os termos específicos estavam em uma língua estrangeira, e não existem equivalentes precisos em inglês” (TOLKIEN. Carta para Hugh Brogan, 18 de setembro de 1954)[18]

 

 

As características dos seres folclóricos da Europa não se encaixavam perfeitamente nas raças que estavam na Terra-média. Mas como se tratam de palavras que representam a tradução em seu significado, Tolkien usou os nomes daqueles seres que pudessem ser lembrados, mesmo que o sentido não fosse totalmente compatível. Dessa forma ele afirmou que “elfo, gnomo, goblin e anão são apenas traduções aproximadas dos nomes em Élfico Antigo para seres de raças e funções não exatamente iguais”. (The Observer, 20 de fevereiro de 1938)[19]

É interessante observar que esses nomes escolhidos figuravam como traduções para os seres de seu mundo imaginário. Porém, existiam aqueles nomes que não poderiam ser traduzidos, eram nomes próprios daquele mundo. Foi nesse sentido que ele chegou a proibir os tradutores holandeses de traduzir os termos “Hobbit” e “Orc”. Conforme Tolkien afirmou em carta para seu editor: “Elfos, Anões, Trolls, sim: estes são meros equivalentes modernos dos termos corretos. Mas hobbit (e orc) são daquele mundo e devem permanecer, quer soem holandeses ou não(TOLKIEN. Carta para Rayner Unwin de 3 de julho de 1956).

Assim, pode-se verificar que existem dois tipos de nomes para os seres da Terra-média. Os primeiros que são traduções com base no significado das palavras, muito embora não muito precisos. E a segunda categoria de nomes dos seres é aquela não seria passível de tradução por opção do autor.

 

a) Nomes traduzidos pelo sentido:

A primeira etapa em tradução de nomes foi procurar na mitologia e folclore europeu, especialmente naqueles povos de origem germânica ou setentrional, criaturas que tivessem alguma semelhança com os seres de seu mundo. Assim, a tradução dos termos foi feita de acordo com o sentido aproximado. Porém, Tolkien encontrou dificuldades em escolher quais desses seres do folclore europeu poderiam representar aqueles que estavam em suas histórias.

Com base em informações fornecidas pelo próprio Tolkien, através de cartas, entrevistas e livros, pode-se formar o seguinte quadro relativo a palavras que devem ser traduzidas pelo sentido para o Inglês moderno (e por consequência para a língua da tradução):

  Língua Interna Inglês Português
 

 

Nomes traduzidos pelo

Sentido

Quendë (Q) Elf Elfo
Narag (W) Dwarf Anão
Torog (S) Troll Troll
Orc (R)

Orca /Orka (W)

Orch (S)

Urco/Orco (Q)

 

Goblin

 

? ? ? ?

 

A seguir será demonstrado que, embora o autor tenha escolhido os nomes a partir do que encontrou nas línguas e contos tradicionais, ele se ressentia com suas escolhas por não serem realmente ajustadas.

Os primeiros seres que foram desenvolvidos foram os Quendi. Um povo antigo, belo e imortal. Para nomeá-los, Tolkien buscou na mitologia nórdica um nome de uma criatura que pudesse ser compatível. Foi assim que escolheu o nome “Elf”, que em Português é o mesmo que “Elfo”. Os Elfos são os seres mais complexos do Legendarium. Por suas próprias características e desenvolvimento nas histórias, em especial nas primeiras eras, esses seres tem uma importância central: “Elfos [Elven] é uma palavra inglesa, mas a natureza e a história dos povos assim chamados em meus livros têm pouco ou nada a ver com as tradições europeias sobre elfos ou fadas”. (TOLKIEN. Carta para Mrs. L. M. Cutts, 26 de outubro de 1958)[20].

“Elfos” é uma tradução, talvez agora não muito adequada, mas originalmente boa o suficiente, de Quendi. Eles são representados como uma raça similar em aparência (e ainda mais no passado distante) aos Homens e, em dias antigos, da mesma estatura. Não entrarei aqui em suas diferenças dos Homens! Mas suponho que os Quendi nestas histórias sejam de fato muito pouco relacionados aos Elfos e Fadas da Europa; e se eu fosse pressionado a racionalizar, eu diria que eles representam realmente Homens com faculdades estéticas e criativas aprimoradas em grande medida, maior beleza e vida mais longa, e nobreza (TOLKIEN. Carta para Naomi Mitchison, 25 de abril de 1954).[21]

Assim, os Elfos nos contos tradicionais populares não são os mesmos Elfos que o Tolkien apresenta em suas histórias. Usando essa palavra ele apenas tentou dar uma tradução com um sentido remotamente similar aos seres de seu mundo. Enquanto o termo “Elfo” não se adéqua completamente em seu sentido, os outros seres também permanecem com essa imprecisão de conceitos. O lamento do Tolkien parece ter se aprofundado com relação ao uso de “Elfos” tendo em vista a carga de elementos que a cultura popular já havia associado em relação ao nome. Foi por isso que Tolkien afirmou o seguinte:

Agora lamento profundamente ter usado Elfos, embora esta seja uma palavra em ancestralidade e significado original suficientemente adequada. Porém, a desastrosa depreciação dessa palavra, na qual Shakespeare desempenhou um papel imperdoável, realmente a sobrecarregou com tons lamentáveis, que são muitos para se superar. (TOLKIEN. Carta para Hugh Brogan, 18 de Setembro de 1954)[22]

Essa dificuldade em escolha dos nomes também ocorre com os Anões, pois também não são completamente idênticos aos seres dentro do mundo imaginário. Tolkien faz essa diferenciação em uma carta para Robert Murray:

Até mesmo os anões não são realmente “dwarfs” (Zwerge, dweorgas, dvergar) germânicos, e os chamo de “dwarves” para salientar isso. Eles não são naturalmente maus, não são necessariamente hostis e não são uma espécie de povo-verme gerado nas pedras, mas uma variedade de criaturas racionais encarnadas. (TOLKIEN. Carta para Robert Murray, SJ. 4 de novembro de 1954).[23]

Os Trolls também eram seres do mundo imaginário que eram chamados de Torog, na língua dos elfos Sindarin[24]. Foi das histórias tradicionais escandinavas que Tolkien buscou o nome Troll para essas criaturas.

Quanto a tradução para os Orcs, Tolkien escolheu as criaturas do folclore europeu “Goblins”, sobretudo com aspectos inspirados nas obras de George Macdonald. Porém, assim como não sentia a adequação dos nomes aos seres em relação aos elfos e anões, ele preferiu a palavra “Orc” para nomear esses seres. Essa escolha será analisada em outro tópico posterior.

O que se pode notar é que os nomes escolhidos para os seres da Terra-média não eram completamente iguais àqueles seres do folclore e mitologia. As características desses seres no mundo do Tolkien parecem ser complexas e aplicáveis a uma narrativa heróica. Contudo, mantendo a coerência do seu sistema de traduções, o autor optou por escolher as palavras de acordo com o seu sentido, o mais próximo possível.

 

b) Nomes inalteráveis

Como visto, existem os nomes dos seres que são traduzidos conforme o seu significado. E assim foram nomeados conforme os seres do folclore e mitologia, mas que permanecem com sentido próprio dentro do mundo imaginário. Existem também aqueles nomes, que permanecem com significado próprio, e que não são objeto de tradução. Isso implica em uma conexão da palavra ao próprio mundo e por isso não seria traduzível para outra língua. Porém, a mesma incompatibilidade de características ocorrida na tradução pelo sentido também se verifica.

Como exemplo, temos a palavra “Ent” que Tolkien tomou emprestado de uma língua existente em nosso mundo, mas que em seu mundo imaginário é a representação da língua de Rohan. Tal palavra vem do Inglês Antigo “Ent”, que significa gigante. Mas que dentro da ideia de tradutor ficcional foi utilizada como uma língua interna. “Ent era a forma de seu nome na língua de Rohan”. (TOLKIEN. O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei, p. 423).

Ent também é uma antiga palavra inglesa (um gigante); mas os Ents do meu mundo são, suponho, uma “criatura” inteiramente original – tanto quanto se pode dizer de qualquer trabalho humano. Se você preferir, eles são uma forma ‘mitológica’ retirada do meu amor pelas árvores ao longo da vida, talvez com alguma influência remota do Phantastes de George MacDonald (um trabalho que eu realmente não gosto muito), e certamente uma forte reviravolta dada pela minha profunda decepção com Macbeth de Shakespeare… (TOLKIEN. Carta para Mrs. L. M. Cutts, 26 de outubro de 1958).[25]

As características principais dos Ents são parte do processo criativo do autor que se vinculam ao próprio nome escolhido e por isso não traduzível. O fato de não ter as mesmas características não impede de ser adotado esse nome. De fato, Tolkien preferiu que “Ent” não fosse traduzido ou alterado pelos tradutores, tendo em vista que se trata de uma palavra em Inglês Antigo, que por sua vez representa a língua dos homens de Rohan. O guia escrito pelo Tolkien aos tradutores deixa essa ideia bem clara:

Ent. Manter assim, sozinho ou em compostos, como Entwives. Supõe-se que seja um nome na língua do Vale do Anduin, incluindo Rohan, para essas criaturas. Na verdade, é uma palavra do Inglês Antigo para “gigante”, que é correto, portanto, de acordo com o sistema atribuído à Rohan, mas os Ents desse conto não estão em forma ou características derivadas da mitologia Germânica. Entings “filhos dos Ents” (II 78) também devem permanecer inalterados, exceto no final plural. O nome élfico-cinzento (Sindarin) era Onodrim (II 45). (TOLKIEN. Nomenclature of the lord of the rings, p.756-757).[26]

Pelo exposto, é possível se verificar no guia para os tradutores, escrito por Tolkien, que as palavras que são do Inglês Antigo, em sua maioria, não são passíveis de alteração e nem tradução. Como exemplo, a palavra “Scatha”, cuja diretriz prescrita no guia aos tradutores diz o seguinte: “Esta é do Inglês Antigo (injuria, inimigo, ladrão) e assim é da língua de Rohan e deve ser deixado inalterado” (TOLKIEN. Nomenclature of the lord of the rings, p.762) [27].

Outro exemplo é a palavra “Firien” “Um nome de Rohan representando uma palavra antiga (Inglês Antigo ‘firgen’, pronunciado ‘firien’) para ‘montanha’. Compare com “Halifirien” ‘monte santo’. Como pertencente à língua de Rohan, o ‘firien’ deveria ser mantido”. (TOLKIEN. Nomenclature of the lord of the rings, p.770)[28]. O mesmo ocorre com a palavra “Folde” “Um nome de Rohan, permanecer inalterado” (TOLKIEN. Nomenclature of the lord of the rings, p.770). [29], uma vez que essa palavra é do Inglês Antigo ‘folde’ (fold em nórdico antigo) que significa “terra, região, país”.

O quadro abaixo fornece os exemplos vistos acima, para maior clareza da ideia do autor. A língua de Rohan é representada pelo Inglês Antigo e a vontade do autor é que tais nomes não fossem traduzidos ou alterados pelos tradutores:

  Língua

de Rohan

Inglês

Antigo

Inglês Português
Nomes inalteráveis pelo autor

 

Ent (R) Ent (R) Ent Ent
Orc (R) Orc (R) Orc Orc
Scatha (R) Scatha (R) Scatha Scatha
Firien (R) Firien (R) Firien Firien

 

Se for considerado o que consta no Apêndice F de O Senhor dos Anéis, O Retorno do Rei, a palavra “Orc” pertence ao conjunto da língua de Rohan. “Orc é a forma do nome que as demais raças usavam para esse povo imundo, tal como na língua de Rohan. (TOLKIEN. O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei, p. 423). Além disso, a palavra “Orc” vem do Inglês Antigo que significa “demônio, monstro”. Assim, tal palavra poderia ser colocada no mesmo grupo dos nomes que são inalteráveis para as traduções. Contudo, a questão não é ponto pacífico, pois posteriormente o Tolkien considerou que a palavra “Orc” seria uma palavra em Westron e assim passível de tradução. É por isso que essa palavra exige uma análise mais específica.

2.3. As diretrizes específicas para traduzir “Orc”

Pelo exposto nos tópicos anteriores, a palavra Orc apresenta dupla possibilidade de diretriz quanto à tradução. Se observar a ideia de que se trata de uma palavra em Língua Comum, deveria ser traduzida de acordo com o seu significado. Contudo, se levar em consideração que a palavra Orc é vinda do Inglês antigo e, portanto, representativa da língua de Rohan, deveria permanecer inalterada. Para entender especificamente qual o caminho apresentado por Tolkien se faz necessário uma retrospectiva dos seus pronunciamentos sobre a natureza e tradução da palavra Orc.

No Apêndice F, em O Senhor dos Anéis, O Retorno do Rei, que foi originalmente publicado em 1955, Tolkien considerava a palavra “Orc” como sendo da língua de Rohan. “Orc é a forma do nome que as demais raças usavam para esse povo imundo, tal como na língua de Rohan”. (TOLKIEN. O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei, p. 423).

Mais tarde, tratando sobre a possibilidade de traduções, Tolkien mencionou que a palavra “Orc”, assim como “hobbit” não deveriam ser modificadas em sua grafia e não deveriam ser traduzidas, pois eram assim palavras inalteráveis por serem do mundo imaginário: “Elfos, Anões, Trolls, sim: estes são meros equivalentes modernos dos termos corretos. Mas hobbit (e orc) são daquele mundo e devem permanecer, quer soem holandeses ou não”. (TOLKIEN. Carta para Rayner Unwin de 3 de julho de 1956).[30]

Na primeira edição de O Hobbit não existia um prefácio, porém, diante do questionamento dos leitores buscando entender melhor a obra, Tolkien acabou incluindo nas edições de O Hobbit de 1965 em diante e assim consta o seguinte trecho:

Orc não é uma palavra inglesa. Ocorre em um ou dois lugares, mas é geralmente traduzida como goblin (ou hobgoblin no caso das espécies maiores). Orc é a forma hobbit do nome dado naquele tempo a essas criaturas e não tem nenhuma relação com orc, ork, que se aplicam a animais marinhos aparentados com o golfinho. (TOLKIEN, The Hobbit, p.5) [31]

Assim, para Tolkien “Orc” não é uma palavra do Inglês e, pertence, portanto ao seu mundo imaginário. A palavra é na verdade um empréstimo para que representasse, na sonoridade, as palavras em línguas élficas e o Westron. Sendo assim, ela poderia ser traduzida em seu significado para o inglês moderno como sendo o “Goblin”, porém não tendo uma relação propriamente de compatibilidade total.

A palavra usada na tradução de Q [uenya] urko, S [indarin] orch, é Orc. Mas isso é por causa da semelhança da antiga palavra inglesa orc, “espírito maligno ou bogey”, às palavras élficas. Não há, possivelmente, nenhuma conexão entre eles. A palavra inglesa é geralmente suposta ser derivada do latim Orcus. (TOLKIEN. The War of the Jewels, p. 391)[32]

Verifica-se que não se trata apenas de uma palavra na Língua de Rohan, mas de uma representação de outros termos que tem o mesmo significado. Como dito anteriormente, Tolkien optou por usar a grafia “Orc” para representar na sonoridade o conjunto de palavras que eram dadas para as criaturas malignas na Terra-média. Esse conjunto de palavras eram “Orka” (Westron), “Orch” (Sindarin), “Urco” ou “Orco” (Quenya) e “Orc” na língua de Rohan, representativa pelo Inglês Antigo. Contudo, Tendo em vista aspectos gramaticais, Tolkien mudou de ideia quanto a grafia da palavra. Conforme pode ser lido abaixo, em trecho escrito pelo autor por volta de 1960:

Esta grafia [Orc] foi tirada do Inglês Antigo. A palavra parecia, por si só, bastante adequada às criaturas que eu tinha em mente. Mas o Inglês Antigo orc em significado – até onde se sabe – não é adequado. Também a grafia da qual, em situação linguística mais organizada, deve ter sido uma forma da Língua Comum de uma palavra ou grupo de palavras similares deveria ser ork. Conquanto apenas por causa das dificuldades de grafia no inglês moderno: um adjetivo orc + ish se torna necessário, e orcish não serviria. Em qualquer publicação futura usarei ork. (TOLKIEN. Morgoth’s Ring, p.422)[33]

De fato, Tolkien passou a usar a grafia “Ork” em seus escritos mais recentes, isso pode ser verificado no livro “As Aventuras de Tom Bombadil” e alguns ensaios publicados no livro “The Peoples of Middle-earth”. A preferência do Tolkien pela grafia “Ork”, se dá pelo motivo de se evitar a forma “Orcish”, que poderia ser pronunciado o “C” com som de “S” ao invés de som de “K” em Inglês. Tanto é que Tolkien usou a forma adjetiva “Orkish”. Porém, posteriormente Tolkien optou por não mais adotar essa mudança de grafia e permaneceu com a forma já usada “Orc”, como será visto a seguir.

A diretriz mais objetiva e recente sobre a palavra Orc e sua tradução foi colocada justamente no guia para os tradutores dinamarqueses e alemães, em 1967. Nesse documento, Tolkien apresenta suas ideias sobre a palavra “orc” e como ela deveria ser traduzida para as línguas germânicas, para o qual o guia se destinava:

Orc. Este é o suposto nome na Língua Comum dessas criaturas naquela época. Portanto, de acordo com o sistema deve ser traduzido para o inglês, ou a língua da tradução. Foi traduzido como “goblin” em O Hobbit, exceto em um lugar; mas esta palavra, e outras palavras de sentido similar em outras línguas europeias (até onde eu sei), não são realmente adequadas. O orc em O Senhor dos Anéis e O Silmarillion, embora certamente feito em parte de características tradicionais, não é realmente comparável em suposta origem, funções e relação aos Elfos. Em qualquer caso orc me pareceu, e parece, no som um bom nome para essas criaturas. Deveria ser mantido. Deveria ser escrito ork (como na tradução holandesa) em uma língua germânica, mas eu usei a grafia orc em tantos lugares que eu hesitei em mudá-lo no texto em inglês, embora o adjetivo seja necessariamente escrito orkish. A forma élfica-cinzenta é orch, plural yrch. Eu originalmente peguei a palavra do inglês antigo orc [Beowulf 112 orc-nass e a glosa orc = pyrs (‘ogre’), heldeofol (‘diabo do inferno’)]. Não se deve supor que isso esteja ligado com o Inglês moderno orc, ork, um nome aplicado a vários animais marinhos da ordem dos golfinhos. (TOLKIEN. Nomenclature of the lord of the rings, p. 761-762)

O enunciado acima merece uma atenção aprimorada, pois é o trecho mais específico que se pode encontrar do próprio autor dizendo como se deve traduzir a palavra, especialmente em relação aos falantes de línguas germânicas. Os detalhes podem direcionar a tradução para uma melhor fidelidade ao que o autor pretendia.

Orc. Este é o suposto nome na Língua Comum dessas criaturas naquela época. Portanto, de acordo com o sistema deve ser traduzido para o inglês, ou a língua da tradução. Foi traduzido como “goblin” em O Hobbit, exceto em um lugar; mas esta palavra, e outras palavras de sentido similar em outras línguas europeias (até onde eu sei), não são realmente adequadas. (TOLKIEN. Nomenclature of the lord of the rings, p. 761)[34]

Primeiramente, Tolkien define que a palavra “Orc” poderia ser um nome na Língua Comum (Westron). Mantendo a regra geral vista anteriormente, esse nome deveria ser traduzido para o Inglês moderno, consequentemente para a língua da tradução. Por ser uma tradução pelo significado, Tolkien procurou no folclore europeu, especialmente Inglês, uma criatura que tivesse as mesmas características, assim como aconteceu com os “Quendi” que foram chamados de Elfos, “Narag” de Anão e “Torog” de Troll. Foi assim que Tolkien traduziu “Orc” como sendo “Goblin”. Mas essa palavra não tem o mesmo significado correspondente aos seres de seu mundo, uma vez que são criaturas típicas das histórias de George Macdonald e contos populares. Igual situação de incompatibilidade de significados se verifica no folclore de outros países. Os Goblins são comparados aos duendes, trasgos (Espanha e Portugal), cluricaun e leprechaum (Irlanda), brownies (escócia), nisse (Dinamarca), lutin ou gobelin (frança), tomte (Suécia). Nenhum desses seres se encaixa perfeitamente às mesmas características das criaturas do mundo do Tolkien.

Então, tendo em vista a impossibilidade de uma tradução pelo significado aproximado, Tolkien decide abandonar essa diretriz geral e indica que a palavra deveria permanecer sem tradução pelo significado. Isso pode ser visto na parte seguinte do mesmo texto:

O orc em O Senhor dos Anéis e O Silmarillion, embora certamente feito em parte de características tradicionais, não é realmente comparável em suposta origem, funções e relação aos Elfos. Seja como for, orc me pareceu, e parece, no som um bom nome para essas criaturas. Deveria ser mantido. (TOLKIEN. Nomenclature of the lord of the rings, p. 761-762)[35]

Como dito acima, no processo de tradução da palavra “Quendë”, Tolkien procurou seres dentro das mitologias que pudessem ser representantes deles. Foi assim que encontrou os “Elfos” nas histórias germânicas antigas. Segundo Tolkien o termo Elfo “é uma palavra em ancestralidade e significado original suficientemente adequada”. (TOLKIEN. Carta para Hugh Brogan, 18 de Setembro de 1954).[36] Porém, mesmo assim, Tolkien sentia certo remorso quanto ao seu uso, tendo em vista a questão de seu significado. O mesmo ocorre com os anões e outros seres, como foi examinado anteriormente.

Com a palavra “Orc” a situação é diferente, pois o sentido é ainda mais distante que a palavra Elfo. Ao buscar o termo para representar os seres malignos de suas histórias, Tolkien encontrou “Orc” em Inglês Antigo, que tinha suas origens em histórias mitológicas e folclóricas, porém não são adequados na sua origem como os elfos. O uso da palavra foi “por causa de sua adequação fonética” (TOLKIEN, Carta para Naomi Mitchison, 25 de abril de 1954, p.)[37] Assim, o som da palavra pareceu ser interessante para representar essas criaturas e sua grafia foi encontrada justamente no Inglês Antigo. O “Orc” era um tipo de demônio das mitologias antigas, como visto no capítulo anterior, enquanto que as criaturas de Tolkien não eram do tipo demoníaco, mas apenas criaturas malignas.

Assim como “Elfos” e “Anões” não eram nomes totalmente apropriados para representar suas criaturas em significado, o mesmo ocorria com a palavra “Orc”, que por sua vez se manteve por sua adequação fonética. Contudo, mesmo não sendo um significado aproximado, Tolkien decide que a palavra deveria permanecer na obra original com a grafia inglesa.

Em seguida, Tolkien discute como a escrita da palavra Orc deve ser colocada nas obras traduzidas para línguas germânicas. As diretrizes são específicas para os tradutores dinamarqueses e alemães:

Deveria ser escrito ork (como na tradução holandesa) em uma língua germânica, mas eu usei a grafia orc em tantos lugares que eu hesitei em mudá-lo no texto em inglês, embora o adjetivo seja necessariamente escrito orkish. (TOLKIEN. Nomenclature of the lord of the rings, p. 762)[38]

Como visto acima, alguns anos após a publicação de O Senhor dos Anéis, por volta de 1960, Tolkien encontrou-se em um dilema sobre a correta grafia da palavra. Segundo ele “…deveria ser ork. Conquanto apenas por causa das dificuldades de grafia no inglês moderno:” (TOLKIEN. Morgoth’s Ring, p.422)[39] Tolkien se preocupava com os aspectos ortográficos que iria implicar tal escolha, sobretudo o adjetivo “orkish” que seria a forma certa e não “orcish”.

Em 1965, dois anos antes da escrita do guia para tradutores, Tolkien teve a possibilidade de alterar a grafia de Orc para Ork durante a revisão de O Senhor dos Anéis, mas não fez a modificação, haja vista que, como apontado no guia para os tradutores, o autor percebeu que isso não seria mais conveniente. Ele usou muitas vezes a grafia Orc e a palavra já havia se enraizado por mais de dez anos desde a publicação de O Senhor dos Anéis. Há para Tolkien uma preocupação com a decorrência dessa alteração, especialmente em relação ao público e ao que já havia sido estabelecido.

Tolkien diz que as línguas germânicas deveriam escrever “Ork”, e dá como exemplo a escolha feita na tradução holandesa. A primeira tradução de O Senhor dos Anéis foi justamente em língua holandesa, publicada em 1956 e 1957, com tradução de Max Schuchart. Dentro do contexto do processo de tradução holandesa é que se encontra a carta do Tolkien em que ele diz que as palavras Hobbit e Orc deveriam permanecer inalteradas. Ele aponta que não gostou de alterações feitas anteriormente com a palavra Hobbit, como espécies de adaptações:

Que agora eu possa dizer de uma vez que não tolerarei qualquer remendagem similar com a nomenclatura pessoal. Nem com o nome/palavra Hobbit. Não admitirei mais qualquer Hompen (no qual não fui consultado), nem qualquer Hobbel ou sei lá o que. Elfos, Anões, Trolls, sim: estes são meros equivalentes modernos dos termos corretos. Mas hobbit (e orc) são daquele mundo e devem permanecer, quer soem holandeses ou não. (TOLKIEN. Carta para Rayner Unwin de 3 de julho de 1956).[40]

Após essa carta objetiva e sincera, foi criada uma lista de nomes fornecida pelo tradutor holandês, para que Tolkien pudesse analisar e eles chegaram a um consenso sobre vários pontos. A palavra “Ork” foi uma escolha resolvida, tendo em vista que entre as línguas germânicas essa era a palavra que representava justamente o ser comparável ao “Orc” no folclore europeu. Além disso, a grafia “Ork” não iria causar estranheza sonora aos povos de línguas germânicas. Pelo duplo encaixe da palavra é que foi aceita. A seguir, pode ser visto o conceito de Ork e sua equivalência ao Orco ou Orc, presentes no folclore europeu:

Ork. Variações: Hymir, Il Orco, Lorge, Norge, Norglein, Norkele, Orco, Orge. No folclore tirolês do sul, Ork é um anão bem-humorado ou um espírito doméstico, mas em histórias muito antigas ele era descrito como sendo um demônio antropófago (devorador de homens). É possível que Ork tenha sido uma vez o deus romano do submundo Orcus. (BANE, Theresa, Encyclopedia of Beasts and Monsters in Myth, Legend and Folklore, p.248)[41]

Assim, Tolkien saiu da completa impossibilidade de tradução ou alteração da grafia da palavra (“quer soem holandeses ou não”) para a escolha de uma palavra que já existia naquela língua, com algum vinculo dos contos tradicionais ou cuja grafia não fugisse dessa conexão sonora, tal como a palavra Orc no Inglês Antigo. A palavra então passou a ser passível de tradução, deixando de ser apenas uma palavra na língua de Rohan intraduzível, pois agora passou a ser também uma palavra em Westron.

O processo de escolha de palavra é um misto de elementos, assim, Tolkien chega a afirmar que “A escolha dos equivalentes foi direcionada em parte por significado (onde é discernível nos nomes originais), em parte pelo tom geral, e em parte pelo comprimento e estilo fonético”. (TOLKIEN. The People of Middle-earth p.46-48).[42]

Então “Ork” se torna compatível tanto em sua sonoridade semelhante a “Orc” e também no significado externo e por isso foi adotada nas traduções alemãs e dinamarquesas. A tradução holandesa foi aceita para publicação e ganhou o título “In De Ban van de Ring”, sendo publicado o primeiro volume em 1956 e os dois restantes em 1957. A tradução foi premiada e o Tolkien possuía exemplares em sua residência.

Importante ressaltar a diferenciação das traduções feitas na época em que o Tolkien estava vivo. A tradução sueca de 1959 a 1961, não foi aceita por J.R.R. Tolkien. Nela o tradutor Âke Ohlmarks tomou liberdades que não foram agradáveis e por isso o próprio autor informou do seu desgosto em cartas. Nessa tradução a palavra “Orc” foi adaptada em grafia que correspondesse ao som para a língua sueca, ou seja, uma adaptação fonética escrita “Orcher” (pl. Orchernas). Porém, anos mais tarde, em 2004, foi feita uma nova tradução para esse idioma por Erik Anderssons. Nessa versão recente o tradutor decidiu usar “Ork”, tal como Tolkien havia mencionado no guia para os tradutores, que seria o ideal para as línguas germânicas. Enquanto a tradução polonesa, de 1961 a 1963, seguiu as mesmas diretrizes do Tolkien ditas acima. A tradutora Maria Skibniewka, que se correspondeu com Tolkien ao longo do processo de tradução, optou por “Ork” e manteve “Goblin” inalterado.

A escolha das palavras pela equivalência se deu por parte das línguas de raiz indo-européia. Pois elas tinham palavras que estavam vinculadas mitológica e linguisticamente. A primeira tradução italiana, publicada em 1967 a 1970,  optou por escolher a palavra  optou por escolher a palavra “Orchetti”, uma forma diminutiva de “Orco”, que carrega o mesmo significado de Orc no Inglês Antigo e Ork nas línguas germânicas. A tradutora Vittoria Alliata di Villa Franca se correspondia com o próprio Tolkien, através das editoras e ele chegou a dizer que essa havia sido a melhor tradução já realizada até então. Vittoria Alliata teve acesso aos textos fornecidos pelo Tolkien e especialmente o Guia de nomenclaturas, ao qual ela seguiu fielmente e com concordância do próprio Tolkien. Além disso, o professor Tolkien sabia falar italiano e até já tinha visitado a Itália por duas vezes. Tolkien recebeu os volumes italianos assim que foram publicados e não há relato posterior de que ele tenha se desagradado com essa versão.

Da mesma forma, a primeira tradução francesa de O Senhor dos Anéis, optou pelo mesmo critério de escolha pela equivalência, usando a palavra medieval francesa “Orque”. E posteriormente, a tradução Espanhola seguiu a mesma diretriz e optou por “Orco”. No capítulo seguinte haverá uma abordagem mais específica da tradução italiana, espanhola e francesa e o processo de escolha de palavras de acordo com as diretrizes do Tolkien.

Enquanto nas línguas de raiz indo-europeia optou-se por palavras que fossem equivalentes em som e significado, as línguas que fosse de outro ramo linguístico deveriam adotar uma adaptação fonética. Assim ocorreu nas traduções para o Finlandês, Coreano e Japonês. Essa ideia foi estabelecida pela dificuldade de encontrar equivalente em significado e, por isso optou-se por tentar preservar o som.

A forma élfica-cinzenta é orch, plural yrch. Eu originalmente peguei a palavra do inglês antigo orc [Beowulf 112 orc-nass e a glosa orc = pyrs (‘ogre’), heldeofol (‘diabo do inferno’)]. Não se deve supor que isso esteja ligado com o Inglês moderno orc, ork, um nome aplicado a vários animais marinhos da ordem dos golfinhos. (TOLKIEN. Nomenclature of the lord of the rings, p. 762)[43]

Os nomes listados no guia para os tradutores estão em Inglês moderno. Enquanto que a palavra Orc tem relação com o Inglês Antigo e não relação com a palavra “Orc” no inglês moderno que significa uma “baleia assassina”. Em português a palavra nesse sentido seria traduzida como “Orca”,

O que se depreende do exposto é que Tolkien transita por pelo menos quatro formas de se traduzir a palavra Orc. Primeiramente pela tradução conforme o sentido da palavra, depois pela inalterabilidade total (nem de grafia e nem de som), em seguida pela tradução pela equivalência e por último pela adaptação fonética. É dentro desses processos de escolha que a tradução da palavra para o Português deve estar relacionada, especialmente com relação às línguas europeias e sua origem latina.

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A bibliografia será incluída ao final do último artigo dessa série sobre a palavra Orc e Goblin.

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NOTAS:

 

[1] Of course, I wish you to pursue your efforts with regard to foreign editions. …. It is however surely intelligible that an author, while still alive, should feel a deep and immediate concern in translation. And this one is, unfortunately, also a professional linguist, a pedantic don, who has wide personal connexions and friendships with the chief English scholars of the continent….. The translation of The Lord of the Rings will prove a formidable task, and I do not see how it can be performed satisfactorily without the assistance of the author. By ‘assistance’ I do not, of course, mean interference, though the opportunity to consider specimens would be desirable. My linguistic knowledge seldom extends, beyond the detection of obvious errors and liberties, to the criticism of the niceties that would be required. But there are many special difficulties in this text. To mention one: there are a number of words not to be found in the dictionaries, or which require a knowledge of older English. On points such as these, and others that would inevitably arise, the author would be the most satisfactory, and the quickest, source of information. That assistance I am prepared to give, promptly, if I am consulted.I wish to avoid a repetition of my experience with the Swedish translation of The Hobbit. I discovered that this had taken unwarranted liberties with the text and other details, without consultation or approval; it was also unfavourably criticized in general by a Swedish expert, familiar with the original, to whom I submitted it. I regard the text (in all its details) of The Lord of the Rings far more jealously. No alterations, major or minor, re-arrangements, or abridgements of this text will be approved by me – unless they proceed from myself or from direct consultation. I earnestly hope that this concern of mine will be taken account of.

[2] In principle I object as strongly as is possible to the ‘translation’ of the nomenclature at all (even by a competent person). I wonder why a translator should think himself called on or entitled to do any such thing. That this is an ‘imaginary’ world does not give him any right to remodel it according to his fancy, even if he could in a few months create a new coherent structure which it took me years to work out. I presume that if I had presented the Hobbits as speaking Italian, Russian, Chinese, or what you will, he would have left the names alone. Or, if I had pretended that ‘the Shire’ was some fictitious Loamshire of actual England. Yet actually in an imaginary country and period, as this one, coherently made, the nomenclature is a more important element than in an ‘historical’ novel. (TOLKIEN. Carta de 3 de abril de 1956, para a Allen & Unwin)

[3] I am sure the correct (as well as for publisher and translator the more economical?) way is to leave the maps and nomenclature alone as far as possible, but to substitute for some of the least-wanted Appendices a glossary of names (with meanings but no refs.). I could supply one for translation.

[4] I am no linguist, but I do know something about nomenclature, and have specially studied it, and I am actually very angry indeed

[5] May I say now at once that I will not tolerate any similar tinkering with the personal nomenclature. Nor with the name/word Hobbit. I will not have any more Hompen (in which I was not consulted), nor any Hobbel or what not. Elves, Dwarfs/ves, Trolls, yes: they are mere modern equivalents of the correct terms. But hobbit (and orc) are of that world, and they must stay, whether they sound Dutch or not.

[6] I still think the ‘translation of the nomenclature a primary blunder, indicative of a wrong attitude; and as I was not able to carry that point, I do not suppose I should be more successful in other points, (SCULL. HAMMOND. Reader’s Guide. p. 1032)

[7] As a general principle for [Mrs Skibniewska’s] guidance, my preference is for as little translation or alteration of any names as possible. As she perceives, this is an English book and its Englishry should not be eradicated. That the Hobbits actually spoke an ancient language of their own is of course a pseudo-historical assertion made necessary by the nature of the narrative…. My own view is that the names of persons should all be left as they stand. I should prefer that the names of places were  left untouched also, including Shire.The proper way of treating these I think is for a list of those that have a meaning in English to be given at the end, with glosses or explanation in Polish. I think a suitable method or procedure would be that which was followed in the Dutch and Swedish versions, with Mrs. Skibniewska making a list of all the names in the book which she finds difficult or which she might for any reason wish to alter or translate. I will then be very happy to annotate this list and criticize it. (SCULL. HAMMOND. Reader’s Guide. p. 1036-1037).

[8] When I was reading the specimens of the proposed German translation, I began to prepare an annotated name list based on the index: indicating those names that were to be left unchanged and giving information of the meaning and origin of those that it was desirable to render into the language of translation, together with some tentative advice on how to proceed. I hope soon to complete this and be able to send you a copy or copies for the use of translators. (SCULL. HAMMOND. Reader’s Guide. p. 1037)

[9] I have therefore recently been engaged in making, and have nearly completed, a commentary on the names in this story, with explanations and suggestions for the use of a translator, having especially in mind Danish and German. (SCULL. HAMMOND. The Lord of the Rings, A Reader’s Companion, 2005, p.751)

[10] In presenting the matter of the Red Book, as a history for people of today to read, the whole of the linguistic setting has been translated as far as possible into terms of our own times. Only the languages alien to the Common Speech have been left in their original form; but these appear mainly in the names of persons and places. (TOLKIEN. O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei, p. 425)

[11] All names not in the following list should be left entirely unchanged in any language used in translation, except that inflexional –s, –es should be rendered according to the grammar of the language. (TOLKIEN. Nomenclature of the lord of the rings, p.751)

[12] I have also translated all Westron names according to their senses. When English names or titles appear in this book it is an indication that names in the Common Speech were current at the time, beside, or instead of, those in alien (usually Elvish) languages. (TOLKIEN. O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei, p. 426)

[13] It seemed to me that to present all the names in their original forms would obscure an essential feature of the times as perceived by the Hobbits (whose point of view I was mainly concerned to preserve): the contrast between a wide-spread language, to them as ordinary and habitual as English is to us, and the living remains of far older and more reverend tongues. All names if merely transcribed would seem to modern readers equally remote: for instance, if the Elvish name Imladris and the Westron translation Karningul had both been left unchanged. But to refer to Rivendell as Imladris was as if one now was to speak of Winchester as Camelot, except that the identity was certain, while in Rivendell there still dwelt a lord of renown far older than Arthur would be, were he still king at Winchester today. (TOLKIEN. O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei, p. 427)

[14] Languages, however, that were related to the Westron presented a special problem. I turned them into forms of speech related to English. Since the Rohirrim are represented as recent comers out of the North, and users of an archaic Mannish language relatively untouched by the influence of Eldarin, I have turned their names into forms like (but not identical with) Old English. The language of Dale and the Long Lake would, if it appeared, be represented as more or less Scandinavian in character; but it is only represented by a few names, especially those of the Dwarves that came from that region. These are all Old Norse Dwarf-names. (TOLKIEN. Carta para Naomi Mitchison, 25 de abril de 1954).

[15] Names that are given in modern English therefore represent names in the Common Speech, often but not always being translations of older names in other languages, especially Sindarin (Grey-elven).(TOLKIEN. Nomenclature of the lord of the rings, p.751).

[16] The language of translation now replaces English as the equivalent of the Common Speech; the names in English form should therefore be translated into the other language according to their meaning (as closely as possible). (TOLKIEN. Nomenclature of the lord of the rings, p.751).

[17] I am under the difficulty of finding English names for mythological creatures with other names, since people would not ‘take’ a string of Elvish names, and I would rather they took my legendary creatures even with the false associations of the ‘translation’ than not at all. (TOLKIEN. Carta para Robert Murray, SJ. em 4 de novembro de 1954).

[18] My difficulty has been that, since I have tried to present a kind of legendary and history of a ‘forgotten epoch’, all the specific terms were in a foreign language, and no precise equivalents exist in English….. (TOLKIEN. Carta para Hugh Brogan, 18 de setembro de 1954).

[19] in any case, elf, gnome, goblin, dwarf are only approximate translations of the Old Elvish names for beings of not quite the same kinds and functions. (The Observer, 20 February 1938).

[20] Elves is an English word, but the nature and history of the peoples so-called in my books has little or nothing to do with the European traditions about Elves or Fairies. (TOLKIEN. Carta para Mrs. L. M. Cutts, 26 de outubro de 1958)

[21] ‘Elves’ is a translation, not perhaps now very suitable, but originally good enough, of Quendi. They are represented as a race similar in appearance (and more so the further back) to Men, and in former days of the same stature. I will not here go into their differences from Men ! But I suppose that the Quendi are in fact in these histories very little akin to the Elves and Fairies of Europe; and if I were pressed to rationalize, I should say that they represent really Men with greatly enhanced aesthetic and creative faculties, greater beauty and longer life, and nobility – the Elder Children, doomed to fade before the Followers (Men), and to live ultimately only by the thin line of their blood that was mingled with that of Men, among whom it was the only real claim to ‘nobility’. (TOLKIEN. Carta para Naomi Mitchison, 25 de abril de 1954)

[22] I now deeply regret having used Elves, though this is a word in ancestry and original meaning suitable enough. But the disastrous debasement of this word, in which Shakespeare played an unforgiveable pan, has really overloaded it with regrettable tones, which are too much to overcome. (TOLKIEN.Carta para Hugh Brogan, 18 de Setembro de 1954)

[23] Even the dwarfs are not really Germanic ‘dwarfs’ (Zwerge, dweorgas, dvergar), and I call them ‘dwarves’ to mark that. They are not naturally evil, not necessarily hostile, and not a kind of maggot-folk bred in stone; but a variety of incarnate rational creature. (TOLKIEN. Carta para Robert Murray, SJ. 4 de novembro de 1954).

[24] Troll foi usado para traduzir o sindarin Torog. (TOLKIEN. O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei, p. 424)

[25] Ent is also an ancient English word (for a giant); but the Ents of my world are I suppose an entirely original ‘creatures’ — so far as that can be said of any human work. If you like, they are a ‘mythological’ form taken by my lifelong love of trees, with perhaps some remote influence from George MacDonald’s Phantastes (a work I do not actually much like), and certainly a strong [twist?] given by my deep disappointment with Shakespeare’s Macbeth…

[26] Ent. Retain this, alone or in compounds, such as Entwives. It is supposed to be a name in the language of the Vale of Anduin, including Rohan, for these creatures. It is actually an Old English word for ‘giant’, which is thus right according to the system attributed to Rohan, but the Ents of this tale are not in form or character derived from Germanic mythology. Entings ‘children of Ents’ (II 78) should also be unchanged except in the plural ending. The Grey-elven (Sindarin) name was Onodrim (II 45). (TOLKIEN. Nomenclature of the lord of the rings, p.756-757).

[27] Scatha. This is Old English (injurer, enemy, robber) and so is from the language of Rohan and should be left unchanged. (TOLKIEN. Nomenclature of the lord of the rings, p.762)

[28] Firien. A Rohan name representing an old word (Old English firgen, pronounced firien) for ‘mountain’. Compare Halifirien ‘holy mount’. As belonging to the language of Rohan, firien should be retained. (TOLKIEN. Nomenclature of the lord of the rings, p.770).

[29] Folde. A Rohan name, to remain unaltered. (TOLKIEN. Nomenclature of the lord of the ringns, p.770).

[30] May I say now at once that I will not tolerate any similar tinkering with the personal nomenclature. Nor with the name/word Hobbit. I will not have any more Hompen (in which I was not consulted), nor any Hobbel or what not. Elves, Dwarfs/ves, Trolls, yes: they are mere modern equivalents of the correct terms. But hobbit (and orc) are of that world, and they must stay, whether they sound Dutch or not. (TOLKIEN. Carta para Rayner Unwin de 3 de julho de 1956).

[31] Orc is not an English word. It occurs in one or two places but is usually translated goblin (or hobgoblin for the larger kinds). Orc is the hobbits’ form of the name given at that time to these creatures, and it is not connected at all with orc, ork, applied to sea-animals of dolphin-kind. (TOLKIEN, The Hobbit, p.5)

[32] The word used in translation of Q[uenya] urko, S[indarin] orch, is Orc. But that is because of the similarity of the ancient English word orc, ‘evil spirit or bogey’, to the Elvish words. There is possibly no connexion between them. The English word is now generally supposed to be derived from Latin Orcus. (TOLKIEN. The War of the Jewels, p. 391)

[33] This spelling was taken from Old English. The word seemed, in itself, very suitable to the creatures that I had in mind. But the Old English orc in meaning – so far as that is known – is not suitable. Also the spelling of what, in the later more organized linguistic situation, must have been a Common Speech form of a word or group of similar words should be ork. If only because of spelling difficulties in modern English: an adjective orc + ish becomes necessary, and orcish will not do. In any future publication I shall use ork. (TOLKIEN. Morgoth’s Ring, p.422)

[34] Orc. This is supposed to be the Common Speech name of these creatures at that time; it should therefore according to the system be translated into English, or the language of translation. It was translated ‘goblin’ in The Hobbit, except in one place; but this word, and other words of similar sense in other European languages (as far as I know), are not really suitable. (TOLKIEN. Nomenclature of the lord of the rings, p. 761)

[35] The orc in The Lord of the Rings and The Silmarillion, though of course partly made out of traditional features, is not really comparable in supposed origin, functions, and relation to the Elves. (TOLKIEN. Nomenclature of the lord of the rings, p. 761-762)

[36] this is a word in ancestry and original meaning suitable enough. (TOLKIEN.Carta para Hugh Brogan, 18 de Setembro de 1954)

[37] because of its phonetic suitability’ (TOLKIEN, Carta para Naomi Mitchison, 25 de abril de 1954).

[38] In any case orc seemed to me, and seems, in sound a good name for these creatures. It should be retained. It should be spelt ork (so the Dutch translation) in a Germanic language, but I had used the spelling orc in so many places that I have hesitated to change it in the English text, though the adjective is necessarily spelt orkish. (TOLKIEN. Nomenclature of the lord of the rings, p. 761-762)

[39] …should be ork. If only because of spelling difficulties in modern English: an adjective orc + ish becomes necessary, and orcish will not do. In any future publication I shall use ork. (TOLKIEN. Morgoth’s Ring, p.422)

[40] May I say now at once that I will not tolerate any similar tinkering with the personal nomenclature. Nor with the name/word Hobbit. I will not have any more Hompen (in which I was not consulted), nor any Hobbel or what not. Elves, Dwarfs/ves, Trolls, yes: they are mere modern equivalents of the correct terms. But hobbit (and orc) are of that world, and they must stay, whether they sound Dutch or not. (TOLKIEN. Carta para Rayner Unwin de 3 de julho de 1956).

[41] Ork. Variations: Hymir, Il Orco, Lorge, Norge, Norglein, Norkele, Orco, Orge. In South Tyrolean folklore, Ork is a good natured Dwarf or House-spirit but in very old tales he was described as being an anthropophagous (man-eating) devil; it is possible Ork may haveat one time been the Roman god of the underworld Orcus.(BANE, Theresa, Encyclopedia of Beasts and Monsters in Myth, Legend and Folklore, p.248).

[42] The choice of equivalents has been directed partly by meaning (where this is discernible in the original names), partly by general tone, and partly by length and phonetic style. (TOLKIEN.The People of Middle-earth p.46-48).

[43] I originally took the word from Old English orc [Beowulf 112 orc-nass and the gloss orc = pyrs (‘ogre’), heldeofol (‘hell-devil’)]. This is supposed not to be connected with modern English orc, ork, a name applied to various sea-beasts of the dolphin order. (TOLKIEN. Nomenclature of the lord of the rings, p. 762)

Diversas, Legendarium

As origens da palavra “Orc”

by Eduardo Stark
(tolkienbrasil@gmail.com)

O presente texto é parte de uma série de artigos que tratará sobre as palavras Orc e Goblin. A editora HarperCollins Brasil está traduzindo os novos livros do Tolkien e com isso decidiram trocar a palavra Orc por Orque e Goblin foi substituído por Gobelim. O site Tolkien Brasil não irá adotar tais mudanças que se demonstram inadequadas por fatores diversos que serão expostos nos próximos textos.

Primeiramente gostaria de agradecer o auxilio e a colaboração dos tolkienistas Oronzo Cilli, Carl F. Hostetter, Henk Brassien, Jared Lobdell David Giraudeau, Paulo Pereira, Edouard Kloczko, Audrey Morelle, Vicent Ferré e Daniel Lauzon. O presente texto foi abrilhantado com as informações prestadas por esses grandes estudiosos das obras do Tolkien e possibilitou que se tornasse mais completo do que inicialmente era pretendido.

Agradeço em especial a todos os seguidores e amigos do site Tolkien Brasil. Todo esse esforço e dedicação é para nós que somos fãs e queremos ver as obras do Tolkien em nosso país apresentadas da melhor forma possível.

Introdução

Em 2018 a Harper Collins Brasil se tornou a nova editora das obras de J.R.R. Tolkien. Com isso a esperança foi renovada para novas publicações em Português. O novo modelo apresentado pela editora de inicio encantou os leitores que há muito tempo não viam tamanho empenho pela qualidade estética nas obras de seu autor favorito.

É notável o valor da editora Harper Collins Brasil em buscar acolhimento dos leitores e conferir melhor resposta aos seus anseios. Foi nesse sentido que fãs do Tolkien foram contratados para trabalhar nas traduções dos livros. Uma iniciativa louvável, pois os leitores entusiastas são justamente aqueles que se preocupam com detalhes que, normalmente, um grande público não daria a mesma atenção. Porém, divergências sobre a tradução vão sempre existir em se tratando de uma obra complexa como a de J.R.R. Tolkien. E cabe a todos os entusiastas se unirem para dirimir as dúvidas e tratar sobre os temas controversos da melhor forma possível. Além disso, a boa conduta nos ensina que os dirigentes devem escutar seu público e não tentar impor algo que não parece ser interessante, conforme será demonstrado a seguir.

Dessa forma, o presente texto visa apresentar considerações sobre uma das mudanças realizadas na tradução das obras do Tolkien no Brasil. Que foi basicamente substituir a palavra “Orc” por “Orque” e também “Goblin” por “Gobelim”. Ao que parece, não se discute uma tradução propriamente, posto que as palavras foram substituídas do seu original por seus equivalentes em Francês ou foram palavras criadas pelos tradutores, como será analisado adiante. Então, o que está sendo considerado a seguir é a escolha dessa substituição (ou espécie de empréstimo linguístico) e também as ideias de tradução sobre a palavra Orc e Goblin.

Importante dizer que várias decisões sobre como seriam as traduções foram sendo tomadas com a finalidade de organizar uma padronização dos livros. Muitas dessas decisões foram acertadas. Portanto, não se trata aqui de menosprezar o árduo trabalho dos tradutores, tão pouco julgar sua boa-fé como fãs. A intenção é demonstrar outras possibilidades e levantar o debate sobre o tema, que seria tão caro ao próprio Tolkien.

Preliminarmente, é salutar apontar a importância do debate. Poderia parecer algo trivial e digno apenas de pessoas com muita disposição tratar sobre a escolha de palavras para uma tradução de livros de fantasia. Certamente o questionamento é importante para um número reduzido de pessoas, dentro da esfera global. Mas isso não é empecilho para a análise. A discussão sobre palavras é para Tolkien algo altamente relevante. Primeiro pelo fato disso ser objeto de seu trabalho, como professor e estudioso das línguas antigas, e também por questão de se pretender manter a fidelidade ao original da obra.

Quando tratava sobre as primeiras traduções de seus livros, o professor Tolkien se preocupava com o que os seus tradutores faziam com relação aos nomes dos personagens e os lugares. Em carta para Rayner Unwin, datada de 3 de julho de 1956, Tolkien afirmou o seguinte sobre a nomenclatura ser traduzida de uma forma equivocada: “A questão é importante (para mim); tem me incomodado e irritado muito, e me dado uma boa quantidade de trabalho desnecessário em uma época assaz inadequada…..” Foi diante da discordância da atuação dos tradutores, que o próprio Tolkien, anos mais tarde, escreveu um guia de como as nomenclaturas dos livros deveriam ser traduzidas. Nesse guia são apresentadas diversas regras que os tradutores deveriam ter como base para suas decisões.

Portanto, a questão levantada não apenas seria interessante para a análise pelo próprio Tolkien, mas também por seus leitores que, de algum modo, também admiram os aspectos linguísticos de suas obras. Adentra-se no debate da fidelidade da tradução em relação ao original, do que seria algo aceito por Tolkien e o que os fãs teriam a dizer a respeito do tema.

Primeiramente serão feitas análises em relação à etimologia e significado da palavra “Orc”. Nas obras de Tolkien existe um mundo interno (o mundo secundário, o mundo imaginário) e o mundo externo (o mundo primário, nosso mundo real). Sendo assim, é feita análise nesses dois âmbitos, demonstrando a complexidade da questão.

Em se tratando de tradução é importante verificar as diretrizes gerais que o próprio autor deixou em seus manuscritos, cartas e textos. Além disso, em seguida é feita uma análise específica sobre o que Tolkien declarou sobre a tradução da palavra Orc. E são apresentados comentários sobre a questão da grafia da palavra, tendo em vista a opinião do Tolkien a respeito de como se deveria escrever.

Em uma terceira parte são analisadas as traduções anteriores da palavra “Orc” nas línguas: português, italiano, espanhol e o francês. Essa análise comparativa serve para elucidar o tema e verificar as experiências anteriores dos tradutores de línguas neolatinas.

Na quarta parte é tratado especificamente sobre os Goblins. Como são encarados no folclore britânico e como o Tolkien compreendia essa palavra dentro do mundo interno. Em seguida, será feita uma análise da palavra e como ela foi traduzida em outros idiomas de origem latina, semelhantes ao Português.

 

CAPÍTULO I – ETIMOLOGIA EXTERNA E INTERNA DE “ORC”

 

O professor e escritor J.R.R. Tolkien (1892-1973) iniciou um projeto ambicioso em 1914: escrever um conjunto de mitologias, lendas e contos de fada que ecoassem semelhança com outras mitologias de vários povos antigos, e que fosse uma espécie de homenagem dedicada à Inglaterra. O autor estabeleceu como parâmetro de suas histórias a própria realidade, em um processo de imitação do real transportada para o imaginário. Com isso ele utilizou várias técnicas literárias que pudesse proporcionar o efeito de realismo, que trouxesse a sensação de imersão nas histórias.

Dentro do processo criativo, o autor utilizou a técnica “Story within a Story” (história dentro de uma história), também chamada Mise em Abyme. Nesse recurso literário existe a figura do autor ficcional, um personagem que faz parte daquele universo, mas que ao mesmo tempo é autor das mesmas histórias que testemunhou ou que anotou os seus relatos.

 

Orcs no filme de O Senhor dos Anéis

 

Ao escrever suas obras Tolkien não apenas narrou as histórias com o ponto de vista do autor, como a maioria dos romances, no chamado narrador onipresente e onisciente. O que ele pretendia era que cada uma de suas histórias fossem também manuscritos ou registros daquele período dentro do próprio mundo. Portanto, é necessário entender que no mundo interno, o próprio Tolkien é considerado como sendo o tradutor dos manuscritos derivados do Livro Vermelho do Marco Ocidental. Esse livro ficcional seria resultado de séculos de anotações de registros das principais lendas e mitos ocorridos na Terra-média. Além disso, o Livro estava escrito, em sua maior parte, na Língua Comum (Westron) que era falada no tempo do final da Terceira Era e início da Quarta Era do Sol.

Nesse sentido, existem dois grandes planos para se entender as obras e sua autoria: O Mundo Primário e o Mundo Secundário. O Mundo primário é o nosso mundo e nossa realidade, onde evidentemente o autor dos livros é apenas J.R.R. Tolkien. Enquanto que no Mundo Secundário, as histórias narradas teriam seus próprios autores ficcionais. Assim, o professor Tolkien se coloca como um estudioso que encontrou registros históricos em línguas diferentes e que seria um tradutor para o Inglês Moderno. Isso é demonstrado, por exemplo, no frontispício de O Senhor dos Anéis, que informa ser o livro uma tradução de J.R.R. Tolkien a partir dos manuscritos do Livro Vermelho do Marco Ocidental. Conforme pode ser lido a seguir: “O Senhor dos Anéis traduzido do Livro Vermelho do Marco Ocidental por John Reuel Tolkien. Aqui está contada a história da Guerra do Anel e do Retorno do Rei conforme vista pelos hobbits.” Dessa forma, tanto O Hobbit quanto O Senhor dos Anéis, são relatos dos próprios protagonistas das histórias.

  • Mundo Primário (Tolkien como autor real):R.R. Tolkien autor dos textos de O Hobbit, O Senhor dos Anéis, O Silmarillion, Os Filhos de Húrin, Beren e Lúthien, A Queda de Gondolin e outros textos sobre o Legendarium não publicados durante sua vida. Postumamente os principais rascunhos foram publicados com edição de Christopher Tolkien.
  • Mundo Secundário (Tolkien como tradutor): O Silmarillion, Os Filhos de Húrin, Beren e Lúthien, A Queda de Gondolin e outros textos são traduções e complementos feitos por Bilbo Bolseiro a partir dos manuscritos e relatos antigos. Esses foram juntados com os relatos do próprio Bilbo e o Frodo Bolseiro e outros hobbits e que depois foi copiado por humanos (O Hobbit e O Senhor dos Anéis). O livro fonte das cópias ficou conhecido como o Livro Vermelho do Marco Ocidental. Que por sua vez foi traduzido do Westron (Língua Comum) para o Inglês Moderno por J.R.R. Tolkien na Sexta ou Sétima Era do Sol.

A complexidade das obras de J.R.R. Tolkien se revela na medida em que o seu mundo secundário tem como parâmetro o próprio mundo real.  Isso faz com que o processo criativo seja bastante específico e detalhado, sobretudo no âmbito linguístico. Em seu mundo existem várias criaturas, com diversos povos e culturas diversas. Sendo assim, também existem diversas línguas fictícias que foram projetadas para aquele mundo pelo autor. É aí que surgem os elfos, criaturas especiais e belas que tinham suas próprias línguas desenvolvidas pelo autor (Quenya e Sindarin) e muitas outras. Nas obras do Tolkien as palavras ganham relevância própria. Uma única palavra tem toda sua explicação etimológica e toda a repercussão linguística dentro do seu mundo.

Os Orcs eram os malignos inimigos dos Elfos, Anões e Humanos. Assim como os outros povos, também tinham sua cultura, ainda que corrupta e degradante. Mas o professor Tolkien também se deu o trabalho de escrever elementos sobre esse povo.  Especificamente, sobre a palavra “Orc” foi dado um tratamento especial pelo autor, na medida em que há diversos textos sobre essa palavra. Existe até mesmo um rascunho feito pelo Tolkien, com várias páginas, que trata exclusivamente da etimologia da palavra Orc dentro do mundo imaginário.

Em uma carta, Tolkien expressou que “Orc” tem duas etimologias. A primeira relacionada ao seu mundo imaginário e a segunda como fonte para a obra a partir do mundo real. Assim ele explica a origem da palavra Orc para sua leitora Gene Wolfe, em 7 de novembro de 1966:  “A etimologia das palavras e nomes em minha história tem dois lados: (1) sua etimologia dentro da história; e (2) as fontes das quais eu, como autor, as obtive.” (TOLKIEN. Carta para Gene Wolfe, 7 de novembro de 1966, in WOLFE, The Best Introduction to the Mountains).[1] Assim, para se compreender o significado da palavra Orc é necessário realizar um estudo dentro desses dois âmbitos. Como a palavra está posta em nossa realidade e como está dentro daquele complexo mundo imaginário. A seguir serão feitas essas análises.

Representação do Orco

1.1  Análise Externa: origem e significado da palavra “Orc”

A verdadeira origem da palavra “Orc” é complicada de ser alcançada, tendo em vista a falta de documentos precisos e divergências entre os próprios estudiosos das línguas. Contudo, existem possibilidades traçadas que parecem ser as mais razoáveis e aceitas.

Consultando o Oxford English Dictionary há dois significados para a palavra “Orc”. O primeiro traz o conceito de que seria “qualquer uma das várias criaturas marinhas ferozes. Em uso posterior: um grande cetáceo, esp. a baleia assassina, Orcinus Orca.”[2]. Esse primeiro significado de Orc, como criatura marinha, não é relevante para o presente estudo, tendo em vista que Tolkien afirmou não ser ali a origem da palavra utilizada em seus livros. No prefácio de O Hobbit, o autor diz que Orc “…não tem nenhuma relação com orc, ork, que se aplicam a animais marinhos aparentados com o golfinho”.[3]

Eu originalmente peguei a palavra do inglês antigo orc [Beowulf 112 orc-nass e a glosa orc = pyrs (‘ogre’), heldeofol (‘diabo do inferno’)]. Não se deve supor que isso esteja ligado com o Inglês moderno orc, ork, [orca] um nome aplicado a vários animais marinhos da ordem dos golfinhos. (TOLKIEN. Nomenclature of the lord of the rings, p. 761-762)[4]

Então, o que é relevante de ser observado é o segundo conceito dado pelo dicionário. Segundo o OED, a palavra Orc tem o significado de “Um monstro devorador; um ogro; especificamente um membro de uma raça imaginária de criaturas subumanas, pequenas e humanas em forma, mas com características ogras e agressivas, personagens malévolos[5]

A possível origem dessa palavra “Orc” estaria relacionada ao latim “Orcus”, porém, o professor Tolkien duvidava dessa origem e nos anos 1966 e 1968 começou examinar o assunto com atenção, percebendo se tratar de um tema complexo:

Orc eu retirei do anglo-saxão, uma palavra que significa demônio, geralmente supõe-se ser derivada do latim Orcus – Inferno. Mas duvido disso, contudo o assunto é muito complexo para ser exposto aqui. (TOLKIEN. Carta para Gene Wolfe, 7 de novembro de 1966, in WOLFE, The Best Introduction to the Mountains).[6]

Orc não é uma “invenção”, mas um empréstimo do Inglês Antigo orc “demônio”. Supõe-se que é derivado do latim Orcus, que Blake sem dúvida conhecia. E também é suposto não estar ligado a orc o nome de um animal marítimo. Mas eu recentemente investiguei orc e achei o assunto complexo. (TOLKIEN. The Lord of the Rings, A Reader’s Companion, p.25)[7]

A tabela a seguir elenca os três significados, contendo as grafias de cada língua. Ressaltando que Orque (Francês) e Orc (Inglês) tendo o significado de “demônio” foram usadas apenas no período medieval. Nas línguas modernas Orque (Francês) e Orc (Inglês) são usadas para nomear uma espécie de monstro marítimo, ou baleia assassina. Enquanto que a palavra “Orco” se manteve como uma criatura folclórica no Espanhol e Italiano modernos, mas também comportou outro significado como sendo “inferno”.

A origem de Orcus está conectada com a religião etrusca ou romana antiga. Em alguns afrescos nos túmulos etruscos era retratado como um gigante peludo e barbado, confundido até mesmo com os gigantes ciclopes. Entre os etruscos, o destino de cada falecido poderia ser conduzido pelo Orco a um mundo de sofrimento, sem luz e esperança, povoado por criaturas demoníacas. Assim, os Romanos relacionavam Orcus com outros deuses como Plutão, Hades e Dis Pater, que são os deuses da morte.

O nome Orcus além de ser associado com um deus da morte, também chegou a ser relacionado ao próprio local que a alma se destinava como forma de punição divina, no caso, Orcus também tinha o mesmo significado de inferno ou submundo. Pode-se supor que a origem da palavra latina vem do grego antigo Órkos, que era um deus que punia pessoas que quebravam juramentos. De fato, é obscuro as origens dessa palavra, a ponto do próprio Tolkien achar muito complexa uma análise etimológica.

Com ascensão do cristianismo nos últimos séculos da Idade Antiga, Orcus foi considerado como um demônio e os cultos rurais foram abandonados. Porém, a palavra se manteve em uso em relação aos contos populares que eram transmitidos oralmente. Deixando de ser cultuado como um deus, Orcus passou a ser encarado como um ser sobrenatural em forma humanoide que tinha aspectos selvagens e que devorava pessoas.

Na Idade Média, enquanto em alguns lugares Orcus se tornou uma criatura, em outros ele manteve apenas o significado de submundo ou inferno. Com o passar dos anos, não apenas as histórias foram sendo narradas e transmitidas, mas também as palavras conectadas e assim variavam seus termos e contos, conforme a região e língua. Na região da Itália se tornou “Orco”, contendo o significado de “demônio, monstro” e também de “inferno, submundo”.

Enquanto que na região da Espanha também se manteve a palavra “Orco”, com seu duplo significado. Na região britânica da Idade Média, surgiu a palavra “orc” em Anglo-saxão, e em Francês medieval “Orque” ou “Orke”, ambos significando as criaturas monstruosas e não tendo relação como sendo o submundo. O Inglês moderno e o Francês moderno não mais utilizaram essas palavras para identificar a criatura folclórica, mas permaneceu com o mesmo sentido que “orca”.

A palavra em latim “Orcus” parece ter relação com “Orca”, que é uma “baleia assassina”, “monstro marinho”. As línguas neolatinas Espanhol, Italiano, Português e Catalão mantiveram esse sentido e adotaram a grafia “Orca”. Porém, no francês moderno se escreve “Orque”, não tendo relação com as palavras em francês medieval “Orque/Orke”, que significavam um demônio. O mesmo ocorreu com a palavra em Inglês “Orc”, que em Anglo Saxão significava demônio, mas em sua forma moderna é apenas o monstro marítimo.

O quadro abaixo mostra como os conceitos da palavra foram empregados em latim e como estão relacionados nas línguas modernas neolatinas e o Inglês:

 Línguas Demônio Inferno Baleia assassina
Latim Orcus (Orci) Orcus (Orci) Orca (s)
Espanhol Orco /huerco (s) Orco (s) Orca (s)
Italiano Orco (s) Orco (s) Orca (s)
Português (Brasil) —- Orco (s) Orca (s)
Galego —- Orco (s) Candorca (s)
Catalão —- Orco (s) Orca (s)
Francês * —– Orque (s)
Inglês * —– Orc (s)

* Em Francês e em Inglês as palavras foram usadas nesse sentido apenas no período Medieval. Na forma de línguas modernas, Francês e Inglês, essas palavras tem o significado de Baleia Assassina.

O livro “The Ring of Words” trata de várias palavras que foram criadas ou desenvolvidas pelo Tolkien e que foram incorporadas no dicionário da língua inglesa de Oxford. Nesse livro os autores demonstram uma breve explicação da etimologia da palavra Orc e como foi usada no dicionário em mais de dois sentidos.

A palavra do Inglês Antigo “orc” aparece em Beowulf na composição “orcneas”, que se refere a espíritos malignos ou cadáveres ambulantes: “eotenas ond ylfe ond orcneas” (gigantes e elfos e demônios). Provavelmente vem do latim clássico “Orcus”, o nome do deus do submundo, mas é tão raramente atestado na literatura do Inglês Antigo que podemos deduzir pouco sobre como entrou no inglês, até se tornar associado de palavras nativas Germânicas, como eotenas e ylfe. (Não é a mesma palavra que “orc” significando ‘um cetáceo ou monstro marinho’, do Latim “orca”, que o OED Online separa como orc n.1). (GILLIVER, MARSHALL, WEINWE, The Ring of Words, p.174-175)[8]

Uma vez que as histórias sobre “orc” (em suas diversas formas em cada língua) foram se tornando parte do folclore europeu, elas sobreviveram por transmissão oral. Até que os primeiros escritores anotaram os contos sobre a tal criatura entre os séculos XII a XVII.

As histórias sobre seres monstruosos eram frequentes por toda a Europa. Entre os britânicos existe os relatos de Geoffrey de Monmouth, autor da “Historia regum Britanniae” (A História dos Reis da Bretanha), ou também conhecida “De gestis Britonum” (Sobre os feitos dos Bretões), que narra a história dos reis britânicos desde sua origem mais remota. Segundo esses escritos, datados de 1136, as ilhas britânicas eram chamadas de Albion e era dominada por gigantes. Foi então que Brutus, fugindo da cidade de Troia destruída pelos gregos, decidiu habitar a ilha e derrotar os gigantes, logo em seguida fundando a cidade Troia Nova, que muito tempo depois seria a cidade de Londres. As lendas anotadas por Monnmouth se tornaram conhecidas e foi responsável por apresentar a lenda do Rei Arthur. Dentro desse complexo de lendas é que estavam inseridas as criaturas que devoravam pessoas.

Entre os anos de 1130 a 1190, foi escrito em Francês Antigo o romance de cavalaria arturiana “Perceval ou Le Conte du Graal” (Percival, o Conto do Graal), atribuído a Chrétien de Troyes, que contem os seguintes versos:

Et s’est escrit que il ert ancore
que toz li reaumes de Logres,
qui jadis fu la terre as ogres,
ert destruite par cele lance.
E está escrito que virá novamente
por todas as regiões de Logres,
conhecido como a terra dos ogres,
e destruí-los com aquela lança.

A palavra “logres” é usada dentro das lendas arturianas para nomear o território britânico. E aqui se destacou que era a terra dos “ogres”, justamente o que Monmouth colocou como sendo os primeiros habitantes daquele território, antes da chegada dos humanos liderados por Brutus. Nota-se que desde essa época a língua francesa começou a misturar com a língua inglesa quanto a palavra Ogre, em virtude da disseminação das histórias e lendas arturianas.

Dentro da tradição italiana, a palavra “Orco” aparece nas obras de Jacomo Tolomei (1290), Fazio degli Uberti e Ristoro Canigiani (1363), em que é descrito como uma espécie de bicho que come crianças (bicho-papão). Os contos e histórias de cavalaria passaram a tratar os Orcos como monstros que os heróis deveriam enfrentar. No poema “Orlando Innamorato” (1483) de Matteo Maria Boiardo, Orco é descrito como uma criatura horrível com aparência semelhante a um javali que devora pessoas. Em 1516 foi publicado “Orlando Furioso” de Ludovico Ariosto, que teve influências do poema de Boiardo, por isso também incluiu o Orco como uma criatura maligna que se alimenta de carne humana. Na obra de Ariosto também está presente “Orca”, que tem outro sentido, de monstro marinho. Orlando Furioso foi traduzido para o inglês pela primeira vez por Sir John Harington e publicado em 1591.

O escritor italiano renascentista Giovanni Francesco Straparola (1440–1557) é considerado o primeiro europeu a registrar o que se conhece atualmente como “Contos de fada” ou “Contos Maravilhosos”. Foi assim que se registrou Orco como sendo parte do folclore italiano. Seguindo o mesmo caminho, Giambattista Basile escreveu seus livros registrando contos populares, a região italiana em que ele habitava era dominada pela Espanha, com isso discute-se a possível influência nas palavras que usou nos textos ou se apenas colocou o próprio dialeto local. Fato é que Basile usou a palavra “huorco” (Ou ‘huerco’, ‘uerco’), que era a forma napolitana para “Orco”, para descrever uma criatura grande humanoide que vivia em florestas escuras e que poderia ser maligna (capturando ou devorando humanos) ou até mesmo pacifica, dependendo do conto. As histórias mais conhecidas de Basile que tratam dessa criatura são “Peruonto” e “Lo Cuento dell’uerco” (O Conto do Orco), ambos presentes no livro Pentamerone (O Conto dos Contos) de 1634 e 1638.

Enquanto que no italiano a palavra manteve o sentido de monstro ou demônio folclórico, em Inglês a palavra “Orc” (com sentido de demônio) do Inglês Antigo parece não ter sobrevivido no Inglês Médio e tão pouco no Inglês Moderno.

A palavra só tem algum tipo de alcance quando é novamente citada no século XVII, porém com um sentido diferente do Orc do Anglo Saxão. Em 1605 reaparece na tradução para o Inglês feita por Joshua Sylvester do livro Divine Weeks and Works (La Sepmaine; ou Création du monde) de autoria do francês Guillaume de Saluste Du Bartas. Por se tratar de uma tradução e não haver palavra correspondente foi mantido “Orque” do francês antigo, que tem o mesmo sentido de Orco no italiano: “Insatiate Orque, that euen at one repast, Almost all creatures in the World would waste”.  Em 1656, Samuel Holland escreveu um conto de fada chamado “Don Zara”, onde usou a palavra “Orke” que é uma criatura monstruosa com três cabeças, gerado por um demônio Incubus.“Who at one stroke didst pare away three heads from off the shoulders of an Orke, begotten by an Incubus.

Conforme consta no livro “The Ring of Words” o uso da palavra com o sentido de “demônio” foi usado no período medieval, mas que no século XVII passou a ser um empréstimo, caracterizando influências francesas e italianas:

Como o OED Online aponta (orc n.2), em razão de não existir evidência para a palavra em Inglês Médio ou no século XVI, é improvável que a palavra em Inglês Antigo orc tenha sobrevivido. É notável, então, que exatamente a mesma forma-palavra reaparece com um significado similar no inglês do século 17, surgindo primeiramente em 1605 na tradução de Sylvester do Divine Weeks and Works de Du Bartas. Aqui está provavelmente um empréstimo do italiano orco que significa “gigante devorador de homens, demônio, monstro”, que também vem do latim Orcus. Nos primeiros exemplos o Orque ou Orke é um monstro grotesco, capaz (em Sylvester) de devorar numerosas criaturas, ou (em Don Zara de Samuel Holland de 1656) tendo várias cabeças. Enquanto os orcs de Tolkien são feios e violentos, com insinuações de que comem carne humana, mas não sobrenatural, seu uso da palavra parece mais próximo conforme Sylvester e Holland do que da palavra do Inglês Antigo que era seu estímulo. (GILLIVER, MARSHALL, WEINWE, The Ring of Words, p. 175)[9]

Mais de cinquenta anos após a publicação de Samuel Holland, o escritor Charles Perrault anotou os contos populares franceses, onde a palavra “Ogre” foi usada no mesmo sentido que o “Uerco” ou “Orco” de Basile. E foi a partir da influência de Perrault e das traduções para o inglês de suas obras, especialmente o livro Histoires ou conte du temps passé (1697), que a palavra “Ogre” foi introduzida no vocabulário inglês. Sobre essa palavra e seu histórico, a Encyclopedia Britannica de 1911 apresenta o seguinte verbete:

OGRE [aportuguesado OGRO], o nome em contos de fada e folclore de um gigante monstruoso maligno que vive de carne humana. A palavra é francesa e ocorre primeiro em “Histoires ou conte du temps passe” (1697) de Charles Perrault. O primeiro uso inglês está na tradução de uma versão francesa das Mil e Uma Noites em 1713, onde se escreve hogre. Tentativas foram feitas para conectar a palavra com Ugri, o nome racial dos magiares ou húngaros, mas é geralmente aceito que foi adaptado para o francês a partir do Espanhol Antigo huerco, huergo, uergo, cognato com o italiano orco, ou seja, Orcus, o deus latino dos mortos e das regiões infernais (ver PLUTO), que no folclore românico tornou-se um demônio da floresta. (Encyclopedia Britannica, 1911)[10]

A partir dos contos de fada de Charles Perrault a palavra “Ogre” foi popularizada pelas traduções por toda Europa, tanto que no Português foi adotada como “Ogro”. Especialmente com o empenho dos irmãos Jacob e Wilhelm Grimm, no século XIX, em buscar registros ou coletar os contos populares e lendas é que se percebeu que as histórias envolvendo Ogros eram comuns em vários países europeus e de diferentes línguas. Em seus dois volumes do Kinder-und Hausmärchen, (1812 e 1815) os irmãos Grimm apresentam os contos contendo personagens Ogros e fundamentam suas raízes na tradição oral popular. A partir dos trabalhos de filologia de Jacob Grimm e de seu sucesso naquele período vários estudiosos foram influenciados a buscarem em seus países os contos populares. Foi assim que no Reino Unido as pesquisas sobre o folclore se desenvolveram a ponto de diversos livros serem publicados.

No século 19, os orcs estavam aparecendo em companhia de monstros do folclore germânico e, em Hereward the Wake (1865), Charles Kingsley elenca dragões, gigantes e orcs[11] como se todos fossem criaturas igualmente familiares de fábula. Por essa data, parece provável que, com a ascensão dos estudos anglo-saxônicos, os escritores tivessem tomado conhecimento da palavra do Inglês Antigo. (GILLIVER, MARSHALL, WEINWE, The Ring of Words, p. 175)[12]

Foi a partir dos estudos sobre os contos populares que as criaturas folclóricas foram se tornando mais conhecidas entre intelectuais e passando agora a ganhar novas roupagens dentro da literatura. Começaram a surgir no final do século XIX livros de ficção ou romance que apresentavam elementos da cultura local misturados a tramas de aventuras e até mesmo horror.

Orc de William Blake

Em 1793 foi publicado o livro “America a Prophecy” pelo ilustrador e poeta inglês William Blake, como parte das Profecias Continentais. Nesse livro contem poemas e em um deles a palavra “Orc” é usada com o sentido de ser um personagem, uma forma de espírito revolucionário, uma personificação das colônias americanas que se rebelam contra o Rei da Inglaterra. Nessa história o Anjo de Albion acredita que Orc é o anticristo, enquanto que o Orc acredita que o Rei da Inglaterra é que seria. Evidenciado está que a palavra tem a mesma grafia, porém o sentido é dissociado de suas origens folclóricas ou etimológicas, sendo uma invenção de William Blake.

Importante ressaltar o questionamento sobre William Blake ter usado “orc” e ser uma possível fonte para Tolkien. Em 29 de dezembro de 1968, Tolkien escreveu uma carta para responder a um leitor que havia identificado a palavra “Orc” em um livro de William Blake. Tolkien disse que de acordo com uma nota em um de seus diários, data de 21 de fevereiro de 1919, ele estava lendo partes do livro das profecias de Blake:

… que eu nunca tinha visto antes, e descobri, para meu espanto, várias semelhanças de nomenclatura (embora não necessariamente na função), por exemplo: Tiriel, Vala, Orc. Seja qual for a explicação dessas semelhanças – poucos: a maioria dos nomes inventados de Blake são tão estranhos para mim quanto sua “mitologia” – talvez, eles não são “proféticos” por parte de Blake, nem por qualquer imitação de minha parte: sua mente (tanto quanto que eu tenha tentado entendê-lo) e arte ou concepção de Arte, não tenho nenhuma atração. É provável que os nomes inventados mostrem semelhanças aleatórias entre escritores familiarizados com a nomenclatura grega, latina e, especialmente, hebraica. No meu trabalho, Orc não é uma “invenção”, mas um empréstimo do Inglês Antigo orc “demônio”. Supõe-se que é derivado do latim Orcus, que Blake sem dúvida conhecia. E também é suposto não estar ligado a orc o nome de um animal marítimo. Mas eu recentemente investiguei orc e achei o assunto complexo. (TOLKIEN. The Lord of the Rings, A Reader’s Companion, p.25)[13]

Então, embora tenha sido uma surpresa perceber que William Blake também havia usado a mesma palavra, Tolkien deixa claro que o sentido é diferente. De fato, a palavra não foi inventada pelo próprio Tolkien, como ele havia feito em suas línguas élficas. Ele se valeu de uma palavra existente para dar nome a criaturas de seu mundo secundário. Mas não se importou com o significado da palavra em nosso mundo propriamente, a preocupação do Tolkien foi a sonoridade adaptada do mundo secundário para o primário (que será analisado no próximo tópico).

Por todo o exposto, a palavra Orc tem diversos significados e relações ao longo de séculos. O que fica evidente é que teve suas origens relacionadas a temas repulsivos como a morte, inferno e demônio. O seu significado foi moldado por vários povos, chegando às ilhas britânicas com o significado de um demônio, mas que foi empregado assim apenas no Anglo Saxão. Na língua inglesa moderna Orc é uma baleia assassina.

Foi com Tolkien que o conceito de Orc como uma figura humanoide e monstruosa das histórias de ficção foi retomado. Sua fonte foi o próprio Anglo-saxão, porém o Orc do Inglês antigo não é o mesmo que as figuras do seu mundo imaginário. Como será analisado adiante, trata-se de criaturas diferentes, cujo vinculo está na adequação fonética da palavra e não no seu significado propriamente.

 

orcs em hobbit

1.2. Análise Interna: origem e significado da palavra “Orc”

A análise etimológica da palavra Orc em nosso mundo foi realizada no tópico anterior. Mas Tolkien foi o responsável por reintroduzir, com um novo sentido, a palavra Orc no vocabulário Inglês. Enquanto que no Anglo-saxão havia o sentido de “demônio” ou “monstro”, no Inglês moderno tem o significado do animal marinho “orca”, uma espécie de baleia. Contudo, no mundo do Tolkien o sentido de “Orc” é diferenciado, pois são criaturas malignas que são inimigas dos personagens protagonistas.

O professor Tolkien também se preocupou em criar a etimologia da palavra Orc, com sua mudança fonética e conceitual ao longo do tempo dentro do próprio mundo imaginário. Portanto, é interessante saber qual a origem da palavra “Orc” para que se possa entender melhor o que ela significa na Terra-média.

Os elfos foram um dos primeiros seres criados por Eru com uma incrível capacidade linguística que se espalhou por toda a Terra-média. Portanto, é natural que as primeiras línguas complexas surgissem desse povo e que fossem uma influencia para outros. Dessa forma, a palavra “Orc” tem suas origens com os elfos desde os mais remotos tempos, quando não existiam registros.

Estes nomes, derivados por várias rotas das línguas élficas Quenya, Sindarin, Nandorin e, sem dúvida, os dialetos Avarin, foram distantes e extensos, e parece ter sido a fonte dos nomes para os Orcs na maioria das línguas dos Dias Antigos e nas eras iniciais de que há qualquer registro. (TOLKIEN. The War of the Jewels, p. 390)[14]

No livro The War of the Jewels (A Guerra das Jóias) existe a versão do manuscrito intitulado “Quendi and Eldar”, escrito entre os anos de 1959 a 1960, onde consta o Apêndice C (Elvish names for the Orcs) que apresenta as anotações do Tolkien sobre a palavra Orc dentro do complexo de línguas dos elfos do mundo imaginário. Aqui o professor de Oxford explica as raízes linguísticas da palavra Orc e apresenta comparativos entre as diversas línguas daquele mundo.

Por essas formas e pelo terror que inspiraram o elemento usado principalmente na língua antiga dos Elfos parece ter sido *RUKU. Em todas as línguas Eldarin (e, diz-se, no Avarin também) existem muitos derivados deste radical, tendo formas antigas tais como: ruk-, rauk-, uruk-, urk (u), runk-, rukut/s, além do tronco reforçado gruk-, e o elaborado guruk-, ñguruk. Já em PQ essa palavra deve ter sido formada a qual tinha no CE a forma *rauku ou *rauko. Isso foi aplicado a maior e mais terrível das formas inimigas. Mas as antigas também eram as formas uruk, urku/o e o adjetivo urkā “horrível”. (TOLKIEN. The War of the Jewels, p. 389-390)[15]

A partir de uma raiz se formam as palavras em diversas línguas. Assim, existe todo um complexo de termos que devem ser verificadas e comparadas. O quadro abaixo elenca as palavras em diversas línguas do mundo imaginário. Não se trata de algo definitivo, pois é uma compilação esquematizada a partir dos textos mais recentes escritos pelo Tolkien. Por isso serve apenas para ter uma noção do desenvolvimento e como foi usada em diversas línguas, especialmente quanto a sua origem. As línguas que carecem de termos foram omitidas na listagem.

Raiz RUK ou *RUKU

[forma terrível e o medo que causa]

  grauk rauk- uruk-, urk (u), urk (u),
Eldarin

Comum

*grauku

[uma terrível criatura que impõe medo]

*raukō 
[demônio]
*urku/urkō / uruku

[bogey, Orc]

*urkā
[horrível]
Sindarin [grauko] > [grauk] > [graug]

[terrível criatura]

[rauko] > [rauk] > [raug]

[demônio]

orch (pl. yrch)

[Orc]

orch (pl.yrch)

[Orc]

Quenya Exílico  

? ? ? ? ?

Rauco

[demônio]

urco

(pl.urqui)

[bogey, orc]

orco

(pl. orqui ou orcor)

[Orc]

 

? ? ? ? ?

Quenya

Vanyarin

 

 

? ? ? ? ?

 

? ? ? ? ?

urco (pl. urqui)

[bogey]

 

? ? ? ? ?

Nandorin ? ? ? ? ? ? ? ? ? ? urc (pl. ūriʃ)

[Orc]

? ? ? ? ?
Língua

Negra

? ? ? ? ? ? ? ? ? ? uruk
[Orc grande]
? ? ? ? ?
Adunaico ? ? ? ? ? ? ? ? ? ? Uruk

[Orc]

? ? ? ? ?
Avarin ? ? ? ? ? ? ? ? ? ? (Influenciou os anões) ? ? ? ? ?
Khuzdul ? ? ? ? ? ? ? ? ? ? rukhs (pl.Rakhäs)

[Orc]

? ? ? ? ?
Westron ? ? ? ? ? ? ? ? ? ? orca/orka
[Orc]
? ? ? ? ?

De todas as línguas relativas à palavra Orc aquela que apresenta mais detalhes é o Sindarin. Há nessas línguas um vocabulário mais extenso e até um histórico linguístico mais sólido.  Pode-se até mesmo verificar um desenvolvimento das palavras, como a palavra Grauko que com o passar dos anos a vogal final foi desaparecendo dando lugar a Grauk que por sua vez se tornou Graug. Semelhante evolução ou variação também ocorreu com a palavra Rauko.

No que tange a relação entre Quenya e Sindarin é interessante notar que a presença dos Orcs foi primeiramente notada pelos elfos que viviam na Terra-média e por isso está na língua Sindarin a mais tempo do que no Quenya. De fato, a palavra “urko” em Quenya tinha o significado de coisas que assombravam os Elfos. Tolkien coloca como significado que possivelmente seria relacionado o “bogey”, uma assombração ou algo que assusta. Os Noldor que saíram de Aman e foram para a Terra-média passaram a usar urco (pl. urqui) como nome Orc. Por influência do Sindarin, surgiu no Quenya orco (pl. orqui) como significando alternativo de Orc. Sobre o tema Tolkien apresenta maiores detalhes:

Em Quenya encontramos o substantivo urko, pl. urqui, derivando como mostra a forma plural de *urku ou *uruku. Em Sindarin é encontrado o correspondente urug; mas há em uso frequente a forma orch, que deve ser derivada de *urko ou do adjetivo *urka. Na tradição do Reino Abençoado o Q urko raramente ocorre naturalmente, exceto nos contos dos dias antigos e da Marcha, e então é vago em significado, referindo-se a qualquer coisa que causou medo aos Elfos, qualquer forma ou sombra duvidosa, ou criatura rondando. Em Sindarin, o urug tem um uso similar. Pode, de fato, ser traduzido como “bogey”. Mas a forma orch parece ter sido aplicada aos orcs, assim que apareceram; e Orch, pl. Yrch, classe-plural Orchoth permaneceu o nome regular para essas criaturas em Sindarin posterior. O parentesco, embora não a equivalência precisa, de S orch a Q urko, urqui foi reconhecido, e no Quenya Exílico urko foi comumente usado para traduzir S orch, embora também seja encontrada com frequência uma forma mostrando a influência do sindarin, orko, pl. orkor e orqui. (TOLKIEN. The War of the Jewels, p. 389-390) [16]

Tolkien demonstra que os elfos tinham um vocabulário rico para tratar sobre os seus inimigos. Além das palavras mais usadas que são derivadas da raiz *RUK ou RUKU, existem outras palavras que são compostas em Sindarin e que também dão nome aos Orcs, como é o exemplo de Glam, Glamhoth e Glamog.

Os Eldar tinham muitos outros nomes para os Orcs, mas a maioria deles eram “kennings” [Nota do T: uma expressão composta em Inglês Antigo e Nórdico Antigo com sentido metafórico], termos descritivos de uso ocasional. Um deles, no entanto, foi usado com frequência no Sindarin: com mais assiduidade do que Orchoth, o nome geral dos Orcs como uma raça que aparece nos Anais era Glamhoth. Glam significava ‘din, tumulto, o grito confuso e o berro das bestas’, de modo que Glamhoth na origem significava mais ou menos ‘a Horda Gritante’, com referência ao horrível clamor dos Orcs em batalha ou quando em perseguição – eles podiam ser furtivos o suficiente na necessidade. Mas Glamhoth tornou-se tão firmemente associado com Orcs que o Glam sozinho poderia ser usado para qualquer conjunto de Orcs, e uma forma singular foi feita a partir dele, glamog. (Compare o nome da espada Glamdring). (TOLKIEN. The War of the Jewels, p. 391)[17]

A língua dos Orcs também teve sua relação com as antigas línguas élficas. A Língua Negra foi desenvolvida por Sauron para que todas as criaturas que o obedeciam pudessem falar como idioma comum. Então, a Língua Negra pode ser considerada uma distorção feita a partir das línguas élficas antigas. Isso se assemelha a ideia de uma das hipóteses de origem dos Orcs, que diz serem eles elfos corrompidos por Morgoth nos primórdios do tempo.

Os próprios Orcs adotaram-no, pois os encantava o fato de se referir ao terror e à detestação. A palavra uruk que ocorre na Língua Negra, concebida (diz-se) por Sauron para servir como língua franca para seus súditos, provavelmente foi emprestada por ele a partir das línguas élficas dos tempos antigos. Referia-se, no entanto, especialmente aos Orcs treinados e disciplinados dos regimentos de Mordor. As raças menores parecem ter sido chamadas de snaga. (TOLKIEN. The War of the Jewels, p. 390)[18]

Em O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei, Tolkien apresentou rápidas considerações sobre a palavra Orc, apresentando as mesmas informações vistas acima:

Em Sindarin era orch. Sem dúvida a palavra uruk na Língua Negra era aparentada com essa, apesar de normalmente ser aplicada apenas aos grandes orcs soldados procedentes de Mordor e Isengard naquela época. As espécies menores eram chamadas, especialmente pelos uruk-hai, snaga,“escravo”. (TOLKIEN. O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei, p. 423)

O fato de os elfos serem grandes inimigos mortais dos Orcs fez com que outros povos que viviam na Terra-média os buscassem como auxiliares na batalha contra Morgoth. Os Anões se tornaram também inimigos dessa raça de malignos, porém os elfos só acreditavam que fossem seus aliados pelo fato de que os Orcs odiavam os anões. Nos primeiros anos é possível verificar uma aliança entre os elfos e anões a ponto de ocorrer influências linguísticas. Nota-se que há a possibilidade da palavra Rukhs na língua dos anões, ser derivada da língua dos elfos Avarin.

Os Anões alegaram ter encontrado e lutado contra os Orcs muito antes dos Eldar em Beleriand estarem cientes deles. Foi de fato a óbvia detestação dos orcs e a disposição deles em ajudar em qualquer guerra contra eles, que convenceu os Eldar de que os anões não eram criaturas de Morgoth. No entanto, o nome Anão para Orcs, Rukhs, pl. Rakhäs, parece mostrar afinidade com os nomes élficos, e possivelmente foi derivado do Avarin. (TOLKIEN. The War of the Jewels, p. 390)[19]

Além dessa aparente aliança entre elfos e anões para combater os orcs, os grupos de humanos que viajaram para o leste acabaram encontrando com os elfos e dessa relação ocorreram influências linguísticas. As três casas dos humanos que lutaram em auxilio aos elfos foram chamadas de Edain e após uma série de batalhas, ganharam o domínio de uma ilha que ficou conhecida como Númenor. Havia uma intensa relação entre os humanos numenorianos e os elfos. A ponto de ser valorizado o estudo do Quenya como língua erudita e havia relações entre os viajantes do mar e os elfos.

Com o passar do tempo a língua foi se modificando e formou-se a língua Adunaico. Especificamente nessa língua, a palavra “Orc” é usada como “urku” ou “urkhu” e foi uma forte influência vinda dos elfos. Segundo Tolkien “A forma em Adunaico urku, urkhu pode ser direta do Quenya ou do Sindarin; e esta forma está subjacente às palavras para Orc nas línguas dos Homens do Noroeste na Segunda e Terceira Eras. (TOLKIEN. The War of the Jewels, p. 390)[20]

Entre os humanos existem também aqueles que são considerados mais distantes de uma civilização mais complexa como a dos numenorianos. Esses são os chamados Druedain, um povo mais selvagem do que os homens de Gondor e Rohan, mas que também sofriam com os ataques das forças do mal. Eles também tinham sua própria forma de nomear os Orcs, tendo aparentemente uma influência antepassada dos elfos nessa palavra. Como Tolkien afirma: “A palavra para Orc na língua agora esquecida dos Druedain no reino de Gondor é registrada como sendo (? No plural) gorgûn. Isso é possivelmente derivado, em última instância, das palavras élficas”. (TOLKIEN. The War of the Jewels, p. 391)[21]

Quanto aos hobbits e humanos da Terceira Era. Eles falavam a língua Westron, a língua comum. Por isso, Tolkien afirma que “Orc” é uma de nomenclatura usada no tempo do livro: “Orc, esse deve ser o nome usado no tempo do livro para o que chamaríamos de goblins”. (Carta 13 de novembro, 1961, para Mr. Barnetson).[22] Ou seja, dentro da época em que se passa as histórias no mundo ficcional esse tipo de criatura era conhecida como Orc. Os Hobbit se referiam a essas criaturas com esse nome: “Orc é a forma hobbit do nome dado naquele tempo a essas criaturas” (TOLKIEN. O Hobbit, p.5 )[23] E da mesma forma, os homens de Rohan usavam a mesma palavra “Orc é a forma do nome que as demais raças usavam para esse povo imundo, tal como na língua de Rohan” (TOLKIEN. O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei, p. 423). Nota-se então que tanto Hobbits quanto humanos se referiam da mesma forma quanto aos Orcs. Isso pelo fato de que ambos falavam um mesmo idioma, embora existissem variações linguísticas. Portanto, Orc é uma palavra que pertence ao mundo imaginário. Essa língua é chamada de Westron ou Língua Comum, justamente a mesma em que foi escrito o Livro Vermelho do Marco Ocidental, o qual foi a fonte de tradução do Tolkien.

A palavra tem suas raízes nas línguas élficas, porém existe uma palavra em Westron que tem o mesmo significado, que é “Orka”. No periódico Parma Eldalamberon nº17, no texto “Words, Phrases and Passages in various tongues in The Lord of the Rings” consta o significado das palavras em que se pode ler o seguinte:

uruk: orc na forma da Fala Negra. [Orc é a adaptação da forma da palavra que ocorre em Westron, orka. As criaturas eram desconhecidas para os Eldar em Valinor; não há, portanto, nenhum nome verdadeiro em quenya para eles. A palavra Sindarin foi orch, pl. yrch, ou plural genérico orchoth “a horda-Orc”, veja abaixo: I 359, 402; adaptado em Quenya como orco.] (TOLKIEN. Word, Phrases and Passages… Parma Eldalambero nº 17, p. 47).[24]

A língua Westron tem suas origens no Adunaico, que usava a palavra “Uruk” para se referir aos Orcs. Então, possivelmente “Orka” seja derivada daquela língua mais antiga, que por sua vez teve seu empréstimo entre os elfos mais antigos. Assim, ao que parece não há uma relação imediata entre “Orka” e as palavras “Orch” ou “Orco”, pois essas tiveram diferentes históricos, porém contém uma origem em comum anterior ao Adunaico.

Por todo o exposto, nota-se que a palavra está intimamente vinculada com a própria história de seu mundo. Por isso, ela pertence ao próprio mundo, com suas características, fonética, significado e consequências linguísticas próprias.

A Adequação fonética e os Orcs de Tolkien

“Orc” é uma adaptação fonética, ou seja, uma palavra que tem um som parecido com o produzido pela palavra original do mundo imaginário. Assim, o termo foi escolhido por ter um som parecido com Orka em Westron ou Orch em Sindarin. É dentro desse processo de escolha que as criaturas foram nomeadas. Pela adequação da palavra “Orc” ao que seria o som produzido pelos elfos e na língua comum.

Quanto a relação da palavra e seu significado com o mundo real, “Orc” no Inglês não tem relação de significado com às línguas élficas. Ou seja, “Orc” não é o mesmo que Orco ou Orch em seu sentido, pois ela só foi escolhida por causa de sua adequação fonética. Dessa forma, os Orcs de Tolkien não são os mesmos do folclore europeu. Conforme Tolkien disse “em lugar algum se afirma claramente que os Orcs sejam de alguma origem em particular[25]. O sentido da palavra do Inglês Antigo não se adéqua com os orcs que Tolkien tinha em mente: “Nos tempos antigos eram fortes e terríveis como demônios. No entanto, não eram de espécie demoníaca”. (TOLKIEN. Morgoth’s Ring, p. 109)[26]. Não há uma conexão necessária entre a palavra do mundo do Tolkien e alguma tradição oral ou literária do nosso mundo real.

A palavra usada na tradução de Q [uenya] urko, S [indarin] orch, é Orc. Mas isso é por causa da semelhança da antiga palavra inglesa orc, “espírito maligno ou bogey”, às palavras élficas. Não há, possivelmente, nenhuma conexão entre eles. A palavra inglesa é geralmente suposta ser derivada do latim Orcus. (TOLKIEN. The War of the Jewels, p. 391)[27]

O que o Tolkien realizou foi se valer da adequação fonética da palavra e assim utilizar em suas histórias. Tolkien afirma claramente que “a palavra, no que me diz respeito, na verdade é derivada da palavra em inglês antigo orc “demônio”, mas somente por causa de sua adequação fonética” (TOLKIEN, Carta para Naomi Mitchison, 25 de abril de 1954, p.)[28] Existe, portanto, o sentido de Orc no Inglês Antigo, tomado como inspiração fonética.

Tolkien se importou com o som produzido e não com seu sentido próprio. Enquanto que no mundo interno (seu mundo imaginário) o conceito de Orc remete a outro sentido. A complexidade do processo criativo de Tolkien passa também por uma análise das consequências da escolha de “Orc” dentro do mundo imaginário. Com isso surgem diversas implicações linguísticas e toda uma cadeia de palavras com sentidos próprios naquele universo.

De fato, a sonoridade das palavras, o seu som e jeito de se transmitir oralmente eram fatores importantes para Tolkien. Segundo ele “O prazer básico nos elementos fonéticos de uma linguagem e no estilo de seus padrões, e então em uma dimensão superior, o prazer na associação dessas formas de palavras com significados, é de importância fundamental” (TOLKIEN. The Monsters and the Critics, p. 190)[29].

Quando estava analisando a ideia de tradução dos nomes das línguas de seu mundo para o Inglês, Tolkien tratou sobre os nomes de alguns personagens Hobbits e observou que eles deveriam ser adaptados ao inglês e se conformar com as tradições próprias da europa:

Pareceu-me que, uma vez embarcados na tradução, até mesmo no diálogo, os nomes desse tipo seriam mais bem representados se baseando na riqueza semelhante de nomes que encontramos ou poderíamos encontrar em nossas próprias tradições, em celta, franca, latina e grega, e outras fontes. Esse método implica, é claro, uma alteração de longo alcance das formas fonéticas reais de tais nomes dados; mas não me parece mais ilegítimo do que alterar Rasputa para Hornblower, ou mesmo traduzir o diálogo do Livro Vermelho para o inglês, pelo que naturalmente o seu verdadeiro som é alterado e muitos dos seus pontos verbais são obscurecidos. De qualquer forma, fiz a “tradução” com algum cuidado. (TOLKIEN. The People of Middle-earth p.46-48).[30]

Há um processo de conformar as palavras ao estilo europeu e evitar estranheza por parte dos leitores. Então, ocorreu um processo de adaptação das palavras e não uma tradução propriamente, observando o sentido das palavras não seria facilmente transportadsa ou estava ausente de significado. Por exemplo, a palavra em westron “Ban” foi adaptado como “Sam”, enquanto que a palavra em westron “Bilba” se tornou “Bilbo” , “Bunga” se tornou “Bungo”, “Bolgra” se tornou “Bolger”, “Bophan” se tornou “Boffin”.

Assim, Tolkien chega a afiamr que “A escolha dos equivalentes foi direcionada em parte por significado (onde é discernível nos nomes originais), em parte pelo tom geral, e em parte pelo comprimento e estilo fonético”. (TOLKIEN. The People of Middle-earth p.46-48).[31]

Algo semelhante ocorreu com a palavra “Orc”. Seu significado poderia lembrar a palavra em seu sentido do Anglo-saxão, mas também tem em parte a busca de uma adequação fonética. Ou seja, a palavra é uma mistura de significados, sons e estilo que poderiam representar aqueles seres no mundo imaginário do Tolkien.

Línguas da Terra-média Adaptação/Tradução
Orch (S)   Orc ou Ork
Urko/Orco (Q)
Orca/Orka (W)
Orc (R)

 

Dessa forma, assim como os mencionados nomes dos Hobbits, em se tratando da palavra Orc, um fenômeno parecido pode ser observado. O processo de tradução passa em parte pelo significado (Orc em anglo-saxão era uma criatura demoníaca) e também pelo estilo fonético (Orc tem semelhança com as palavras nas línguas faladas na Terra-média). Por todo o exposto, a palavra Orc apresenta uma complexidade que envolve diversos fatores no mundo interno e externo, e que por isso levanta grande possibilidades de análises entre os estudiosos das obras de J.R.R. Tolkien.

 

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Essa é a primeira parte de uma série de artigos sobre a palavra ORC. A bibliografia utilizada será colocada no final do último artigo.

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NOTAS:

[1] The etymology of words and names in my story has two sides: (1) their etymology within the story; and (2) the sources from which I, as an author, derive them. I expect you mean the latter. Orc I derived from Anglo-Saxon, a word meaning demon, usually supposed to be derived from the Latin Orcus — Hell. But I doubt this, though the matter is too involved to set out here. (TOLKIEN. Carta para Gene Wolfe, 7 de novembro de 1966, in WOLFE, The Best Introduction to the Mountains)

[2] any of various ferocious sea creatures. In later use: a large cetacean, esp. the killer whale, Orcinus orca.

[3] and it is not connected at all with orc, ork, applied to sea-animals of dolphin-kind. (Tolkien, The Hobbit)

[4] I originally took the word from Old English orc [Beowulf 112 orc-nass and the gloss orc = pyrs (‘ogre’), heldeofol (‘hell-devil’)]. This is supposed not to be connected with modern English orc, ork, a name applied to various sea-beasts of the dolphin order. (TOLKIEN. Nomenclature of the lord of the rings, p. 761-762)

[5] A devouring monster; an ogre; spec. a member of an imaginary race of subhuman creatures, small and human-like in form but having ogreish features and warlike, malevolent characters.

[6] Orc I derived from Anglo-Saxon, a word meaning demon, usually supposed to be derived from the Latin Orcus — Hell. But I doubt this, though the matter is too involved to set out here. (TOLKIEN. Carta para Gene Wolfe, 7 de novembro de 1966, in WOLFE, The Best Introduction to the Mountains)

[7] Orc is not an ‘invention’ but a borrowing from Old English orc ‘demon’. This is supposed to be derived from Latin Orcus, which Blake no doubt knew. And is also supposed to be unconnected with orc the name of a maritime animal. But I recently investigated orc, and find the matter complex. (TOLKIEN. The Lord of the Rings, A Reader’s Companion, p.25)

[8] The Old English word orc appears in Beowulf in the compound orcneas, which refers to evil spirits or walking corpses: eotenas ond ylfe ond orcneas (giants and elves and demons). It probably comes from the classical Latin Orcus, the name of the god of the under­world, but is so rarely attested in Old English literature that we can deduce little about how it got into English, to become the com­panion of such native Germanic words as eotenas and ylfe. (It is not the same word as orc meaning ‘a cetacean or sea-monster’, from Latin orca, which OED Online separates out as orc n.1) (GILLIVER, MARSHALL, WEINWE, The Ring of words, p.174-175)

[9] As OED Online points out (orc n.2), because there is no evidence for the word in Middle English or in the 16th century, it is unlikely that the Old English word orc survived. It is notable, then, that exactly the same word-form reappears with a similar meaning in 17th-century English, surfacing first in Sylvester’s 1605 translation of Du Bartas’s Divine Weeks and Works. Here it is probably a borrow­ing of Italian orco meaning ‘man-eating giant, demon, monster’, which also comes from Latin Orcus. In the earliest examples the Orque or Orke is a grotesque monster, able (in Sylvester) to devour numbers of creatures, or (in Samuel Holland’s Don Zara of 1656) having several heads. Since Tolkien’s orcs are ugly and violent, with hints that they eat human flesh, but not supernatural, his use of the word seems closer to that of Sylvester and Holland than to the Old English word which was his stimulus. (GILLIVER, MARSHALL, WEINWE, The Ring of Words, p.175)

[10] OGRE, the name in fairy tales and folk-lore of a malignant monstrous giant who lives on human flesh. The word is French, and occurs first in Charles Perrault’s Histoires ou conte du temps passé (1697). The first English use is in the translation of a French version of the Arabian Nights in 1713, where it is spelled hogre. Attempts have been made to connect the word with Ugri, the racial name of the Magyars or Hungarians, but it is generally accepted that it was adapted into French from the O. Span. huercohuergouergo, cognate with Ital. orcoi.e.Orcus, the Latin god of the dead and the infernal regions (see Pluto), who in Romance folk-lore became a man-eating demon of the woods. (Encyclopedia Britannica, 1911)

[11] But beyond, things unspeakable, – dragons, giants, rocs, orcs, witch-whales, griffins, chimeras, satyrs, enchanters, Paynims, Saracen Emirs and Sultans, Kaisers of Constantinople, Kaisers of Ind and of Cathay, and beyond them again of lands as yet unknown.” (KINGSLEY, Charles. Hereward the Wake p.71).

[12] By the 19th century, orcs were appearing in company with monsters of Germanic folklore, and in Hereward the Wake (1865) Charles Kingsley lists dragons, giants, and orcs as if all were equally familiar creatures of fable. By this date it seems likely that, with the rise of Anglo-Saxon studies, writers had become aware of the Old English word. (GILLIVER, MARSHALL, WEINWE, The Ring of Words, p.175)

[13] which I had never seen before, and discovered to my astonishment several similarities of nomenclature (though not necessarily in function) e.g. Tiriel, Vala, Orc. Whatever explanation of these similarities – few: most of Blake’s invented names are as alien to me as his ‘mythology’ – may be, they are not ‘prophetic’ on Blake’s part, nor due to any imitation on my part: his mind (as far as I have attempted to understand it) and art or conception of Art, have no attraction for me at all. Invented names are likely to show chance similarities between writers familiar with Greek, Latin, and especially Hebrew nomenclature. In my work Orc is not an ‘invention’ but a borrowing from Old English orc ‘demon’. This is supposed to be derived from Latin Orcus, which Blake no doubt knew. And is also supposed to be unconnected with orc the name of a maritime animal. But I recently investigated orc, and find the matter complex. (TOLKIEN. The Lord of the Rings, A Reader’s Companion, p.25)

[14] These names, derived by various routes from the Elvish tongues, from Quenya, Sindarin, Nandorin, and no doubt Avarin dialects, went far and wide, and seem to have been the source of the names for the Orcs in most of the languages of the Elder Days and the early ages of which there is any record. . (TOLKIEN. The War of the Jewels, p. 390)

[15] For these shapes and the terror that they inspired the element chiefly used in the ancient tongue of the Elves appears to have been *RUKU. In all the Eldarin tongues (and, it is said, in the Avarin also) there are many derivatives of this stem, having such ancient forms as: ruk-, rauk-, uruk-, urk(u), runk-, rukut/s, besides the strengthened stem gruk-, and the elaborated guruk-,ñguruk. Already in PQ that word must have been formed which had in CE the form *rauku or *rauko. This was applied to the larger and more terrible of the enemy shapes. But ancient were also the forms uruk, urku/o, and the adjectival urkā ‘horrible’. (TOLKIEN. The War of the Jewels, p. 389-390)

[16] In Quenya we meet the noun urko, pl. urqui, deriving as the plural form shows from *urku or *uruku. In Sindarin is found the corresponding urug; but there is in frequent use the form orch, which must be derived from *urko or the adjectival *urka.In the lore of the Blessed Realm the Q urko naturally seldom occurs, except in tales of the ancient days and the March, and then is vague in meaning, referring to anything that caused fear to the Elves, any dubious shape or shadow, or prowling creature. In Sindarin urug has a similar use. It might indeed be translated ‘bogey’. But the form orch seems at once to have been applied to the Orcs, as soon as they appeared; and Orch, pl. Yrch, class-plural Orchoth remained the regular name for these creatures in Sindarin afterwards. The kinship, though not precise equivalence, of S orch to Q urko, urqui was recognized, and in Exilic Quenya urko was commonly used to translate S orch, though a form showing the influence of Sindarin, orko, pl. orkor and orqui, is also often found. (TOLKIEN. The War of the Jewels, p. 389-390)

[17] The Eldar had many other names for the Orcs, but most of these were ‘kennings’, descriptive terms of occasional use. One was, however, in frequent use in Sindarin: more often than Orchoth the general name for Orcs as a race that appears in the Annals was Glamhoth. Giant meant ‘din, uproar, the confused yelling and bellowing of beasts’, so that Glamhoth in origin meant more or less ‘the Yelling-horde’, with reference to the horrible clamour of the Orcs in battle or when in pursuit – they could be stealthy enough at need. But Glamhoth became so firmly associated with Orcs that Glam alone could be used of any body of Orcs, and a singular form was made from it, glamog. (Compare the name of the sword Glamdring.). (TOLKIEN. The War of the Jewels, p. 391)

[18] The Orcs themselves adopted it, for the fact that it referred to terror and detestation delighted them. The word uruk that occurs in the Black Speech, devised (it is said) by Sauron to serve as a lingua franca for his subjects, was probably borrowed by him from the Elvish tongues of earlier times. It referred, however, specially to the trained and disciplined Orcs of the regiments of Mordor. Lesser breeds seem to have been called snaga. (TOLKIEN. The War of the Jewels, p. 390)

[19] The Dwarves claimed to have met and fought the Orcs long before the Eldar in Beleriand were aware of them. It was indeed their obvious detestation of the Orcs, and their willingness to assist in any war against them, that convinced the Eldar that the Dwarves were no creatures of Morgoth. Nonetheless the Dwarvish name for Orcs, Rukhs, pl. Rakhäs, seems to show affinity to the Elvish names, and was possibly ultimately derived from Avarin. (TOLKIEN.T he War of the Jewels, p. 390)

[20] The form in Adunaic urku, urkhu may be direct from Quenya or Sindarin; and this form underlies the words for Orc in the languages of Men of the North-West in the Second and Third Ages. (TOLKIEN. The War of the Jewels, p. 390)

[21] The word for Orc in the now forgotten tongue of the Druedain in the realm of Gondor is recorded as being (? in the plural) gorgûn. This is possibly derived ultimately from the Elvish words. (TOLKIEN. The War of the Jewels, p. 391)

[22] As for Orc, that is supposed to be the name used in the time of the book for what we would call goblins. (Carta 13 de novembro, 1961, para Mr. Barnetson).

[23] Orc is the hobbits’ form of the name given at that time to these creatures. (Tolkien, The Hobbit, p.5),

[24] uruk: Black Speech form of orc. [Orc is adaptation of the form of the word occurring in Westron, orka. The creatures were unknown to the Eldar in Valinor; there is therefore no genuine Quenya name for them. The Sindarin word was orch, pl. yrch, or generic plural orchoth “the Orc-horde,” see below: I 359, 402; adapted in Quenya as orco.] (TOLKIEN. Parma Eldalambero 17, p. 47).

[25] TOLKIEN, Carta para Naomi Mitchison, 25 de abril de 1954, p.

[26] : ‘In days of old they were strong and fell as demons. Yet they were not of demon kind’ (Morgoth’s Ring, p. 109)

[27] The word used in translation of Q[uenya] urko, S[indarin] orch, is Orc. But that is because of the similarity of the ancient English word orc, ‘evil spirit or bogey’, to the Elvish words. There is possibly no connexion between them. The English word is now generally supposed to be derived from Latin Orcus. (TOLKIEN. The War of the Jewels, p. 391)

[28] ‘the word is as far as I am concerned actually derived from Old English orc “demon”, but only because of its phonetic suitability’

[29] ‘‘the basic pleasure in the phonetic elements of a language and in the style of their patterns, and then in a higher dimension, pleasure in the association of these word-forms with meanings, is of fundamental importance.’’ (TOLKIEN. The Monsters and the Critics, p.190).

[30] It seemed to me that, once embarked on translation, even of dialogue, names of this sort would be best represented by drawing on the similar wealth of names that we find or could find in our own traditions, in Celtic, Frankish, Latin and Greek and other sources.This method entails, of course, far-reaching alteration  of the actual phonetic forms of such given-names; but I do not feel it more illegitimate than altering Raspūta to Hornblower, or indeed than translating the dialogue of the Red Book into English, whereby naturally its true sound is changed and many of its verbal points are obscured. I have, in any case, done the ‘translation’ with some care. (TOLKIEN. The People of Middle-earth p.46-48).

[31] The choice of equivalents has been directed partly by meaning (where this is discernible in the original names), partly by general tone, and partly by length and phonetic style. (TOLKIEN. The People of Middle-earth p.46-48).

Biografia

J.R.R. Tolkien e C.S. Lewis  sobre Winston Churchill

O primeiro Ministro Winston Churchill

by Eduardo Stark

Não há dúvida que entre os ingleses e várias pessoas no mundo a figura de Winston Churchill é reverenciada como um grande nome do século XX. Em uma pesquisa feita pela BBC[1] em 2002, Winston Churchill foi eleito pelo voto popular como o maior britânico de todos os tempos (Darwin ficou na quarta posição e Shakespeare na quinta). Ele também é chamado de “o último grande homem do mundo ocidental” ou até mesmo de “o gigante do século”.

Mas nem tudo parece ser flores na biografia de Winston Churchill. Apesar dessa imensa admiração em relação a Churchill, existem ainda aqueles que apontam os seus possíveis erros. Ele tinha uma visão imperialista (em favor da dominação inglesa em suas colônias), além de ter uma visão considerada racista hoje (porém comum na sua época). Em 2010 o físico Madhusree Mukerjee escreveu o livro “Churchill’s Secret War: The British Empire and the Ravaging of India during World War” em que acusava Churchill de ter causado a morte de mais de 3 milhões de indianos de fome na Índia. Mas foi respondido pelo historiador Arthur Herman, que havia lançado em 2009 o livro “Gandhi and Churchill: The Epic Rivalry That Destroyed an Empire and Forged Our Age”, que por esse trabalho se notabilizou por ser finalista ao prêmio Pulitzer. Segundo Herman, o livro de Mukerjee carece de fontes documentais e de técnica própria dos historiadores.

Em 17 de maio de 2018, ocorreu o debate promovido pela Universidade de Oxford, onde em dois lados opostos vários estudiosos sobre Churchill discutiram. A monção do debate era “Os Britânicos devem sentir vergonha de Churchill?”. Esteve presente no debate Sir Nicholas Soames (neto de Winston Churchill) para defender seu parente.

Como todo político de longa data, sua vida está cheia de controvérsias e de atitudes também memoráveis. Mas na matemática entre suas ações o povo britânico reconhece nele uma grande figura. São muitos os documentários, séries programas de TV e filmes que Churchill faz aparições ou está como protagonista. Mais recentemente, em 2016 foi lançado o filme “Churchill’s Secret” com atuação principal de Sir Michael John Gambon (Albus Dumbledore na série Harry Potter). E em 2017 o renomado filme “Darkest Hour” com brilhante interpretação de Gary Oldman (Sirius Black na série Harry Potter), que foi premiado com um Oscar nessa atuação em 2018.

J.R.R. Tolkien e seu amigo C.S. Lewis viveram na mesma época em que Winston Churchill exerceu suas funções na política. E como cidadãos britânicos os escritores estavam sujeitos à atuação do Primeiro Ministro. No presente texto será analisado o que esses escritores de fantasia disseram sobre Churchill.

Winston Churchill e seus discursos em tempos de guerra

Sir Winston Leonard Spencer-Churchill nasceu em 30 de novembro de 1874 e faleceu em 24 de janeiro de 1965. Ele foi um político britânico a maior parte de sua vida, mas também trabalhou como oficial das forças armadas e escritor. Seu principal papel foi como Primeiro Ministro do Reino Unido entre 1940 a 145 e novamente entre os anos de 1951 a 1955. O período em que atuou como primeiro ministro foi mais tenebroso, pois ele liderou as forças contra a Alemanha Nazista durante a Segunda Guerra Mundial. Churchill participou do Partido Liberal, mas durante a guerra e até o fim de sua vida esteve vinculado ao Partido Conservador.

Em 1940 o mundo estava agitado pelo início da Segunda Guerra Mundial. Em 30 de abril, enquanto aguardava confiante uma vitória na Noruega, Hitler deu instruções para os preparativos finais ao ataque a Bélgica, Holanda, Luxemburgo e França. As tropas britânicas, despachadas para a França seis meses antes, aguardavam a investida alemã. O ataque alemão começou em 10 de maio. No Reino Unido, Winston Churchill substituiu Chamberlain como primeiro-ministro.

Desde o início de seus trabalhos como Primeiro Ministro, Winston Churchill proferiu discursos que foram registrados na história como admiráveis por seu poder nas palavras. Em 13 de maio de 1940, Churchill pronunciou o primeiro de seus grandes discurso no parlamento do Reino Unido:

Formar um Governo de tão vastas e complexas proporções é, já por si, um sério empreendimento, mas devo recordar ainda que estamos na fase preliminar duma das maiores batalhas da história, que fazemos frente ao inimigo em muitos pontos – na Noruega e na Holanda -, e que temos de estar preparados no Mediterrâneo, que a batalha aérea contínua e que temos de proceder nesta ilha a grande número de preparativos. Neste momento de crise, espero que me seja perdoado não falar hoje mais extensamente à Câmara. Confio em que os meus amigos, colegas e antigos colegas que são afetados pela reconstrução política se mostrem indulgentes para com a falta de cerimonial com que foi necessário atuar. Direi à Câmara o mesmo, que disse aos que entraram para este Governo: «Só tenho para oferecer sangue, sofrimento, lágrimas e suor». Temos perante nós uma dura provação. Temos perante nós muitos e longos meses de luta e sofrimento. Perguntam-me qual é a nossa política? Dir-lhes-ei; fazer a guerra no mar, na terra e no ar, com todo o nosso poder e com todas as forças que Deus possa dar-nos; fazer guerra a uma monstruosa tirania, que não tem precedente no sombrio e lamentável catálogo dos crimes humanos.-; essa a nossa política. Perguntam-me qual é o nosso objetivo? Posso responder com uma só palavra: Vitória – vitória a todo o custo, vitória a despeito de todo o terror, vitória por mais longo e difícil que possa ser o caminho que a ela nos conduz; porque sem a vitória não sobreviveremos. Compreendam bem: não sobreviverá o Império Britânico, não sobreviverá tudo o que o Império Britânico representa, não sobreviverá esse impulso que através  dos tempos tem conduzido o homem para mais altos destinos. Mas assumo a minha tarefa com entusiasmo e fé. Tenho a certeza de que a nossa causa não pode perecer entre os homens. Neste momento, sinto-me com direito a reclamar o auxílio de todos, e digo «Unamos as nossas forças e caminhemos juntos».[2]

A 4 de Junho de 1940, Winston Churchill proferiu, perante a Câmara dos Comuns, do Parlamento do Reino Unido, o famoso discurso “We Shall Fight on the Beaches” traduzido, em português, como “Lutaremos nas Praias“. O discurso foi feito logo após à evacuação das tropas britânicas de Dunkirk e antes da derrota final e rendição que aconteceria mais tarde nesse mês.

Eu próprio tenho plena confiança que se todos cumprirem seus deveres, se nada for negligenciado, e se as melhores providências forem tomadas, como está sendo feito, deveremos nos provar capazes mais uma vez de defender a nossa ilha natal, de superar a tempestade da guerra, e de sobreviver à ameaça de tirania, se necessário por anos, se necessário sozinhos. De qualquer maneira, isso é o que tentaremos fazer. Esta é a determinação do Governo de Sua Majestade – de cada homem dele. Esta é a vontade do Parlamento e da nação. O Império Britânico e a República Francesa, unidos em sua causa e em sua necessidade, defenderá até à morte seu solo nativo, auxiliando um ao outro como bons camaradas até o máximo de sua força.Muito embora grandes extensões da Europa e antigos e famosos Estados tenham caído ou possam cair nos punhos da Gestapo e de todo o odioso aparato do domínio nazista, nós não devemos enfraquecer ou fracassar. Iremos até ao fim. Lutaremos na França. Lutaremos nos mares e oceanos, lutaremos com confiança crescente e força crescente no ar, defenderemos nossa ilha, qualquer que seja o custo. Lutaremos nas praias, lutaremos nos terrenos de desembarque, lutaremos nos campos e nas ruas, lutaremos nas colinas; nunca nos renderemos, e se, o que eu não acredito nem por um momento, esta ilha, ou uma grande porção dela fosse subjugada e passasse fome, então nosso Império de além-mar, armado e guardado pela Frota Britânica, prosseguiria com a luta, até que, na boa hora de Deus, o Novo Mundo, com toda a sua força e poder, daria um passo em frente para o resgate e libertação do Velho.[3]

De fato, a Segunda Guerra Mundial foi um dos momentos mais dramáticos da história da humanidade. Se o Reino Unido caísse seria como se todo o mundo ocidental sofresse as consequências. Enquanto os britânicos se mantivessem como oposição ainda haveria resistência e esperança para os inimigos de Hitler. A situação não parecia fácil e somente alguém com uma boa capacidade de liderar poderia acalmar os ânimos e direcionar o povo. Foi assim que em outro memorável discurso de Churchill foram ditas as seguintes palavras:

Qualquer modo que andarem as coisas na França ou com o governo francês ou com outro governo francês, nós nesta ilha e no Império Britânico nunca perderemos nosso senso de camaradagem com o povo francês. Se somos agora chamados a suportar o que sofreram, emularemos sua coragem e, se a vitória final recompensar nossos esforços, eles compartilharão os ganhos, sim. E a liberdade será restaurada a todos. Não diminuímos nada de nossas justas exigências – tchecos, poloneses, noruegueses, holandeses, belgas, todos os que uniram suas causas aos nossos serão restaurados. O que o General Weygand chamou de Batalha da França acabou … a Batalha da Inglaterra está prestes a começar. Sobre esta batalha depende a sobrevivência da civilização cristã. Depende de nossa própria vida britânica e da longa continuidade de nossas instituições e nosso império. Toda a fúria e poder do inimigo deve logo se voltar contra nós. Hitler sabe que ele terá que nos quebrar nesta ilha ou perder a guerra. Se conseguirmos enfrentá-lo, toda a Europa poderá ser libertada e a vida do mundo poderá avançar em terras altas e ensolaradas. Mas se fracassarmos, então o mundo inteiro, incluindo os Estados Unidos, incluindo tudo o que conhecemos e cuidamos, afundará no abismo de uma nova idade das trevas tornada mais sinistra, e talvez mais demorada, pelas luzes da ciência pervertida. Vamos, portanto, nos preparar para os nossos deveres, e assim nos assegurarmos de que, se o Império Britânico e sua Commonwealth durarem mil anos, os homens ainda dirão: “Este foi seu melhor momento”.[4]

Churchill entrou para a história como o líder de uma fraca oposição isolada face a uma máquina de guerra dos nazistas, que na época estava invadindo toda a Europa continental e parecia não ter freios. Após uma série de batalhas e da participação decisiva dos Estados Unidos, a Segunda Guerra Mundial teve fim em 1945. Churchill saiu vitorioso e é celebrado até o momento entre seus compatriotas como um dos maiores britânicos.

As declarações de J.R.R. Tolkien sobre Winston Churchill

Antes de tratar sobre o que Tolkien pensava sobre o Primeiro Ministro, é interessante brevemente tratar sobre a posição política do Tolkien. De uma forma geral poderia se considerar Tolkien como um conservador, uma vez que apoiava o Partido Conservador (Conservative Party) ao invés de apoiar o Partido dos Trabalhadores (Labour Party). O fato de apoiar o Partido Conservador também estava relacionado com sua fé Católica tradicional. Mas ainda assim, ele não assumia a ideia de que novos pensamentos ou invenções eram boas apenas pelo fato de serem novas. Ambos os partidos mencionados havia ideias de seu tempo moderno e Tolkien era um medievalista e, de certa forma, antimodernista. Assim, o apoio ao Partido Conservador não é um alinhamento ideológico propriamente, mas sim uma escolha pelas circunstancias, pois Tolkien era contrário até mesmo à ideia do Estado em si, como ente dotado de poder.

Para Tolkien o poder pode corromper e aqueles que o buscam não devem ser confiáveis. O ideal medieval do “Nolo episcopari” era o que poderia ser interessante. Segundo esse princípio, deveria se tornar bispo da Igreja Católica aquele que não desejava tal cargo. Era frequente a escolha de monges para o cargo de Bispo. Dessa forma, para Tolkien, aquele que busca o poder pelo poder não deveria ser escolhido e sim aquele que fosse, a princípio, desinteressado no cargo. O poder incomodava Tolkien especialmente por sua capacidade destrutiva. As consequências do uso das máquinas contra a natureza, culminando com a destruição da vida era algo que o preocupava. Isso está bem demonstrado em suas obras, sobretudo em O Senhor dos Anéis.

O primeiro momento do Tolkien em relação a Churchill foi o seu apoio durante a Primeira Guerra Mundial. O autor do Senhor dos Anéis lutou como Tenente na defesa do interesse britânico e nessa época Churchill exercia o cargo de Primeiro Senhor do Almirantado (First Lord of the Admiralty). Antes de embarcar na batalha de Somme, Tolkien permaneceu em Oxford junto com outros estudantes universitários e lá ele estava ativo em sociedades. Uma delas era a The Stapeldon Society, que passou a enviar votos de confiança para os oficiais das forces armadas e enviou cartas de apoio ao Rei Albert da Bélgica e para Winston Churchill[5]. Dessa forma, é notória a informação que Tolkien conhecia Churchill desde a época da Primeira Guerra Mundial e o apoiava.

Com o inicio da Segunda Guerra Mundial, o cenário era diferente. Tolkien agora tinha quatro filhos e uma esposa. Era um pai preocupado com seus dois filhos Christopher e Michael Tolkien, que haviam sido recrutados para lutar contra as forças nazistas alemãs.

Tolkien acompanhava as notícias e costumava debater e conversar com seus amigos em Oxford. E assim como todo inglês, as preocupações eram constantes diante das incertezas da Guerra. O apoio a Winston Churchill como chefe maior do Estado parecia ser uma necessidade.

Em se tratando da opinião do Tolkien sobre Churchill, há uma carta de 9 de novembro de 1943, em plena época que seu filho Christopher Tolkien, com dezoito anos, estava junto a Força Aérea. Nessa carta é explicado um pouco da visão política do Tolkien e feita uma breve referência a Winston Churchill. Foi explicada sua ideia de que as pessoas não deveriam criar concepções sobre seus governantes como algo mais superior do que fosse.

Governo é um substantivo abstrato que significa a arte e o processo de governar, e deveria ser uma ofensa escrevê-lo com um G maiúsculo ou usá-lo para se referir a pessoas. Se as pessoas estivessem acostumadas a se referirem ao “conselho do Rei George, Winston e sua turma”, isso ajudaria a desanuviar certas concepções e a reduzir a assustadora vitória esmagadora da Elescracia. Em todo caso, o estudo apropriado do Homem é tudo, menos o Homem; e o trabalho mais impróprio a qualquer homem, mesmo os santos (os quais, de qualquer maneira, ao menos relutavam em realizá-lo), é mandar em outros homens. Nem mesmo um homem em um milhão é adequado para tal, e menos ainda aqueles que buscam a oportunidade. E pelo menos isso é feito apenas a um pequeno grupo de homens que sabem quem é seu mestre. (Carta de 9 de Novembro para Christopher Tolkien, in “As Cartas de J.R.R. Tolkien”).

O que fica claro é que Tolkien não apoiava políticos com toda a convicção. Não havia lideres que fossem imaculados ou que fossem defendidos a todo o custo. Visto que ele acreditava que o exercício de uma atividade de poder não era algo natural do homem em relação aos outros. É por isso que a ideia abstrata de um governo o incomodava. Seria algo mais realista dizer quem está a frente disso tudo.

A esqueda Josef Starlin, ao centro Roosevelt e a direita Churchill

Ainda em época de guerra, Tolkien fez uma nova referência a Churchill. Dessa vez vez um breve comentário a foto da Convenção de Teerã, onde os três lideres Josef Stalin, Roosevelt e Churchill se reuniram para organizar uma frente contra o avanço das forças de Adolf Hitler. A carta foi escrita em 9 de dezembro de 1943 e enviada para seu filho Christopher Tolkien, que ainda realizava treinamento para a força aérea britânica.

dei um tipo de sorriso doentio e “quase rolei no chão e já não mais me interessavam as boas maneiras” quando ouvi sobre aquele velho assassino sedento de sangue do Josef Stalin convidar todas as nações a se juntarem a uma família feliz de pessoas dedicadas à abolição da tirania e da intolerância! Mas também devo admitir que, na foto, nosso pequeno querubim W. S. C. de fato parecia o maior dos rufiões presentes.

A critica inicial do Tolkien ao encontro se dá pele contradição do fato de que Jose Stalin era um ditador responsável pela morte de milhões de pessoas e agora convocava outros líderes em nome da “abolição da tirania e da intolerância”. A referência a W.S.C. são as siglas do nome de Winston Spencer Churchill. Enquanto Querubim é um tipo de líder guerreiro dos anjos, sendo uma das posições mais altas na hierarquia celeste. Nesse ponto, trata-se de uma espécie de elogio chamar Churchill de um anjo guerreiro, como alguém que pudesse lutar beneficamente por sua causa. Porém, o elogio vem logo seguido de uma leve crítica dizendo que ele parecia o “maior dos rufiões presentes”, ou seja, alguém com a aparência de ser o mais beligerante ou violento entre os três. Tolkien finaliza a carta novamente se referindo a Churchill como Querubim dizendo: “Nosso Querubim mencionado acima pode fazer uma jogada astuta — supõe-se, espera-se, não se sabe…..”                                

Em 7 de maio de 1945 foi anunciado o fim da Guerra na Europa. Churchill foi vitorioso e agora seria considerado um grande herói britânico. Apesar disso, ele não conseguiu se reeleger na eleição de 1945, voltando ao cenário político em 1951 novamente como Primeiro Ministro. Até o momento, não há declarações sobre a política de Churchill registradas após 1943, deixando um vácuo sobre o que pensava sobre o segundo governo de Churchill.

Winston Churchill é o Tom Bombadil?

Na carta de setembro de 1954 para Peter Hastings, Tolkien responde sobre a personagem Tom Bombadil e faz uma breve referência a Tom Bombadil. A resposta dizia a respeito da afirmação do que seria Tom Bombadil e a resposta “Ele é”:

Apenas a primeira pessoa (de mundos ou de qualquer coisa) pode ser única. Se você diz ele é, deve haver mais de um, e uma (sub) existência criada está implícita.Certamente posso dizer “ele é” de Winston Churchill assim como de Tom Bombadil, não?

Essa breve citação poderia confundir algumas pessoas a ponto de levantar a ideia de que Churchill seria a personificação de Tom Bombadil. Porém, o próprio Tolkien dizia ser contrário a ideia de que suas obras eram um tipo de alegoria da Segunda Guerra Mundial. O uso do nome de Winston foi apenas para efeito de explicação das ideias e não que fosse algo diretamente relacionado a obra. De todo modo, o exemplo demonstra que Tolkien ainda conservava algum apreço por Churchill em 1954.

 

Tolkien e sua amizade com o biografo oficial de Winston Churchill

  

Tolkien foi amigo pessoal de Sir Martin Gilbert, um judeu historiador renomado por seus trabalhos sobre a história da Segunda Guerra Mundial e especialmente por ser o biografo oficial de Winston Churchill. Gilbert escreveu diversos livros narrando a história da vida do Primeiro Ministro.

Veja mais informações sobre isso AQUI.

Sir Martin Gilbert, historiador judeu amigo de Tolkien

 

C.S. Lewis sobre Winston Churchill

C.S. Lewis era um amigo próximo de J.R.R. Tolkien, que o encontrava frequentemente em Oxford junto ao grupo dos Inklings. Era comum o debate político e rotineiramente tratavam sobre o governo de Winston Churchill durante a Segunda Guerra. Ambos apoiaram o velho buldogue inglês na sua luta contra os nazistas.

Após a Segunda Guerra Mundial, a segunda voz mais escutada em rádios era a do professor C.S. Lewis. Seus trabalhos eram amplamente conhecidos e respeitados como uma fonte de esperança durante a guerra e como defesa da fé cristã.

A guerra mundial trouxe consequências para toda a Europa. A economia se desestabilizou com os gastos e diversas estruturas precisavam ser reconstruída ou restauradas. Especialmente a Inglaterra estava tendo diversas necessidades e caberia agora ao governo levantar novamente o país e evitar o caos.

Durante as eleições do Reino Unido em 1951, muitos candidatos apresentavam promessas que não pareciam ser realizáveis e Lewis acreditava na sinceridade de Winston, que na época dizia que a reconstrução seria penosa e difícil “eles estão prometendo a terra, enquanto Churchill, com seu usual senso comum, não está prometendo nada além de tempos difíceis.” (Carta para Vera Mathews em 18 de outubro de 1951). Foi esse senso comum que possibilitou a vitória eleitoral de Churchill. Além do trabalho anterior como Primeiro Ministro durante a Guerra, agora ele apresentava a realidade ao público e dizia com sinceridade da situação do país.

C. S. Lewis, escritor e amigo de Tolkien

Assim, Churchill foi eleito novamente como Primeiro Ministro e assim que iniciou o seu governo enviou uma carta dizendo que estava disposto a recomendar C.S. Lewis para receber o C.B.E na lista do ano seguinte (1952). O C.B.E (Commander of the most Excellent Order of the British Empire) é uma condecoração ou título honorífico dado ao britânico que realizou algum trabalho em prol do seu país ou que exerceu relevante atividade. No caso do Lewis a indicação seria relacionada ao seu empenho nos vários livros de sucesso literário. Em resposta a Churchill e ao Secretário do Primeiro Ministro, em 4 de dezembro de 1951, C.S. Lewis escreveu a seguinte carta:

Sinto-me muito grato ao primeiro-ministro e, no que diz respeito aos meus sentimentos pessoais, essa honra seria muito agradável. Sempre há, no entanto, os que dizem e os tolos que acreditam que meus escritos religiosos são todos propaganda anti-esquerdista encoberta, e que minha aparição na lista de Honras certamente fortaleceria suas mãos. Portanto, é melhor que eu não apareça lá. Tenho certeza de que o primeiro-ministro compreenderá minha razão e que minha gratidão é e será cordial. (LEWIS, C.S., Collected Letters of C.S. Lewis, vol. II)[6]

Nota-se nessa carta uma vontade de C.S. Lewis em evitar a política não se aliando a um lado determinado. A recusa não foi uma discordância em relação a Churchill, e sim um temor de ataques sem necessidade por parte daqueles que são adversários do Primeiro Ministro. A carta só foi divulgada após a morte de C.S. Lewis e o governo britânico confirmou essa informação após um requerimento com base na “Liberdade de Informação” em 26 de janeiro de 2012.

Mais de vinte anos depois, Tolkien recebeu esse mesmo título honorifico C.B.E. em 1973, dado pela Rainha Elisabeth II. (veja mais informações AQUI).

C.S. Lewis voltou a falar sobre Churchill em 7 de dezembro de 1953 em uma carta para  Edna Greene Watson. Aqui ele demonstra que a situação parece estar melhorando, após a crise gerada pela Segunda Guerra Mundial.

É muito gentil de sua parte mandar-me um presente de Natal tão bonito; pois, embora as coisas estejam melhorando aqui sob [o governo de] Winston, ainda não estamos exatamente vivendo em uma terra de leite e mel – o bolo, em particular, permanece como um luxo. (LEWIS, C.S., Collected Letters of C.S. Lewis, vol. II)[7]

Está demonstrado que Winston Churchill conhecia C.S. Lewis e talvez até mesmo possa ter lido algum de seus textos e livros. Embora não haja nenhum outro registro dessa relação, o que está evidente é que o Primeiro Ministro sabia da importância do escritor.

Enquanto Lewis tinha esse reconhecimento de um grande público, naquela época Tolkien era conhecido apenas dentro dos círculos acadêmicos e sua projeção pela publicação do livro O Hobbit em 1937. Tolkien ficou mais famoso após a publicação de O Senhor dos Anéis em 1954 e 1955, que se notabilizou especialmente nos Estados Unidos em 1965 (ano que Churchill faleceu).

Winston Churchill, o prêmio Nobel de Literatura

Winston Churchill além de político, também teve o seu papel de jornalista e escritor. Em 1953 ele foi laureado com o prêmio Nobel em literatura por sua obra “The Second World War”, de seis volumes no original inglês: “The Gathering Storm, Their Finest Hour, The Grand Alliance, The Hinge of Fate, Closing the Ring e Triumph and Tragedy, publicados entre os anos de 1948 e 1953.

No Brasil o livro foi condensado em dois volumes com o título “Memórias da Segunda Guerra Mundial” em um Box com os livros em capa dura, atualmente publicado pela editora Harpercollins Brasil. Para adquirir esses livros acesse AQUI.

O livro apresenta as visões particulares de Winston Churchill durante os momentos mais dramáticos da história da humanidade. É um livro notável por ter sido escrito justamente por um dos líderes da Guerra.

Escrever um livro é uma aventura. Ao começar é um brinquedo e uma diversão. Então se torna uma amante, então se torna um mestre, então se torna um tirano. A última fase é que, assim que se está prestes a se reconciliar com sua servidão, você mata o monstro e o lança ao público.( Winston Churchilll) [8]

 

Memórias da segunda guerra mundial – livro prêmio nobel de Churchill

 

Para adquirir esse box contendo os livros do Churchill acesse AQUI.

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NOTAS:

[1] http://news.bbc.co.uk/2/hi/entertainment/2509465.stm

[2] To form an administration of this scale and complexity is a serious undertaking in itself. But we are in the preliminary phase of one of the greatest battles in history. We are in action at many other points-in Norway and in Holland-and we have to be prepared in the Mediterranean. The air battle is continuing, and many preparations have to be made here at home.In this crisis I think I may be pardoned if I do not address the House at any length today, and I hope that any of my friends and colleagues or former colleagues who are affected by the political reconstruction will make all allowances for any lack of ceremony with which it has been necessary to act.I say to the House as I said to ministers who have joined this government, I have nothing to offer but blood, toil, tears, and sweat. We have before us an ordeal of the most grievous kind. We have before us many, many months of struggle and suffering.You ask, what is our policy? I say it is to wage war by land, sea, and air. War with all our might and with all the strength God has given us, and to wage war against a monstrous tyranny never surpassed in the dark and lamentable catalogue of human crime. That is our policy.You ask, what is our aim? I can answer in one word. It is victory. Victory at all costs – Victory in spite of all terrors – Victory, however long and hard the road may be, for without victory there is no survival.Let that be realized. No survival for the British Empire, no survival for all that the British Empire has stood for, no survival for the urge, the impulse of the ages, that mankind shall move forward toward his goal.I take up my task in buoyancy and hope. I feel sure that our cause will not be suffered to fail among men. I feel entitled at this juncture, at this time, to claim the aid of all and to say, “Come then, let us go forward together with our united strength.

[3] I have, myself, full confidence that if all do their duty, if nothing is neglected, and if the best arrangements are made, as they are being made, we shall prove ourselves once again able to defend our island home, to ride out the storm of war, and to outlive the menace of tyranny, if necessary for years, if necessary alone. At any rate, that is what we are going to try to do. That is the resolve of His Majesty’s government – every man of them. That is the will of parliament and the nation. The British empire and the French republic, linked together in their cause and in their need, will defend to the death their native soil, aiding each other like good comrades to the utmost of their strength. Even though large tracts of Europe and many old and famous states have fallen or may fall into the grip of the Gestapo and all the odious apparatus of Nazi rule, we shall not flag or fail. We shall go on to the end, we shall fight in France, we shall fight on the seas and oceans, we shall fight with growing confidence and growing strength in the air, we shall defend our island, whatever the cost may be, we shall fight on the beaches, we shall fight on the landing grounds, we shall fight in the fields and in the streets, we shall fight in the hills; we shall never surrender, and even if, which I do not for a moment believe, this island or a large part of it were subjugated and starving, then our empire beyond the seas, armed and guarded by the British fleet, would carry on the struggle, until, in God’s good time, the new world, with all its power and might, steps forth to the rescue and the liberation of the old.

[4] ….However matters may go in France or with the French Government or with another French Government, we in this island and in the British Empire will never lose our sense of comradeship with the French people. If we are now called upon to endure what they have suffered we shall emulate their courage, and if final victory rewards our toils they shall share the gains, aye. And freedom shall be restored to all. We abate nothing of our just demands—Czechs, Poles, Norwegians, Dutch, Belgians, all who have joined their causes to our own shall be restored. What General Weygand has called the Battle of France is over … the Battle of Britain is about to begin. Upon this battle depends the survival of Christian civilization. Upon it depends our own British life, and the long continuity of our institutions and our Empire. The whole fury and might of the enemy must very soon be turned on us. Hitler knows that he will have to break us in this island or lose the war. If we can stand up to him, all Europe may be freed and the life of the world may move forward into broad, sunlit uplands. But if we fail, then the whole world, including the United States, including all that we have known and cared for, will sink into the abyss of a new dark age made more sinister, and perhaps more protracted, by the lights of perverted science. Let us therefore brace ourselves to our duties, and so bear ourselves, that if the British Empire and its Commonwealth last for a thousand years, men will still say, “This was their finest hour.

[5] Urged on by Farnell, Tolkien and his few fellow undergraduates strove to keep the college societies going. The Stapeldon Society, a shadow of its former self and under ‘lowering clouds of Armageddon’, did its trivial best by passing a rousing vote of confidence in all Exonians in the armed forces and sending letters of support to King Albert of Belgium and Winston Churchill (then First Lord of the Admiralty). (Garth, John. Tolkien and the Great War, The Threshold of Middle-earth, p.49)

[6] I feel greatly obliged to the Prime Minister, and so far as my personal feelings are concerned this honour would be highly agreeable. There are always however knaves who say, and fools who believe, that my religious writings are all covert anti-Leftish propaganda, and my appearance in the Honours list would of course strengthen their hands. It is therefore better that I should not appear there. I am sure the Prime Minister will understand my reason, and that my gratitude is and will be none the less cordial.

[7] How very kind indeed of you to send me such a nice Xmas present; for, though things are improving over here under Winston, we are still not exactly living in a land of milk and honey – cake in particular remaining something of a luxury.

[8] Writing a book is an adventure. To begin with it is a toy and an amusement. Then it becomes a mistress, then it becomes a master, then it becomes a tyrant. The last phase is that just as you are about to be reconciled to your servitude, you kill the monster and fling him to the public.

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Lançamento nacional do livro A Queda de Gondolin

Em 30 de agosto de 2018 aconteceu o lançamento oficial do livro “A Queda de Gondolin” de J.R.R. Tolkien, editado por Christopher Tolkien, publicado pela editora HarperCollins Brasil. Pela primeira vez ocorre um lançamento simultâneo de um livro do Tolkien no Brasil em sua versão em Português e a versão inglesa no Reino Unido.

O lançamento foi um evento que reuniu diversos fãs em nove cidades, cada uma em um Estado da federação. Estiveram na agenda as seguintes capitais e localidades:

– Belo Horizonte: Livraria Leitura do Shopping Del Rey
– São Paulo: Livraria Saraiva do Shopping Pátio Paulista
– Rio de Janeiro: Livraria Saraiva do Shopping Rio Sul
– Brasília: Livraria Leitura do Shopping Pátio Brasil
– Curitiba: Livraria Curitiba do Park Shopping Barigui
– Fortaleza: Livraria Saraiva do Shopping Iguatemi
– Salvador: Livraria Saraiva do Shopping da Bahia
– Belém: Livraria Saraiva Belém
– Manaus: Livraria Saraiva Manaus

A ideia da editora HarperCollins Brasil é tentar inovar nos lançamentos de livros e deixar de manter a cômoda posição de lançamentos no eixo Rio-SãoPaulo. A editora pretende que todos os brasileiros possam também ter seus encontros regionais. Assim, esse foi o primeiro experimento e uma oportunidade de analisar a repercussão e o retorno que os eventos trouxeram e como poderão ser novamente realizados.

Segundo Samuel Coto, editor responsável da HarperCollins Brasil, a tendência nos próximos anos é ampliar ainda mais para outras cidades com os novos lançamentos dos livros.. A editora HarperCollins adquiriu os direitos de publicação de todas as obras do Tolkien e pretende retraduzir as obras e ainda publicar livros inéditos. A pretensão é lançar todos os livros do autor em sete anos, incluindo os doze livros da série História da Terra-média.

Enquanto ocorria o evento no Reino Unido, com a participação do ilustrador Alan Lee, no Brasil os fãs leram trechos do livro recém lançado e se divertiram com comentários, palestras, sorteios e muito mais.

Esse evento nacional é a demonstração de que a editora HarperCollins Brasil está atenta aos anseios dos leitores e que está se dispondo a apresentar uma publicação de qualidade.Para os que estiveram presentes no evento foram entregues broches personalizados, pôsteres, marca página e outros brindes.

O livro do A Queda de Gondolin está com capa dura, com ilustrações coloridas internas feitas por Alan Lee e papel pólen amarelado. Além disso, a diagramação está bem organizada com ilustrações em preto e branco também do Alan Lee ao longo do livro.

O livro A Queda de Gondolin completa os três Grandes  Livros que contam as lendas da primeira era, juntamente com o livro Beren e Lúthien e Os Filhos de Húrin. A Queda de Gondolin conta sobre a história do herói Tuor e seu papel na primeira era do Sol. Tuor é o pai de Earendil, que por sua vez é o pai dos meio-elfos Elros e Elrond.

A editora HarperCollins Brasil tem planos de também publicar o livro Beren e Lúthien em novembro desse ano (2018) e relançar no formato diferenciado e revisado o livro Os Filhos de Húrin. Assim, os três livros terão o mesmo formato, tamanho e padrão editorial, o que tornará um belo trio de livros.