Biografia

Tolkien e a Educação Domiciliar – Homeschooling

by Eduardo Stark
(tolkienbrasil@gmail.com)

Antes de ler esse é artigo é interessante também ler sobre a Educação Clássica AQUI.

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A infância de J.R.R. Tolkien foi cheia de momentos determinantes em sua vida. A começar por um tipo peculiar de educação, que hoje em dia não é tão comum como fora antigamente. Tolkien teve a chamada Educação Domiciliar ou Homeschooling entre os anos de 1896 a 1899.

A Educação Domiciliar, Educação doméstica ou também chamada de “Homeschooling” (nos E.U.A), “home education” (no Reino Unido), Hausunterricht (na Alemanha) é uma prática educacional que vem sendo adotada por milhares de famílias pelo mundo. Trata-se de se realizar a educação das crianças e adolescentes sem o auxílio do Estado. A Educação Domiciliar dá a liberdade de escolhas pedagógicas aos pais que ensinam o conteúdo ou contratam alguém que o faça em suas casas. Dessa forma, a criança não frequenta a escola pública ou particular, tendo suas aulas ao longo do dia ou em horário reservado pelos pais.

No Reino Unido são cerca de 100.000 educandos, na Austrália são 50.000 famílias que adotam o ensino domiciliar. Nos Estados Unidos, com dados de 2012, são mais de um milhão de crianças que participam de alguma forma do homeschooling, outros apontam ser atualmente cerca de dois milhões e meio de pessoas. Esse fenômeno está começando a ampliar no Brasil com cerca de 4.200 famílias.

O Ensino Domiciliar foi sempre permitido ao longo da história da humanidade. Desde os primórdios, os pais ensinavam seus filhos os meios para que pudessem se formar e encarar a vida da melhor forma possível.Quando não exercido pelos pais, se contrata algum letrado para atuar como o tutor das crianças. Caberia a ele atuar no ensino dos jovens. Como exemplo, temos o macedônio Alexandre, o Grande, em que o filósofo Aristóteles foi contratado para ser o seu tutor.

Com o surgimento das primeiras universidades ocidentais fundadas pela Igreja Católica no final da Idade Média, o jovem adulto agora participava de estudos junto com outros e diante de um professor. Porém, o ensino ainda permanecia domiciliar para a ampla maioria da população europeia.

No final do século XIX, no contexto da Reforma Protestante, Martinho Lutero defendeu a escola obrigatória e gratuita para todos, com a finalidade de que as pessoas aprendessem a ler a bíblia e interpretá-la.Com a escola pública estabelecida pelo Estado, a Reforma Protestante poderia ser melhor aplicada em países cujos soberanos fossem protestantes. Foi dentro da ideia de disputa de fieis, influenciar novos fieis e defender as ideias protestantes que surgiu a escola pública. A escola pública seria instrumento para que o individuo conhecesse a bíblia e não se dobrasse a outras ideias, que Martinho Lutero considerava como heréticas (judeus, Católicos, islâmicos e outros protestantes). Lutero coloca a necessidade de se criar tais escolas como uma luta contra o diabo, conforme disse em discurso proferido em 1524:

Caros governantes… Eu afirmo que as autoridades civis têm a obrigação de obrigar as pessoas a mandar seus filhos para a escola… Se o governo pode obrigar os cidadãos que estão aptos para o serviço militar a carregar lança e rifle, a montar muralhas e realizar outros deveres marciais em tempo de guerra, quanto mais tem o direito de obrigar as pessoas a mandar seus filhos para a escola, porque neste caso estamos em guerra com o diabo, cujo objetivo é secretamente esgotar nossas cidades e principados de seus homens fortes. (PERRIN, John William. The History of Compulsory Education in New England, 1896, p.6)[1]

No mesmo ano do discurso de Lutero, em 1524, o duque João de Gotha criou a primeira escola pública do ocidente, sendo seguido por Thuringia em 1527. A partir de então a ideia de escola pública gratuita e obrigatória passou a ser defendida por outros protestantes e se espalhou por toda a Europa.

Contudo, a Educação Domiciliar continuou sendo praticada, porém enfrentando agora grandes empecilhos em diversos Estados.  Porém, com as reformas educacionais no século XVIII e XIX, conhecidas como o Sistema Educacional Prussiano, é que a educação passou a ser eficazmente obrigatória, laica e gratuita para todos, onde os professores deveriam se formar em instituições de ensino superior.A proposta teve ascensão concreta com o Generallandschulreglement, um decreto de 1763 por Frederico, o grande.

Na Revolução Francesa foi defendida a ideia da Educação Pública obrigatória e laica. E após o período napoleônico, surgiram os primeiros sistemas educacionais para os Estados Nacionais. Embora se declarasse que a Educação Pública fosse obrigatória, a Educação Domiciliar era ainda frequente.

A diferença do sistema prussiano com relação ao inicio da escola pública por Lutero, é que agora o Estado deveria proporcionar um ensino laico, sem finalidade religiosa, embora a religião fosse introduzida como uma mera disciplina no currículo escolar. Desde então, muitos governantes foram influenciados pela educação prussiana e passaram a adotar nos Estados o Ensino Público laico, gratuito e obrigatório. Foi assim que a Educação Domiciliar passou a dar lugar a Escola Pública obrigatória, culminando com a sua formalização na Constituição Alemã de Weimar de 1919.

Juventude Hitlerista da Educação Pública nazista

 

O nazismo de Adolf Hitler proibiu a Educação Domiciliar na Alemanha

Liderados por Adolf Hitler, Mussolini, Lenin, Stalin e outros, os regimes autoritários do século XX buscaram usar a educação obrigatória para formar um público controlado e carregado de ideologias impostas pelo Estado. Foi assim que a Educação Domiciliar foi proibida e criminalizada. Porém, com a queda dos regimes esses países legalizaram a Educação Domiciliar. O caso da Alemanha chama a atenção, tendo em vista que ainda se mantém aplicável a lei nazista.

Na Alemanha, com base nas ideias de Martinho Lutero e Frederico, o grande, a Constituição de Weimar de 1919 introduziu formalmente a educação estatal laica obrigatória e gratuita no artigo 145. Mas a Educação Domiciliar ainda era permitida, pois entendeu-se que a Constituição falava da obrigação de se educar as crianças e não em dever de frequência escolar.Além do fato de que o Estado não tinha ainda construído escolas suficientes e não possuía recursos para distribuição gratuita dos materiais, pois a Alemanha estava em momentos de crises econômicas após a primeira guerra mundial.

Com a ascensão dos nazistas, o Estado passou a aplicar uma política de repressão a todo os tipos de ensinos que não fossem exclusivos do Estado. Assim, escolas controladas pela Igreja Católica foram fechadas e o ensino nas escolas particulares foram suprimidos ou regulamentados fortemente.

Dentro dessa política repressiva é que o governo de nazista decidiu proibir o Ensino Domiciliar, usando a Escola Pública e laica de Martinho Lutero e Frederico, o Grande[2]. Para Hitler o individuo deveria ser considero propriedade do Estado:

O que não tem sido feito em outros setores deve ser empreendido pelo Estado. A raça deve ser vista como ponto central da atuação do Estado na vida geral da nação. Deve ser conservada pura. A infância deve ser vista como a mais preciosa propriedade da Pátria.(HITLER, Minha Luta, p. 306-307)

A educação intelectual estava em segundo plano para Adolf Hitler. “Em um Estado nacionalista, a escola deve reservar mais tempo para os exercícios físicos” (HITLER, Minha Luta, p. 310). Era necessário dar mais ênfase a educação física do que mental e de conteúdo.

O Estado deve dirigir a educação do povo, não no sentido puramente intelectual, mas visando sobretudo à formação de corpos sadios. Em segundo plano, é que vem a educação intelectual. (HITLER, Minha Luta, p. 309).

Além da priorização da educação física, Hitler pregava que a Educação Pública deveria ser utilizada para finalidade de formar as ideias de supremacia racial que os nazistas defendiam.

O trabalho de educação coletiva do Estado nacionalista deve ser coroado com o despertar do sentido e do sentimento da raça, que deve penetrar no coração e no cérebro da juventude que lhe foi confiada. Nenhum rapaz, nenhuma rapariga deve abandonar a escola sem estar convencido da necessidade de manter a pureza da raça. (HITLER, Minha Luta, p. 322).

Foi assim que surgiu a aplicação concreta da Constituição de Weimar de 1919, para que a Escola Pública fosse obrigatória a todos e que o Ensino Domiciliar deveria ser agora reprovado e suprimido pelo Estado. Não haveria mais a vontade e escolha dos pais sobre o futuro dos filhos em se tratando de educação. Isso caberia exclusivamente ao Estado.

Assim como, já hoje, o Estado, no que diz respeito à cultura intelectual, passa por cima do livre arbítrio dos indivíduos e, sem consultar a vontade dos pais, torna obrigatória a frequência às escolas, assim, também o Estado, de futuro, deve agir no problema da conservação da raça, sem indagar se as razões para essa atitude são ou não são compreendidas pelas massas. (HITLER, Minha Luta, p. 310)

Assim, sob a liderança do Reich de Adolf Hitler foi proibido definitivamente a Educação Domiciliar na Alemanha.  A Lei de Educação Obrigatória no Reich Alemão (Gesetz über die Schulpflicht im Deutschen Reich ou apelidada de Reichsschulpflichtgesetz) de 6 de julho de 1938, com emenda em 16 de maio de 1941, regulamentou a educação obrigatória perante o Estado, determinando que as crianças deveriam ser matriculadas em escolas.

Educação obrigatória. No Reich alemão é obrigatória a educação. Garantida a educação e instrução da juventude alemã no espírito do nacional-socialismo. Isto se aplica a todas as crianças e jovens de nacionalidade alemã que estejam domiciliados ou tenham residência habitual.[3]

A lei nazista ainda apresenta as punições para as crianças e pais que descumprirem a obrigação de frequência escolar. As crianças poderiam ser levadas à força pela polícia e os pais poderiam ser presos por não levar a criança na escola:

Escolaridade obrigatória. Crianças e adolescentes que não cumpram a obrigação de frequentar a escola profissional ou vocacional são levadas à escola à força. Aqui, a ajuda da polícia pode ser reivindicada. Penalidades. Qualquer pessoa que infrinja as disposições sobre escolaridade obrigatória intencionalmente ou por negligência, é punível com uma multa de até 150 Reichsmark ou com prisão, salvo violação de outras leis que aplicarem uma sanção mais grave.[4]

Após a Segunda Guerra Mundial, novas perspectivas educacionais foram analisadas e o homeschooling foi apontado como alternativa para um sistema educacional público que não atendia a contento os objetivos desejados. Dessa forma, diversos países que sofreram regimes autoritários passaram a permitir a Educação Domiciliar.

Contudo, até hoje a Educação Domiciliar não é permitida na Alemanha e há vários casos judiciais e controvérsias dos pais que desejam educar seus filhos e evitar a aplicação da lei imposta pelos nazistas. Muitas famílias tiveram que abandonar a Alemanha e foram morar no Reino Unido que permite amplamente a Educação Domiciliar.

 

Homeschooling – ensino domiciliar

 

Educação Domiciliar é legal no Brasil?

Como visto, a Educação Domiciliar é praticada atualmente em vários países. Nos Estados Unidos é amplamente praticado em todos os Estados e com legislações específicas. A maioria dos países europeus permitem a educação domiciliar, tais como exemplo Reino Unido, França, Itália, Irlanda, Bélgica, Áustria, Dinamarca,Noruega, Estônia, Eslovênia e Finlândia. Em Portugal é permitido pelo DL nº 553/80 (Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo). Embora tenha uma autorização estatal, apenas 620 pessoas estão inscritas no Ensino Domiciliar em Portugal.

No século XIX a Educação Domiciliar no Brasil era plenamente permitida. Os pais podiam ensinar os filhos ou mesmo contratar um tutor para educá-los. Porém, com a influência da Constituição Alemã de Weimar de 1919, o Brasil passou a tornar obrigatória a matricula e frequência em escola pública.

A Constituição Federal de 1934 ditou que deveria haver uma lei federal sobre educação e que nela deveria haver dispositivo em que haja “ensino primário integral gratuito e de frequência obrigatória extensivo aos adultos”. A partir de então as Constituições posteriores também impuseram a educação obrigatória em 1937, 1946, 1967 e 1988.

Atualmente, no Brasil são cerca de 4.200 famílias que estão vinculadas ao Ensino Domiciliar. Porém, não há uma legislação específica sobre esse tipo de ensino e a Constituição de 1988 e leis vigentes implicam em dizer que não se permite o ensino domiciliar. Por isso, o tema sofreu grandes controvérsias judiciais nos últimos anos. É que a Constituição Federal de 1988 dita que a educação deve resultar da ação da tríade: Estado, Família e Sociedade (Art. 205). E ainda está entre os princípios norteadores do ensino a “igualdade de condições de acesso e permanência na escola” (Art. 206). Ainda, no Art. 208 da Constituição diz que o ensino fundamental deve ser obrigatório e gratuito e no § 2º diz que o “não oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente”. E, no mesmo artigo, o § 3º acrescenta: “Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela frequência à escola”. A Lei nº 9394 de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, dispõe que a educação básica é obrigatória e gratuita para pessoas dos 4 aos 17 anos de idade. E ainda que é dever dos pais ou responsáveis efetuar a matrícula das crianças na educação básica a partir dos 4 (quatro) anos de idade. 

Tendo em vista essa limitação vinda da Constituição e Legislação, ocorreram uma série de controvérsias entre pais que adotam o Homeschooling e o interesse do Estado em puni-los. Resultado disso foi o processo judicial que chegou ao Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário 888815, com relatoria do Ministro Luis Roberto Barroso. Em 12 de setembro de 2018, o Supremo Tribunal Federal decidiu o RE 888815 e decidiu que caberia ao legislador estabelecer Emenda Constitucional ou Lei que regulamentasse a Educação Domiciliar, não sendo possível sua aplicação no presente momento. Assim, na proibição da Educação Domiciliar, o Brasil permanece junto com Cuba, China, Coréia do Norte, Venezuela, Grécia, Macedônia e Alemanha.

No Brasil os defensores do Homeschooling estão associados em diversos grupos espalhados pelo país. Um dos conhecidos é o trabalho desenvolvido pelo casal Déia e Tiba. Também são conhecidos o casal Gustavo e Camilla Abadie que preparam material para Educação Domiciliar pela editora Concreta. O professor Carlos Nadalin exerce papel relevante com estudos e análises.

 

Tolkien e a Educação Domiciliar

Tolkien nasceu em 3 de janeiro de 1892, era o final da Era Vitoriana no antigo Império Britânico. O pai do Tolkien acabou falecendo pouco tempo depois e coube a sua mãe arcar com o sustento familiar e promover a educação dele.

O quadro do momento era que Mabel Tolkien era uma jovem viúva de cerca de 26 anos, com dois filhos pequenos e sem uma renda fixa que cobrisse todas as despesas. Essa dificuldade financeira não foi empecilho para que ela buscasse educar seus dois filhos da melhor forma possível.

Mabel era uma mulher inglesa que havia sido bem educada. Ela conhecia várias línguas como Francês, Alemão e Latim. Além de ter conhecimentos artísticos na pintura e piano, ela sabia trabalhar com botânica. Todo o conhecimento que ela havia aprendido decidiu agora ensinar seus filhos.

Foi assim que entre os anos de 1896 a 1899, J.R.R. Tolkien e seu irmão Hilary Tolkien tiveram a educação domiciliar ministrada por sua mãe e sua tia Jane. Para o próprio autor do Senhor dos Anéis esse foi o período de maior importância em sua vida quanto a sua formação, conforme Tolkien afima “Quatro anos, mas que me pareceram os mais longos da minha vida e que foram os mais importantes na minha formação” (CARPENTER, J.R.R. Tolkien- uma biografia, HarpercollinsBrasil, 2018, p.39).

A biografia escrita por Humphrey Carpenter apresenta detalhes sobre como essa educação domiciliar foi desenvolvida. Mabel concentrava os estudos dos dois filhos em aprender a ler e escrever (o que Tolkien já sabia fazer aos quatro anos) e depois focando no estudo da gramática e línguas.

 

Estudo de Caligrafia

Mabel logo começou a educar os filhos, que não poderiam ter melhor professora – nem ela poderia ter um aluno mais apto que Ronald, que já sabia ler aos 4 anos e logo aprenderia a escrever com perfeição. A caligrafia de Mabel era encantadoramente anticonvencional. Dona da mesma habilidade do pai, ela optou por um estilo vertical e elaborado, ornamentando suas maiúsculas com voltas delicadas. Ronald logo começou a praticar uma letra que, apesar de diferente da mãe, viria a se tornar igualmente elegante e idiossincrática. (CARPENTER, J.R.R. Tolkien- uma biografia, HarpercollinsBrasil, 2018, p.34-35).

O estudo da caligrafia se baseia em proporcionar a escrita mais bela e por isso é considerada uma arte visual. Tolkien usou o que aprendeu com sua mãe ao longo de toda sua vida. Em várias de suas cartas pode-se ver uma letra elaborada e com uma tendência a busca do belo. Além disso, o Tolkien gostava de simular manuscritos medievais para suas obras e usava todo o conhecimento de caligrafia. (Sobre Tolkien e os manuscritos medievais veja esse artigo AQUI).

O conhecimento de caligrafia aprendido por Tolkien também foi utilizado na criação de alfabetos fictícios para os elfos e anões. Em O Senhor dos Anéis podemos verificar o chamado Tengwar, o alfabeto élfico.

Manuscritos de Tolkien em comparação


Estudo das línguas Alemão, Francês e latim

Uma base importantíssima na vida do Tolkien foi o gosto por línguas e isso foi desenvolvido durante a infância com os primeiros estudos realizados com sua mãe. A preferência linguística do Tolkien estava associada aos sons e estética pessoal. Conforme explicou Humphrey Carpenter:

Contudo, suas lições favoritas eram as línguas. Nos primeiros dias em Sarehole a mãe começou a lhe ensinar os fundamentos do latim, e isso o entusiasmou. Estava tão interessado nos sons e nas formas das palavras quanto em seus significados, e ela percebeu que ele tinha uma aptidão especial para línguas. Mabel começou a lhe ensinar francês. Dessa língua ele não gostou tanto – não havia nenhum motivo especial, mas os sons não lhe agradavam tanto quanto os do latim e do inglês. (CARPENTER, J.R.R. Tolkien- uma biografia, HarpercollinsBrasil, 2018, p.35).

O estudo do latim foi fundamental para formar as bases gramaticais e posteriormente a leitura dos livros clássicos. Foi com esse conhecimento que Tolkien leu na juventude as obras de Homero e Virgilio. O latim foi aprimorado cada vez mais a partir da conversão da mãe do Tolkien ao catolicismo no ano de 1900. Assim, o latim foi importante formação religiosa do Tolkien, uma vez que as missas católicas eram realizadas nessa língua.

Família que adota o homeschooll

Desenhos e música

Ela também tentou despertar seu interesse pelo piano, mas sem sucesso. Para ele, aparentemente, as palavras tomavam o lugar da música: gostava de escutá-las, lê-las e recitá-las, quase sem se importar com o que significavam. Era também um bom desenhista, principalmente quando o tema era uma paisagem ou árvore. (CARPENTER, J.R.R. Tolkien- uma biografia, HarpercollinsBrasil, 2018, p.35).

Tolkien não se tornou um músico. Mas constantemente apreciava escutar músicas clássicas.O próprio legendarium do Tolkien inicia com a criação do Universo e sua relação com a música cantada pelos Ainur em glória a Eru Ilúvatar, o Deus único da Terra-média.

Da mesma forma a habilidade de produzir desenhos foi desenvolvida nessa época. Existem diversas pinturas feitas por Tolkien que demonstram seu estilo próprio de ilustrações. Ele usou essa habilidade inclusive para produzir as imagens coloridas em seu livro O Hobbit.

Árvore de Amalion por Tolkien

Botânica e o encantamento por árvores

O amor pela natureza surgiu nessa época dos estudos em casa. Tolkien vivia em uma região muito bonita (que lembra o condado) e o contato com esse ambiente proporcionou o gosto pelo que é natural. As aulas de botânica que teve com sua mãe ampliaram ainda mais esse gosto.

A mãe lhe ensinou um bocado de botânica, ele foi receptivo e logo ficou bastante versado no assunto. Mas, também nesse caso, ele estava mais interessado na forma e na textura das plantas que em seus detalhes botânicos, especialmente no que dizia respeito a árvores. E, apesar de gostar de desenhar árvores, gostava mais ainda de estar com árvores. Subia nelas, encostava-se nelas e até falava com elas. (CARPENTER, J.R.R. Tolkien- uma biografia, HarpercollinsBrasil, 2018, p.35).

O gosto pela árvores se tornou frequente nas histórias que o Tolkien criou. Tanto que estão presentes com ênfase em O Senhor dos Anéis, O Silmarillion e até mesmo no conto Folha de Niggle, onde havia um pintor fazendo um quadro de uma árvore.

 

As disciplinas estudadas por Tolkien no Homeschooling

Esse ensino praticado trouxe ao Tolkien não apenas o conhecimento formal, mas também uma verdadeira paixão por línguas, que mais tarde ele iria utilizar em todas as suas obras e em sua vida como professor universitário.

A única matéria que Mabel não conseguia dominar muito era na área de exatas. Assim, a tia Jane, irmã de Mabel, foi chamada para dar aulas de geometria para os meninos Ronald e Hilary Tolkien. Mas o pequeno Ronald não desenvolveu o gosto pela área de exatas e não se interessava por matemática. Além disso, havia estudos em ciência, história, astronomia, história natural (especialmente botânica e zoologia), paleontologia (ele gostava das imagens com animais pré-históricos), geologia, gramática e etimologia.

Com base nas biografias e informações adicionais pode-se observar as principais disciplinas estudadas por Tolkien foram as listadas abaixo, sendo bem provável que outras matérias foram adicionadas a elas:

1. Línguas

Gramática
Latim
Alemão
Francês
Etimologia

2.Artes

Caligrafia
Desenhos e pintura
Música
Piano

3.Ciências e matemática

Matemática
Botânica
Zoologia
Astronomia
Paleontologia
Geologia
História

Os livros eram lidos em conjunto com a mãe, ou eram lidos de forma individual como tarefa. Mas havia um laço forte entre os filhos e sua mãe. Uma demonstração do quanto Mabel Tolkien foi uma jovem forte e que acreditava na boa educação de seus filhos.

Além das matérias listadas acima, Mabel fornecia diversos livros para que os meninos pudessem ler como forma de descontração. A leitura desses livros era vista como algo fora do estudo, ou seja, livros de entretenimento. (em um próximo artigo serão tratados quais eram esses livros).

Tolkien em 1901

Educação formal acompanhada do ensino doméstico

Pelo fato de ser viúva e sem uma renda apropriada, Mabel Tolkien precisava ter algum trabalho e teria que deixar os filhos por algum tempo. Foi com o crescimento do Tolkien que Mabel decidiu que ele deveria estudar em uma escola formal. Mabel acreditava que a educação fornecida pela escola de gramática de Birmingham poderia ampliar o que havia ensinado ao Tolkien.

Ao começar os estudos na King’s Edward em 1900, Tolkien ainda assim não deixou de ser acompanhado por sua mãe, que lhe fornecia livros para ler e que, dentro do possível, discutiam alguns assuntos dados na escola.

Infelizmente, Mabel Tolkien foi diagnosticada com diabetes, que na época não havia um tratamento eficaz, e veio a falecer em 1904, deixando os dois filhos Ronald e Hilary Tolkien, agora órfãos de pai e mãe. Antes de morrer, Mabel deixou os filhos aos cuidados de um padre. Ela queria que eles continuassem a seguir sua religião católica. O Padre Francis Morgan assumiu a responsabilidade pela educação dos dois meninos até eles atingirem a maioridade. E foi com ele que Tolkien aprendeu muitas coisas, especialmente um encanto pelas línguas latinas, o espanhol.

A raiz de tudo foi com a mãe do Tolkien, onde ele chegou a afirmar em carta que “é graças a minha mãe que me ensinou (até eu obter uma bolsa na antiga escola de gramática em Birmingham) que eu devo meus gostos por filologia, especialmente línguas germânicas e por romance[5] Pode-se dizer claramente que sem o ensino domiciliar fornecido pela mãe do Tolkien ele não teria desenvolvido as obras literárias que encantaram o mundo.

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Em um próximo artigo será tratado quais os livros Tolkien leu durante esse período de educação domiciliar.

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NOTAS:

[1] Dear rulers…I maintain that the civil authorities are under obligation to compel the people to send their children to school…. If the government can compel such citizens as are fit for military service to bear spear and rifle, to mount ramparts, and perform other martial duties in time of war, how much more has it a right to compel the people to send their children to school, because in this case we are warring with the devil, whose object it is secretly to exhaust our cities and principalities of their strong men. (PERRIN, John William. The History of Compulsory Education in New England, 1896, p.6).
[2] Pertencem a essa classe não só os grandes estadistas, como também todos os grandes reformadores. Ao lado de Frederico, o Grande, figura aqui Martinho Lutero, bem como Ricardo Wagner. (HITLER, Minha Luta, p.159)
[3] Allgemeine Schulpflicht. Im Deutschen Reich besteht allgemeine Schulpflicht. Sie sichert die Erziehung und Unterweisung der deutschen Jugend im Geiste des Nationalsozialismus. Ihr sind alle Kinder und Jugendlichen deutscher Staatsangehörigkeit unterworfen, die im Inlande ihren Wohnsitz oder gewöhnlichen Aufenthalt haben. (Reichsschulpflichtgesetz vom 6. Juli 1938).
[4] Schulzwang. Kinder und Jugendliche, welche die Pflicht zum Besuch der Volks- oder Berufsschule nicht erfüllen, werden der Schule zwangsweise zugeführt. Hierbei kann die Hilfe der Polizei in Anspruch genommen werden. Strafbestimmungen. Wer den Bestimmungen über die Schulpflicht vorsätzlich oder fahrlässig zuwiderhandelt, wird mit Geldstrafe bis zu 150 Reichsmark oder mit Haft bestraft, sofern nicht nach anderen Gesetzen eine höhere Strafe verwirkt ist. (Reichsschulpflichtgesetz vom 6. Juli 1938).
[5] “to my mother who taught me (until I obtained a scholarship at the ancient Grammar School in Birmingham) that I owe my tastes for philology, especially of Germanic languages, and for romance”. (Letters, p. 218).

Biografia

Educação Clássica: o estudo que Tolkien teve e que nós perdemos!

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by Eduardo Stark

Que a educação brasileira se encontra entre os mais baixos índices no mundo não é novidade para ninguém. Muitos professores, desesperançados, acreditam que a tendência é piorar ainda mais, chegando a um ponto insustentável. Alguns estudiosos já começam a dizer que a educação como está sendo feita prejudica a vida das pessoas. Mas como se chegou a esse nível?

Se você conhece alguma pessoa mais idosa que teve seus estudos iniciais antes da década de 80 do século XX provavelmente ele irá dizer que: “naquela época a educação era boa nas escolas públicas” ou algo nesse sentido. Acontece que essa impressão surge pelo fato de se comparar a escola atual com aquela escola que estava já em decadência. Antes da escola de nossos avós existia uma educação que nós não tivemos acesso e que nossos avós viram os últimos suspiros.

O curioso é que essa educação “antiga” foi a que educou os maiores nomes da história da humanidade no ocidente. Eles tiveram acesso e usaram seus valores em suas vidas e obras. Pense em nomes de grandes pessoas antes de 1920 e provavelmente elas terão algo em comum: A Educação clássica.

A lista de nomes conhecidos que tiveram esse tipo de educação é gigante e impossível de elencar todos aqui. Mas apenas para se ter uma ideia pense em:  Galileu, Shakespeare, Charles Darwin, Albert Einstein, Leonardo da Vinci, Martinho Lutero, G.K. Chesterton, Lewis Carrol, C.S. Lewis, e especialmente o nosso querido John Ronald Reuel Tolkien.

O professor Tolkien viveu em uma época que as coisas estavam mudando com uma rapidez incompreensível. O século XX foi o período que grandes mudanças foram realizadas em todos os campos da vida do homem comum. A tecnologia avançou rapidamente, a mentalidade geral foi alterada e tudo o que o Tolkien havia estudado, e que ele gostava muito, parecia ser algo tão distante e desprezado por qualquer pessoa que se dizia moderna. Tolkien se sentia como alguém inadequado ao seu tempo.

Tolkien foi um professor de Oxford e outras universidades. Ele era visto com certo preconceito por partes de seus colegas professores por ser católico em um país predominante anglicano. Além disso, ele não era apenas um católico simples, na verdade era um medievalista e estudioso de obras clássicas. Isso o colocava quase que automaticamente no rol de “dinossauros de Oxford”.  Não por acaso que Tolkien chegou a afirmar o seguinte:

 “Nascemos numa era de trevas e fora do (nosso) devido tempo. Mas existe o seguinte consolo: se assim fosse, não conheceríamos, ou não amaríamos tanto, aquilo que amamos. Imagino que o peixe fora da água seja o único peixe a pressentir a água” (Carta 52, para Christopher Tolkien, 9 de novembro de 1943).

Antes de Tolkien se aposentar como professor em 1959, havia a tendência entre os universitários em aderir a ideias recém vindas do iluminismo e as novas de Freud e Karl Marx e outros modernos. Isso trouxe implicações diretas no meio de convívio de Tolkien. As universidades passavam por reformas constantes de suas grades curriculares e debates intermináveis eram feitos com a finalidade de revolucionar a educação. E nesses ciclos de debates o Tolkien apresentava suas ideias e as defendia com convicção. Contudo, atualmente quem é mais reconhecido por esse enfrentamento de ideias é o C.S. Lewis. Lewis foi um grande amigo do Tolkien e junto com ele foi também um grande crítico das mudanças na educação.

Do que trata a educação clássica

É complicado resumir o que esse grande patrimônio intelectual pode tratar. Mas em princípio a educação clássica está relacionada a constante busca pela verdade que todo ser humano tem. A admiração ou espanto em relação a nossa realidade faz com que busquemos entender as coisas e para que isso seja feito de uma forma interessante é necessário ferramentas intelectuais.

Se a busca pela verdade é algo que está em todos os seres humanos. Logo, é necessário que haja uma liberdade de pensamento para que as pessoas possam desenvolver seus raciocínios. Porém, para que essa liberdade seja proporcionada é necessário que se aprenda a justamente raciocinar ao seu modo. É nesse ponto que a Educação Clássica também é chamada de Educação Liberal, pois ela tem como um de seus objetivos proporcionar a capacidade de emancipação intelectual e individual.

Essa busca pela sabedoria é tão antiga quanto o próprio ser humano.  Com os filósofos gregos antigos a base de nossas ideias ocidentais foram sendo desenvolvidas até os moldes atuais. É nesse ponto que começa o estudo da educação clássica: uma busca por entender o que as melhores mentes passadas trataram sobre determinados assuntos de importância universal. Afinal, se grandes homens pensaram sobre determinado assunto é de se notar o que eles disseram.

A educação clássica está relacionada a aprender as ferramentas intelectuais para a busca da verdade e as ideias dos grandes pensadores anteriores.

Além disso, existe também o aspecto de proteção civilizacional. Sempre que um novo ser humano nasce ele está sem ideias formadas em sua complexidade. A cada nova vida tudo se inicia e a criança vem com a sua inocência ao mundo. Dessa forma, cabe à sociedade e a família proporcionar ao novo ser tudo aquilo que irá lhe dar o status de pessoa humana.

Essa ideia de herança cultural e intelectual é o que nos torna diferentes dos animais.  Um gato ao nascer é apenas um gato e o que ele aprender com ele (se for possível) não será transmitido aos seus filhotes. Dessa forma, toda vez que nascer um gato tudo será novamente refeito do início. Com o ser humano há a possibilidade de continuarmos ou mesmo herdar aquilo que nossos antepassados nos legaram. Se fossemos como os gatos haveria ainda uma forma primitiva de civilização e os avanços seriam quase impossíveis.

Em um claro conceito do que seria Educação Clássica, Mark Cotlin, editor da Classical Teaching Magazine e diretor da Classical Latin School Association, apresenta o seguinte:

Educação Clássica é o cultivo da sabedoria e virtude através do estudo dos Grandes Livros e as Artes Liberais com a finalidade de transmitir e preservar a Civilização Ocidental.

Os Grandes Livros são aqueles livros considerados clássicos na história e que tiveram papéis de relevância nos assuntos de âmbito intelectual. A educação clássica implica em ler os clássicos um por um e examinar as ideias dos pensadores anteriores e confrontar com suas ideias, debater e tirar conclusões sobre esses livros. A escolha da leitura das obras tem inicio normalmente em ordem cronológica, iniciando pelos gregos antigos Homero, Platão, Aristóteles e passando por vários autores ao longo dos últimos dois mil anos, chegando aos mais recentes como Karl Marx, Freud, Einstein e outros. Com a leitura das obras na sua fonte o individuo pode formar suas próprias conclusões usando suas ferramentas intelectuais das artes liberais.

As Artes Liberais são as disciplinas que possibilitam entender o mundo. Está dividida em dois grupos: o Trivium (gramática, lógica e retórica) e o Quadrivium (Geometria, Aritmética, Música e Astronomia). Com o conhecimento dessas disciplinas o estudante passa a saber lidar com a comunicação e como entender as formas do mundo e pode agora passar aos estudos mais específicos ou mesmo seguir alguma carreira profissional.

O que isso tem a ver com J.R.R. Tolkien?

Seria muito complicado resumir a quantidade de referências a obras clássicas que Tolkien colocou em suas obras. Pois as obras estão cheias e impregnadas de tudo relacionado a filosofia, teologia, literatura e outros ramos.  

Inicialmente, o autor aprendeu com sua mãe ensinamentos de línguas, lógica e literatura. E depois desenvolveu os estudos clássicos na escola King’s Edward. O fato de Tolkien ter sido criado por um padre jesuíta após a morte de sua mãe implicou em um estudo teológico completo. Tendo uma leitura dos bons autores gregos e os livros de Patrística, Escolástica e vida dos santos medievais da Igreja Católica.

As obras do Tolkien estão cheias de referências a Platão, Aristóteles, Santo Agostinho, Santo Tomás de Aquino. Especialmente em O Silmarillion há claras referências a esses filósofos.  A tese de P.H.D em filosofia de Jonathan S. Mcintosh para a University of Dallas, Texas em 2009, se tornou um livro de referência quanto a apontar e explicar essas influências nas obras do Tolkien. A tese se tornou o livro intitulado “The Flame Imperishable: Tolkien St. Thomas and the Metaphysics of Faërie” publicado pela editora Angelico Press em 2017.

The Flame Imperishable

O primeiro gosto literário pelos épicos surgiu com a leitura de Homero. Conforme Tolkien afirmou: “Fui educado nos Clássicos, e descobri pela primeira vez a sensação do prazer literário em Homero” (Carta 147, para Robert Murray, 2 de dezembro de 1953). Em diversas cartas ele menciona os livros clássicos e os comentava com seus amigos. O fato de ser professor de Oxford implicava em ler atentamente as obras da antiguidade e medieval.

As línguas antigas é outro aspecto da educação clássica que foi usado por Tolkien. Para os elfos o autor desenvolveu várias línguas artificiais e usou como uma das fontes o Latim para o élfico Quenya. Diversos textos do latim foram traduzidos para o Quenya e a estrutura gramatical teve forte influência a ponto de se considerar o Quenya como o “latim dos elfos”.

Além de todas as influências colocadas na obra, há claras referências a noções que são vindas da educação clássica. A ideia de que se deve preservar a cultura e os ensinamentos dos antepassados é recorrente em O Senhor dos Anéis em várias citações dos personagens. Os heróis em o Senhor dos Anéis são aqueles que preservam sua cultura diante de ameaça de destruição total. Aragorn era um grande erudito e também Faramir, Frodo e Bilbo. Os protagonistas entendem de história e ideias do seu mundo, ao passo que outros coadjuvantes nem sempre preservam a cultura. Essa noção foi bastante reduzida nos filmes e incomodou Christopher Tolkien, filho do autor do Hobbit, que criticou os filmes por reduzir os aspectos filosóficos.

Esse temor estava presente entre os europeus na idade média, que constantemente se viam ameaçados por invasões de povos bárbaros e islâmicos. Preservar os ensinamentos dos antepassados era um ato de resistência propriamente. Foi dentro desse e outros aspectos que a Educação Clássica se consolidou. Preservar o conhecimento era vital para se evitar declínio e perca do acumulo do saber anterior. Em tempos mais recentes, com a ameaça de destruição total da humanidade com a Bomba Atômica em 1945, esse sentimento voltou em todo o mundo. A possibilidade de que cidades inteiras poderiam virar poeira trouxe o temor de que a cultura e tudo o que foi construído até aqui fosse perdido e o ser humano retornaria ao início de tudo. Contudo, mesmo diante dessa ameaça, o ensino clássico foi negligenciado por muito tempo.

Apontar todas as referências a obras clássicas e as ideias de educação clássica colocadas nas obras do Tolkien demandaria um trabalho de muitas laudas, mas talvez possa se ter uma noção com os pontos apresentados acima. Mas basta deixar claro que essa foi a educação que ele teve quando jovem e que usou vários elementos em sua vida adulta como profissional e especialmente em suas obras. Se o bom leitor de Tolkien realmente pretende entender as obras com toda a profundidade que ela exige é uma necessidade estudar os clássicos.

Além de ser um defensor da Educação Clássica, Tolkien teve como amiga pessoal Dorothy Sayers que desenvolveu um importante papel na Educação Clássica, como será visto adiante.

 

Origem, declínio e renascer da educação clássica

A educação clássica é muito antiga e suas origens precisas são incertas, mas pode-se dizer que sua formação teve inicio com os gregos antigos e foi sendo aprimorada na Idade Média.

A importância educacional se fortaleceu com o período de governança de Carlos Magno (768-814), rei dos francos que se tornou imperador e dominante sobre quase toda a Europa. Carlos Magno pretendia restaurar as bases do antigo Império Romano Cristão e tratou de valorizar a educação de jovens com base nas artes liberais. Algumas pessoas costumam comparar o personagem Aragorn com a figura real do Carlos Magno…

Com o surgimento das primeiras Universidades pela Europa fundadas pela Igreja Católica, a educação clássica foi fundamental na estrutura curricular. A própria Universidade de Oxford, onde o Tolkien foi professor, é uma das mais antigas instituições de ensino da Europa tendo quase mil anos de existência.

A educação clássica foi utilizada ao longo de vários séculos. Havia várias reformas e criticas Durante o período pós-idade média. Até que os intelectuais do movimento iluminista passaram a criticar essa forma de ensino e apontar novos meios de educação. Com isso, novas ideias foram sendo desenvolvidas com a pretensão de especialmente desvincular a educação de qualquer ligação com a antiguidade e a idade média, retirando o ensino cristão. Alguns cursos mantiveram a educação clássica, porém se retirava da lista de livros os autores cristãos. Dessa forma havia um estudo dos gregos antigos e ao se chegar no período inicial da idade média havia um silêncio bibliográfico e a leitura passava a recomeçar em Maquiavel no período moderno.

A adoção das ideias iluministas e a repercussão da Revolução Francesa moldaram o pensamento contemporâneo e isso foi sendo colocado também nas escolas. Até que no final do século XIX e início do século XX grande parte do ensino havia abandonado a educação clássica que havia produzido centenas de grandes nomes.

Cardeal Newman

Ainda na metade do século XIX, John Henry Newman, que era um sacerdote e acadêmico, defendia que a educação clássica precisava ser preservada. Newman chegou a atingir altos postos no clero anglicano e depois acabou se convertendo ao Catolicismo, se tornando cardeal e importante figura do “Movimento de Oxford”. Fundou várias Igrejas por todo o Reino Unido, dentre eles o oratório de Birmingham, onde o tutor do Tolkien Pe. Francis Morgan operava como sacerdote no final do século XIX. As ideias de Newman passadas ao Pe. Francis Morgan certamente chegaram ao escritor do Hobbit e O Senhor dos Anéis.

O abandono da Educação Clássica se acentuou com início da Primeira Guerra Mundial. O mundo estava em tempos de alto pragmatismo e os reformadores aproveitaram o momento para mudar o ensino. Foi assim que no início do século XX as primeiras escolas como conhecemos atualmente surgiram.

A reação dessas mudanças educacionais, especialmente nos Estados Unidos, começaram nas Universidade de Columbia e  Universidade de Chicago. Onde os professores Mark van Doren, Robert Hutchins e Mortimer J. Adler defendiam a educação clássica e a leitura dos Grandes Livros. Fruto desse movimento é que surgiu a Irmã Miriam Joseph, como defensora do ensino clássico e do Trivium em 1937. Os métodos educacionais foram aplicados em âmbito católico nos Estados Unidos. Enquanto Mortimer Adler e Robert Hutchins ao longo do século XX promoveram a Enciclopédia Britânica e a coleção de Grandes Livros da Civilização Ocidental.

Livro sobre o Trivium da editora É realizações.

Os regimes autoritários do século XX (nazismo, socialismo, fascismo) apresentaram um novo modelo educacional (usando vários modelos do iluminismo e Educação Moderna) onde os jovens eram constantemente testados pelo professor e os ensinamentos eram voltados com a finalidade política. O questionamento e a busca individual pelo conhecimento eram substituídos pela coletivização da classe escolar. E o professor era a autoridade inquestionável por ser o representante do Estado e das ideias defendidas por seus líderes. Nesses regimes as escolas que ainda utilizavam formas da educação clássica eram rapidamente eliminadas.

É justamente nesse ponto que se faz a clara diferença entre a Educação Clássica e a Educação Moderna. Na Educação Clássica se busca a investigação da verdade e o constante questionamento e aprofundamento dos temas. Enquanto que na Educação Moderna são apenas passadas informações prontas pelo professor em sala de aula, sendo o estudante testado se memorizou tais informações. Na Educação Moderna não se busca a emancipação individual e o melhoramento como pessoa, o jovem se torna uma máquina de informações, mas não consegue entender ou concluir raciocínios e pensar por si mesmo.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial havia esperanças de inovações nas escolas. Porém, a Educação Clássica não parecia ser levada em consideração, uma vez que a UNESCO apresentava (e ainda apresenta) ideias educacionais relacionadas a educação moderna.

Escola Moderna na época do Nazismo

Dorothy Sayers, a amiga do Tolkien que iniciou o renascer da educação clássica

Foi justamente uma amiga próxima de J.R.R. Tolkien que trouxe as bases para a educação clássica ser restaurada. Dorothy Sayers (1893 – 1951) foi uma importante escritora de livros de investigação criminal e poesia. Especializou-se em estudos dos clássicos e é responsável por uma das melhores traduções da Divina Comédia para a língua Inglesa.  Sayers estava no ciclo de amizades de C.S. Lewis e J.R.R. Tolkien. A proximidade é tão intensa que muitos a colocam na posição de “A Inkling feminina”.

Embora não fosse uma educadora propriamente, Dorothy Sayers escreveu e apresentou um ensaio sobre a educação e os rumos que ela poderia tomar, tendo como o foco a educação clássica. O ensaio é o “The Lost Tools of Learning” de 1947. O ensaio foi um verdadeiro tapa de luva na classe acadêmica da época tendo repercussões no meio. Contudo, com o passar do tempo não foi devidamente relembrado, até que em 1991 Douglas J. Wilson publicou o livro “Recovering the Lost Tools of Learning” que inspirou um grande número de escolas cristãs primárias e secundárias e até mesmo a faculdade New Saint Andrews, que organizou a Association of Classical and Christian Schools.

A partir desse movimento tendo como base os escritos de Dorothy Sayers é que foi se restaurando a Educação Clássica em diversas escolas e universidades. Foi desse período que foi ampliado o chamado “homeschooling”, que é a educação clássica feita em casa para as crianças.

O ensaio completo da Dorothy Sayers foi reproduzido na integra AQUI. Com tradução e comentários de Gabriele Greggersen, a tradutora e especialista em C.S. Lewis.

Dorothy Sayers

Iniciando a Educação Clássica no Brasil

O Brasil demonstra um inicio de restauração da Educação Clássica, especialmente entre os cristãos católicos. O uso da Internet para propagar os ensinamentos é frequente.

O site Escola de Artes Liberais (http://escoladeartesliberais.com.br) apresenta uma série de artigos explicando o desenvolvimento da Educação Clássica. E dentro do mesmo âmbito a Confraria de Arte Liberais também exerce papel restaurador.

A Escola Tomista (http://estudostomistas.org/) do professor Carlos Nougué apresenta ensinamentos basilares para se formar o Trivium, com um enfoque nos ensinamentos de Santo Tomás de Aquino.

Sobre leitura de obras clássicas no modelo proposto por Mortimer J. Adler existe o canal criado por mim mesmo (sim, o administrador do site Tolkien Brasil tem um outro canal sobre clássicos) que pode ser acessado AQUI.

E mais recentemente foi fundada a UNIVERSIDADE SÃO JERONIMO (http://saojeronimo.org/sobre) que oferece cursos para aqueles que desejam se aprofundar nos ensinamentos católicos clássicos. Tendo aulas de filosofia, teologia, direito e línguas antigas como o Latim. O interessante desse site é que oferece a plataforma gratuita para o aluno ou mesmo uma plataforma paga por um preço acessível.

A Universidade São Jerônimo visa resgatar muito do saber cristão que foi negligenciado ou mesmo esquecido. Com isso parece atender o que J.R.R. Tolkien disse em carta:

“o principal propósito da vida, para qualquer um de nós, é aumentar, de acordo com nossa capacidade, nosso conhecimento de Deus por todos os meios que tivermos, e ficarmos comovidos por tal conhecimento para louvar e agradecer.” (Carta 310, para Camilla Unwin, 20 de maio de 1969).

O Professor Clístenes Hafner através de seus cursos de línguas na sua escola clássica traz um verdadeiro renascimento do estudo do Latim e grego. Os métodos utilizados são interessantes para aprimorar o conhecimento linguístico e o raciocínio.

Existem outros cursos e sites, mas levem em consideração que esse texto não tem o objetivo de exaurir o tema e cabe ao leitor procurar livros e meios para se aprofundar.