Sobre Filmes

Colm Meaney irá interpretar o Pe.Francis Morgan

Segundo informação do site Deadline, em 12 de outubro de 2017, o ator Colm Meaney foi escolhido para interpretar o Pe. Francis Xavier Morgan, o tutor de J.R.R. Tolkien.  

Até o momento foram escolhidos para o papel dos protagonistas a atriz Lily Collins (Edith Bratt) e o ator Nicholas Hault (J.R.R. Tolkien). O filme “Tolkien” será dirigido por Dome Karuloski e roteiro de David Gleeson.

Colm Meaney é um ator irlandês cujo papel de maior destaque foi o de Miles O´Brien, na telessérie Star Trek: Deep Space Nine. O seu personagem desempenhou um papel fundamental na vida de J.R.R. Tolkien. O Pe. Francis Morgan foi responsável pela criação do autor do Hobbit, após o falecimento de sua mãe, que havia se convertido ao catolicismo e deixado os filhos aos cuidados do padre.

Segundo rumores na internet, as filmagens já começaram e ao que parece o filme será lançado no final de 2018.

O filme irá narrar a história da juventude de Tolkien e os momentos decisivos em sua vida quando iniciou seu romance com Edith e sua luta na Primeira Guerra Mundial.

Padre Francis Morgan
Legendarium

Os Grandes Contos da Primeira Era do Sol

Bilbo Bolseiro e o Livro Vermelho

 

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by Eduardo Stark

Ao ter a ideia de criar uma mitologia e seu mundo secundário, Tolkien percebeu que não poderia escrever todos os detalhes possíveis de uma realidade alternativa, pois seria uma tarefa humanamente impossível. Então a forma mais coerente foi criar camadas na história e utilizar a técnica da Narrativa em Abismo com relação à Autoria Ficcional.

Nessa “nova” mitologia o autor escreveria os principais acontecimentos e deixaria em aberto todo o restante. Assim, ele “Desenvolveria alguns dos grandes contos na sua plenitude e deixaria muitos apenas no projeto e esboçados.” (Carta 131, para Milton Waldman, 1951).

Na Carta 115, para Katherine Farrer, possivelmente data de 15 de junho de 1948, Tolkien elenca as principais lendas de sua mitologia, extraídas por Pengolod, e informa que ainda estariam incompletas ou desatualizadas naquele momento. E aponta que eram três grandes contos: “A Queda de Gondolin”, “A Balada de Beren e Lúthien (em verso)” e “Os Filhos de Húrin”.

Contudo, infelizmente Tolkien não finalizou essas narrativas como talvez gostaria. Uma série de circuntâncias de sua vida o afastaram do processo de acabementos dos textos. Esses três contos seriam, como afirma Christopher Tolkien, considerados “obras suficientemente completas, que não demandavam um conhecimento do grande corpo de lendas conhecido como Silmarillion”.[1] Seriam histórias que poderiam ser lidas separadamente e não haver um grande prejuízo para o entendimento do leitor, embora o conhecimento do mundo em que elas estão inceridas pudesse ser explicado rapidamente em um prefácio ou introdução.

No Legendarium de Tolkien esses Grandes Contos seriam parte da tradição dos Homens em Númenor e que passou aos reinos de seus descendentes na Terra-média. Lembrando disso Tolkien escreveu um pequeno texto em que trata sobre quais seriam esses contos:

Os três Grandes Contos devem ser Numenoreanos, e derivados de material preservado em Gondor. Eles faziam parte do Atanatarion (ou o Legendarium dos Pais dos Homens). ?Sindarin Nern in Edenedairr (ou In Adanath). São eles: (1) Narn Beren ion Barahir também chamado Narn e-Dinúviel (O Conto de Rouxinol) (2) Narn e-mbar Hador contendo (a) Narn i Chin Hurin (ou Narn e-‘Rach Morgoth, O Conto da Maldição de Morgoth); e (b) Narn en Êl (ou Narn e-Dant Gondolin ar Orthad en Êl)[2]” (Morgoth’s Ring, p. 373).[3]

Tentando encaixar esses contos dentro de uma possível publicação, Tolkien termina o trecho com uma questão “Não deveriam ser colocados como Apêndices do Silmarillion?[4] Nessa fase de sua escrita o autor diferenciava os Grandes Contos daqueles menores. Sendo apresentados os relatos mais suscintos no Quenta Silmarillion e os três Grandes Contos como material complementar.

Reforçando essa ideia de que os textos desses Grandes Contos eram parte da tradição númenoriana e não propriamente dos Elfos, Tolkien riscou a palavra “Noldor” e anotou “Númenor” em substitutição, no ponto em que mencionava a autoria da balada de Beren e Lúthien  como sendo a “a mais longa das canções de [Noldor] Númenor sobre o mundo antigo[5]

Ao comentar sobre os “nomes verdeiros” usados nas histórias e canções, na nota 17 em “The Shibboleth of Fëanor”, Christopher Tolkien afirma  que o Silmarillion não é uma obra dos elfos propriamente, mas uma compilação, provavelmente feita em Númenor. Ele comenta a dificuldade que existiu com o passar dos anos em manter os nomes originais entre os humanos. Contudo os “nomes verdadeiros não foram esquecidos pelos escribas e mestres das tradições ou os poetas, e eles podem ser frequentemente apresentados sem comentários[6] É nesse ponto que é feita a nota 17 conforme a seguir:

Como se vê em O Silmarillion. Este não é um título ou obra Eldarin. É uma compilação, provavelmente feita em Númenor, que inclui (em prosa) os quatro grandes contos ou baladas dos heróis dos Atani, dos quais “Os Filhos de Húrin” provavelmente foi composto em Beleriand na Primeira Era, mas necessariamente é precedido por um conto de Fëanor e sua criação das Silmarils. No entanto, todos são obras “Humanas”.[7]

No Silmarillion editado por Christopher Tolkien os Grandes Contos são colocados em prosa e mais reduzidos, correspondendo aos capítulos XIX ao XXIV. No comentário ele diz existir quatro grandes contos, ao invés de três, como Tolkien havia mencionado, pois considera a história de Eärendil como uma história independente da Queda de Gondolin e sendo um desfexo do Quenta Silmarillion.

Os rascunhos de Tolkien dos Grandes Contos foram publicados nos livros da série História da Terra-média com comentários feitos por Christopher Tolkien. Porém o material foi publicado em sua forma bruta, sem os arranjos necessários para formar histórias independentes como pretendia Tolkien.

Em 2007 foi publicado “Os Filhos de Húrin” editado por Christopher Tolkien e contém o material em prosa das histórias de Túrin Turambar posto de uma forma organizada para ter o conto completo.

Outro material relacionado aos Grandes Contos foi publicado em 2017 no livro “Beren e Lúthien”. Contudo, diferentemente de Os Filhos de Húrin, Christopher Tolkien não editou os textos em um material direto em uma história única. Nesse livro são apresentados trechos de diversos rascunhos em verso e prosa em ordem.

Até o momento, o conto de “A Queda de Gondolin” não foi publicado como um livro independente, embora o rascunho tenha sido publicado no segundo volume da série História da Terra-média, The Book of Lost Tales, part 2.

 

Capa de “Beren and Lúthien”, arte de Alan Lee.

O Livro Vermelho e os Grandes Contos

Em o Senhor dos Anéis os Hobbits escreveram suas histórias relacionados a Guerra do Anel. Em Valfenda, o hobbit Bilbo Bolseiro teve acesso aos manuscritos das tradições antigas dos elfos e númenorianos. E assim realizou as “Traduções do Èlfico”, cujo conteúdo é provavelmente O Silmarillion e os Grandes Contos.

Os Grandes Contos foram encontrados por Bilbo em Quenya, considerada a língua nobre entre os elfos da Terra-média. Os sábios e escribas de Númenor preservavam essa língua como se fosse o latim na Europa medieval. E assim, embora esses manuscritos estivessem na língua dos elfos não foram por eles escritos.

Aliado a isso, a única cópia do Livro Vermelho do Marco Ocidental que contém as “Traduções do Élfico” feitas por Bilbo Bolseiro é a preservada pelos homens de Gondor, em especial o estudioso Findegil, que realizou correções no livro e acrescentou novos relatos. Dessa forma, o Livro Vermelho do Marco Ocidental, tem sua tradição mesclada com os registros dos homens de Gondor e os Grandes Contos se mantiveram como parte da tradição dos homens.

O Livro Vermelho

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NOTAS:

[1]  Os Filhos de Húrin, p.12.

[2]  Traduzido como “Conto da Queda de Gondolin e ascensão da Estrela”.

[3] “The three Great Tales must be Numenorean, and derived from matter preserved in Gondor. They were part of the  Atanatarion (or the Legendarium of the Fathers of Men). ?Sindarin Nern in Edenedair (or In Adanath). They are (1) Narn Beren ion Barahir also called Narn e-Dinúviel (Tale of the Nightingale)  (2) Narn e-mbar Hador containing (a) Narn i Chin Hurin (or Narn e-‘Rach Morgoth Tale of the Curse of  Morgoth); and (b) Narn en Êl (or Narn e-Dant Gondolin ar Orthad en Êl)” (Morgoth’s Ring, p. 373).

[4] “Should not these be given as Appendices to the Silmarillion?” (Morgoth’s Ring, p.373).

[5] The War of the Jewels, p.243.

[6] “The true names were not however forgotten by the scribes and loremasters or the poets, and they might often be introduced without comment”. (The People of Middle-earth, p. 340).

[7] “As is seen in The Silmarillion. This is not an Eldarin title or work. It is a compilation, probably made in Numenor, which includes(in prose) the four great tales or lays of the heroes of the Atani,of which ‘The Children of Hurin’ was probably composed already in Beleriand in the First Age, but necessarily is preceded by an account of Fëanor and his making of the Silmarils. All however are ‘Mannish’ works”. (The People of Middle-earth, p. 357).

Diversas, Legendarium

Os Númenorianos e a preservação da tradição élfica


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by Eduardo Stark

Após grandes batalhas contra Morgoth e seus seguidores malignos, os homens descendentes dos Edain da Primeira Era se reuniram e foram viver na ilha de Elenna, que passou a ser chamada de Númenor. O povo que ali habitava eram os Númenorianos. Eles eram humanos que tinham uma aproximação com os elfos.

Essa aliança entre as raças não era decorrência apenas de uma admiração entre os povos. Além da luta em comum contra Morgoth, existe a ligação com a genealogia dos seus líderes. O primeiro rei dos númenorianos foi Elros, filho de Eärendil, cujos ascendentes foram grandes elfos e humanos que lutaram contra Morgoth.

A relação entre esses dois povos era tão intensa a ponto de os estudiosos númenorianos aprendessem as línguas antigas dos elfos, em especial o Quenya, que é considerado como um equivalente ao Latim para os elfos. E se tornou um costume dos Reis assumirem seus títulos nas formas do idioma Quenya, “visto que esse era o idioma mais nobre do mundo, e esse costume perdurou até os dias de Ar-Adû-nakhôr (Tar-Herunúmen)” (Contos Inacabados, p.247).

Durante muito tempo havia uma relação estreita entre humanos e os elfos de Tol Eressëa e da Terra-média, e com isso os númenorianos aprendiam muitas técnicas que aplicavam em sua ilha.[1] O vinculo cultural e linguístico proporcionou novos registros, livros e canções das histórias dos povos daquela época e de antigas eras.

O povo comum númenoriano permanecia com suas atividades cotidianas, enquanto que os eruditos preservavam as tradições e costumes. Conforme está escrito em O Silmarillion:

E os eruditos entre eles aprenderam também o alto-eldarin do Reino Abençoado, idioma no qual grande volume de prosa e verso foi preservado desde o início do mundo. E eles criavam cartas, pergaminhos e livros, neles escrevendo muitos textos de sabedoria e fantasia no apogeu de seu reino, do qual tudo agora está esquecido. (O Silmarillion, p.333)

Os Númenorianos eram considerados um grande povo, tendo momentos de grande prosperidade, mas que acabaram sucumbindo diante das provocações causadas por Sauron, servo de Morgoth. O resultado foi a destruição de sua ilha a quase extinção do seu povo. Os poucos homens que ainda se mantinham fiéis às tradições foram viver na Terra-média, onde formaram novos reinos.

Novamente em Contos Inacabados é mencionado que o conhecimento dos númenorianos foi quase perdido completamente após a Queda. A descrição da Ilha encontrada nesse livro foi um dos poucos registros sobreviventes.

O relato seguinte sobre a ilha de Númenor deriva de descrições e mapas simples que por muito tempo foram conservados nos arquivos dos Reis de Gondor. Representam na verdade apenas uma pequena parcela de tudo que foi escrito outrora, pois muitas histórias naturais e geografias foram compostas por homens eruditos em Númenor; mas estas, como quase tudo o mais das artes e ciências de Númenor em seu apogeu, desapareceram na Queda. (Contos Inacabados, p.185).

Fica evidenciada a tentativa de Tolkien de dar mais profundidade aos seus escritos. Ele busca apresentar razões pelos textos serem inacabados ou que existem poucas informações sobre determinados temas. Tudo isso tendo como base a própria realidade e os momentos que as civilizações perderam grande parte de seu conhecimento com a negligência ou destruição por completo.

A preservação da tradição e dos escritos antigos

 

A Queda de Númenor foi consequência do seu declínio que se tornava inevitável naquele povo. Pois mesmo durante o seu auge os estudos das tradições antigas não estavam sendo observados devidamente. Com o passar do tempo as relações diretas dos homens númenorianos com os elfos foram se perdendo e o interesse por estudos aprofundados dos laços entre os dois povos foi sendo abandonado. Os manuscritos foram sendo negligenciados e foram se perdendo com o tempo.

A destruição da Ilha e dos registros que lá se encontravam foi um certo adiantamento do que viria a acontecer em relação a preservação das tradições. Em Contos Inacabados, Tolkien deixa claro que existia negligência em relação aos manuscritos e registros:

Mesmo documentos como os que se conservaram em Gondor, ou em Imladris (onde foram depositados aos cuidados de Elrond os tesouros remanescentes dos reis númenorianos setentrionais), sofreram perdas e destruição por negligência. Pois, apesar de os sobreviventes na Terra-média “ansiarem”, como diziam, por Akallabêth, a Caída, e nunca deixarem de se considerar até certo ponto exilados, nem mesmo depois de longas eras, quando ficou claro que a Terra da Dádiva havia sido removida e que Númenor desaparecera para sempre, ainda assim todos, exceto uns poucos, consideravam o estudo do que restara de sua história como algo vão, que apenas gerava uma lamentação inútil.  (Contos Inacabados, p.185).

Na Terceira Era os escritos eram guardados em Imladris ou em Gondor. Contudo, nem mesmo assim eles foram preservados integralmente. Pois os homens que habitavam a Terra-média não davam tanta importância aos seus registros e isso acabou refletindo na sua não preservação para a posteridade, sobrando poucos escritos completos e muitos incompletos. Dessa forma, somente um registro sobreviveu em eras posteriores: “A história de Ar-Pharazôn e sua ímpia armada foi tudo o que permaneceu no conhecimento geral das eras seguintes”. (Contos Inacabados, p.185).

A Queda de Númenor by Ted Nasmith

 

Uma comparação da realidade com o imaginário

Essa ideia de uma civilização antiga prospera e que foi arruinada por uma força natural reflete um arquétipo das mitologias, com características que se enquadram na lenda de Atlântida, encontrada nos livros de Platão. Dessa lenda existem apenas relatos anotados em memórias de antigos e não se sabe se ela foi verdadeira ou apenas algo criado no imaginário dos gregos.

Também pode ser apontado como outra semelhança os vínculos culturais. Os númenorianos assimilam a cultura dos elfos, embora em um grau menor, tal como os Romanos fizeram com os Gregos. Além disso, o Império Romano atingiu grandes proporções em sua história e depois teve sua ruína. E apenas alguns poucos eruditos ainda preservavam a cultura românica através dos poucos pergaminhos e o Latim, tal como aconteceu com os númenorianos que vão para a Terra-média após a Queda.

Assim fica evidenciado o quanto a Terceira Era se assemelha ao período medieval. Nessa época da história ocidental os estudos das tradições, da história e das ciências eram reservados a poucos eruditos que preservavam os manuscritos antigos e a língua do Império Romano. A grande maioria dos homens se preocupavam com a luta contra inimigos ferozes e com a cultura popular local.

Outro momento histórico que pode ser comparado é a destruição da biblioteca de Alexandria. Em que quase todo o conhecimento do mundo antigo acumulado foi quase completamente destruído. A pulverização dos manuscritos dessa biblioteca trouxe um enorme prejuízo para a posteridade, que poderia saber ainda mais sobre o tempo antigo.

O papel dos Númenorianos na cosmogonia do mundo secundário

Após a publicação dos três volumes de Senhor dos Anéis em 1954 e 1955, Tolkien passou a se dedicar mais aos seus escritos relacionados ao Silmarillion. Diversas cartas de leitores chegavam com dúvidas que ele mesmo nunca havia pensado em uma resposta, algumas até demandariam muito tempo para serem respondidas de forma consistente e adequada.

Especialmente as hipotéticas contradições do mundo primário com o seu mundo secundário incomodavam o escritor.  Os questionamentos relacionados à ciência eram frequentes. Temas como a imortalidade, magia, geografia, biologia e outros. Tudo isso levou Tolkien a refletir com mais profundidade sobre suas obras, em especial os seus fundamentos filosóficos e teológicos.

Um ponto que fez o autor refletir seriamente foi se o seu mundo secundário tinha um planeta em forma plana. Nos primeiros escritos, relacionados a mitologia tolkieniana, a cosmogonia levava a uma noção de Terra Plana. Não havia sido criada a lenda da Queda de Númenor e a mitologia era mais simplificada nesse aspecto e mais fácil de ser organizada. Contudo, com o passar dos anos, Tolkien modificou seriamente as bases de sua mitologia. E grande parte do primeiro material de “O Livro dos Contos Perdidos” (The Book of Lost Tales) foi abandonado ou revisado substancialmente.

Dentro da ideia de que o mundo secundário seria um passado imaginário do mundo primário, a ideia da Terra Plana foi questionada, pois se cientificamente o mundo real não tem essa forma o mundo tolkieniano deveria se adequar a essa ideia ou explicar dentro de suas regras internas.

A contradição consiste na ideia de que se os elfos tiveram contato direto com os Ainur e esses narraram sobre a cosmogonia não poderia ser registrado algo diferente do que é a “verdade”. Ou seja, não haveria a possibilidade de ter algum erro aparente. E a ideia da Terra Plana seria um fato no mundo tolkieniano que conflitaria com a forma do mundo real.

Por volta de 1958 ou após esse ano, Tolkien escreveu sobre a ideia da Terra Plana e tentou justificar a ideia. Conforme Tolkien escreveu no seguinte trecho do livro “Morgoth’s Ring”:

Isso é decorrência das formas mais antigas da mitologia – quando ainda pretendia não ser mais do que outra mitologia primitiva, embora mais coerente e menos “selvagem”. Era, portanto, uma cosmogonia da “Terra Plana” (muito mais fácil de gerenciar de qualquer maneira): a questão de Númenor não havia sido planejada. Agora é claro para mim que, em qualquer caso, a Mitologia deve realmente ser um assunto “Humano”. (Os homens realmente só estão interessados ​​nos homens e nas ideias e visões dos homens.) Os altos Eldar que vivem e são tutorados pelos seres demiúrgicos deveriam saber, ou pelo menos seus escritores e Mestres das Tradições deveriam saber, a “verdade” (de acordo com sua medida de compreensão). O que temos no Silmarillion etc. são tradições (especialmente personalizadas e centradas em protagonistas, como Fëanor), transmitidas aos homens em Númenor e depois na Terra-média (Arnor e Gondor); mas já tão distante – da primeira associação dos Dúnedain e os Amigos dos Elfos com os Eldar em Beleriand – misturadas e confundidas com seus próprios mitos Humanos e ideias cósmicas. (Morgoth’s Ring, p.370)[2]

Dessa forma, a cosmogonia do mundo secundário no Silmarillion não corresponde ao que realmente deveria ter ocorrido, como uma realidade interna ou verdade. O fato dos registros antigos terem sido posteriormente anotados e misturados com as ideias de mundo dos númenorianos fez a concepção original do mundo ser alterada para a visão dos humanos.

Christopher Tolkien sintetiza a ideia central afirmando que: Os mitos astronômicos dos Dias Antigos não podem ser considerados como um registro das crenças tradicionais dos Eldar em qualquer forma pura, porque os Altos-elfos de Aman não podem ter sido tão ignorantes. E os elementos cosmológicos em O Silmarillion são essencialmente um registro de ideias mitológicas, de origem complexa, prevalecente entre os homens.” (Morgoth’s Ring, p.370-371).[3].

Assim, se existir alguma contradição com as noções cientificas humanas com aquelas apresentadas na cosmogonia do mundo secundário, elas seriam derivadas da impressão dos próprios homens que registraram aqueles mitos e não que fosse necessariamente um conflito lógico entre a realidade e o mundo imaginário. Em outra nota, tratando sobre o Sistema Solar e a forma de Arda, Tolkien escreveu nesse mesmo sentido:

As tradições aqui referidas vieram dos Eldar da Primeira Era, passando aos Elfos que nunca foram familiarizados diretamente com os Valar, e passando aos homens que receberam a ‘Sabedoria’ dos Elfos, mas que tinham lendas e mitos cosmogônicos e suposições astronômicas próprias. Não há nada neles, no entanto, que seriamente conflite com as presentes noções humanas do Sistema Solar, seu tamanho e posição em relação ao Universo.”(Morgoth’s Ring, p.374).[4].

Em outra oportunidade Tolkien novamente reafirma essa nova posição em relação a sua cosmogonia. O autor parecendo querer enfatizar essa nova visão em “um rabisco furioso a caneta esferográfica” escreveu o seguinte:

“Os mitos cosmogônicos são Númenoreanos, misturando contos Élficos com o mito humano e a imaginação. Uma nota deve dizer que os Sábios de Númenor registraram que a criação de estrelas não foi assim, nem do Sol e a Lua. Pois o Sol e as estrelas eram todos mais velhos do que Arda. Mas a colocação de Arda em meio a estrelas e sob a [“guarda”] do Sol foi devida a Manwë e Varda antes do assalto de Melkor.”.(Morgoth’s Ring, p.374).[5]

Com essas bases, o autor agora apresenta sua mitologia como uma mitologia escrita por humanos e não apenas uma mitologia dos elfos como anteriormente ele mesmo defendia. Trata-se de uma cosmogonia dos humanos sobre o que se considera ter sido preservado das tradições e relatos colhidos dos elfos e não puramente seus relatos diretos.

Essa ideia reforça ainda mais a escolha de Christopher Tolkien em eliminar boa parte dos elementos da autoria ficcional na edição de O Silmarillion. Uma vez que o autor se apresentava a ideia de que um humano Aelfwine, teria colhido os relatos diretamente dos elfos que teria encontrado em Tol Eressëa, o que tornaria as lendas de Arda com uma noção de “verdade” relatada por uma testemunha dos fatos, no caso Pengolodh.

 

O Silmarillion como registro dos antepassados dos númenorianos

A Queda de Númenor foi uma catástrofe também no sentido cultural. Pois eliminou quase que completamente todos os antigos documentos e registros. Conforme Tolkien afirma, que com essa Queda “a maioria do saber Númenóreano foi perdida, com exceção daquele que tratava da Primeira Era, porque conta como Númenor envolveu-se na política da Terra-média” (Carta 276, para Dick Plotz, 12 de setembro de 1965).

Os poucos relatos que foram escritos sobre esse povo foram registrados pelos númenorianos sobreviventes e preservados nos arquivos dos Reis de Gondor. O relato do Akallabêth, que narra a história da Queda de Númenor, foi escrito por Elendil e preservado em Gondor. (Contos Inacabados, p. 254).

A preservação dos relatos antigos em Imladris (Valfenda) e Gondor tem um ponto chave. Pois Elrond preservava os relatos antigos como legitimo herdeiro dos reis élficos e humanos que lutaram contra as forças de Morgoth nas primeiras eras. Enquanto que em Gondor estariam os Reis humanos descendentes diretos de Elros, que era irmão de Elrond. Para ambos era importante preservar as histórias dos grandes heróis de sua linhagem e é por isso que os relatos tratam justamente da história de humanos e elfos que se relacionaram.

A cosmogonia de Arda é mais númenoriana do que propriamente élfica e os relatos dos grandes feitos das eras antigas são os mesmos dos elfos e homens que foram os antepassados dos númenorianos. Dessa forma, qualquer comparação da realidade deve ser feita com os mesmos critérios que seriam feitos com outra mitologia antiga.

 

Númenor by Jamie whyte

 

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NOTAS:

[1] “…embora esse povo ainda usasse seu próprio idioma, seus reis e senhores conheciam e também falavam a língua élfica, que haviam aprendido nos tempos de sua aliança; e assim mantinham conversas com os eldar, tanto de Eressëa quanto das regiões acidentais da Terra-média”. (O Silmarillion, p.333).
[2] “This descends from the oldest forms of the mythology – when it was still intended to be no more than another primitive mythology, though more coherent and less ‘savage’. It was consequently a ‘Flat Earth’ cosmogony (much easier to manage anyway): the Matter of Númenor had not been devised. It is now clear to me that in any case the Mythology must actually be a ‘Mannish’ affair. (Men are really only interested in Men and in Men’s ideas and visions.) The High Eldar living and being tutored by the demiurgic beings must have known, or at least their writers and loremasters must have known, the ‘truth’ (according to their measure of understanding). What we have in  the Silmarillion etc. are traditions (especially personalized, and centred upon actors, such as Fëanor) handed on by Men in Númenor and later in Middle-earth (Arnor and Gondor); but  already far back – from the first association of the Dúnedain and Elf-friends with the Eldar in Beleriand – blended and  confused with their own Mannish myths and cosmic ideas”.(Morgoth’s Ring, p.370)
[3] “The astronomical myths of the Elder Days cannot be  regarded as a record of the traditional beliefs of the Eldar in any pure form, because the High-elves of Aman cannot have been thus ignorant; and the cosmological elements in The Silmarillion are essentially a record of mythological ideas, complex in origin, prevailing  among Men”.(Morgoth’s Ring, p.370-371).
[4] “The traditions here referred to have come down from the Eldar of the First Age, through Elves who never were directly acquainted with the Valar, and through Men who received ‘lore’ from the Elves, but who had myths and cosmogonic legends, and astronomical guesses, of their own. There is, however, nothing in them that seriously conflicts with present human notions of the Solar System, and its size and position relative to the Universe.” (Morgoth’s Ring, p.374).
[5] The cosmogonic myths are Numenorean, blending Elven-lore with human myth and imagination. A note should say that the Wise of Númenor recorded that the making of stars was not so, nor of Sun and Moon. For Sun and stars were all older than Arda. But the placing of Arda amidst stars and under the [?guard] of the Sun was due to Manwe and Varda before the assault of Melkor. ..(Morgoth’s Ring, p.374).

Legendarium

O elfocentrismo no Silmarillion

by Eduardo Stark

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Inicialmente J.R.R. Tolkien pretendia criar uma mitologia que fosse dedicada à Inglaterra. O mundo seria o nosso próprio, porém com um período imaginário antigo em que ocorressem lendas e aventuras diversas. Como se fossem histórias há muito tempo esquecidas e que recentemente voltaram a ser estudadas e traduzidas para o Inglês.

Nas mitologias em geral, os protagonistas são heróis com aspectos humanos ou divinos ou até mesmo os próprios deuses. As criaturas que fazem parte das lendas são colocadas como secundárias, sendo vilões ou aliados do personagem principal. Tolkien decidiu inovar nesse ponto em sua mitologia. Os elfos passaram a ser o centro dessas histórias.

Antes da publicação do Hobbit e O Senhor dos Anéis, os elfos não eram o foco principal de contos de fadas e as poucas histórias existentes eram “relativamente raras” e pouco interessantes para Tolkien. Assim, o que o autor pretendia era mudar essa situação, colocando o foco principal em lendas dos elfos e como elas chegaram até os humanos.

A nova mitologia elfica estaria relacionada às origens da Inglaterra. Haveria uma conexão entre o mito e a realidade. As lendas seriam anteriores ao surgimento das Ilhas britânicas e da formação do mundo atual geologicamente. Mas se existe essa relação, por qual motivo ela não chegou a ser conhecida dos ingleses, tal como as mitologias dos gregos e outros povos?

Para Tolkien os elfos estavam tão distantes dos humanos que suas histórias acabaram sendo perdidas com o passar dos anos. A ausência desse contato diluiu e praticamente eliminou por completo as histórias antigas. O que algum dia foi algo visível passou a ser apenas referências em relatos escritos milhares de anos depois.

Dentro desse aspecto, ao tratar sobre contos de fadas, Tolkien entendia que essas histórias não dependem de nenhuma definição ou relato histórico sobre elfos ou fadas, mas que estariam relacionadas ao chamado “Reino Encantado” e as aventuras que ocorressem ali. E nesse aspecto, em seu ensaio Sobre Contos de Fadas, apresentou os seguintes argumentos em relação aos elfos:

se os elfos são de verdade, e de fato existem independentemente de nossas histórias sobre eles, então também isto certamente é verdade: os elfos não se interessam primordialmente por nós, nem nós por eles. Nossos destinos são distintos, e nossas trilhas raramente se encontram. Mesmo nas fronteiras do Reino Encantado só os encontramos em algum cruzamento fortuito de caminhos. (Sobre Contos de Fadas).

No período em que se passa O Senhor dos Anéis, na Terceira Era do Sol, os elfos estão partindo e o mundo para eles já não é mais o mesmo. É como se uma civilização inteira estivesse deixando o continente gradualmente. Por isso, os relatos que foram feitos nesse tempo partem dos humanos ou dos Hobbits. O encontro com os elfos é sempre raro, a ponto de sua existência ser considerada pelos homens comuns apenas lendas de tempos antigos.

A Quarta Era do Sol e os períodos que interligam a história do imaginário de Tolkien ao nosso mundo real são obscuros, mas o autor deixa claro que foram tempos sombrios em que aos poucos os homens deixam de serem grandes reis de Gondor e passam a serem reis comuns. Nesse tempo as tradições e os registros foram perdidos e os elfos seriam novamente vistos como lendas populares.

Pelo fato dos elfos não se interessarem pelos humanos o contato foi perdido. Somente um encontro entre essas duas raças poderia novamente levar aos homens as antigas lendas e restaurar em parte o que quase totalmente foi esquecido. É nessa reflexão que Tolkien escreveu os versos finais do poema “O Clamor do Menestrel” (The Bidding of the Minstrel) em 1915, onde alguém pede ao Menestrel que conte histórias antigas sobre os elfos.

Em seus primeiros escritos da mitologia criada, Tolkien teve a ideia de um viajante marinheiro que por acaso chegaria a uma ilha encantada. Nesse local ele encontraria os elfos que narrariam suas histórias desde a criação do universo até as mais renomadas lendas de seu povo. O marinheiro voltaria para a Inglaterra e lá ele iria divulgar suas histórias. Essa ideia foi bastante explorada nos primeiros escritos do legendarium, sobretudo no Livro dos Contos Perdidos. Mas com o passar do tempo, Tolkien modificou essa ideia de várias maneiras. Foi assim que a mitologia se tornou centrada nos elfos, já que eles próprios seriam inicialmente os narradores de seus feitos.

Em mais de uma oportunidade Tolkien chamava o Silmarillion de uma “história dos Elfos”[1],[2], ou a História dos Eldar (Elfos)[3]. Por tratar dos feitos desses seres e com sua visão a mitologia é considerada por Tolkien como “elfocentrista”[4], ou seja, os homens não são o centro das histórias e sim as criaturas fantásticas. Conforme Tolkien expressou em carta:

Como disse, o lendário Silmarillion é peculiar e difere de todos os materiais similares que conheço por não ser antropocêntrico. Seu centro de vista e interesse não está nos Homens, mas nos “Elfos”. Os Homens surgiram inevitavelmente: afinal de contas, o autor é um homem e, se ele tiver um público, este será de Homens, e os Homens devem ingressar em nossas histórias como tais, e não meramente transfigurados ou parcialmente representados como Elfos, Anões, Hobbits, etc. Mas eles permanecem periféricos — recém-chegados e, por muito que cresçam em importância, não são atores principais. (Carta 131, para Milton Waldman, de 1951).

Nesse mesmo sentido, Tolkien ressalta que os homens são apenas coadjuvantes nas grandes histórias dos elfos. Esse se torna um grande diferencial da mitologia tolkieniana, já que em mitologias tradicionais o homem ou os deuses são os protagonistas. É nesse sentido que em carta o autor afirmou o seguinte:

miticamente essas histórias são Elfocêntricas, não antropocêntricas, e os Homens apenas aparecem nelas, no que deve ser um ponto muito tempo depois de sua Chegada. (Carta 212, rascunho de carta para Rhona Beare, 14 de outubro de 1958).

Em nota dessa mesma carta, Tolkien explica que é muito difícil os humanos escreverem sobre os Elfos, justamente pelo fato de que não se tem uma aproximação com essa cultura por muitos anos. Assim, caberia aos próprios elfos escreverem sobre sua própria história.

No Silmarillion, os primeiros escritos se concentram nas histórias dos elfos puramente e depois se tornam voltadas aos homens. Quando tratam sobre heróis humanos se tornam mais antropocêntricas, como no Akallabêth. Outros exemplos são os contos relacionados a Beren e Lúthien e os Filhos de Húrin. Do mesmo modo, O Hobbit e O Senhor dos Anéis apresentam menor presença dos elfos, porém conta com relatos dos homens e hobbits. Os elfos passam a ser periféricos na história central.

Na narrativa, tão logo a questão torne-se “historia” e não mítica, sendo de fato literatura humana, o centro de interesse deve ser transferido para os Homens (e suas relações com os Elfos ou outras criaturas). Não podemos escrever histórias sobre Elfos, os quais não conhecemos intimamente; e se tentarmos, simplesmente transformaremos Elfos em homens. (Carta 212, rascunho de carta para Rhona Beare, 14 de outubro de 1958).

É possível fazer uma clara divisão entre os estilos de cada obra de Tolkien. O Silmarillion conta as histórias em que os elfos foram protagonistas na luta contra Morgoth, o grande mal que desejava o domínio da Terra-média. Enquanto no período em que se passa O Senhor dos Anéis os elfos estão em retirada da Terra-média. Seu poder já não era mais como o de muitos anos e sua glória parecia irrecuperável.

Nesse mesmo sentido, ao ser questionado sobre O Hobbit, Tolkien afirma que esse livro teria conexão com outras lendas antigas que havia escrito, coloca de certa forma em ordem cronológica:

O Silmarillion, que é virtualmente uma história dos Eldalië (ou Elfos, por uma tradução não muito precisa), de sua ascensão até a Última Aliança e a primeira derrubada de Sauron (o Necromante): isso o levaria quase ao período de “O Hobbit”. (Carta 114, para Hugh Brogan, em 7 de abril de 1948)

Como dito, as primeiras histórias do Silmarillion são centradas no que os elfos entendiam sobre suas origens e como o mundo foi criado. E as histórias do Hobbit e O Senhor dos Anéis apresentam elementos humanos. Sendo que a Guerra do Anel apresenta combinações das lendas dos elfos:

“Assim como presume-se que as Lendas elevadas do início sejam a visão das coisas através de mentes Élficas, a história intermediária do Hobbit assume um ponto de vista praticamente humano — e a última história combina-os”. (Carta 131, para Milton Waldman, de 1951).

Nesse aspecto, os elfos são as figuras principais das histórias do Silmarillion. Resta saber sob qual perspectiva esses contos foram escritos, dentro do legendarium. Investiga-se dentro da ideia de autoria ficcional quem seriam os escritores das histórias dos elfos, se foram os humanos ou os próprios elfos.

 

O elfocentrismo no Silmarillion publicado

Após o falecimento de J.R.R. Tolkien seu filho editou os manuscritos e publicou O Silmarillion. Diversas decisões editoriais foram feitas para manter a obra mais coerente possível. Especialmente com uma consistência em relação ao que já havia sido publicado, em especial O Senhor dos Anéis.

A autoria ficcional foi quase suprimida por completo. Os nomes daqueles que escreveram os contos foram eliminados na edição final. Mas mesmo assim Christopher Tolkien decidiu que a ideia do elfocentrismo permaneceria no livro, tendo em várias passagens exemplos de que tais histórias apresentam visões dos elfos, tal como Tolkien pretendia.

No final do Ainulindalë está demonstrado que as origens dos tempos e do universo foram contadas pelos Valar (os deuses) diretamente aos elfos que tiveram contato com esses seres em Valinor:

Assim começou a primeira batalha dos Valar com Melkor pelo domínio de Arda; e sobre esses tumultos, os elfos sabem pouquíssimo, pois o que foi aqui declarado teve origem nos próprios Valar, com quem os eldalië falavam na terra de Valinor e por quem foram instruídos. (O Silmarillion, p.12).

Os Valar, ou os deuses, viviam em um lugar distante da Terra-média e do contato humano. Somente os elfos tiveram contato direto com esses seres celestiais e a partir desse contato é que os relatos de como o mundo e tudo surgiu foi contado. Os elfos eram imortais e por isso a lembrança daqueles que estiveram com os Valar era sempre presente, porém o registro pareceu necessário em tempos de guerra contra Morgoth, o senhor do escuro.

Basicamente entre os elfos da Terra-média havia essa crença e convicção do contato direto entre elfos e os Valar, pois muitos dos que estavam ali estiveram nas terras imortais. O Valaquenta igualmente é um relato feito pelos elfos. O próprio subtítulo apresenta essa informação “Valaquenta: Relato dos Valar e dos Maiar, segundo o conhecimento dos eldar” (O Silmarillion, p.15).

O Valaquenta é um breve relato de como seriam os Ainur e como os elfos os percebiam e entendiam. Não significa que essa seja a fonte completa e definitiva do que eles seriam, pois reflete o que os elfos sabiam, dentro de um conhecimento limitado.

São esses os nomes dos Valar e das Valier, e aqui se descreve por alto sua aparência, como os eldar os viram em Aman. Mas, por mais belas e nobres que fossem as formas dos Filhos de Ilúvatar, elas não passavam de um véu a encobrir sua beleza e seu poder. E, se pouco se diz aqui de tudo o que os eldar souberam outrora, isso não é nada em comparação com seu verdadeiro ser, que remonta a regiões e eras muito além do alcance de nossa mente. (O Silmarillion, p.21)

O Início do Quenta Silmarillion ecoa a autoria ficcional logo no início com a frase “Diz-se entre os sábios…”[5] .E também de forma semelhante “Dizem que no início...”[6]. E de forma clara expressa que os grandes feitos tratados naquele livro são relacionados aos elfos Noldor:

Mais tarde, os noldor voltaram a Terra-média, e este relato fala principalmente de seus feitos. Por isso, os nomes: e o parentesco dos príncipes podem ser aqui descritos na forma que esses nomes assumiram no idioma dos elfos de Beleriand.  (O Silmarillion, p.63).

Enquanto o Ainulidalë e o Valaquenta são registros feitos de acordo com relatos de encontros dos elfos com os Valar, o Quenta Silmarillion é o relato dos elfos que estavam na Terra-média e por isso existe ainda mais limitações quanto as informações.

A não onisciência dos relatos dos elfos

Os relatos dos elfos têm um limite de conhecimento. Por serem como registros históricos existe a preocupação de ter sido escrito apenas os fatos que foram presenciados por outros elfos ou humanos. Dessa forma, existem muitas informações que não foram registradas ou que não se sabia algo definitivo.

Isso traz uma ideia de realidade a toda a obra. Dando uma maior semelhança ao que está escrito como se fossem registros de fato. Não se trata de autores que tinham o conhecimento total dos fatos em tempo e espaço. Assim, em diversos trechos essa ausência de informações pode ser encontrada, como exemplo: “do destino de Eluréd e Elurín não há relato algum” (O Silmarillion, p.301). Outro exemplo “Bereg conduziu mil indivíduos do povo de Bëor na direção sul, e eles desapareceram dos relatos daqueles tempos” (O Silmarillion, p.180).

O trecho seguinte expressamente mostra a ideia da não onisciência dos relatos dos elfos:

Sobre a marcha do exército dos Valar até o norte da Terra-média, pouco foi contado em qualquer relato. Pois, entre eles, não seguia nenhum daqueles elfos que haviam morado e sofrido nas Terras de Cá e que escreveram as histórias daquele tempo ainda hoje conhecidas. E notícias desses fatos eles só tiveram muito tempo depois, por meio de parentes, em Aman. (O Silmarillion, p.320)

Os relatos são feitos por aqueles que presenciaram algo, ou que escutaram de uma testemunha. Quando não há relatos permanecem as lacunas de informações, pelo obviedade de que não se registra algo que não se tem algum indício.

 

A origem dos anões segundo os elfos

A origem dos anões é um caso interessante de ser analisado e que tem relação com a ideia do elfocentrismo. A origem dos Anões não está presente na música dos Ainur e não está no Valaquenta. E é por isso que é incluída no Quenta Silmarillion, como forma secundária em relação aos elfos, que são os primogênitos de Ilúvatar. Nesse relato do segundo capítulo do Quenta Silmarillion os anões colocados como uma desobediência de Aulë em relação a Ilúvatar, porém acaba sendo perdoado por esse que decide permitir que os anões existissem.

Inicialmente os elfos que viviam em Valinor não tiveram uma aproximação intensa com os anões. Como se trata de um relato feito pelos elfos, que posteriormente tiveram desentendimentos com os anões, nada mais natural que retratar a origem desses seres como sendo não tão virtuosa quanto a deles próprios.

O início da frase é sempre voltado a ideia de que era uma lenda “Dizem que no início os anões foram feitos por Aulë na escuridão da Terra-média” (O Silmarillion,p.40). Na carta 212 Tolkien menciona que “essa é a lenda élfica da criação dos anões”. Ou seja, a origem dos anões no Silmarillion é derivada de lendas dos elfos, não sendo necessariamente o que realmente tenha ocorrido, embora os elfos assim acreditassem. Essa incerteza quanto as origens dos anões é evidenciada nos apêndices de O Senhor dos Anéis:

A respeito da origem dos anões histórias estranhas são contadas tanto pelos eldar quanto pelos próprios anões, mas, uma vez que essas coisas se situam longe no passado, pouco se fala sobre elas aqui. (O Senhor dos Anéis, O Retorno do Rei, Apêndice).

Portanto, entre os elfos havia variações de suas lendas (algo bem natural em mitologias) e existiam outras lendas entre os próprios anões. Porém o pouco que se sabe sobre a história e cultura dos anões parte do que foi dito de Gimli e anotado no Livro Vermelho.

De forma semelhante, outro exemplo que pode ser analisado é a origem dos Ents. Tolkien expressa comentários a respeito e sua conexão com a origem dos anões, dando como exemplo a opinião de Galadriel sobre o tema:

Ninguém sabia de onde eles (Ents) vieram ou apareceram pela primeira vez. Os Altos Elfos diziam que os Valar não os mencionaram na “Música”. Mas alguns (Galadriel) eram [da] opinião de que, quando Yavanna descobriu a misericórdia de Eru para com Aulë na questão dos Anões, ela suplicou a Eru (através de Manwë), pedindo que desse vida a seres feitos de coisas vivas, não da pedra, e que os Ents ou eram almas enviadas para habitarem árvores, ou então que lentamente assumiam a semelhança de árvores devido ao seu amor inato pelas árvores. (Carta 247, para Colonel Worskett, 20 de setembro de 1963).

Assim, a parte inicial do Silmarillion que narra sobre as origens do mundo e de suas criaturas (Ainulindalë, Valaquenta e primeiros capítulos do Quenta Silmarillion) são vistas como as cosmogonias, enquanto que os feitos seguintes são como as lendas heroicas, em que existe uma maior sensação de realidade e maior concretude nos relatos.

NOTAS: 

[1] Ver: Carta 25, para o editor do “Observer”, que foi impressa no Observer em 20 de fevereiro de 1938.
[2] Carta 131, para Milton Waldman, 1951.
[3] Carta 144, para Naomi Mitchison, em 25 abril de 1954.
[4] Carta 181, para Michael Straight, fevereiro de 1956.
[5] O Silmarillion, p.27.
[6] O Silmarillion, p.40.

Sobre Livros

Marlon James prepara trilogia fantástica no continente africano!


 

O escritor Marlon James, de origem jamaicana, está escrevendo uma série de livros de fantasia, porém com o diferencial que elas estão relacionadas com o continente africano.

Marlon James é autor dos livros  John Crow’s Devil (2005), The Book of Night Women(2009), e A Brief History of Seven Killings (2014). Esse último foi publicado no Brasil com o título “Breve História de Sete Assassinatos” pela editora Intrinseca.

Em entrevista concedida ao site Veja (AQUI), publicada ontem (29 de julho de 2017)  o autor explica mais sobre suas obras e faz uma rápida análise com os filmes de Tarantino e Cidade de Deus.

Agora o autor está escrevendo uma trilogia fantástica, que tem o nome de Dark Star, onde irá explorar as origens dos negros relacionadas com lendas e histórias mitológicas africanas. O período das histórias é indeterminado, possivelmente após a queda do império romano, o que daria um clima medieval e será ambientado em reinos africanos.

Algumas pessoas criticam a fantasia, com foco em O Senhor dos Anéis de Tolkien e as Crônicas de Gelo e Fogo de George R. Martin, por não existir uma representação de negros como consideram adequados, já que essas histórias são eurocêntricas (com histórias que tem foco a Europa e não o resto do mundo). Dentro dessa mesma crítica, há poucos dias o ator John Boyega que faz um protagonista dos novos filmes de Star Wars, declarou que falta negros nos filmes de fantasia e criticou isso, conforme pode ser visto AQUI.

Marlon James parece ter estudado os livros de fantasia para entender as suas bases. A ideia de Tolkien ao iniciar seu universo foi criar uma mitologia que fosse dedicada para a Inglaterra e assim a visão seria de um tempo imaginário em que a região seria equivalente a Europa. Da mesma forma George R. Martin também informa que sua obra está relacionada com a Inglaterra (como pode ser visto AQUI). Na entrevista concedida ao site Veja, Marlon James afirmou o seguinte:

“Gosto muito de Tolkien, George R.R. Martin, entre outros. Porém, todas estas literaturas são eurocêntricas. Temos a lenda do rei Arthur, os celtas, os vikings e os vampiros. Amo todos eles, mas são todos europeus. E o que eu estou escrevendo quebra isso. A história se passa totalmente dentro da cultura da África”.

James conta que já existem convites para uma possível adaptação da trilogia, porém, é cedo para fechar qualquer negócio.

“Me deixem terminar o primeiro livro primeiro. Pois vai ser pesado… Se bem que Game of Thrones também é e as pessoas gostam. Então, é questão de esperar.”

A expectativa de lançamento do primeiro volume, Black Leopard, Red Wolf (“Leopardo Negro, Lobo Vermelho”, em tradução literal), é o segundo semestre de 2018. Os livros seguintes, Moon Witch, Night Devil (“Bruxa da Lua, Demônio da Noite”, em tradução literal) e The Boy and the Dark Star (“O Garoto e a Estrela Escura”), devem ser lançados no intervalo de dois em dois anos.

 

 

Brasil

Os “hobbits”, uma gente que não é anã – Robert D. Evans

O sucesso de Tolkien já estava em grande crescimento desde seu lançamento em 1954-1955, porém no Brasil ainda não existia muita influência da obra e nenhuma tradução. Nem mesmo em Portugal existia traduções de obras do Tolkien, com exceção do livro O Gnomo (The Hobbit) publicado em 1962.

Assim, quase vinte anos após a publicação de O Senhor dos Anéis, temos pela primeira vez um artigo sobre Tolkien no Brasil. O texto que se segue foi escrito por Robert D. Evans e publicado pela primeira vez no Jornal do Brasil em 2 de dezembro de 1972.

Esse é o primeiro texto publicado no Brasil que trata sobre o professor Tolkien e suas obras. Por isso merece a devida atenção. Nessa época Tolkien ainda estava vivo. Ele só viria a falecer no ano seguinte, 1973.

O artigo serve para termos um pouco do pensamento da época sobre as obras de Tolkien e entender um pouco mais como a obra chegou no Brasil. Depois desse artigo, a editora Artenova se apresentou para a editora britânica a fim de adquirir os direitos dos livros e então publicou pela primeira vez a obra de O Senhor dos Anéis entre os anos de 1974 a 1979.

Eis a integra do artigo de Robert D. Evans:

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Londres – Um dos autores de best sellers atuais é um homem pouco conhecido, professor de Filologia da Universidade de Oxford, distinguido recentemente por essa Universidade com o título honorário de Doutor em Letras por sua contribuição à Literatura. Trata-se do professor Ronald Tolkien, Autor de The Lord of the Rings (Senhor dos Anéis), primeiro livro da trilogia sobre os hobbits.

Os hobbits são um povo gentil de baixa estatura, não chegando a ser anões. Eles são reconhecidamente ingleses e habitam aquela parte da Inglaterra que os leitores logo identificam como sendo um território no coração dos Midlands (condados centrais), onde nasceu Shakespeare. Grande parte dessa região está agora bastante industrializada, mas Tolkien escreve sobre ela recorrendo às suas lembranças de colegial, nos primeiros anos deste século, antes do advento do automóvel e do trator, quando ainda era uma zona rural e agrícola. (Tolkien está agora com mais de 80 anos).

Os hobbits como se descobre à medida que a história vai sendo contada, se envolveram no conflito humano entre o Mal e o Bem. Um deles é o único dono do Anel do Poder, que, caso caísse nas mãos do Senhor das Trevas, daria ao mundo por eles conhecido um poder maléfico.

O tema se desenvolve em torno da viagem épica de um grupo de hobbits, bravos mas assustados, sob a orientação de Gandalf, o Sábio, cuja magia é forte mas limitada, para a terra do Senhor das Trevas.

Se se quiser impedir uma calamidade, o Anel terá de ser derretido e destruído numa montanha de fogo no reino do poder maléfico. No curso de sua viagem através das grandes florestas de carvalho do tipo em que Robin Hood se abrigou, os hobbits encontram aliados: entre ele acham-se os anões, que são bons lutadores e corajosos, e os duendes, comandados por sua rainha, Galadriel, e que são a personificação da bondade num mundo onde esta qualidade de vida se acha na defensiva. O Senhor das Trevas também tem seus aliados, tais como os orcs, um povo vil e brutalizado cuja força está crescendo.

O Dr. Tolkien começou a escrever essa história como obra de erudição, mas de forma leve e humorística, para o que lançou mão de seu extenso conhecimento da velha poesia heroica inglesa e das sagas nórdicas da época em que os invasores escandinavos foram se estabelecer na Inglaterra. O seu domínio do idioma torna-se mais aparente na escolha das palavras e nomes com o objetivo de ajustá-los aos locais e personagens, em algumas frases, entremeadas na narrativa e nos diálogos, que possuem o sabor autêntico da História antiga, dos mitos e das lendas. Mas guerra é guerra, mesmo nesses dias longínquos, e assim como usou suas recordações de infância para retratar as áreas rurais, Tolkien recorreu às suas experiências nos campos de batalha de Flandres, na Primeira Guerra Mundial, para descrever cenas de desolação na terra sinistra do Senhor das Trevas.

Para grande surpresa do Autor, Lord of the Rings foi-se tornando aos poucos popular. Juntamente com duas obras que deram continuação ao mesmo tema e que já foram traduzidas em muitas línguas, calcula-se que pelo menos 50 milhões de pessoas já tenham lido esses três livros. O livro tornou-se uma saga, a saga um culto e do culto nasceu um grupo numeroso de entusiastas dos hobbits.

Um dos aspectos mais estranhos é a maneira como esses livros prenderam a imaginação dos estudantes, particularmente nos EUA. E também como a maioria dos jovens que vivem cruzando fronteiras, de continente para continente e de pais para pais, ajudou a disseminar as ideias dos hobbits.

Segundo o Dr. Tolkien, “os hobbits possuem o que se poderia chamar de moral universal; diria mesmo que são exemplos de filosofia e religião naturais.”

Mas a atração principal dos hobbits é sem dúvida a maneira como cativam a imaginação dos leitores, especialmente dos jovens, com suas visões de vida tranquila, numa espécie de terra própria de Sonho de uma Noite de Verão, em contraste com a vida que muitos deles têm de levar na cultura técnica de hoje, num mundo de violência e poluição ambiental.

Mitopoeia

Antes de Tolkien havia a mitologia de William Blake

by Eduardo Stark

Os mitos e as lendas sempre exerceram sobre a humanidade um grande fascínio. Seja pelo mistério que buscavam desvendar através de suas histórias de Deuses ou por grandes momentos vividos por heróis vitoriosos. Ambos parecem se entrelaçar na pretensão de revelar sentimentos por meio de suas narrativas.

A criatividade humana parece não ter encontrado limites para tentar explicar seu espaço e vida. Mas é difícil precisar quando a primeira pessoa decidiu contar uma história que viria a se tornar uma mitologia, pois elas estavam enraizadas nas diversas culturas que preservaram essas histórias por meio oral.

Contudo, alguns escritores decidiram criar sua própria mitologia, em que não tivesse o mesmo processo cultural e vínculo histórico com um povo. A esse tipo de atividade literária é dado o nome de “mitopoeia”.

O termo Mitopoeia, derivado do Inglês “Mythopoeia”, vem do grego μυθοποιία (criador de mito). Inicialmente a palavra se referia a criação de mitos na antiguidade, mas foi adotada por Tolkien como título de um poema escrito em 1931 e publicado no livro “Árvore e Folha”.O poema de Tolkien popularizou a palavra mythopoeia com o sentido de um novo gênero literário dedicado a criação mitos.

No livro The Oxford Dictionary of Literary Terms (O Dicionário Oxford de Termos Literários), de Chris Baldick, apresenta um conceito preciso da palavra:

Mitopoeia (mitopoese) A criação de mitos, ou coletivamente no folclore e na religião de uma cultura dada (geralmente pré-alfabetizada), ou individualmente por um escritor que elabora um sistema pessoal de princípios espirituais como nos escritos de William Blake. O termo é frequentemente usado em um sentido solto para descrever qualquer tipo de escrita que se baseie em mitos mais antigos ou se assemelhe a mitos em matéria ou alcance imaginativo. Adjetivo: mitopéico ou mitopoético.[1]

Com o passar do tempo a Mitopoeia é encarada como um gênero narrativo na literatura moderna e em filmes, em que uma mitologia ficcional ou artificial é criada pelo escritor. Estando agora comparável aos gêneros como Drama, Épico, Erótico, Nonsense, Lírico, Romance, Satira, Tragédia e Tragicomédia.

A ideia central da Mitopoeia é desenvolver uma mitologia que seja baseada, ou que tenha os mesmos princípios daquelas que já existem. È uma simulação de como seria uma mitologia, na mente de um autor (ou autores) com premissas daquelas histórias existentes, em geral utilizando derivações e arquétipos.

Comentando sobre seu legendarium e seu processo de criação, Tolkien afirma que a construção de uma nova mitologia exige a observação de “motivos ou elementos antigos e difundidos”, que atualmente são chamados de arquétipos:

“Essas histórias são “novas”, não são derivadas diretamente de outros mitos e lendas, mas devem possuir inevitavelmente uma ampla medida de motivos ou elementos antigos e difundidos; afinal, acredito que as lendas e mitos são compostos mormente da “verdade”, e sem dúvida aspectos presentes nela só podem ser recebidos nesse modo; e há muito tempo certas verdades e modos dessa espécie foram descobertos e devem reaparecer sempre. (Carta 131, para 1951)

É importante destacar que a Mitopoeia não tem como objetivo a criação de uma nova religião. Os Deuses ou Deus que estão em suas histórias não são desenvolvidos para ser objeto de culto. Pois é uma atividade literária e não religiosa. Nesse sentido, em carta, Tolkien expressa que se trata de uma “invenção imaginativa” como se lê a seguir:

Permita-me dizer que tudo isso é “mítico” e não qualquer tipo de nova religião ou visão. Pelo que sei é meramente uma invenção imaginativa, para expressar, do único modo que sei, algumas de minhas (turvas) apreensões do mundo. (Carta 181)

Da mesma forma, não é possível considerar uma Mitopoeia, aquela narrativa que tenha como finalidade adequar ideias filosóficas ou mostrar alguma verdade através de uma mitologia artificial.

Nesse sentido, a obra de Ferécides de Siro (600 a.c a 550 a.c), não poderia ser considera uma Mitopoeia propriamente, pois tinha pretensões filosóficas, visando esclarecer ideias relativas aos elementos e a origem do mundo. Aristóteles o considerava como um teólogo que misturava filosofia e mitologia. Ferécides transformou o panteão Grego em três grandes elementos que sempre existiram Zas (Zeus), Chronos (Tempo) e Cthonie (Terra). Porém, apenas reminiscências dessa obra são encontradas e não há precisão nas informações, o que dificulta saber qual a intenção do autor e como foi escrito seu livro. De todo modo, Ferécides pode ser considerado o precursor mais antigo dessa ideia de cosmogonias inventadas.

Outras tentativas de criação de mitos não parecem ter sido comuns na história da humanidade. Talvez chegassem a existir, mas foram completamente perdidos em bibliotecas esquecidas ou queimadas. Provavelmente a mentalidade religiosa muito enraizada na cultura ocidental implicou em evitar escritas que pudesse “brincar” com os Deuses ou Deus.

Assim, observado a impossibilidade de encontrar uma mitopoeia em tempos remotos, o primeiro nome relacionado a Mitopoeia que pode ser mencionado é William Blake, porém, tal como Ferécides de Siro, sua mitologia está mais relacionada com a propagação de suas ideias religiosas ou filosóficas do que com o sentido literário de se criar mitos, porém melhor documentada do que o escritor da antiguidade.

 

O poeta William Blake e sua mitologia

Na história muitos passam despercebidos em seu próprio tempo e somente muitos anos depois é que são reconhecidos por suas realizações. Esse é o caso de William Blake (28 de novembro de 1757 – 12 de agosto de 1827), que foi um poeta inglês e pintor, foi ignorado em seu tempo, exceto por suas ilustrações e alguns de seus poemas. Atualmente ele foi reconhecido como um dos expoentes das artes visuais e poesia da era Romantica.

Blake foi um revolucionário. Apoiou movimentos que estavam em ascensão como a Revolução Francesa. Suas ideias estavam intimamente ligadas com os pensamentos iluministas, porém sem perder seu vínculo religioso de origem protestante inglesa.

Contudo, ele se distancia do cristianismo quando escreve os aforismos “All Religions Are One” (Todas as Religiões São Uma) e “There Is No Natural Religion” (Não Existe Religião Natural). Nesse conjunto de enunciados Blake rejeita a ideia de uma religião individualizada a uma cultura e considera isso uma imposição autoritária, pois não há diferença entre as religiões e nenhuma delas surgiu naturalmente. Segundo ele, existiu apenas uma única religião no mundo, tal como uma única língua, mas que com o passar do tempo elas foram se distanciando em características, porém sua essência permanecia a mesma.

William Blake

Com o objetivo de comunicar sua mensagem revolucionária, Blake criou seu próprio sistema de mitologia. Através de deuses como personagens, significados e simbolismos complexos esboçam as relações no contexto de profecia. Ele incorporou figuras bíblicas em suas poesias, porém os alterou para dar a ideia de uma universalidade.

Influenciado pelos escritos de John Milton, em especial o livro “Paraíso Perdido” e ideias de Emanuel Swedenborg e Jakob Böhme, Blake começou uma série de poesias que revelassem uma nova mitologia em que fundisse aspectos bíblicos com o paganismo dos druidas. Essa série ficou conhecida como “Os livros das profecias” e foram publicados nessa ordem:

·Tiriel (c. 1789)

·The Book of Thel (c. 1789)

·America a Prophecy (1793)

·Europe a Prophecy (1794)

·Visions of the Daughters of Albion (1793)

·The Book of Urizen (1794)

·The Book of Ahania (1795)

·The Book of Los (1795)

·The Song of Los (1795)

·Vala, or The Four Zoas (begun 1797, unfinished; abandoned c. 1804)

·Milton a Poem (1804–1810)

·Jerusalem The Emanation of the Giant Albion (1804–1820)

Na mitologia de Blake há uma mistura da religião judaico-cristã com seus conceitos filosóficos. Aparecem figuras como Jesus Cristo, Adão, Eva, Abraão, Satã, Noé, bem como da mitologia grega como Albion e poseidon. Por se tratar de uma mitologia expressada em poesias e imagens ela se torna complexa e muito abstrata para ser entendida com profunda objetividade. Muito o que foi escrito por Blake está associado com as suas próprias crenças e visão de mundo, sendo expressões de sua realidade e, portanto, mais uma religião pessoal do que uma mitologia propriamente.

William Blake também era um ilustrador e suas poesias mitológicas eram acompanhadas de figuras inusitadas. Uma das mais conhecidas é a “The Great Red Dragon and the Woman Clothed in Sun”. 

As obras de Blake tiveram influência na cultura popular ocidental sobretudo depois de sua redescoberta por Aleister Crowley, um conhecido ocultista inglês. Seus seguidores passaram a usar as obras de Blake como referências em obras literárias, musicas e poesias.

Após a morte de Crowley em 1947, surgiu uma nova onda de músicas populares entre 1950 e 1960 e Blake passou a ser considerado um ícone da chamada “contracultura”. Ele era comumente estudado entre os hippies, idealistas da “Nova Era” e ocultistas.

Nessa época o cantor Bob Dylan é considerado um admirador das obras de William Blake e trabalhou junto com Allen Ginsberg na gravação de alguns dos poemas. É nesse período também que bandas de rock como Black Sabbath e posteriormente Iron Maiden, U2 e os cantores Bruce Dickson e Marilion Manson demonstram terem sido influenciados.

A partir de então suas influências se ampliaram pelo mundo afora em diversas mídias. Nas histórias em quadrinhos, Alan Moore apresenta conhecer a obra de Blake quando faz referencias em V de Vingança, Watchmen e Do Inferno. Além disso, nos filmes Manhunter (1986) e Red Dragon (2002), pode ser visto a imagem de Blake “The Great Red Dragon and the Woman Clothed in Sun”. 

William Blake é reconhecido como um santo pela Ecclesia Gnostica Catholica (E.G.C.), ou também chamada Igreja Católica Gnóstica. Essa entidade é um braço eclesiástico da Ordo Templi Orientis (O.T.O.), uma organização de fraternidade iniciática internacional devotada a divulgar a Lei de Thelema. Thelema é um sistema religioso e mistico desenvolvido por Aleister Crowley e baseado em seu escrito “O Livro da Lei”.  A palavra católica denota a universalidade da doutrina não tem relação com o cristianismo ou a Igreja Católica Romana. A principal função da Ecclesia Gnostica Catholica  é realizar publicamente ou de forma privada a Missa Gnóstica (Liber XV), um ritual escrito por Crowley em 1913. Os santos da Ecclesia Gnostica Catholica são aqueles que estabeleceram princípios adotados na Thelema. Crowley fez uma lista com todos os nomes e publicou em seus ensaios, porém inicialmente William Blake não fazia parte da lista. Ele só foi adicionado posteriormente pelo Patriarca Hymenaeus Beta no final de 1997, baseado em um ensaio escrito por Crowley entitulado “William Blake”, que foi publicado no periódico Oriflamme 2, Ordo Templi Orientis, 1998.

Aleister Crowley

 

J.R.R. Tolkien e sua opinião sobre William Blake

Cerca de setenta e cinco anos após a morte de William Blake nasceu J.R.R. Tolkien. Por serem ambos escritores que criaram mitologias, a primeira impressão que se poderia ter é uma comparação das duas obras visando encontrar em Tolkien alguma influência de Blake como predecessor.

Justamente em uma das primeiras resenhas feitas para o primeiro livro A Sociedade do Anel, que foi publicada no jornal Time and Tide com o título ‘The Gods Return to Earth” em 14 de agosto de 1954, Lewis expressa certa comparação de O Senhor dos Anéis com o livro Canções da Inocência (Songs of Innocence) de William Blake:

Este livro é como um raio de um céu claro: tão fortemente diferente, tão imprevisível em nossa época quanto o Canções da Inocência foi na dele. É inadequado dizer que nele o romance heroico, lindo, eloquente e sem pesar, de repente voltou em um período quase patológico em seu anti-romantismo. Para nós, que vivemos nesse período estranho, o retorno (e o alívio dele) sem dúvida é uma coisa importante. Mas na história do Romance em si, uma história que remonta à Odisseia e além, não ocorre um retorno, mas um avanço ou revolução: a conquista do novo território.[2]

Então, para os primeiros leitores de O Senhor dos Anéis que buscavam mais informações sobre a obra de Tolkien começaram a fazer as primeiras analises comparativas da obra de William Blake, e o posicionando como um predecessor e até influenciador.

Isso também é acentuado pelo fato de C.S. Lewis ter escrito a resenha acima. Ele era um amigo próximo de Tolkien e teve acesso aos seus escritos antes de serem publicados. Além disso, Lewis também escreveu suas histórias com um mundo imaginário e uma mitologia própria.

De fato, a vida de Tolkien era quase que completamente desconhecida por seus leitores. As poucas impressões que existem estavam no prefácio da primeira e segunda edições de O Senhor dos Anéis.  Aliado a isso, raramente Tolkien concedia entrevistas e não se envolvia em grandes mídias ou buscava o sucesso, preferindo ficar distante de seus leitores e apenas os respondia por carta.

Com o surgimento da “contracultura” entre os anos de 1950 e 1960, muitos desses jovens passaram a ler O Senhor dos Anéis e o sucesso foi quase que explosivo com o lançamento das edições paperback nos Estados Unidos em 1965.

Assim, diversos leitores realizavam interpretações do Senhor dos Anéis a luz de suas ideias revolucionárias. Alguns acreditavam inclusive que o autor seria um defensor das mesmas ideias. Foi dentro desse questionamento que Tolkien chegou a receber duas cartas de leitores perguntando se existia alguma relação de O Senhor dos Anéis com as obras mitológicas de William Blake.

A primeira vista a relação parece ter sentido, uma vez que Blake é um precursor na ideia de criação de mitologias e várias palavras usadas por ele em seus poemas parecem ter relação com as obras de Tolkien. Como exemplo: Orc, Vala, Tiriel, Thiriel, Albion, Luvah. Além do fato de C.S. Lewis ter feito a referência na primeira resenha. Somando esses pontos muitos acabavam concluindo pela influência de Blake na obra de Tolkien.

Sigrid Hanson Fowler foi um desses milhares de admiradores que morava nos Estados Unidos. Ele estudava a obra de Tolkien com muita determinação. Na década de 60 Fowler era um estudante universitário e chegou a defender sua tese em 1966 com título “Speech Patterns in J.R.R. Tolkien’s The Lord of the Rings” (Padrões de fala em O Senhor dos Anéis de J.R.R. Tolkien), com cerca de 278 páginas. Posteriormente Fowler se tornou professor de literatura e língua Inglesa na Universidade Augusta.

Em suas pesquisas, Fowler se questionou sobre a possível influência que Tolkien poderia ter absorvido de William Blake. Foi então que enviou carta para o próprio autor, enfatizando a relação dos nomes da mitologia de Blake e sua presença na obra de Tolkien.

Em 29 de dezembro de 1968, Tolkien respondeu a carta de Sigrid Hanson Fowler. Nessa oportundiade Tolkien apontou que em seu antigo diário está anotado em 21 de Fevereiro de 1919 que teve contato pela primeira vez com os livros da profecia de Blake. (ver. HAMMOND, Chronology, p.737). Na carta Tolkien explica que:

“[Em 21 de fevereiro de 1919] estava lendo parte dos livros da profecia de Blake, que eu não tinha visto antes, e descobri para meu espanto várias semelhanças na nomenclatura (embora não necessariamente em função), por exemplo: Tiriel, Vala, Orc. Qualquer que seja a explicação dessas semelhanças elas são poucas: a maioria dos nomes inventados de Blake são tão estranhos quanto a sua “mitologia” – talvez, elas não são “proféticas” por parte de Blake, nem por qualquer imitação da minha parte: sua mente (na medida em que tentei entendê-la) e arte ou concepção de arte, não me atraem. Os nomes inventados são susceptíveis de mostrar oportunas semelhanças entre escritores familiarizados com a nomenclatura grega, latina e especialmente hebraica. Na minha obra, Orc não é uma “invenção”, mas um empréstimo do Inglês Antigo orc “demônio”. Isto é suposto ser derivado do Latin Orcus, que Blake sem dúvida conhecia. E também se supõe não estar relacionado com orc o nome de um animal marítimo. Mas eu recentemente investiguei orc e achei um tema complexo. [Arquivo Tolkien-George Allen & Unwin, HarperCollins] (HAMMOND, The Lord of the rings companion… p.25) [3]

Nessa carta fica demonstrado que Tolkien não gostava da mitologia de William Blake e que achava estranha a forma como foi desenvolvida. As semelhanças ocorreram, portanto, pelo fato de ambos os escritores terem utilizado palavras com derivações de línguas antigas que eram familiarizados. Embora a fonte fosse a mesma, os seus significados dentro das duas mitologias são muito diferentes entre si.

Contudo, é interessante observar que Tolkien teve contato com a obra de Blake quando estava começando a desenvolver o seu legendarium. Quando ainda estava escrevendo seus primeiro poemas relacionados a Earendel, cerca de seis meses após ter escrito “A Viagem de Earendel, a estrela vespertina”, seu amigo pessoal C.B.Smith havia lido seus poemas e feito duras criticas, tendo recomendado que lesse os poemas de William Blake como exemplo de clareza e simplicidade.

?3 de abril de 1915 Smith escreve para Tolkien. Ele está indisposto e doente do coração, mas encontra consolo nas cartas de Tolkien e seus comentários sobre o assento de Newdigate de Smith. Ele agora enviou os poemas de Tolkien para Gilson, exceto as coisas de “Earendel”. Ele acha que o verso de Tolkien “é muito propenso a ser complicado e confuso e ser ainda mais difícil de distinguir”; The Mermaid’s Flute (A Flauta de Mermaid) é bastante ruim a este respeito (Tolkien Papers, Bodleian Library, Oxford). Ele gostaria que Tolkien tornasse seu verso mais lúcido sem perder a luxúria, e sugere que leia as liricas curtas de William Blake como um exemplo de clareza e simplicidade. (HAMMOND, Chronology, p. 62) [4]

Se Tolkien seguiu o conselho de seu amigo é algo que precisa ser analisado com bastante cuidado. Já que não há nenhum sinal de que Tolkien tenha buscado alguma influência de Blake e suas afirmações posteriores demonstram que ele não gostava.

Cerca de vinte dias depois de ter recebido a carta de Smith com as criticas e a recomendação de leitura das poesias de Blake, Tolkien escreveu um poema chamado Goblin Feet (Pés de Goblin), que décadas mais tarde se arrependeu de ter escrito[5].  O poema foi publicado no periódico “Oxford Poetry” em 1 de dezembro de 1915, pela editora Blackwell e editado por G.D.H. C. (Gerald H. Crow) e T.W. E. (T.W. Earp). Nesse mesmo periódico havia também um poema de Aldous Huxley chamada “Home-Sickness… From the Town”.

Aldous Huxley e William Blake

Aldous Leonard Huxley (1894-1963) foi um escritor britânico, que ficou conhecido por seu romance Brave New World (Admirável Mundo Novo) em 1932, que narra um futuro ficcional onde as pessoas são pré-condicionadas biologicamente e psicologicamente a viverem em harmonia com as leis e regras sociais, dentro de uma sociedade organizada por castas e funções na sociedade.

Huxley teve influências de William Blake, chegando a citar em suas obras trechos de suas poesias. No livro The Doors of Perception (As Portas da Percepção), publicado em 1954, Huxley deu o nome do livro em referencia a um poema de Blake chamado “The Marriage of Heaven and Hell (O Casamento do Céu e Inferno). Nesse livro o autor defende o uso de drogas psicotrópicas, em especial a mescalina, como chave para libertação da mente criativa. A critica da época foi variada, mas chama a atenção a boa recepção do poeta Edwin Muir que afirmou ser “O experimento do Sr.Huxley é extraordinário e é lindamente descrito” [6] E no mesmo ano Edwin Muir se referindo ao Senhor dos Anéis disse “No entanto, pode-se ver que A Sociedade do Anel é um livro extraordinário,” [7]

Huxley ficou conhecido entre os apoiadores da contracultura. A banda “The Doors”[8] adotou o nome com base na obra psicodélica de Huxley, em especial a referência a citação de William Blake “Se as portas da percepção estivessem abertas, o homem poderia ver as coisas como elas realmente são: infinitas”[9].

Banda The Doors

Os Beatles, que também eram fãs de J.R.R. Tolkien, colocaram o rosto de Aldous Huxley, ao lado de Aleister Crowly, entre dezenas de grandes personalidades para a capa do álbum Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, com músicas que trazem a ideia de alteração da percepção. 

Ao lerem os livros de Huxley, os hippies e apoiadores da contracultura tinham a impressão que pelo fato de ser um escritor britânico, com vínculos em Oxford, fosse da mesma turma de Tolkien e C.S. Lewis e que por sua vez seriam influenciados pelos escritores daquele país. Tendo um diferencial por coisas fantásticas e diferentes da realidade. Muitos pensavam que eram como se fossem herdeiros literários de histórias como Alice no País das Maravilhas.

Charles Williams, que era amigo pessoal de C.S. Lewis, e também de Tolkien, por ser membro dos Inklings também teve contato com as obras de William Blake e até mesmo com escritos de Aleister Crowley, a quem Tolkien não apreciava nem um pouco.

Esse contato de Aldous Huxley, G.B. Smith, C.S. Lewis, Charles Williams e J.R.R. Tolkien no início do século XX, demonstra que a atmosfera intelectual inglesa, sobretudo em Oxford, estava sendo influenciada pelas ideias da modernidade, com reflexos da ascenção de Aleister Crowley, que enfatizou as obras de William Blake naquele periodo.

Apesar disso, Tolkien não parece estar na mesma linha de ideias modernas que os citados. O autor de O Hobbit era um católico tradicional, e não assimilava facilmente ideias de sua época. Nem mesmo as mudanças que a Igreja Católica Romana passava com o Concílio Vaticano II, foram bem vistas por Tolkien. Talvez por isso não se sentisse a vontade com o grande sucesso que O Senhor dos Anéis teve repentinamente entre os jovens que estavam inspirados pelas ideias que surgiam na época.

 

BIBLIOGRAFIA:

APIRYON, Helena and Tau. The Gnostic Mass: Annotations and Commentary (footnote). Ordo Templi Orientis, 2004. Disponível em: https://hermetic.com/sabazius/gmnotes#Blake. Acessado em: 18 de Junho de 2017.

BALDICK, Chris. The Oxford Dictionary of Literary Terms, Oxford University Press, Oxford, 2008.

BLAKE, William. Songs of Innocence and Songs of Experience. Guildford: A.C.Curtis, Londres, 1901.

Hammond Wayne G. SCULL, Christina, J.R.R. Tolkien Companion and Guide, Reader’s Guide, HarperCollins, Londres, 2006.

______________________________, J.R.R. Tolkien Companion and Guide, Chronology, HarperCollins, Londres, 2006.

______________________________, The Lord of the Rings: A Reader’s Companion, HarperCollins, Londres, 2005.

LEWIS. C.S.’The Gods Return to Earth”, Time and Tide, Londres, 14 de agosto de 1954.

TOLKIEN, J.R.R. The History of Middle Earth I,The Book of Lost Tales Part One, ed. Christopher Tolkien, HarperCollins, Londres, 2002

 

NOTAS:

[1] Mythopoeia [mith-oh-pee-a] (mythopoesis) [mith-o-poh-ees-is] The making of myths, either collectively in the folklore and religion of a given (usually pre-literate) culture, or indivisually by a writer who elaborates a personal system of spiritual principles as in the writings of William Blake. The term is often used in a loose sense to describe any kind of writing that either draws upon older myths or resembles myths in subject-matter or imaginative scope. Adjective: mythopoeic or mythopoetic.
[2] This book is like lightning from a clear sky: as sharply different, as unpredictable in our age as Songs of Innocence were in theirs. To say that in it heroic romance, gorgeous, eloquent, and unashamed, has suddenly returned at a period almost pathological in its anti-romanticism, is inadequate. To us, who live in that odd period, the return – and the sheer relief of it – is doubtless the important thing. But in the history of Romance itself – a history which stretches back to the Odyssey and beyond – it makes not a return but an advance or revolution: the conquest of new territory.
[3] I had never seen before, and discovered to my astonishment several similarities ol nomenclature (though not necessarily in function) e.g. Tiriel, Vala, Orc. Whatever explanation of these similarities – few: most of Blake’s invented names are as alien to me as his ‘mythology’ – may be, they are not ‘prophetic’ on Blake’s part, nor due to any imitation on my part: his mind (as far as I have attempted to understand it) and art or conception of Art, have no attraction for me at all. Invented names are likely to show chance similarities between writers familiar with Greek, Latin, and especially Hebrew nomenclature. In my work Orc is not an ‘invention’ but a borrowing from Old English orc ‘demon’. This is supposed to be derived from Latin Orcus, which Blake no doubt knew. And is also supposed to be unconnected with orc the name of a maritime animal. But I recently investigated orc, and find the matter complex. [Tolkien-George Allen & Unwin archive, HarperCollins] (HAMMOND, The Lord of the rings companion… p.25)
[4] ?3 April 1915 Smith writes to Tolkien. He is unwell and sick at heart, but finds consolation in Tolkien’s letters and his comments on Smith’s Newdi­gate Prize entry. He has now forwarded to Gilson Tolkien’s poems, except the ‘”Earendel” things’. He thinks that Tolkien’s verse ‘is very apt to get too compli­cated and twisted and to be most damned difficult to make out’; The Mermaid’s Flute is rather bad in this respect (Tolkien Papers, Bodleian Library, Oxford). He would like Tolkien to make his verse more lucid without losing its luxuri­ance, and suggests that he read shorter lyrics by William Blake as an example of the clear and simple. (HAMMOND, Chronology, p. 62)
[5] “I wish the unhappy little thing, representing all that I came (so soon after) to fervently dislike, could be buried for ever”.
[6] “Mr. Huxley’s experiment is extraordinary, and is beautifully described”
[7] “However one may look at it The Fellowship of the Ring is an extraordinary book,” Observer, 22 de Agosto de 1954.
[8] http://www.doorshistory.com/doors1965.html
[9] “If the doors of perception were cleansed man could see things as they truly are, infinite”

Eventos

A importância do Fórum Literário Lewis e Tolkien!

fórum literário lewis e tolkien2

O Brasil está entre os dez países no mundo com grande quantidade de fãs do escritor J.R.R. Tolkien e isso implica em uma promoção de eventos e relações entre milhares de pessoas em prol de um gosto em comum.

Os filmes do diretor Peter Jackson serviu como um grande marketing para atrair novos leitores para as obras. Contudo, com o passar da euforia dos filmes de Peter Jackson os grupos de fãs parecem diminuir seu vigor e se reduzem apenas aqueles realmente interessados.

O Fórum Literário Lewis e Tolkien surge para mostrar que é possível manter um encontro anual. Um local e horário para os leitores e estudiosos do escritor C.S. Lewis e J.R.R. Tolkien que permita ampliar o conhecimento e estimular o debate sobre a obra desses grandes escritores.

A ideia surgiu com William Falcão, que é um admirador das obras de C.S. Lewis. Ao se mudar para Juiz de Fora (Minas Gerais) para estudos de mestrado em História fez amizade com Eliza Feres. De suas conversas tiveram a ideia de realiar um evento sobre C.S. Lewis em Juiz de Fora. O evento foi realizado em 2015 e tratou apenas do escritor de Crônicas de Nárnia.

Eliza Feres passou a ser a coordenadora do evento e decidiu ampliar a ideia para também tratar de Tolkien. Assim, em 2016 o evento passou a ser chamado de “Fórum Literário Lewis e Tolkien”.

C.S. Lewis e J.R.R. Tolkien eram grandes amigos. Ambos eram professores universitários e escritores, amantes do fumo de cachimbo e de longas conversas sobre cristianismo e cultura nórdica na literatura. A amizade foi tão forte a ponto de Tolkien afirmar que Lewis foi de fundamental importância no incentivo moral para que sua obra fosse publicada. Enquanto que Lewis realizou diversas resenhas do Hobbit e O Senhor dos Anéis em jornais de grande renome a fim de defender a obra de seu amigo.

Fórum Literário Lewis e Tolkien

As portas da Faculdade Metodista Granbery se abriram em 25 e 26 de novembro para acolher um bom número de interessados. O evento não exigiu retorno financeiro de quem se interessava, porém tiveram a boa vontade de aproveitar o momento e fazer um ato de ajuda a quem precisa.

A entrada foi condicionada a apenas doações de livros de literatura (novos ou usados) e/ou lápis de cor (em bom estado de uso) para doar a crianças e jovens em vulnerabilidade social por meio da Associação para Mobilização Educacional e Beneficente – AMEB que é uma associação civil sem fins lucrativos atuante no bairro Amazônia, Zona Norte de Juiz de Fora, que desenvolve uma gama variada de ações em prol dos morados do bairro e adjacências. 

Além de ser uma grata possibilidade de um evento anual entre os leitores desses grandes escritores que gostamos (preferimos Tolkien do que Lewis, obviamente, mas o Jack era um cara legal), o participante pode ajudar crianças com um ato de doação. É uma sintonia justa e proveitosa para todos.

Evidente que organizar e manter um evento como esse exige não apenas o esforço dos organizadores, mas especialmente de apoio financeiro de todos os interessados e estamos certos que os leitores desse site vão reconhecer a importância do evento.

O site Tolkien Brasil irá apoiar sempre o evento para que ele se fortaleça cada vez mais e que se consolide por anos e anos.

O evento para esse ano (2017) já tem data marcada e está sendo organizado com o mesmo empenho do que no ano anterior e ao que indica será realizado no Rio de Janeiro. Em breve iremos anunciar os detalhes em um novo texto aqui nesse site.

Aqui estão duas palestras que foram gravadas no I Fórum Literário Lewis e Tolkien:

PRIMEIRA PALESTRA:

 
SEGUNDA PALESTRA:
 


 

A Faculdade Metodista Granbery, que acolheu o evento fica na R. Batista de Oliveira, 1.145, em Juiz de Fora. A programação para do primeiro evento foi a seguinte:

25/11 – ANEXO II
17:20 – Abertura do evento
17:30 às 18:30 Contação de história – Ulisses Belleigoli. Escritor e contador de história.
18:40 – Abertura das palestras – AUDITÓRIO VITTÓRIO BERGO
19:00 – “Entre amigos: diálogos entre Lewis e Tolkien”
Palestrante: Edson Munck Jr. (UFJF) (Universidade Federal de Juiz de Fora)
20:00 “Lealdade e camaradagem na mitologia de Tolkien”
Palestrante: Humberto Schubert Coelho (UFJF)

26/11 – ANEXO II
15:00 – Oficina I – A simbologia e o imaginário em C.S.Lewis
Aline Gasperi – mestranda em Comunicação pela UEL (Universidade Estadual de Londrina)
16:00 – Oficina II – O universo de Tolkien: um sistema dentro do polissistema tradutório
Isabella Leite – estudante do curso de Letras da UFJF
17:00 às 18:30 – Sarau
19:00 – Palestra “Ciência e Sociedade em Lewis”
Palestrante: Luiz Adriano Borges (UTFPR)

Sobre Livros

Seminário sobre Beowulf com Tom Shippey

beowulf

Um dos maiores especialistas em Tolkien, Tom Shippey apresenta um pequeno seminário online pela signumuniversity.org. Nesses três encontros Shippey apresenta suas considerações sobre a obra de Tolkien relacionada ao Beowulf.

O professor J.R.R. Tolkien foi um profundo estudioso da lenda Beowulf, tendo apresentado artigos e livros sobre o tema. O principal deles foi “Beowulf the monsters and the criticas” em 1936 e mais recentemente foi publicada a tradução feita pelo próprio Tolkien a partir do inglês arcaico “Beowulf, tradução e comentários” publicada no Brasil pela editora Wmf Martins Fontes.

O seminário de Tom Shippey foi apresentado em três dias: 12, 19 de janeiro e 2 de fevereiro de 2017. As palestras estão todas em inglês. Para assistir cada uma delas basta clicar nos links abaixo, e será remetido ao canal da universidade que publicou os vídeos:

O seminário de Tom Shippey apresenta desde conceitos básicos para quem não tem entendimento sobre a literatura relacionada a lenda de Beowulf, até análises mais aprofundadas e que trazem maiores esclarecimentos a nível acadêmico.

Tom Shippey é conhecido por ser autor de livros especializados em Tolkien como The Road to Middle-earth, J.R.R. Tolkien: Author of the Century, Roots and Branches: Selected papers on Tolkien e diversos artigos.

Se você sabe inglês vale a pena conferir. Para ter mais informações basta acessar AQUI.

Brasil

A família Tolkien e o Império Brasileiro

by Eduardo Stark

O autor J.R.R. Tolkien é hoje conhecido mundialmente por suas fantásticas obras e por suas adaptações cinematográficas. Mas, muito antes dele, outros membros de sua família tiveram relativo sucesso no Brasil.

A relação do Brasil com o Reino Unido está vinculada por séculos. Inicialmente o reino de Portugal era aliado da Inglaterra na luta contra as forças de Napoleão, que haviam invadido boa parte da Europa continental no inicio do século XIX.

Com isso, Dom João VI decidiu instalar o seu reino no Brasil e se deslocou para esse país com o auxílio da Inglaterra. Contudo, alguns anos depois, seu filho Dom Pedro I declarou que o Brasil deveria ser um país independente. Foi então instaurado o Império Brasileiro. Nesse processo de independência a Inglaterra teve papel importante, na medida em que influenciou Portugal a reconhecer o Brasil como império em 1825. Nesse mesmo ano, Dom Pedro I assinou um acordo com a Inglaterra em que seu império era reconhecido.

Assim, entre os anos de 1822 e 1889, foi vigente no país o Império Brasileiro do Brasil. As relações com o Império Britânico eram intensamente comerciais. Foi nesse período entre 1825 e 1845 que a nossa relação histórica com os Tolkien começa.

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Imperador Dom Pedro II

Diante dessa abertura comercial e cordialidade entre as nações, foi possível que diversas famílias inglesas viessem morar no Brasil, e aqui estabelecessem empreendimentos. Provavelmente nesse período é que chegaram em navios a vapor, os primeiros pianos Tolkien.

O antepassados de J.R.R. Tolkien eram em sua maioria músicos e fabricadores de instrumentos musicais, em especial Pianos.

George William Tolkien (1784-1840) trabalhava como fabricante de óculos e determinada época começou a trabalhar com pianos. Assim, seus filhos tiveram a iniciativa de fabricar esse instrumento.  A família Tolkien passou a ser conhecida por seus pianos de alta qualidade e os comercializava por todo o Reino Unido e o mundo.

George Tolkien teve vários filhos, dentre eles destacamos três: John Benjamin Tolkien, Henry Tolkien e Septimus Tolkien.

John Benjamin Tolkien (1807-1896) foi um fabricante de pianos, professor e compositor. John Tolkien foi pai de Arthur Tolkien, que por sua vez gerou o nosso querido professor Tolkien.

Piano John Benjamin Tolkien
Piano John Benjamin Tolkien

Além de John, seus dois irmãos Henry Tolkien e Septimus Tolkien também trabalhavam com a fabricação de Pianos e escreviam músicas. Eles se apresentavam em Londres e tinham um sucesso interessante entre o público inglês.

Com o sucesso dos pianos no Império Britânico e a abertura comercial com o Brasil, foi assim que chegou a América latina os primeiros exemplares de pianos da família Tolkien. Famílias inglesas compravam os pianos e quando vieram a residir no Brasil os transportavam nas mudanças com os navios a vapor.

Não há um número preciso de quantos pianos Tolkien chegaram no império de Dom Pedro II, mas pelo menos três itens são mencionados em jornais antigos.

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Henry Tolkien, tio avô do autor do Hobbit

Henry Tolkien

O primeiro é o “Jornal do Commercio”, do Rio de Janeiro, que em 22 de março de 1859 (terça-feira) publicou informe de leilão de um piano desenvolvido por Henry Tolkien. O informe foi reproduzido no mesmo jornal nos três dias seguintes da mesma semana. O mesmo anuncio foi publicado no jornal Correio Mercantil por três vezes, a cada dia de 22 a 24 do mesmo mês e ano.

O informe do Leilão apresenta o seguinte:

LEILAO de ricos moveis na Ponta do Caju

Southam fará leilão, sexta-feira 25 do corrente, dia desocupado, às 10 e meia horas em ponto, na residência de uma família ingleza que retirou-se no último vapor para a Europa, casa nobre sita na Ponta do Caju, no alto do morro, perto do desembarque das barcas, de todos os SUS ricos moveis de mogno e jacarandá, magnífico piano do celebre autor Henry Tolkien de 6 ¾ oitavas, de mui harmoniosas vozes, que sustenta admiravelmente a afinação, ricos guarda-roupas de mogno mássico e vinhático, cama grande com colunatas com assento de palhinha e exergão de molas para casados, lavatórios, um grande com pedra mármore e um grande espelho, mesas, dita de jantar, sofás, secretaria de mogno, comodas, almofadas, uma grande e elegante mesa de bilhar de érabbl guarnecida de madeira setim, com tacos, bolas, marcador, etc., casquinhas, prata, crystaes, vidros, candelabros de bronze com mangas e pingentes, vasos, castiçaes, etc., etc.O catalago distribuído no dia do leilão dará mais amplas informações.

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Pelo fato de estarem vendendo sua casa e tudo o que tinha dentro, demonstra que essa família estava querendo voltar para a Inglaterra de forma imediata. Não se pode supor o que motivaram, mas talvez as tensões políticas da época entre os Impérios Brasileiro e Britânico tivesse uma relação com esse fato.

Em agosto de 1845, o Império Britânico publicou a lei que proibia o trafego e venda de escravos no mar atlântico, chamado Slave Trade Suppression Act, conhecido no Brasil como Bill Aberdeen. No Brasil ainda existia o comércio de escravos com a África e diante desse ato ocorreu vários incidentes diplomáticos entre os impérios. Entre os anos de 1845 e 1851, a marinha britânica apreendeu centenas de embarcações brasileiras que realizavam tráfico de escravos. Algumas dessas embarcações estavam em mar territorial brasileiro, mostrando uma intervenção maior.

Diante da pressão inglesa, o Brasil então proibiu o tráfico de escravos no mar atlântico, através de uma lei de 1850, conhecida Lei Eusébio de Queiroz. Contudo,  cresceu um sentimento ‘anti-britânico’ no Brasil e os ingleses já não se sentiam mais a vontade como antes no país.

Essa tensão decorrente dos conflitos diplomáticos pode ter chegado até essa família inglesa que tinha o piano Tolkien e isso implicou na sua saída imediata do país. O ano do informe de venda do piano é de 1859 e pouco tempo depois ocorreu a maior crise diplomática entre os países, que quase resultou em uma guerra entre o Império Brasileiro e o Império Britânico, na chamada Questão Christie (Nessa o Brasil estava com a razão!).

O que chama atenção no informe são as gentis palavras do anunciante “magnífico piano do celebre autor Henry Tolkien de 6 ¾ oitavas, de mui harmoniosas vozes, que sustenta admiravelmente a afinação”. O anunciante parece ter conhecimento de que o criador daquele piano é alguém notável, conhecido e que sua obra é de alta qualidade.

O leiloeiro H. Southam, era conhecido por seu contato com as famílias inglesas e norte americanas. Ele realizava leilões com itens das famílias daqueles países e vendia itens importados. Ele tinha herdado o trabalho do seu pai Samuel Southam, que também realizava leilões e venda de carvões e algodão.

Além dessa menção nos jornais do século XIX, existe ainda outra ocorrida em 27 de setembro de 1929, no jornal O Fluminense, do Rio de Janeiro. Nesse anúncio, novamente um piano feito por Henry Tolkien estava sendo vendido. Não se sabe se era o mesmo mencionado anteriormente.

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Septimus Tolkien

Outra menção de um piano da família Tolkien, aconteceu no sábado, 7 de agosto de 1909, no jornal “A Provincia”, em Pernambuco. O anúncio assim diz:  “O agente Paiva, autorisado por mme. Carmem Lodez que se retira para Europa, venderá em leilão todos os moveis e mais objectos acima descriptos que se recommendam pelo seu bom estado de conservação”.

E logo acima o anúncio diz o seguinte:

“Agente Paiva Agencia Rua dr. Rosa e Silva n. 49 Bom leilão Domingo, 8 do corrente Um piano forte inglez do fabricante Septimus Tolkien, 1 boa mobília austríaca torneada com palha no encosto, 2 chics espelhos ovaes, um esplendido guarda-vestidos, moderno toilette-meio americano, importante guarda-louças com suspensão e mármore, magnífico aparador com pedras, solida mesa elástica oval, moderna cama para casal, commodas, candieiros, porcellanas, vidros, quadros, biscuits, 1 flauta e 1 flautim etc”.

1909-08-07-a-provincia-septimus-tolkien

O mesmo anuncio foi reproduzido novamente em 8 de agosto de 1909 no mesmo jornal.

O fato de ser um anúncio de um estado diferente do primeiro, demonstra que os pianos Tolkien podiam ser encontrados em diversas partes do país, e que não era apenas uma venda casual para uma família inglesa. Além disso, pode ser observado que esse piano mencionado foi feito por Septimus Tolkien (1826-1912), que tal como seus irmãos John e Henry, trabalhava na confecção de pianos e com música.

Após essas pequenas e rápidas menções sobre os Tolkien no Brasil. As próximas noticias estão relacionadas ao professor J.R.R. Tolkien, que teve sua primeira menção em jornais brasileiros em 1940 (isso será tema de outro artigo).

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PARA SABER MAIS SOBRE A RELAÇÃO DO BRASIL E O PROFESSOR J.R.R. TOLKIEN Acesse os seguintes artigos:

Uma saudação de Priscilla Tolkien para os brasileiros! (Carta que recebemos da filha de J.R.R. Tolkien)

 A História de Kullervo e a contribuição brasileira para ser publicado! (Como um brasileiro ajudou na ideia desse  livro ser publicado internacionalmente).