Biografia

Educação Clássica: o estudo que Tolkien teve e que nós perdemos!

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by Eduardo Stark

Que a educação brasileira se encontra entre os mais baixos índices no mundo não é novidade para ninguém. Muitos professores, desesperançados, acreditam que a tendência é piorar ainda mais, chegando a um ponto insustentável. Alguns estudiosos já começam a dizer que a educação como está sendo feita prejudica a vida das pessoas. Mas como se chegou a esse nível?

Se você conhece alguma pessoa mais idosa que teve seus estudos iniciais antes da década de 80 do século XX provavelmente ele irá dizer que: “naquela época a educação era boa nas escolas públicas” ou algo nesse sentido. Acontece que essa impressão surge pelo fato de se comparar a escola atual com aquela escola que estava já em decadência. Antes da escola de nossos avós existia uma educação que nós não tivemos acesso e que nossos avós viram os últimos suspiros.

O curioso é que essa educação “antiga” foi a que educou os maiores nomes da história da humanidade no ocidente. Eles tiveram acesso e usaram seus valores em suas vidas e obras. Pense em nomes de grandes pessoas antes de 1920 e provavelmente elas terão algo em comum: A Educação clássica.

A lista de nomes conhecidos que tiveram esse tipo de educação é gigante e impossível de elencar todos aqui. Mas apenas para se ter uma ideia pense em:  Galileu, Shakespeare, Charles Darwin, Albert Einstein, Leonardo da Vinci, Martinho Lutero, G.K. Chesterton, Lewis Carrol, C.S. Lewis, e especialmente o nosso querido John Ronald Reuel Tolkien.

O professor Tolkien viveu em uma época que as coisas estavam mudando com uma rapidez incompreensível. O século XX foi o período que grandes mudanças foram realizadas em todos os campos da vida do homem comum. A tecnologia avançou rapidamente, a mentalidade geral foi alterada e tudo o que o Tolkien havia estudado, e que ele gostava muito, parecia ser algo tão distante e desprezado por qualquer pessoa que se dizia moderna. Tolkien se sentia como alguém inadequado ao seu tempo.

Tolkien foi um professor de Oxford e outras universidades. Ele era visto com certo preconceito por partes de seus colegas professores por ser católico em um país predominante anglicano. Além disso, ele não era apenas um católico simples, na verdade era um medievalista e estudioso de obras clássicas. Isso o colocava quase que automaticamente no rol de “dinossauros de Oxford”.  Não por acaso que Tolkien chegou a afirmar o seguinte:

 “Nascemos numa era de trevas e fora do (nosso) devido tempo. Mas existe o seguinte consolo: se assim fosse, não conheceríamos, ou não amaríamos tanto, aquilo que amamos. Imagino que o peixe fora da água seja o único peixe a pressentir a água” (Carta 52, para Christopher Tolkien, 9 de novembro de 1943).

Antes de Tolkien se aposentar como professor em 1959, havia a tendência entre os universitários em aderir a ideias recém vindas do iluminismo e as novas de Freud e Karl Marx e outros modernos. Isso trouxe implicações diretas no meio de convívio de Tolkien. As universidades passavam por reformas constantes de suas grades curriculares e debates intermináveis eram feitos com a finalidade de revolucionar a educação. E nesses ciclos de debates o Tolkien apresentava suas ideias e as defendia com convicção. Contudo, atualmente quem é mais reconhecido por esse enfrentamento de ideias é o C.S. Lewis. Lewis foi um grande amigo do Tolkien e junto com ele foi também um grande crítico das mudanças na educação.

Do que trata a educação clássica

É complicado resumir o que esse grande patrimônio intelectual pode tratar. Mas em princípio a educação clássica está relacionada a constante busca pela verdade que todo ser humano tem. A admiração ou espanto em relação a nossa realidade faz com que busquemos entender as coisas e para que isso seja feito de uma forma interessante é necessário ferramentas intelectuais.

Se a busca pela verdade é algo que está em todos os seres humanos. Logo, é necessário que haja uma liberdade de pensamento para que as pessoas possam desenvolver seus raciocínios. Porém, para que essa liberdade seja proporcionada é necessário que se aprenda a justamente raciocinar ao seu modo. É nesse ponto que a Educação Clássica também é chamada de Educação Liberal, pois ela tem como um de seus objetivos proporcionar a capacidade de emancipação intelectual e individual.

Essa busca pela sabedoria é tão antiga quanto o próprio ser humano.  Com os filósofos gregos antigos a base de nossas ideias ocidentais foram sendo desenvolvidas até os moldes atuais. É nesse ponto que começa o estudo da educação clássica: uma busca por entender o que as melhores mentes passadas trataram sobre determinados assuntos de importância universal. Afinal, se grandes homens pensaram sobre determinado assunto é de se notar o que eles disseram.

A educação clássica está relacionada a aprender as ferramentas intelectuais para a busca da verdade e as ideias dos grandes pensadores anteriores.

Além disso, existe também o aspecto de proteção civilizacional. Sempre que um novo ser humano nasce ele está sem ideias formadas em sua complexidade. A cada nova vida tudo se inicia e a criança vem com a sua inocência ao mundo. Dessa forma, cabe à sociedade e a família proporcionar ao novo ser tudo aquilo que irá lhe dar o status de pessoa humana.

Essa ideia de herança cultural e intelectual é o que nos torna diferentes dos animais.  Um gato ao nascer é apenas um gato e o que ele aprender com ele (se for possível) não será transmitido aos seus filhotes. Dessa forma, toda vez que nascer um gato tudo será novamente refeito do início. Com o ser humano há a possibilidade de continuarmos ou mesmo herdar aquilo que nossos antepassados nos legaram. Se fossemos como os gatos haveria ainda uma forma primitiva de civilização e os avanços seriam quase impossíveis.

Em um claro conceito do que seria Educação Clássica, Mark Cotlin, editor da Classical Teaching Magazine e diretor da Classical Latin School Association, apresenta o seguinte:

Educação Clássica é o cultivo da sabedoria e virtude através do estudo dos Grandes Livros e as Artes Liberais com a finalidade de transmitir e preservar a Civilização Ocidental.

Os Grandes Livros são aqueles livros considerados clássicos na história e que tiveram papéis de relevância nos assuntos de âmbito intelectual. A educação clássica implica em ler os clássicos um por um e examinar as ideias dos pensadores anteriores e confrontar com suas ideias, debater e tirar conclusões sobre esses livros. A escolha da leitura das obras tem inicio normalmente em ordem cronológica, iniciando pelos gregos antigos Homero, Platão, Aristóteles e passando por vários autores ao longo dos últimos dois mil anos, chegando aos mais recentes como Karl Marx, Freud, Einstein e outros. Com a leitura das obras na sua fonte o individuo pode formar suas próprias conclusões usando suas ferramentas intelectuais das artes liberais.

As Artes Liberais são as disciplinas que possibilitam entender o mundo. Está dividida em dois grupos: o Trivium (gramática, lógica e retórica) e o Quadrivium (Geometria, Aritmética, Música e Astronomia). Com o conhecimento dessas disciplinas o estudante passa a saber lidar com a comunicação e como entender as formas do mundo e pode agora passar aos estudos mais específicos ou mesmo seguir alguma carreira profissional.

O que isso tem a ver com J.R.R. Tolkien?

Seria muito complicado resumir a quantidade de referências a obras clássicas que Tolkien colocou em suas obras. Pois as obras estão cheias e impregnadas de tudo relacionado a filosofia, teologia, literatura e outros ramos.  

Inicialmente, o autor aprendeu com sua mãe ensinamentos de línguas, lógica e literatura. E depois desenvolveu os estudos clássicos na escola King’s Edward. O fato de Tolkien ter sido criado por um padre jesuíta após a morte de sua mãe implicou em um estudo teológico completo. Tendo uma leitura dos bons autores gregos e os livros de Patrística, Escolástica e vida dos santos medievais da Igreja Católica.

As obras do Tolkien estão cheias de referências a Platão, Aristóteles, Santo Agostinho, Santo Tomás de Aquino. Especialmente em O Silmarillion há claras referências a esses filósofos.  A tese de P.H.D em filosofia de Jonathan S. Mcintosh para a University of Dallas, Texas em 2009, se tornou um livro de referência quanto a apontar e explicar essas influências nas obras do Tolkien. A tese se tornou o livro intitulado “The Flame Imperishable: Tolkien St. Thomas and the Metaphysics of Faërie” publicado pela editora Angelico Press em 2017.

The Flame Imperishable

O primeiro gosto literário pelos épicos surgiu com a leitura de Homero. Conforme Tolkien afirmou: “Fui educado nos Clássicos, e descobri pela primeira vez a sensação do prazer literário em Homero” (Carta 147, para Robert Murray, 2 de dezembro de 1953). Em diversas cartas ele menciona os livros clássicos e os comentava com seus amigos. O fato de ser professor de Oxford implicava em ler atentamente as obras da antiguidade e medieval.

As línguas antigas é outro aspecto da educação clássica que foi usado por Tolkien. Para os elfos o autor desenvolveu várias línguas artificiais e usou como uma das fontes o Latim para o élfico Quenya. Diversos textos do latim foram traduzidos para o Quenya e a estrutura gramatical teve forte influência a ponto de se considerar o Quenya como o “latim dos elfos”.

Além de todas as influências colocadas na obra, há claras referências a noções que são vindas da educação clássica. A ideia de que se deve preservar a cultura e os ensinamentos dos antepassados é recorrente em O Senhor dos Anéis em várias citações dos personagens. Os heróis em o Senhor dos Anéis são aqueles que preservam sua cultura diante de ameaça de destruição total. Aragorn era um grande erudito e também Faramir, Frodo e Bilbo. Os protagonistas entendem de história e ideias do seu mundo, ao passo que outros coadjuvantes nem sempre preservam a cultura. Essa noção foi bastante reduzida nos filmes e incomodou Christopher Tolkien, filho do autor do Hobbit, que criticou os filmes por reduzir os aspectos filosóficos.

Esse temor estava presente entre os europeus na idade média, que constantemente se viam ameaçados por invasões de povos bárbaros e islâmicos. Preservar os ensinamentos dos antepassados era um ato de resistência propriamente. Foi dentro desse e outros aspectos que a Educação Clássica se consolidou. Preservar o conhecimento era vital para se evitar declínio e perca do acumulo do saber anterior. Em tempos mais recentes, com a ameaça de destruição total da humanidade com a Bomba Atômica em 1945, esse sentimento voltou em todo o mundo. A possibilidade de que cidades inteiras poderiam virar poeira trouxe o temor de que a cultura e tudo o que foi construído até aqui fosse perdido e o ser humano retornaria ao início de tudo. Contudo, mesmo diante dessa ameaça, o ensino clássico foi negligenciado por muito tempo.

Apontar todas as referências a obras clássicas e as ideias de educação clássica colocadas nas obras do Tolkien demandaria um trabalho de muitas laudas, mas talvez possa se ter uma noção com os pontos apresentados acima. Mas basta deixar claro que essa foi a educação que ele teve quando jovem e que usou vários elementos em sua vida adulta como profissional e especialmente em suas obras. Se o bom leitor de Tolkien realmente pretende entender as obras com toda a profundidade que ela exige é uma necessidade estudar os clássicos.

Além de ser um defensor da Educação Clássica, Tolkien teve como amiga pessoal Dorothy Sayers que desenvolveu um importante papel na Educação Clássica, como será visto adiante.

 

Origem, declínio e renascer da educação clássica

A educação clássica é muito antiga e suas origens precisas são incertas, mas pode-se dizer que sua formação teve inicio com os gregos antigos e foi sendo aprimorada na Idade Média.

A importância educacional se fortaleceu com o período de governança de Carlos Magno (768-814), rei dos francos que se tornou imperador e dominante sobre quase toda a Europa. Carlos Magno pretendia restaurar as bases do antigo Império Romano Cristão e tratou de valorizar a educação de jovens com base nas artes liberais. Algumas pessoas costumam comparar o personagem Aragorn com a figura real do Carlos Magno…

Com o surgimento das primeiras Universidades pela Europa fundadas pela Igreja Católica, a educação clássica foi fundamental na estrutura curricular. A própria Universidade de Oxford, onde o Tolkien foi professor, é uma das mais antigas instituições de ensino da Europa tendo quase mil anos de existência.

A educação clássica foi utilizada ao longo de vários séculos. Havia várias reformas e criticas Durante o período pós-idade média. Até que os intelectuais do movimento iluminista passaram a criticar essa forma de ensino e apontar novos meios de educação. Com isso, novas ideias foram sendo desenvolvidas com a pretensão de especialmente desvincular a educação de qualquer ligação com a antiguidade e a idade média, retirando o ensino cristão. Alguns cursos mantiveram a educação clássica, porém se retirava da lista de livros os autores cristãos. Dessa forma havia um estudo dos gregos antigos e ao se chegar no período inicial da idade média havia um silêncio bibliográfico e a leitura passava a recomeçar em Maquiavel no período moderno.

A adoção das ideias iluministas e a repercussão da Revolução Francesa moldaram o pensamento contemporâneo e isso foi sendo colocado também nas escolas. Até que no final do século XIX e início do século XX grande parte do ensino havia abandonado a educação clássica que havia produzido centenas de grandes nomes.

Cardeal Newman

Ainda na metade do século XIX, John Henry Newman, que era um sacerdote e acadêmico, defendia que a educação clássica precisava ser preservada. Newman chegou a atingir altos postos no clero anglicano e depois acabou se convertendo ao Catolicismo, se tornando cardeal e importante figura do “Movimento de Oxford”. Fundou várias Igrejas por todo o Reino Unido, dentre eles o oratório de Birmingham, onde o tutor do Tolkien Pe. Francis Morgan operava como sacerdote no final do século XIX. As ideias de Newman passadas ao Pe. Francis Morgan certamente chegaram ao escritor do Hobbit e O Senhor dos Anéis.

O abandono da Educação Clássica se acentuou com início da Primeira Guerra Mundial. O mundo estava em tempos de alto pragmatismo e os reformadores aproveitaram o momento para mudar o ensino. Foi assim que no início do século XX as primeiras escolas como conhecemos atualmente surgiram.

A reação dessas mudanças educacionais, especialmente nos Estados Unidos, começaram nas Universidade de Columbia e  Universidade de Chicago. Onde os professores Mark van Doren, Robert Hutchins e Mortimer J. Adler defendiam a educação clássica e a leitura dos Grandes Livros. Fruto desse movimento é que surgiu a Irmã Miriam Joseph, como defensora do ensino clássico e do Trivium em 1937. Os métodos educacionais foram aplicados em âmbito católico nos Estados Unidos. Enquanto Mortimer Adler e Robert Hutchins ao longo do século XX promoveram a Enciclopédia Britânica e a coleção de Grandes Livros da Civilização Ocidental.

Livro sobre o Trivium da editora É realizações.

Os regimes autoritários do século XX (nazismo, socialismo, fascismo) apresentaram um novo modelo educacional (usando vários modelos do iluminismo e Educação Moderna) onde os jovens eram constantemente testados pelo professor e os ensinamentos eram voltados com a finalidade política. O questionamento e a busca individual pelo conhecimento eram substituídos pela coletivização da classe escolar. E o professor era a autoridade inquestionável por ser o representante do Estado e das ideias defendidas por seus líderes. Nesses regimes as escolas que ainda utilizavam formas da educação clássica eram rapidamente eliminadas.

É justamente nesse ponto que se faz a clara diferença entre a Educação Clássica e a Educação Moderna. Na Educação Clássica se busca a investigação da verdade e o constante questionamento e aprofundamento dos temas. Enquanto que na Educação Moderna são apenas passadas informações prontas pelo professor em sala de aula, sendo o estudante testado se memorizou tais informações. Na Educação Moderna não se busca a emancipação individual e o melhoramento como pessoa, o jovem se torna uma máquina de informações, mas não consegue entender ou concluir raciocínios e pensar por si mesmo.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial havia esperanças de inovações nas escolas. Porém, a Educação Clássica não parecia ser levada em consideração, uma vez que a UNESCO apresentava (e ainda apresenta) ideias educacionais relacionadas a educação moderna.

Escola Moderna na época do Nazismo

Dorothy Sayers, a amiga do Tolkien que iniciou o renascer da educação clássica

Foi justamente uma amiga próxima de J.R.R. Tolkien que trouxe as bases para a educação clássica ser restaurada. Dorothy Sayers (1893 – 1951) foi uma importante escritora de livros de investigação criminal e poesia. Especializou-se em estudos dos clássicos e é responsável por uma das melhores traduções da Divina Comédia para a língua Inglesa.  Sayers estava no ciclo de amizades de C.S. Lewis e J.R.R. Tolkien. A proximidade é tão intensa que muitos a colocam na posição de “A Inkling feminina”.

Embora não fosse uma educadora propriamente, Dorothy Sayers escreveu e apresentou um ensaio sobre a educação e os rumos que ela poderia tomar, tendo como o foco a educação clássica. O ensaio é o “The Lost Tools of Learning” de 1947. O ensaio foi um verdadeiro tapa de luva na classe acadêmica da época tendo repercussões no meio. Contudo, com o passar do tempo não foi devidamente relembrado, até que em 1991 Douglas J. Wilson publicou o livro “Recovering the Lost Tools of Learning” que inspirou um grande número de escolas cristãs primárias e secundárias e até mesmo a faculdade New Saint Andrews, que organizou a Association of Classical and Christian Schools.

A partir desse movimento tendo como base os escritos de Dorothy Sayers é que foi se restaurando a Educação Clássica em diversas escolas e universidades. Foi desse período que foi ampliado o chamado “homeschooling”, que é a educação clássica feita em casa para as crianças.

O ensaio completo da Dorothy Sayers foi reproduzido na integra AQUI. Com tradução e comentários de Gabriele Greggersen, a tradutora e especialista em C.S. Lewis.

Dorothy Sayers

Iniciando a Educação Clássica no Brasil

O Brasil demonstra um inicio de restauração da Educação Clássica, especialmente entre os cristãos católicos. O uso da Internet para propagar os ensinamentos é frequente.

O site Escola de Artes Liberais (http://escoladeartesliberais.com.br) apresenta uma série de artigos explicando o desenvolvimento da Educação Clássica. E dentro do mesmo âmbito a Confraria de Arte Liberais também exerce papel restaurador.

A Escola Tomista (http://estudostomistas.org/) do professor Carlos Nougué apresenta ensinamentos basilares para se formar o Trivium, com um enfoque nos ensinamentos de Santo Tomás de Aquino.

Sobre leitura de obras clássicas no modelo proposto por Mortimer J. Adler existe o canal criado por mim mesmo (sim, o administrador do site Tolkien Brasil tem um outro canal sobre clássicos) que pode ser acessado AQUI.

E mais recentemente foi fundada a UNIVERSIDADE SÃO JERONIMO (http://saojeronimo.org/sobre) que oferece cursos para aqueles que desejam se aprofundar nos ensinamentos católicos clássicos. Tendo aulas de filosofia, teologia, direito e línguas antigas como o Latim. O interessante desse site é que oferece a plataforma gratuita para o aluno ou mesmo uma plataforma paga por um preço acessível.

A Universidade São Jerônimo visa resgatar muito do saber cristão que foi negligenciado ou mesmo esquecido. Com isso parece atender o que J.R.R. Tolkien disse em carta:

“o principal propósito da vida, para qualquer um de nós, é aumentar, de acordo com nossa capacidade, nosso conhecimento de Deus por todos os meios que tivermos, e ficarmos comovidos por tal conhecimento para louvar e agradecer.” (Carta 310, para Camilla Unwin, 20 de maio de 1969).

O Professor Clístenes Hafner através de seus cursos de línguas na sua escola clássica traz um verdadeiro renascimento do estudo do Latim e grego. Os métodos utilizados são interessantes para aprimorar o conhecimento linguístico e o raciocínio.

Existem outros cursos e sites, mas levem em consideração que esse texto não tem o objetivo de exaurir o tema e cabe ao leitor procurar livros e meios para se aprofundar.

Legendarium

Ainulindalë – análise geográfica

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Regiões Imateriais:

 

Salões Eternos (ou Salões sem fim, Palácio eterno, Mansões Eternas): uma das primeiras coisas criadas por Eru Ilúvatar. É um considerado um lugar completamente imaterial onde o próprio Eru faz a sua moradia, sendo imaterial é eterno e infinito, não tendo limites em tempo, espaço etc. Sabe-se apenas que os Salões Eternos se difere do abismo e do Vazio. Durante a criação do mundo material alguns dos Ainur deixaram os Salões Eternos, mas a grande maioria permaneceu junto a Eru. Existem duas partes dos Salões Eternos: o Firmamento e o Abismo. O Firmamento é a parte dos Salões Eternos considerada mais elevada. Enquanto o Abismo é a parte mais profunda dos Salões Eternos. Não existe a noção de tempo nos salões eternos.

Belas Regiões: são os lugares criados por Ilúvatar para que os Ainur habitassem. São separadas do Vazio e estão nos Salões Eternos.

Vazio: O Vazio é a ausência de toda a existência, seja ela material ou imaterial. Melkor perambulou pelo Vazio a procura da Chama Imperecível, porém não teve sucesso, pois ela não está no Vazio. O Vazio está separado de tudo o que existe, não se sabe se é finito ou eterno, por isso é preferível dizer que essa é uma região não habitada e sem existência. Não existe a noção de tempo no Vazio.

Regiões Materiais:

 

Ëa (o mundo criado): é tudo o que foi criado materialmente por Eru Ilúvatar, através da Chama Imperecível. Seria o equivalente ao nosso Universo (que inclui todos os astros, planetas, galáxias etc). Está caracterizado por matéria, tempo e espaço. Dentro de Ëa se situa os Círculos do Mundo.

Círculos do Mundo: é a região que está entre Arda e o Vazio. Estão nos Círculos do Mundo os astros (Sol, Lua, estrelas etc). É dividido em três regiões básicas: Vista (onde ficam as nuvens e os pássaros podem voar), Ilmen (região atmosférica acima de Vista, onde fica a lua), Menel (região onde ficam as estrelas, alguns dizem ser o mesmo que Vaiya), Vaiya (região acima de Ilmen onde fica o Sol, seria o equivalente a nossa galáxia).

Arda: seria o equivalente ao planeta Terra.

 

Diversas

Pe. Paulo Ricardo fará curso de Férias sobre O Senhor dos Anéis!

 

O Pe. Paulo Ricardo é um conhecido leitor e fã de Tolkien, já tendo lido diversos livros e agora promoverá um curso especial sobre O Senhor dos Anéis.

O curso se dará com transmissões ao vivo junto aos inscritos no site do Pe. Paulo Ricardo nos dias 15, 16 e 17 e nos dias 29, 30 e 31 de janeiro.

O link para fazer inscrições está nesse link AQUI.

O site do Pe. Paulo Ricardo informa o seguinte:

Quem é fã de O Senhor dos Anéis conhece a trilogia de cabo a rabo, sabe o nome de todos os personagens e locais e, às vezes, domina até mesmo os idiomas fictícios inventados por J. R. R. Tolkien. Mas será que isso basta? Escrita por uma pena católica, talvez essa história fantástica, repleta de hobbits e trolls, esconda algo mais, acessível apenas a quem está familiarizado com os mistérios da fé cristã. Neste curso especial de férias, você irá descobrir um dos lados menos conhecidos e explorados de O Senhor dos Anéis!

O Pe. Paulo Ricardo é altamente recomendado por sua capacidade de fala e exposição de temas complicados de uma forma fácil de ser entendida. Certamente será um grande acréscimo ao conhecimento de todos os fãs Tolkienianos.

Diversas

Carta do Arcebispo que pode iniciar a canonização de Tolkien

Arcebispo que pode iniciar processo de canonização de Tolkien

Para entender a iniciativa de canonizar Tolkien acesse AQUI.


 

Pouco tempo após a primeira missa realizada que tratou sobre um pedido de canonização de J.R.R. Tolkien (veja mais AQUI), agora o grupo de católicos liderados pelo Daniele Pietro Ercoli‎, do “Instituto Internacionale “Dom Bosco” da Itália que organiza esse processo e tem um grupo no facebook com quase mil membros (veja o grupo aqui), divulgou a carta de Bernard Longley, arcebispo  de Birmingham. Ele é o membro da Igreja Católica que pode ser responsável pela abertura do processo de canonização de Tolkien.

Em 2009, Bernard Longley foi apontado pelo Papa Bento XVI para ser o Arcebispo de Birmingham, local na Inglaterra onde Tolkien viveu boa parte de sua vida. O Arcebispo Longley exerceu um papel importante nos planos de beatificação do Cardial John Henry Newman e apresentou um pedido de canonização ao Papa Bento XVI. Quando o Papa Bento XVI esteve em Birmingham para a beatificação do Cardial John Henry Newman, em setembro de 2010, uma estátua dele tinha sido feita pelo escultor Tim Tolkien, um descendente do autor. A escultura do Cardial foi abençoada pelo próprio Papa naquela ocasião.

A carta não diz que o processo de canonização seja possível no momento. Mas está sendo realizado os primeiros preparativos para uma investigação.  A carta foi escrita em 16 de julho de 2015 e somente foi divulgada recentemente pelo próprio Daniel Pietro Ercoli. O conteúdo é o que se segue:

 

 

Prezado Don Daniele Pietro,[1]

Por favor, perdoe a minha demora em responder à sua carta que recebi em 7 de abril de 2015 em relação a uma oração em apoio à “Causa da Canonização de J.R.R. Tolkien “. Eu considerei seu pedido e procurei o conselho de nosso Promotor Diocesano de Causas dos Santos.

Até que a Igreja decida abrir uma causa em relação a J.R.R. Tolkien eu me sentiria hesitante em aprovar pessoalmente uma oração em apoio à sua canonização, especialmente para um grupo internacional. Ao mesmo tempo, tenho o prazer de encorajá-lo a procurar informar as pessoas mais amplamente sobre a fé católica de J.R.R. Tolkien e a influência que isso teve em sua escrita e em sua vida.

Eu poderia sugerir que está livre para você compor uma oração para ser distribuída para uso privado e pessoal e, se uma causa for aberta um dia, podemos elaborar uma oração apropriada de acordo com as disposições da Canon 826 § 1 do Código de Direito canônico.

Devo copiar nossa correspondência para o P. Julian Booth, o Promotor Diocesano de Causas, e asseguro-lhe minhas orações e todos os desejos. Por favor, ofereça uma oração para mim e a Arquidiocese de Birmingham no Santuário de São João Bosco.

Sinceramente, em Cristo

Bernard Longley

Arcebispo de Birmingham

 

A oração privada que o Longley sugeriu foi feita por Daniel e publicada no grupo do facebook. Mas atualmente está sendo remodelada.

Além de concentrar estudos sobre a vida católica de Tolkien. O grupo se dedica atualmente a promover missas em homenagem ao escritor e está sendo organizada a primeira conferência para a canonização de Tolkien que ocorrerá em setembro de 2018.

Um documentário sobre Tolkien e sua fé católica está sendo feito pelo diretor britânico Danny Oscar Rutilio e terá o título “Tolkien: A Saint for our Time“.

 

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[1] Dear Don Daniele Pietro,

Please forgive my delay in replying to your letter which I received on the 7 April 2015 regarding a prayer in support of the “Cause of Canonization of J.R.R. Tolkien”. I have considered your request and sought advice from our Diocesan Promotor of Causes of Saints.

Until the Church decides to open a cause in respect of J.R.R. Tolkien I would feel hesitant about personally approving a prayer in support of his canonization, especially for an international group. At the same time, I am pleased to encourage you in seeking to inform people more widely about J.R.R. Tolkien’s Catholic faith and the influence that this had on his writing and on his life.

I would suggest that it is open to you to compose a prayer to be distributed for private and personal use and, if a cause is one day opened, then we can draft an appropriate prayer under the provisions of Canon 826 § 1 of the Code of Canon Law.

I shall copy our correspondence to Fr Julian Booth, the Diocesan Promote of Causes, and I assure you of my prayers and every kind wish. Please offer a prayer for me and the Archidiocese of Birmingham at the Shrine of St John Bosco.

Yours sincerely in Christ

Bernard Longley

Archbishop of Birmingham

Biografia

Encontrada Carta de J.R.R. Tolkien na Universidade de Edimburgo

O autor do Senhor dos Anéis viveu em um período que a Internet não era acessível a uma grande quantidade de pessoas. Por isso, a forma mais comum de comunicação entre indivíduos ainda era por meio de cartas. Praticamente todos os dias Tolkien escreveu respostas aos seus leitores e tratava de diversos assuntos com amigos e familiares. As cartas de Tolkien são um ótimo recurso para entender melhor as suas histórias e sua vida. Nelas é possível saber a posição política, religião, relações familiares etc. Como as cartas eram enviadas para as pessoas, a tendência é que cada uma delas guardasse em suas casas a carta. Como um objeto de valor por ter uma resposta de um grande escritor.

Com o falecimento de Tolkien em 1973, coube a seu filho Christopher Tolkien ser o responsável por lidar com os manuscritos e a obra do pai. Em trabalho com Humphrey Carpenter editou um livro que contém grande parte das cartas que conseguiram reunir. Mas muitas das cartas não haviam sido encontradas e algumas se encontravam perdidas. No prefácio do livro “As Cartas de J.R.R. Tolkien” é solicitado que as pessoas que encontrassem cartas entrassem em contato com a família Tolkien e talvez haveria uma possível nova edição do livro contendo o novo material.

Desde então centenas de cartas foram sendo descobertas. Muitas delas com informações sobre o mundo imaginário de Tolkien e outras com informações pessoais. Recentemente uma nova carta foi descoberta na Universidade de Edimburgo.

Uma funcionária do “Centre for Research Collections” da Universidade de Edimburgo, enquanto estava olhando os arquivos acabou encontrando uma carta de J.R.R. Tolkien para o professor Campbell, agradecendo pela homenagem feita na Universidade.

 

 

A transcrição da carta com uma tradução direta para o Português:[1]

28 de Julho de 1973

Prezado Professor Campbell,

Voltei agora a Oxford depois de mais algumas viagens, e escrevo, bastante tardiamente, para agradecer por sua participação nos eventos dos dias 11 e 12 de julho, que tanto na festa como no cerimonial foram para mim a ocasião acadêmica mais resplandecente na qual eu participei. As ocasiões festivas, para minha própria surpresa, sobrevivi com um prazer não frustrante devido à generosa substituição do whisky pelo vinho, e estou inveterado no conselho do meu médico: “você deve transferir sua fidelidade inteiramente de Bacus para Ceres”. Na laureação, me senti como um hobbit, como é mostrado em ‘O Senhor dos Anéis’, especialmente por Merry e Pippin: grande orgulho e prazer na recepção de alta honra e título, combinado com (e de uma maneira reforçada por) uma dificuldade em acreditar que isso realmente estava acontecendo comigo, ou era realmente merecido, exceto pela generosidade dos meus superiores. As palavras do discurso deixaram-me emocionado. Especialmente as palavras “tornando-o um de nós”. Garanto-vos que Edimburgo me conquistou rapidamente, e apesar dos meus 81 anos terem me deixado relutante em viajar muito, uma viagem para o norte, se a oportunidade e a saúde permitir, não será relutante.

Atenciosamente,

J.R.R. Tolkien.

 

Em 10 de julho Tolkien e sua filha Priscilla haviam viajado para Edimburgo e permaneceram na casa de um amigo chamado Angus McIntosh, que era professor de Inglês, e com sua esposa Barbara.Em 12 de julho de 1973, a Universidade de Edimburgo concedeu ao Tolkien um título honorário de Doutor em Letras. A carta foi escrita em 28 de Julho de 1973, poucos dias antes do falecimento do Tolkien em 2 de setembro do mesmo ano.

Nesse período o professor Tolkien estava sob cuidados médicos. Ele estava com algumas gastrites e precisava estar atento a seus hábitos alimentares, especialmente evitar bebidas alcoólicas muito pesadas. Um ponto que chama a atenção na carta é a comparação do sentimento do Tolkien em relação a receber o título da Universidade, com os personagens Merry e Pippin em O Senhor dos Anéis.

A carta não é totalmente inédita, pois o escritor Jason Fisher já havia tomado conhecimento dela em 2011 e feito uma citação em seu livro “Tolkien and the Study of His Sources: Critical Essays”.

 

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[1] July 28th 1973, Dear Professor Campbell, I have now returned to Oxford after some further travelling, and write, rather belatedly to thank you for your part in the events of July 11th and 12th, which both in feasting and in ceremonial were to me the most resplendent academic occasion in which I have taken part. The festive occasions to my own surprise I survived with unmarred pleasure, owing to the generous substitution of whisky for wine, and I am confirmed in my doctor’s advice: ‘you must transfer your allegiance wholly from Bacchus to Ceres’. At the laureation I felt like a hobbit would: as is exhibited in  ‘The Lord of the Rings’, especially by Merry and Pippin: great pride and delight in the reception of high honour and title, combined with (and in a way enhanced by) a difficulty ^in believing that^ it was really happening to me, or was really deserved except by the generosity of my superiors. The words of the Address left me overwhelmed. Especially the words ‘making him one of us’. I assure you that Edinburgh has gripped me fast; and though my 81 years had begun to make me reluctant to travel far, a journey back north, if opportunity and health allows, will not be reluctant. Yours sincerely, J R R Tolkien.

Sobre Filmes

Colm Meaney irá interpretar o Pe.Francis Morgan

Segundo informação do site Deadline, em 12 de outubro de 2017, o ator Colm Meaney foi escolhido para interpretar o Pe. Francis Xavier Morgan, o tutor de J.R.R. Tolkien.  

Até o momento foram escolhidos para o papel dos protagonistas a atriz Lily Collins (Edith Bratt) e o ator Nicholas Hault (J.R.R. Tolkien). O filme “Tolkien” será dirigido por Dome Karuloski e roteiro de David Gleeson.

Colm Meaney é um ator irlandês cujo papel de maior destaque foi o de Miles O´Brien, na telessérie Star Trek: Deep Space Nine. O seu personagem desempenhou um papel fundamental na vida de J.R.R. Tolkien. O Pe. Francis Morgan foi responsável pela criação do autor do Hobbit, após o falecimento de sua mãe, que havia se convertido ao catolicismo e deixado os filhos aos cuidados do padre.

Segundo rumores na internet, as filmagens já começaram e ao que parece o filme será lançado no final de 2018.

O filme irá narrar a história da juventude de Tolkien e os momentos decisivos em sua vida quando iniciou seu romance com Edith e sua luta na Primeira Guerra Mundial.

Padre Francis Morgan
Mitopoeia

Tolkien e os Manuscritos Medievais

O Silmarillion em forma medieval por Benjamin Harff

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by Eduardo Stark

É uma tarefa atualmente quase impossível enumerar todos os livros e manuscritos medievais que Tolkien teve acesso durante sua vida. Isso por que praticamente todo o material histórico relacionado ao Reino Unido sobre aquele período foi lido detidamente por Tolkien. Ele se tornou uma das maiores, se não a maior, autoridade sobre estudos do Anglo-saxão e Médio Inglês.

O estudo direto dos manuscritos ou suas versões em facsimile afetaram sua criação imaginária diretamente. Sendo diversas ilustrações, textos e referências sobre caligrafia, paleografia e estilos medievais. Se tornou parte do homem uma constante reflexão sobre a literatura, cultura e história.

Tudo isso parece ter sido despertado desde muito cedo. Por influência de sua mãe, desde criança J.R.R. Tolkien passou a ter um gosto pelo estudo das línguas e a seguir a religião cristã católica. Além disso, sua genitora despertou nele o interesse em alfabetos e caligrafia.[1] Esses estudos primários levaram Tolkien a buscar aprofundamento, passando a estudar na universida de Oxford e depois se tornando professor.

Durante seus dias de estudante, Tolkien desenvolveu o seu interesse de infância pela pintura e pelo desenho, e começou a demonstrar uma certa habilidade, principalmente no esboço de paisagens. Começou a dedicar também bastante atenção à letra manuscrita e à caligrafia e tornou-se perito em muitos estilos de manuscritos. Esse interesse era uma combinação de seu entusiasmo pelas palavras e o seu olho artístico, mas refletia também sua personalidade multifacetada, pois, como observou alguém que o conheceu durante esses anos (quase que sem exagero): “Ele tinha um estilo de caligrafia diferente para cada amigo.” (CARPENTER, Biografia, p. 64).

Os estudos acadêmicos das línguas Anglo-saxão e Médio Inglês exigiram que o professor J.R.R. Tolkien estudasse os diversos manuscritos disponíveis. Esses documentos preservaram as formas originais das línguas e compreender o contexto, a história, forma de escrita e características era um dos trabalhos em que ele atuava na Univerdade de Oxford.

Tolkien teve contato com diversos manuscritos ou suas versões em facsimile. Era comum a leitura de épicos e histórias para seus estudos acadêmicos e entretenimento pessoal. Em 1922 ele publicou o “Middle English Vocabulary”, uma espécie de dicionário da língua Média Inglesa, o que foi necessário uma pesquisa ampla por vários textos medievais que continham as palavras em seu contexto original.

Em 1925, trabalhou em uma transcrição do manuscrito de “Sir Gawain and the Green Knight”, que foi publicada em forma de livro e se tornou referência básica nas universidades. Posteriormente sua tradução do mesmo manuscrito foi publicada em 1975, com edição de seu filho Christopher Tolkien.

O épico Beowulf foi objeto de muitos estudos em que escreveu ensaios e realizou tradução do texto original. Tolkien escreveu o famoso ensaio para sua palestra em 1936 “Beowulf: The Monsters and the Critics” (Beowulf: Os Monstros e as Criticas). Nessa obra o autor criticou os críticos que consideravam Beowulf apenas um documento histórico e não um poema com um valor literário.

Ensaio Beowulf The Monster and the critics de Tolkien publicado em 1936 e reimpresso nos anos seguintes

O fato de ser católico e um estudioso do período medieval possibilitou o contato com diversos manuscritos e estudos relacionados a religião. Na medida em que havia interesse por estudar os manuscritos medievais, havia o estudo de seus autores, que eram em grande parte monges reclusos que se dedicavam a copiar os textos. O professor de Oxford teve acesso ao “Codex Argenteus”, também chamado de Bíblia Cinza, preservado na Biblioteca da Universidade de Uppsala na Suécia. Esse manuscrito contém seções dos quatro evangelhos escritos em Gótico. Ele também trabalhou na leitura direta e transcrição de manuscritos medievais que tinha relação com mulheres reclusas em mosteiros. Os manuscritos “Hali Meidhad” (“Sagrada Virgindade”) e “Sawles Warde” (que é uma alegoria sobre o cuidado da alma) e um manuscrito que contém a biografia de Santa Katherine, Magaret e Juliana. Trabalhou com a edição e a transcrição do manuscrito “Ancrene Wisse” que foi publicado em livro em 1962.

O interesse de Tolkien estava ainda associado ao fato de que os grandes épicos que costumama ler como forma de entretenimento pessoal eram originalmente manuscritos medievais. Como exemplo o Edda em prosa e o Edda em verso, que tratam sobre a mitologia nórdica e diversos textos relacionados a Lendade Sigurd e Gudrun, a Batalha de Maldon dentre outros.

Ademais, foi justamente com as palavras em anglo-saxão, transcritas do manuscrito do poeta medieval Cinewulf, que Tolkien começou a desenvolver o seu legendarium. No poema “Crist” há os versos “Eala Earendel engla beorhtast ofer middangeard magnum sented” que levaram Tolkien a uma pesquisa sobre o seu significado, em especial a palavra “Earendel”. E foi dessas análises que surgiu o primeiro escrito relacionado a seu mundo secundário, o poema “A Viagem de Earendel, a estrela vespertina” em 24 de setembro de 1914.

Surge então a ideia de se escrever uma “mitologia dedicada à Inglaterra”. Tolkien começou a elaborar histórias em um tempo imaginário com aspectos de fantasia e que levaria a uma relação cultural e histórica com o seu país. A ideia era proporcionar a si mesmo o mesmo sentimento de pertencer a um país com uma tradição multimilenar que remontam a tempos muito antigos. Como base ele usou as mitologias que tinham relação com a região setentrional da Europa. E como a maioria desse material eram constituídos de fontes de manuscritos medievais, Tolkien pensou que sua mitologia também deveria ser um conjunto de histórias em manuscritos agora encontrados e traduzidos, dando uma sensação de maior veracidade. Foi assim que iniciou uma série de textos buscando sempre aproveitar o estilo medieval.

As obras de Tolkien e o estilo do manuscrito medieval

Foi com um divertimento pessoal e familiar que Tolkien começou a fazer cartas no natal destinadas aos filhos. Essas cartas eram bem desenhadas e coloridas e com uma preocupação em relação a caligrafia. A ideia é que elas eram feitas pelo próprio Papai Noel no polo norte, junto com seu ajudando o Urso Polar.

Essa atividade de escrever algo com a imaginação de que aquele escrito tivesse um autor imaginário foi desenvolvida nessa época. O autor ficcional produzia algo que passava a fazer parte da realidade. Uma brincadeira que divertia seus filhos que ainda acreditavam na existência do Papai Noel.

Mas a autoria ficcional não era utilizada apenas em suas cartas, mas também em obras mais densas e adultas. Tolkien começou a desenvolver as primeiras histórias do legendarium no que chamou de “O Livro dos Contos Perdidos”. Em cadernos anotava as histórias de um mundo cheio de possibilidades fantásticas. Conforme as ideias do mundo secundário se amadureciam, em processos de revisões constantes, segundo Humphrey Carpenter: “No final dos anos trinta, todo este trabalho no Silmarillion resultara num grande volume de manuscritos, muitos em requintada caligrafia” (CARPENTER, Biografia, p. 190).

Em diversos textos, especialmente os que datam entre 1916 a 1940, cada história tinha um livro ou texto que era uma simulação de um manuscrito antigo. Assim, o Quenta Silmarillion não era apenas o texto escrito com as informações, ele era antes de tudo um manuscrito no estilo medieval que agora fora encontrado por um estudioso de suas tradições.

A caligrafia era cuidadosamente preparada, variando de manuscrito para manuscrito, conforme se modificava o autor ficcional. Dessa forma, se Rúmil de Valinor era o autor do “Ainulindalë”, esse manuscrito teria letras diferentes do “Conto dos Anos” de Pengolod. Se as letras eram dos Hobbits teriam uma variação diferenciada dos Humanos de Gondor e assim por diante.

Essa diferenciação da caligrafia dos autores ficcionais foi realizada com a finalidade de dar uma maior profundidade e credibilidade no mundo secundário. Os manuscritos diferenciam entre si a ponto de ser possível em alguns casos realizar verdadeiros trabalhos de paeleografia e caligrafia.

Manuscritos de Tolkien em comparação

Como exemplo, a diferenciação de estilo dos manuscritos pode ser vista no “The Tale of Year” a esquerda” e no ”Dangweth Pengolod” a direita.Cada um apresenta um estilo de escrita diferente e características na forma de justapor os textos.

O gosto pela caligrafia e os manuscritos parece ter agradado tanto Tolkien a ponto de realizar simulações como entretenimento pessoal.A grande maioria dos manuscritos antigos de Tolkien imita o estilo dos registros medievais. Foram feitos vários anais, relatos, contos e poemas com uma caligrafia e estilo diferenciado. Havia cartas e cartões postais com os alfabetos dos elfos que costumava enviar aos amigos ou que fazia como divertimento pessoal. Além disso, sua religião influenciava a estética de sua caligrafia. Estilos diferentes eram utilizados que remetiam a idade média e a religião. Como exemplo, se encontra publicado no Parma Eldalamberon nº 20 vários manuscritos do Tolkien com orações em alfabeto dos elfos.

“Deus Salve a Rainha e O Pai Nosso” Parma Eldalamberon nº 20, p. 85.

Ao escrever O Hobbit, todo esse estilo parece não ter sido considerado. Tal como era frequente em outros escritos dedicados aos filhos como Mr. Bliss e As Cartas de Papai Noel. Durante a escrita do Hobbit seus filhos já estavam se tornando adultos e não havia tanta necessidade de fazer ilustrações junto aos textos. Além disso, os trabalhos na Universidade não possibilitava um tempo disponível suficiente para fazer ilustrações.

Assim, o Hobbit foi escrito inicialmente sem uma noção de autor ficcional. Contudo, quando o livro havia sido aceito para publicação, o próprio Tolkien fez ilustrações para o livro. Além de incluir a ideia do autor ficcional na parte superior e inferior do livro. Assim, o Hobbit não seria propriamente o manuscrito feito e anotado por um homem da idade média. Seria agora um registro das aventuras do Hobbit que chegou às mãos dele atualmente e que teve uma tradução para a língua inglesa. Isso explicaria por que o livro não foi publicado com um estilo de manuscrito medieval.

Da mesma forma, quando O Senhor dos Anéis estava sendo escrito, logo Tolkien percebeu que não seria possível escrever e manter o mesmo estilo que estava desenvolvendo com os escritos do Silmarillion. Foi então utilizada a mesma ideia que teve com o livro o Hobbit. Os relatos da Guerra do Anel seriam manuscritos separados em que ele teria acesso em sua língua original o “Westron” e ele seria o tradutor do Livro Vermelho do Marco Ocidental e por isso o fomato apresentado. 

Segundo os autores David Day e Mark T. Hooker provavelmente Tolkien teve a ideia do “Livro Vermelho do Marco Ocidental” baseado no Livro Vermelho de Hergest ou “Llyfr Coch Hergerst”, que é um livro em Galês datado de 1382.

Em O Senhor dos Anéis o autor fez algumas ilustrações, mapas e uns poucos manuscritos que pudesse considerar como parte daquele Universo. Dando assim, a ideia de profundidade e que desejava na obra. Como a “Carta do Rei Elessar” ou o “Livro de Mazarbul” e outros.

Mestre Gil de Ham e seu estilo medieval

A primeira edição britânica publicada pela George Allen and Unwin em 1949 é o único dos livros publicados de Tolkien em que ele conseguiu plenamente o que pretendia quanto a ideia da autoria ficcional. Nessa edição não existe nota ou prefácio do editor ou do próprio Tolkien como autor real. O que está impresso é o prefácio ficcitício, que diz que a obra é resultado de uma tradução do latim para o inglês.

O único indicativo que a obra é uma ficcção é o texto da Dustcover que enunciar ser obra “uma história imaginativa de um passado distante e maravilhoso”. Dessa forma, se eventualmente alguma pessoa desatenta e pouco versada em literatura e período medieval tivesse acesso a obra, poderia imaginar que aquele livro fosse mais um dos contos populares da idade média que agora tinha sua tradução para a língua moderna. Conforme pode ser lido no trecho a seguir:

 “RESTAM poucos fragmentos da história do Pequeno Reino, mas por acaso um relato de sua origem foi preservado; talvez mais uma lenda que um relato, pois evidentemente se trata de uma compilação tardia, cheia de fatos assombrosos, derivada não de crônicas confiáveis, mas das baladas populares às quais seu autor faz freqüentes referências. Para ele, os acontecimentos que registra já estavam num passado remoto; não obstante, ele próprio parece ter vivido no território do Pequeno Reino. Todo conhecimento geográfico que revela (o que não é seu ponto forte) é daquela região, ao passo que de outras regiões, ao norte ou a oeste, não conhece nada. Um motivo para apresentar uma tradução desse interessante relato, passando-o do seu latim insular para o idioma moderno do Reino Unido, pode ser a visão de época que ele nos proporciona, num período obscuro da história da Grã-Bretanha, sem mencionar a luz que lança sobre a origem de alguns topônimos difíceis. Há quem considere o caráter e as aventuras de seu herói interessantes por si mesmos”. (Mestre Gil de Ham, p.1).

O restante do prefácio tenta localizar o livro em um período medieval próximo aos acontecimentos lendários do Rei Artur e apresenta a possível localização. Na edição expandida de Mestre Gil de Ham, Christina Scull e Wayne Hammond comentam que talvez Tolkien estivesse fazendo uma critica aos estudiosos que consideravam histórias medievais como Beowulf apenas como registros históricos e não como obra literária.

A escolha da ilustradora Pauline Baynes para trabalhar nesse livro foi uma decisão direta de Tolkien. Ele tinha visto uma ilustração da artista e gostou do estilo. Foi decidido que as imagens fossem feitas no estilo dos manuscritos medievais, conforme Tolkien declarou em carta:  

Pauline Baynes tirou sua inspiração para L. Giles em grande parte de desenhos ms. medievais — exceto pelos cavaleiros (que são um pouco “arthurianos”), o estilo parece se adequar suficientemente bem. (Carta 211, para Rhona Beare, em 14 de outubro de 1958).

Posteriormente, Baynes também foi ilustradora dos livros “As Aventuras de Tom Bombadil” (The Adventures of Tom Bombadil) e  “Smith of Wooton Major” (Ferreiro de Bosque Grande), que também contém imagens com inspiração medieval. Além disso, a ilustradora fez ilustrações de mapas da Terra-média e ilustrou o livro “Bilbo’s Last Song” publicado em forma de livro em 1991.

Folha de Migalha e a árvore medieval

Ao preparar o livro “Árvore e Folha” de Tolkien, o editor Rayner Unwin perguntou se Tolkien poderia sugerir um desenho adequado de uma árvore para a capa, talvez retirado de um manuscrito medieval. A resposta de Tolkien revela a familiaridade do autor com manuscritos medievais, em especial as árvores:

Fico feliz que você aprova o título sugerido. Mss. medievais não são (pela minha experiência não muito extensa) bons em árvores. Tenho entre meus “papéis” mais de uma versão de uma “árvore” mítica, que surge regularmente naqueles momentos em que me sinto atraído para o desenho de moldes. São elaboradas e coloridas e mais adequadas para bordado do que para impressão; e a árvore possui, além de várias formas de folhas, muitas flores, pequenas e grandes, que significam poemas e lendas maiores. (Carta 253, para Rayner Unwin, em 23 de dezembro de 1963).

A ilustração feita por Tolkien foi utilizada na capa da primeira edição em paperback do livro Árvore e Folha, porém com uma forma mais simplificada do que a apresentada por Tolkien. A ilustração, conhecida como “A Árvore de Amalion” é datada de 1928, quase trinta anos antes de o livro ser publicado. Versões da árvore de Amalion foram publicadas nos livros “Pictures by Tolkien” e “J.R.R. Tolkien: Artist and Illustrator”.

Árvore de Amalion por Tolkien

Breve histórico dos copistas e manuscritos medievais

Na Idade Antiga era comum se registrar as informações em rolos. Entre os Hebreus os livros religiosos eram grandes rolos com escritos em pele de animais, enquanto os Egípcios escreviam em rolos de papiro, assim como os Gregos e Romanos. Mas por volta do século III os pergaminhos, que continham escritos contínuos em rolos, foram substituídos por Códices, folhas enfileiradas e ligadas entre si. Durante a Idade Média os textos eram escritos e dispostos em formas de códices, com costuras e colagens, cujas técnicas foram aperfeiçoadas e são utilizadas nos livros até o momento.

Escrever livros e disseminar a informação na Idade Média era um processo demorado e trabalhoso. Havia primeiramente a constante ameaça de invasões dos bárbaros, que eram povos que não haviam assimilado a cultura do império romano e que agora atacavam por toda a Europa. Esse clima dificultava qualquer grande investimento em literatura.

A grande maioria da população não era alfabetizada e poucos clérigos tinham o conhecimento da escrita. Dessa forma, para que um livro fosse escrito exigiria uma dedicação quase integral a essa atividade. Os monges copistas acreditavam que realizando seus trabalhos nos manuscritos estariam cumprindo um dever imputado por Deus para preservar seus ensinamentos. O processo de escrita era demorado devido a falta de recursos ou mesmo o tempo necessário. Havia casos de monges que dedicavam toda a vida escrevendo ou copiando apenas um livro.

Foi assim que o trabalho de cópia dos manuscritos durante a Idade Média se concentrou no interior dos mosteiros, em quartos chamados “scriptorium”. Sem esse trabalho a maior parte das obras da Idade Antiga e Medieval não teria chegado aos tempos modernos, quando a Imprensa foi desenvolvida e difundida pela Europa. A imprensa foi surgiu no ocidente por volta de 1439 com a criação de Johannes Gutenberg. As primeiras cópias de livros completos foram finalizadas em 1456, versões da Bíblia Católica, conhecida como “Vulgata Latina”, uma tradução para o latim por São Jerônimo e moldada pela Universidade de Paris no século XIII.

O livro é considerado uma grande evolução no processo de impressão, e rapidamente sua invenção se espalhou por toda Europa e mais tarde pelo mundo. O gráfico a seguir mostra a produção de livros em quantidade entre os anos de 500 a 1800.

Europa livro 500–1800

No final da Idade Média, ocorreu uma série de fatores que contribuíram para surgirem novos livros. As invasões bárbaras diminuíram consideravelmente e as relações comerciais e sociais foram ampliadas após as Cruzadas. Com isso, ocorreu um aumento populacional na Europa ocidental. Havia cerca de 34 milhões de pessoas no século XIII, saltando para 50,35 no século XIV[2]. Aliada a essas e outras circunstâncias, as primeiras Universidades foram fundadas pela Igreja Católica Romana, o que implicou em maiores estudos entre aqueles que não eram parte do clero e consequentemente maior produção literária.

Ilustrações e manuscritos feitos por fãs

Diversas atividades de criar manuscritos ou ilustrações no estilo medieval foram realizadas por fãs e oficialmente. Por exemplo, Patrick Wynne, um dos editores dos periódicos Vinyar Tengwar e Parma Eldalamberon, que fez ilustrações com textos em élfico.

Em 1993, a edição de O Senhor dos Anéis publicada na Rússia contou com ilustrações de S. Juchimov, que tiveram como base o estilo medieval.

Na produção dos filmes dirigidos por Peter Jackson, O Senhor dos Anéis (1997 a 2004) e O Hobbit (2011 a 2015), Daniel Reeve foi o cartografista contratado para desenhar os mapas e criar os manuscritos que seriam parte dos filmes.

Em 2009, o ilustrador alemão Benjamin Harff concluiu o “Edel-Silmarillion”. Uma versão do livro O Silmarillion em estilo dos códices medievais com iluminadas coloridas. Foram gastos cerca de dois anos para concluir o trabalho realizado de forma manual.

Seguindo essa mesma tendência em 2012, o húngaro Hari Istvan divulgou sua versão em manuscrito do Livro Vermelho do Marco Ocidental. O trabalho se concretizou após três anos com trabalho diário de quatro horas.

Existem diversas ilustrações na internet com o estilo das iluminuras e quadros medievais. O artista Jay Johnstone se notabiliza por seu estilo e fidelidade a obra de Tolkien.

A maioria do material original de Tolkien encontra-se publicado nos livros “Pictures by Tolkien” (1979), “J.R.R. Tolkien: Artist and Illustrator” (1995), “The Art of the Hobbit” (2011) e “The Art of the Lord of the Rings” (2014). Bem como diversas cópias nos períodicos relacionados a línguas artificiais de Tolkien como Vinyar Tengwar e Parma Eldalamberon.

Ilustração do Frodo e Sam por Jay Johnstone

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NOTAS:

[1] Carta 294, 8 de fevereiro de 1967, Carta para Charlotte e Denis Plimmer.

[2] FRANCO, p.23.

Legendarium

Os Grandes Contos da Primeira Era do Sol

Bilbo Bolseiro e o Livro Vermelho

 

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by Eduardo Stark

Ao ter a ideia de criar uma mitologia e seu mundo secundário, Tolkien percebeu que não poderia escrever todos os detalhes possíveis de uma realidade alternativa, pois seria uma tarefa humanamente impossível. Então a forma mais coerente foi criar camadas na história e utilizar a técnica da Narrativa em Abismo com relação à Autoria Ficcional.

Nessa “nova” mitologia o autor escreveria os principais acontecimentos e deixaria em aberto todo o restante. Assim, ele “Desenvolveria alguns dos grandes contos na sua plenitude e deixaria muitos apenas no projeto e esboçados.” (Carta 131, para Milton Waldman, 1951).

Na Carta 115, para Katherine Farrer, possivelmente data de 15 de junho de 1948, Tolkien elenca as principais lendas de sua mitologia, extraídas por Pengolod, e informa que ainda estariam incompletas ou desatualizadas naquele momento. E aponta que eram três grandes contos: “A Queda de Gondolin”, “A Balada de Beren e Lúthien (em verso)” e “Os Filhos de Húrin”.

Contudo, infelizmente Tolkien não finalizou essas narrativas como talvez gostaria. Uma série de circuntâncias de sua vida o afastaram do processo de acabementos dos textos. Esses três contos seriam, como afirma Christopher Tolkien, considerados “obras suficientemente completas, que não demandavam um conhecimento do grande corpo de lendas conhecido como Silmarillion”.[1] Seriam histórias que poderiam ser lidas separadamente e não haver um grande prejuízo para o entendimento do leitor, embora o conhecimento do mundo em que elas estão inceridas pudesse ser explicado rapidamente em um prefácio ou introdução.

No Legendarium de Tolkien esses Grandes Contos seriam parte da tradição dos Homens em Númenor e que passou aos reinos de seus descendentes na Terra-média. Lembrando disso Tolkien escreveu um pequeno texto em que trata sobre quais seriam esses contos:

Os três Grandes Contos devem ser Numenoreanos, e derivados de material preservado em Gondor. Eles faziam parte do Atanatarion (ou o Legendarium dos Pais dos Homens). ?Sindarin Nern in Edenedairr (ou In Adanath). São eles: (1) Narn Beren ion Barahir também chamado Narn e-Dinúviel (O Conto de Rouxinol) (2) Narn e-mbar Hador contendo (a) Narn i Chin Hurin (ou Narn e-‘Rach Morgoth, O Conto da Maldição de Morgoth); e (b) Narn en Êl (ou Narn e-Dant Gondolin ar Orthad en Êl)[2]” (Morgoth’s Ring, p. 373).[3]

Tentando encaixar esses contos dentro de uma possível publicação, Tolkien termina o trecho com uma questão “Não deveriam ser colocados como Apêndices do Silmarillion?[4] Nessa fase de sua escrita o autor diferenciava os Grandes Contos daqueles menores. Sendo apresentados os relatos mais suscintos no Quenta Silmarillion e os três Grandes Contos como material complementar.

Reforçando essa ideia de que os textos desses Grandes Contos eram parte da tradição númenoriana e não propriamente dos Elfos, Tolkien riscou a palavra “Noldor” e anotou “Númenor” em substitutição, no ponto em que mencionava a autoria da balada de Beren e Lúthien  como sendo a “a mais longa das canções de [Noldor] Númenor sobre o mundo antigo[5]

Ao comentar sobre os “nomes verdeiros” usados nas histórias e canções, na nota 17 em “The Shibboleth of Fëanor”, Christopher Tolkien afirma  que o Silmarillion não é uma obra dos elfos propriamente, mas uma compilação, provavelmente feita em Númenor. Ele comenta a dificuldade que existiu com o passar dos anos em manter os nomes originais entre os humanos. Contudo os “nomes verdadeiros não foram esquecidos pelos escribas e mestres das tradições ou os poetas, e eles podem ser frequentemente apresentados sem comentários[6] É nesse ponto que é feita a nota 17 conforme a seguir:

Como se vê em O Silmarillion. Este não é um título ou obra Eldarin. É uma compilação, provavelmente feita em Númenor, que inclui (em prosa) os quatro grandes contos ou baladas dos heróis dos Atani, dos quais “Os Filhos de Húrin” provavelmente foi composto em Beleriand na Primeira Era, mas necessariamente é precedido por um conto de Fëanor e sua criação das Silmarils. No entanto, todos são obras “Humanas”.[7]

No Silmarillion editado por Christopher Tolkien os Grandes Contos são colocados em prosa e mais reduzidos, correspondendo aos capítulos XIX ao XXIV. No comentário ele diz existir quatro grandes contos, ao invés de três, como Tolkien havia mencionado, pois considera a história de Eärendil como uma história independente da Queda de Gondolin e sendo um desfexo do Quenta Silmarillion.

Os rascunhos de Tolkien dos Grandes Contos foram publicados nos livros da série História da Terra-média com comentários feitos por Christopher Tolkien. Porém o material foi publicado em sua forma bruta, sem os arranjos necessários para formar histórias independentes como pretendia Tolkien.

Em 2007 foi publicado “Os Filhos de Húrin” editado por Christopher Tolkien e contém o material em prosa das histórias de Túrin Turambar posto de uma forma organizada para ter o conto completo.

Outro material relacionado aos Grandes Contos foi publicado em 2017 no livro “Beren e Lúthien”. Contudo, diferentemente de Os Filhos de Húrin, Christopher Tolkien não editou os textos em um material direto em uma história única. Nesse livro são apresentados trechos de diversos rascunhos em verso e prosa em ordem.

Até o momento, o conto de “A Queda de Gondolin” não foi publicado como um livro independente, embora o rascunho tenha sido publicado no segundo volume da série História da Terra-média, The Book of Lost Tales, part 2.

 

Capa de “Beren and Lúthien”, arte de Alan Lee.

O Livro Vermelho e os Grandes Contos

Em o Senhor dos Anéis os Hobbits escreveram suas histórias relacionados a Guerra do Anel. Em Valfenda, o hobbit Bilbo Bolseiro teve acesso aos manuscritos das tradições antigas dos elfos e númenorianos. E assim realizou as “Traduções do Èlfico”, cujo conteúdo é provavelmente O Silmarillion e os Grandes Contos.

Os Grandes Contos foram encontrados por Bilbo em Quenya, considerada a língua nobre entre os elfos da Terra-média. Os sábios e escribas de Númenor preservavam essa língua como se fosse o latim na Europa medieval. E assim, embora esses manuscritos estivessem na língua dos elfos não foram por eles escritos.

Aliado a isso, a única cópia do Livro Vermelho do Marco Ocidental que contém as “Traduções do Élfico” feitas por Bilbo Bolseiro é a preservada pelos homens de Gondor, em especial o estudioso Findegil, que realizou correções no livro e acrescentou novos relatos. Dessa forma, o Livro Vermelho do Marco Ocidental, tem sua tradição mesclada com os registros dos homens de Gondor e os Grandes Contos se mantiveram como parte da tradição dos homens.

O Livro Vermelho

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NOTAS:

[1]  Os Filhos de Húrin, p.12.

[2]  Traduzido como “Conto da Queda de Gondolin e ascensão da Estrela”.

[3] “The three Great Tales must be Numenorean, and derived from matter preserved in Gondor. They were part of the  Atanatarion (or the Legendarium of the Fathers of Men). ?Sindarin Nern in Edenedair (or In Adanath). They are (1) Narn Beren ion Barahir also called Narn e-Dinúviel (Tale of the Nightingale)  (2) Narn e-mbar Hador containing (a) Narn i Chin Hurin (or Narn e-‘Rach Morgoth Tale of the Curse of  Morgoth); and (b) Narn en Êl (or Narn e-Dant Gondolin ar Orthad en Êl)” (Morgoth’s Ring, p. 373).

[4] “Should not these be given as Appendices to the Silmarillion?” (Morgoth’s Ring, p.373).

[5] The War of the Jewels, p.243.

[6] “The true names were not however forgotten by the scribes and loremasters or the poets, and they might often be introduced without comment”. (The People of Middle-earth, p. 340).

[7] “As is seen in The Silmarillion. This is not an Eldarin title or work. It is a compilation, probably made in Numenor, which includes(in prose) the four great tales or lays of the heroes of the Atani,of which ‘The Children of Hurin’ was probably composed already in Beleriand in the First Age, but necessarily is preceded by an account of Fëanor and his making of the Silmarils. All however are ‘Mannish’ works”. (The People of Middle-earth, p. 357).

Sobre Livros

Marlon James prepara trilogia fantástica no continente africano!


 

O escritor Marlon James, de origem jamaicana, está escrevendo uma série de livros de fantasia, porém com o diferencial que elas estão relacionadas com o continente africano.

Marlon James é autor dos livros  John Crow’s Devil (2005), The Book of Night Women(2009), e A Brief History of Seven Killings (2014). Esse último foi publicado no Brasil com o título “Breve História de Sete Assassinatos” pela editora Intrinseca.

Em entrevista concedida ao site Veja (AQUI), publicada ontem (29 de julho de 2017)  o autor explica mais sobre suas obras e faz uma rápida análise com os filmes de Tarantino e Cidade de Deus.

Agora o autor está escrevendo uma trilogia fantástica, que tem o nome de Dark Star, onde irá explorar as origens dos negros relacionadas com lendas e histórias mitológicas africanas. O período das histórias é indeterminado, possivelmente após a queda do império romano, o que daria um clima medieval e será ambientado em reinos africanos.

Algumas pessoas criticam a fantasia, com foco em O Senhor dos Anéis de Tolkien e as Crônicas de Gelo e Fogo de George R. Martin, por não existir uma representação de negros como consideram adequados, já que essas histórias são eurocêntricas (com histórias que tem foco a Europa e não o resto do mundo). Dentro dessa mesma crítica, há poucos dias o ator John Boyega que faz um protagonista dos novos filmes de Star Wars, declarou que falta negros nos filmes de fantasia e criticou isso, conforme pode ser visto AQUI.

Marlon James parece ter estudado os livros de fantasia para entender as suas bases. A ideia de Tolkien ao iniciar seu universo foi criar uma mitologia que fosse dedicada para a Inglaterra e assim a visão seria de um tempo imaginário em que a região seria equivalente a Europa. Da mesma forma George R. Martin também informa que sua obra está relacionada com a Inglaterra (como pode ser visto AQUI). Na entrevista concedida ao site Veja, Marlon James afirmou o seguinte:

“Gosto muito de Tolkien, George R.R. Martin, entre outros. Porém, todas estas literaturas são eurocêntricas. Temos a lenda do rei Arthur, os celtas, os vikings e os vampiros. Amo todos eles, mas são todos europeus. E o que eu estou escrevendo quebra isso. A história se passa totalmente dentro da cultura da África”.

James conta que já existem convites para uma possível adaptação da trilogia, porém, é cedo para fechar qualquer negócio.

“Me deixem terminar o primeiro livro primeiro. Pois vai ser pesado… Se bem que Game of Thrones também é e as pessoas gostam. Então, é questão de esperar.”

A expectativa de lançamento do primeiro volume, Black Leopard, Red Wolf (“Leopardo Negro, Lobo Vermelho”, em tradução literal), é o segundo semestre de 2018. Os livros seguintes, Moon Witch, Night Devil (“Bruxa da Lua, Demônio da Noite”, em tradução literal) e The Boy and the Dark Star (“O Garoto e a Estrela Escura”), devem ser lançados no intervalo de dois em dois anos.

 

 

Legendarium

A Autoria ficcional no Legendarium de J.R.R. Tolkien

 

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by Eduardo Stark

O professor J.R.R. Tolkien utilizou em seus livros uma técnica conhecida como “Story within a Story” (História dentro de uma história), também chamada Mise em Abyme. Nesse recurso literário o autor escreve o livro e este é como se fosse parte da própria história que relata. Existe a figura do autor ficcional, um personagem que faz parte daquele universo, mas que ao mesmo tempo é autor das mesmas histórias que testemunhou ou que anotou os seus relatos. (Veja mais sobre a ténica Mise em Abyme AQUI).

Ao escrever suas obras Tolkien não apenas narrou as histórias com o ponto de vista do autor, como a maioria dos romances, no chamado narrador onipresente e onisciente. O que ele pretendia era que cada uma de suas histórias fossem também manuscritos ou registros daquele período dentro do próprio mundo.

Nesse sentido, existem dois grandes planos para se entender as obras e sua autoria: O Mundo Primário e o Mundo Secundário. O Mundo primário é o nosso mundo e nossa realidade, onde evidentemente o autor dos livros é apenas J.R.R. Tolkien. Enquanto que no Mundo Secundário, as histórias narradas teriam seus próprios autores ficcionais.

Em várias passagens dos livros O Hobbit e O Senhor dos Anéis, Tolkien demonstrou que o Legendarium era um passado mitológico de nosso próprio mundo. Isso quer dizer que existe, dentro da fantasia, uma linha temporal que liga a quarta era do sol da Terra-média (o final de o Senhor dos Anéis) e a nossa época pós-segunda guerra mundial. (veja mais em nosso artigo AQUI).

O professor Tolkien se coloca como um estudioso que encontrou registros históricos em línguas diferentes. Dentro de seu mundo secundário ele seria um tradutor dessa obra. Isso é demonstrado, por exemplo, na edição do Hobbit publicada em 1937. Existem runas nas partes superiores e inferiores da dustcover que informam que o livro é um compilado feito por Tolkien a partir das memórias escritas por Bilbo Bolseiro:

“O Hobbit ou Lá e de Volta Outra Vez; Sendo o registro de um ano da jornada feita por Bilbo Bolseiro da Vila dos Hobbits; compilado a partir de suas memórias por J.R.R. Tolkien; e publicado pela George Allen & Unwin Ltd”.

Outro exemplo está no frontispício de O Senhor dos Anéis, que informa ser o livro uma tradução de J.R.R. Tolkien a partir dos manuscritos do Livro Vermelho do Marco Ocidental. Conforme pode ser lido a seguir:

“O Senhor dos Anéis traduzido do Livro Vermelho do Marco Ocidental por John Reuel Tolkien. Aqui está contada a história da Guerra do Anel e do Retorno do Rei conforme vista pelos hobbits.”

Dessa forma, tanto O Hobbit quanto O Senhor dos Anéis, são relatos dos próprios protagonistas das histórias. Que apresentam sua visão da Guerra do Anel. Em síntese, existem duas formas de se analisar a autoria do Senhor dos Anéis e o Hobbit:

·Autor Real (Mundo Primário): J.R.R. Tolkien autor do Senhor dos Anéis e o Hobbit, que escreveu suas obras entre 1930 a 1955.

·Autor Ficcional (Mundo Secundário): Bilbo Bolseiro autor do Hobbit. Frodo, Sam e outros como autores de O Senhor dos Anéis, que somado a outros volumes formam o Livro Vermelho, escrito no final da Terceira Era e início da Quarta Era do Sol na Terra-média. Que por sua vez foi traduzido do Westron para o Inglês por J.R.R. Tolkien na Sétima Era do Sol.

 

No inicio de O Senhor dos Anéis, A Sociedade do Anel, Livro I, em “Notas sobre o Registro do Condado” existe o relato sobre como se formou o Livro Vermelho a partir dos relatos dos Hobbits e com acréscimos de alguns humanos. Além disso, é citado que a cópia do humano Findegil é a única que:

“contém todas as “Traduções do Élfico” feitas por Bilbo. Esses três volumes foram considerados um trabalho de grande habilidade e erudição durante o qual, entre 1403 e 1418, ele usou todas as fontes disponíveis em Valfenda, tanto vivas quanto escritas”.

Bilbo Bolseiro passou quinze anos em Valfenda fazendo anotações com os relatos dos próprios elfos e fazendo traduções dos manuscritos. Certamente o Hobbit teve diálogos interessantes com os mais renomados estudiosos de Valfenda que se encontravam naquele local, dentre eles Elrond e talvez Glorfindel. Quanto a essas “fontes escritas” disponíveis em Valfenda, que Bilbo teve acesso, O Senhor dos Anéis não trata com detalhes de quem seriam seus autores ou o que tratavam propriamente.

Essas chamadas “Traduções do Élfico” são presumivelmente[1] o próprio Silmarillion com os grandes contos de Beren e Lúthien, Os Filhos de Húrin e A Queda de Gondolin, dentre outros textos. Assim, pode-se resumir da seguinte forma:

·Autor Real (Mundo Primário): J.R.R. Tolkien autor dos textos de O Silmarillion, Os Filhos de Húrin, Beren e Lúthien, A Queda de Gondolin e outros textos sobre o Legendarium não publicados durante sua vida. Postumamente os principais textos foram publicados com edição de Christopher Tolkien.

·Autor Ficcional (Mundo Secundário): O Silmarillion, Os Filhos de Húrin, Beren e Lúthien, A Queda de Gondolin e outros textos são traduções e complementos feitos por Bilbo Bolseiro a partir dos manuscritos e relatos antigos. Que por sua vez foi traduzido do Westron para o Inglês por J.R.R. Tolkien na Sétima Era do Sol e publicado postumamente por Christopher Tolkien.

Assim, o Silmarilion apresenta a versão das histórias que trata dos elfos, enquanto que no Hobbit é uma visão mais humana (hobbitesca), culminando com o Senhor dos Anéis que reúne materiais tanto das histórias élficas quanto hobbitescas e humanas propriamente.

Tolkien deixa clara essa forma de entender sua obra quando afirmou em uma de suas cartas: “Assim como presume-se que as Lendas elevadas do início sejam a visão das coisas através de mentes Élficas, a história intermediária do Hobbit assume um ponto de vista praticamente humano — e a última história combina-os”. (Carta 131, para Milton Waldman, de 1951).

Desso modo, a Autoria real, ou do mundo primário, parece obvia pela simples constatação da realidade e dos fatos da vida e obra de Tolkien. Contudo, no mundo secundário há uma maior dificuldade em definir quais seriam os autores dos relatos élficos, quais seriam esses manuscritos que Bilbo teve acesso e que usou como fonte para suas traduções.

Ausência de autoria ficcional dos livros póstumos de Tolkien

Entre os anos de 1914 a 1973, o renomado escritor J.R.R. Tolkien dedicou boa parte de seu tempo escrevendo sua própria mitologia que pudesse dedicar a Inglaterra e que incluísse aspectos de línguas artificiais. A esses escritos deu-se o nome de legendarium, o conjunto de histórias do seu mundo imaginário.

Durante sua vida Tolkien publicou pouco material relacionado ao seu legendarium. Basicamente foram O Hobbit (1937), O Senhor dos Anéis (1954-1955), As Aventuras de Tom Bombadil (1962) e Road Goes Ever On (1968)[2] e concedeu algumas entrevistas em que comentava sobre seus livros.

Tolkien acabou falecendo em 1973 deixando centenas de manuscritos com diversos rascunhos de suas obras. Eram prateleiras cheias de cartas, desenhos, poemas, capítulos inacabados, esquemas, mapas etc.

Grande parte desse material foi editado por Christopher Tolkien, filho do autor e herdeiro literário. Os principais livros são O Silmarillion, Beren e Lúthien, Contos Inacabados e Os Filhos de Húrin. Além dessas obras também foi publicada a série de doze volumes chamada A História da Terra-média.

Contudo, nenhuma dessas obras apresenta indicativos de seus autores ficcionais, tal como havia acontecido em O Hobbit e O Senhor dos Anéis. Em Beren e Lúthien e Os Filhos de Húrin o editor não colocou nenhum frontispício, enquanto no Silmarillion e Contos Inacabados.

No frontispício do livro O Silmarillion, onde deveria estar o nome dos autores ficcionais, Christopher Tolkien escreveu o seguinte:

The tales of the First Age when Morgoth dwelt in Middle-Earth and the Elves made war upon him for the recovery of the Silmarils,

Os contos da Primeira Era, quando Morgoth habitava na Terra-Média e os Elfos fizeram guerra contra ele para a recuperação das Silmarils,

to which are appended the downfall of Númenórë and the history of the Rings of Power and the Third Age in which these tales come to their end

aos quais estão anexadas a queda de Númenórë e a história dos Anéis de Poder e da Terceira Era em que estes contos chegam ao fim.

Enquanto que no livro Contos Inacabados, no frontispício está escrito: “Neste livro de contos inacabados de John Ronald Reuel Tolkien, que foi compilado por Christopher Reuel Tolkien, seu filho, são relatadas muitas coisas dos homens e elfos em Númenor e na Terra Média”.

Assim, no Silmarillion publicado e outras obras póstumas, Christopher Tolkien optou por não mencionar o nome de seu pai como um tradutor dos manuscritos, diferente do que ocorreu em O Senhor dos Anéis e o Hobbit. Ele se ateve apenas a indicar os textos que compõem o livro e não mencionar autores ficcionais.

A autoria ficcional no Silmarillion e o erro de Christopher Tolkien

O Silmarillion editado por Christopher Tolkien, não pode ser entendido como um livro único propriamente, pois ele se divide em diversos relatos que podem ser lidos de forma separada sem grande comprometimento.

Tal como na Bíblia existem vários livros distintos reunidos em um único volume, os escritos dos elfos e humanos estão assim dispostos em ordem cronológica: Ainulindalë, Valaquenta, Quenta Silmarillion, Akallabêth e Dos Anéis de Poder e da Terceira Era.

No Ainulindalë e no Valaquenta estão os relatos sobre os Valar e a criação de Arda. No Quenta Silmarillion são narradas as histórias da luta dos elfos contra Morgoth, focando especialmente nas aventuras relacionadas às Silmarils, pedras encantadas moldadas por Fëanor. Colocado junto com esses textos está o Akallabêth que narra as histórias dos reis dos homens que habitavam a ilha de Númenor e a sua drástica destruição. E por último, há um pequeno relato sobre a Terceira Era e como a luta dos elfos contra o mal na Terra Média se encerrou com a destruição de Sauron, o último senhor do escuro.

Essa foi a ideia do Tolkien. De que O Silmarillion seria uma reunião de escritos dos elfos e humanos sobre os tempos antigos. Conforme Christopher Tolkien informa no seu prefácio do Silmarillion:

“…meu pai veio a conceber O Silmarillion como uma compilação, uma narrativa sucinta e abrangente, feita muito tempo depois, a partir de fontes de grande diversidade (poemas, crônicas históricas e narrativas orais), que sobreviveram numa tradição secular” (O Silmarillion, Prefácio de Christopher Tolkien).

Entre a publicação do Silmarillion em 1977 até a publicação do livro ‘As Cartas de J.R.R. Tolkien’ em 1981, não havia material suficiente para determinar quais seriam os autores ficcionais dos textos que seriam parte do compilado do Silmarillion, no mundo imaginário.

Christopher Tolkien com seu tradicional cachimbo Hobbbitesco.

No ano seguinte, o autor Tom Shippey publicou o livro “The Road to Middle-earth: How J. R. R. Tolkien Created a New Mythology” (A Estrada para a Terra-média: Como J.R.R. Tolkien Criou uma Nova Mitologia). Nessa obra, Shippey discute temas relacionados a origem do legendarium de Tolkien e apresenta suas considerações. Ele chega a tratar sobre a profundidade do Silmarillion e a necessidade de se ter as “camadas” tal como existe em O Senhor dos Anéis.

Na tentativa de definir os autores ficcionais do Silmarillion, Shippey assumiu que os próprios textos poderiam “ser supostamente escritos por Homens, de diferentes períodos, pesquisando pelas eras os vastos rumores dos quais a verdade sabiam apenas em parte.” (The Road to Middle-earth, p.230). [3]

Nesse raciocínio, Tom Shippey faz uma analogia com manuscritos reais, e complementa sua ideia dizendo que:

“O Silmarillion poderia então se tornar parecido (por exemplo) com “A Saga do Rei Heidrek, o Sábio”, escrita posteriormente mas preservando intensamente os fragmentos dos versos dos quais muito do tempo antigo foi perdido, então até mesmo em questão editorial poderia reforçar o efeito de antiguidade e escuridão…” (The Road to Middle-earth, p.230).[4]

Com a publicação dos doze livros da série História da Terra-média, editados por Christopher Tolkien, fica claro que a autoria ficcional é muito mais complexa do que Shippey poderia imaginar e suas suposições não poderiam ser consideradas. Inicialmente, nos Livros dos Contos Perdidos as histórias era escritas com base em relatos dos próprios elfos que foram testemunhas de alguns dos fatos e não apenas conhecedores de rumores em parte verdadeiros.

Embora Shippey não tenha acertado na sugestão do autor ficcional, a ideia da necessidade dela para que a obra tivesse uma maior profundidade foi levada em consideração por estudiosos da época e até mesmo pelo Christopher Tolkien.

Na tentativa de responder aos comentários de Tom Shippey, logo no primeiro livro da série História da Terra-média, no Livro dos Contos Perdidos primeira parte, Christopher Tolkien apresenta explicações de ter omitido a autoria ficcional do Silmarillion e as camadas das histórias.

Christopher Tolkien reconhece que a ausência de camadas no Silmarillion foi um erro, porém justificável naquela época. Conforme ele reconheceu expressamente: “A obra publicada não tem nenhuma ‘camada’, nenhuma sugestão do que é ou como veio a ser dentro do mundo imaginário. Agora penso que isso tenha sido um erro”[5]

O tema da autoria ficcional dos relatos do Silmarillion é um dos mais complexos do legendarium, pois Tolkien mudou de diversas formas suas histórias nesse ponto. Isso acabou levando Christopher Tolkien a evitar qualquer menção do tipo no Silmarillion e obras póstumas do legendarium.

O modo original, em O Livro dos Contos Perdidos, no qual um Homem, Eriol, após uma grande viagem pelo oceano, chega até a ilha onde os Elfos habitam e aprende sua história de seus próprios lábios, gradualmente foi descartada. Quando meu pai morreu em 1973, “O Silmarillion” estava em um estado característico de desordem: as partes mais antigas muito revisadas ou reescritas largamente, e as partes finais deixadas do mesmo jeito que estavam há vinte anos. Mas nos últimos escritos, não há vestígio ou sugestão de qualquer “técnica” ou “camada” no qual deveria ser configurado. Eu acho que, no final, ele concluiu que nada serviria, e não seria mais dito além de uma explicação de como veio a ser registrado, dentro do mundo imaginado. (The Book of Lost Tales, part 1)[6]

Quanto a afirmação de que “nos últimos escritos, não há vestígio ou sugestão de qualquer “técnica” ou “camada” no qual deveria ser configurado” isso não é inteiramente verdadeiro, já que conforme os outros onze livros seguintes da série História da Terra-média foram sendo publicados, ficou demonstrado que há textos tardios que contém a técnica.

Como exemplo há diversas passagens em que são mencionados os autores ficcionais em manuscritos posteriores a publicação de O Senhor dos Anéis como os Anais de Aman (The Annals of Aman, in Morgoth’s Ring, p.48 e p.64-65), Anais Cinzentos (The Grey Annals, in War of the Jewels, p.5), o prefácio de Os Filhos de Húrin, (The War of the Jewels p.310-313), menções datadas de janeiro de 1960 (The People of Midde-earth, p.396 e 404), dentre outras.

Dessa forma, a ideia de ter autores ficcionais parece ter se mantido na mente de Tolkien em diversos materiais posteriores. Contudo, no final de sua vida, o autor estava bastante preocupado com aspectos mais abstratos de sua obra, conforme Christopher Tolkien disse: “Em seus textos tardios, a mitologia e a poesia cederam espaço a preocupações teológicas e filosóficas, motivo pelo qual surgiram incompatibilidades de tom”.(O Silmarillion, Prefácio de Christopher Tolkien).

Como o material implicava em análises profundas e para evitar que ocorresse contradições, o editor preferiu omitir quase tudo relacionado a autores ficcionais diretamente. O que demonstra certa prudência, pois a omissão não implica necessariamente em um erro ativo, que dificilmente seria revertido. O ato de omitir os autores ficcionais não prejudica a ideia de que os textos foram assim desenvolvidos.

Em comentário Christopher Tolkien lamenta não ter incluído a ideia de uma nova camada no Silmarillion. Isso por que ele deveria primeiramente presumir que as “Traduções do Élfico” feitas por Bilbo eram de fato o Silmarillion e assim, seriam parte do Livro Vermelho do Marco Ocidental na cópia de Findegil. Porém, o editor preferiu não tornar definitivo na obra algo que ele estava presumindo e não que o próprio Tolkien havia colocado.

Foi nesse sentido que Christopher Tolkien expressou:

Também assumi que os “livros da tradição” que Bilbo deu para Frodo põem um fim a questão: eles eram ‘O Silmarillion’. Mas, além da evidência citada aqui, até onde eu sei, não há nenhuma outra declaração sobre este assunto em qualquer lugar nos escritos de meu pai. E de forma errada, como agora penso, fiquei relutante em ultrapassar o limite e tornar definitivo o que eu apenas presumi (The Book of Lost Tales, Part I, p.6).[7]

Se levado em conta a afirmação de Christopher Tolkien e outros especialistas que afirmam ser as Traduções do Élfico de Bilbo Bolseiro o próprio Silmarillion, deveria existir um novo frontispício no Silmarillion. Agora incluindo o título do livro e o próprio tradutor. A título de exemplo poderia ser lido assim:

O Silmarillion, traduzido do Livro Vermelho do Marco Ocidental por John Reuel Tolkien. Contem os contos da Primeira Era, quando Morgoth habitava na Terra-Média e os Elfos fizeram guerra contra ele para a recuperação das Silmarils, aos quais estão anexadas a queda de Númenórë e a história dos Anéis de Poder e da Terceira Era em que estes contos chegam ao fim.

Contudo, embora tenha declarado seu lamento quanto a omissão, na segunda edição do Silmarillion publicada em 1999 pela editora HarperCollins, não há qualquer menção sobre o tema no prefácio.

NOTAS: 

[1] Conforme Christopher Tolkien concluiu no Livro dos Contos Perdidos (The Book of Lost Tales, Part I, p.6) e também Christina Scull e Wayne Hammond (The Lord of the Rings A Reader’s Companion, p.41) e Robert Foster (The Complete Guide To Middle-earth).
[2] A Estrada em Frente Vai Seguindo – livro ainda inédito no Brasil.
[3] “being supposedly written by Men, of different periods, looking back across the ages to vast rumours of whose truth they knew only part” (The Road to Middle-earth, p.230).
[4] “The Silmarillion might then have come to look like (for exemple) The Saga of King Heidrek the Wise, written late but preserving intensely moving fragments of verse from some much older time now lost; even the editorial matter would then reinforce the effect of age and darkness…” (The Road to Middle-earth, p.230).
[5] “The published work has no  ‘framework’, no suggestion of what it is and how (within the imagined world) it came to be. This I now think to have been  an error” (The Book of Lost Tales, part 1,)
[6] The original mode, that of The Book of Lost Tales, in which a Man, Eriol, comes after a great voyage over the ocean to the island where the Elves dwell and learns their history from their own lips, had (by degrees) fallen away. When my father died in 1973 ‘The Silmarillion’ was in a characteristic state of disarray: the earlier parts much revised or largely rewritten, the concluding parts still as he  had left them some twenty years before; but in the latest writing there is no trace or suggestion of any ‘device’ or ‘framework’ in which it was to be set. I think that in the end he concluded that nothing would serve, and no more would be said beyond an explanation of how (within the imagined world) it came to be recorded. (The Book of Lost Tales, part 1)
[7] So also I have assumed: the ‘books of lore’ that Bilbo gave to Frodo provided in the end the solution: they were ‘The Silmarillion’. But apart from the evidence cited here, there is, so far as I know, no other statement on this matter anywhere in my father’s writings; and (wrongly, as I think now) I was reluctant to step into the breach and make definite what I only surmised. (The Book of Lost Tales, Part I, p.6).

 

BIBLIOGRAFIA UTILIZADA:

 

TOLKIEN, J.R.R. O Silmarillion, Martins Fontes, São Paulo, 1999.

_______________ O Hobbit, Martins Fontes, São Paulo, 1995.

_______________O Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel, Martins Fontes, São Paulo, 1994.

_______________ Contos Inacabados de Númenor, Martins Fontes, São Paulo, 2002.

______________ The Book of Lost Tales, part 1, HarperCollins, London, 1984.

SHIPPEY, TOM. The Road to Middle-earth: How J. R. R. Tolkien Created a New Mythology. HarperCollins, London, 2001.