Michael Martinez

Star Wars é parecido com O Senhor dos Anéis?

Michael Martinez é um dos mais conhecidos Tolkienistas (escritor de Tolkien). Michael é autor de Visualizing Middle-earth, Parma Endorion: Essays on Middle-earth, 3rd Edition, and Understanding Middle-earth: Essays on J.R.R. Tolkien’s Middle-earth.Suas colunas são conhecidas por todo o mundo, pois já foram traduzidas para o português, espanhol, grego, italiano, húngaro, finlandês, hebraico, e outros idiomas.
Michael Martinez é um dos mais conhecidos Tolkienistas (escritor de Tolkien). Michael é autor de Visualizing Middle-earth, Parma Endorion: Essays on Middle-earth, 3rd Edition, and Understanding Middle-earth: Essays on J.R.R. Tolkien’s Middle-earth.Suas colunas são conhecidas por todo o mundo, pois já foram traduzidas para o português, espanhol, grego, italiano, húngaro, finlandês, hebraico, e outros idiomas.

 

Tradução: Sérgio Ramos.

Pergunta: Star Wars é parecido com O Senhor dos Anéis?

Resposta: É virtualmente impossível discutir Star Wars sem adentrar no reino de “fontes para a visão de George Lucas”. Mas agora que George Lucas não é mais a luz que guia o cânon de Star Wars, resta uma incógnita sobre o quanto as futuras histórias de Star Wars se parecerão com o clássico de ficção científica do século XX e literatura de fantasia. Nós provavelmente teremos que diferenciar entre Star Wars Clássico e Star Wars Disney, ou algo assim. Nós já ouvimos pontos e pedaços sobre “o novo cânon de Star Wars” e antigos fãs de Star Wars podem não gostar que seu amado Universo Expandido esteja para desvanecer nas dobras do reboot da franquia. Provavelmente, não foi um erro ter trazido J. J. Abrams para dirigir o primeiro filme pós-Lucas de Star Wars, “O Despertar da Força”.

Mas nós começamos com uma pergunta simples: “Star Wars é parecido com O Senhor dos Anéis?” Você encontrará mil respostas diferentes na internet e eu debati longa e duramente antes de decidir entrar nessa questão. Mas vamos ver se posso encontrar algo mais ou menos novo a dizer.

 Frodo Luke

Ambas as histórias são sobre uma família. George Lucas tem sido citado na mídia como tendo falado que o Star Wars Clássico era como uma novela. É sobre as aventuras e turbulências da família Skywalker. Ele não acha que a Disney permanecerá fiel a essa visão. Eles podem fazer com que Star Wars se pareça mais com uma história em quadrinhos como o universo dos super-heróis Marvel. Isso é o que a Disney faz de melhor.

Mas como O Senhor dos Anéis pode ser um drama familiar? Você está pensando sobre Bilbo partindo do Condado e deixando o Um Anel para Frodo, mas eu tenho uma família diferente em mente. A família de George Lucas concerne mais a uma família misturada de Noldor com Sindar. Realmente, eram duas famílias: os descendentes de Finwë e Elwë. Mais especificamente, ela concernia mais aos descendentes de Lúthien Tinúviel, a filha de Elwë. Lúthien, como Anakin Skywalker, tinha apenas um genitor “normal”. Mas, enquanto Anakin é um filho da Força (e é frequentemente comparado à concepção espontânea de Jesus), Lúthien é meramente a filha de um elfo (Elwë) e um anjo (Melian).

Tanto Lúthien quando Anakin possuem poder incrível comparado a outras pessoas como eles. Mas esta comparação é, eu acho, mais coincidente do que intencional. Afinal de contas, George Lucas escreveu o roteiro para “Star Wars” antes de 1977 e este foi o ano em que O Silmarillion foi publicado pela primeira vez. De fato, “Star Wars” foi lançado nos cinemas em maio de 1977 e O Silmarillion foi publicado em outubro de 1977.

É claro que as pessoas rapidamente percebem que não sabemos realmente muito de Anakin Skywalker até o lançamento de “Star Wars”. Havia alguma informação na novelização que acompanhou o filme, mas certos detalhes foram mantidos longe do público por anos. Ademais, Lúthien nunca se converteu ao Lado Negro de nada. Ela sempre permaneceu boa, e nunca trouxe qualquer tipo de equilíbrio à Terra-média.

Então, quando dizemos que O Senhor dos Anéis é um drama familiar (ou saga), temos que ver realmente o contexto do drama maior com o qual J. R. R. Tolkien estava preocupado: as dificuldades dos Noldor com sua curiosidade inata e arrogância. Isso foi algo que não veio com Lúthien; ela era mais como Shmi Skywalker no temperamento.

Tanto “Star Wars” quanto O Senhor dos Anéis são Capítulos. Este é um ponto importante em qualquer comparação entre as duas sagas. Assim como O Silmarillion veio depois de O Senhor dos Anéis, portanto, explicando toda a história de fundo que apenas era mencionada, também a Trilogia Prequel de Lucas só veio após a Trilogia Original. E, apesar do que os autoproclamados guardiões do fanatismo por Star Wars querem fazer as pessoas crerem, “A Ameaça Fantasma” permanece como o mais popular de todos os seis filmes de Star Wars de George Lucas. Agora que Lucas saiu do palco do Star Wars, não há esperança de outro filme de Lucas derrubar “A Ameaça Fantasma” do posto de melhor dos seis filmes.

O Silmarillion, por outro lado, não se compara tão favoravelmente com O Senhor dos Anéis como a Trilogia Prequel faz com a Trilogia Original. O Silmarillion é difícil de entender e é escrito em estilo bem diferente daquele de O Senhor dos Anéis. Muito menos cópias de O Silmarillion foram vendidas do que de O Senhor dos Anéis. Embora Tolkien mesmo pensasse que O Silmarillion era sua obra-prima, esta honra é dada pelos críticos para O Senhor dos Anéis.

Ainda assim, tanto a Trilogia Prequel quando O Silmarillion ultrapassam seus predecessores de diversas maneiras. Com a Trilogia Prequel, George Lucas finalmente conseguia contar a história de Anakin Skywalker do jeito que ele queria. Nós não necessariamente aprovamos suas escolhas, mas essa era a história dele para contar e é bom que ele tenha contado. Do mesmo modo, O Silmarillion era a história que J. R. R. Tolkien queria contar. O Senhor dos Anéis era uma distração para ele, escrito para as massas, simplesmente porque seu editor o avisou em 1937 que seus leitores queriam saber mais sobre Hobbits.

Bem, aprendemos sobre Hobbits brevemente, mas esta digressão atrasou (enquanto era possível fazer) a publicação de O Silmarillion por várias décadas.

Darth Vader LoTR

Tanto “Star Wars” quanto O Senhor dos Anéis tinham que ser contados primeiro. Não é mera coincidência que ambos os contos terminam suas sagas, embora Lucas não estivesse necessariamente seguindo o mesmo caminho que Tolkien. É verdade que, quando George Lucas mostrou a seu agente a história original que se tornou Star Wars, ele foi alertado para baixar o tom, porque era “confuso demais”. Quando J. R. R. Tolkien apresentou um esboço preliminar de O Silmarillion a seu editor (George Allen & Unwin), que alegremente o procurou para que eles pudessem publicar O Hobbit (o qual, originariamente, foi feito apenas para o lazer da família e amigos), ele disse que era “celta demais”.

Tolkien foi tocado pela aplicação do rótulo “celta” a seu trabalho, pois ele considerava que havia sido escrito numa tradição experimental anglo-saxã. Mas ninguém realmente entendeu o que O Silmarillion deveria ser. Era algo como a “Rainha Fada” de Spencer (e não – como muitos equivocadamente falam hoje – “uma mitologia para a Inglaterra”), uma fantasia feita para almas nobres que queriam pensar sobre sua literatura. O Silmarillion pode ter sido uma experiência catártica para Tolkien, que, tendo testemunhado os horrores da Primeira Guerra Mundial de perto (e tendo perdido muitos amigos para a guerra), castigou seus Noldor rebeldes com matança e devastação espalhada.

A submersão de Beleriand é bem parecida com a destruição do norte da França, a qual se tornou um enlameado agitado, terra de ninguém sem vida. Em “Star Wars”, vemos algo similar com a destruição de Alderaan. A Estrela da Morte é onde culmina a busca do Imperador pelo controle total da galáxia. Sua grande arma ameaça tornar a galáxia um oceano sem vida de estrelas.

Mas Lucas não era veterano de guerra. Ele começou sua carreira de cineasta na era dos protestos da Guerra do Vietnã, para ser preciso, mas ele não estava tentando cooperar com os horrores de ver quase toda uma geração aniquilada nos campos de batalha. Lucas tinha seus próprios demônios, mas eles eram, de algum modo, menores.

E ainda, J. R. R. Tolkien tinha que publicar O Senhor dos Anéis porque seus leitores queriam saber mais sobre Hobbits; Lucas tinha que contar uma parte pequena de sua história porque seu público não entenderia coisa alguma, a menos que eles vissem um cara bom derrotar um vilão. Enquanto que Tolkien tinha que amarrar o final da história, Lucas tinha que reassegurar a todos que havia uma boa solução.

Caras maus vencem em ambos os Prequels. Sim, os caras maus vencem em O Silmarillion. Não estou falando sobre Morgoth, apesar de que Sauron escorrega de uma forma Darth Vaderista. Estou falando dos Noldor. Eles são os caras maus de O Silmarillion. Se não fosse pela arrogância deles e presunção, nenhuma das histórias dramáticas de Tolkien teriam acontecido. Então, Morgoth (quase um inocente), é liquidado e os orcs são varridos como campos de trigo antes do incêndio, e a maioria dos Noldor é morta. Mas alguns deles sobrevivem e prosperam e tentam obter controle sobre a Terra-média.

Do mesmo modo, os Sith buscam controle da galáxia ao final da Trilogia Prequel. Nós sabíamos o que aconteceria, porque “Star Wars” (também conhecido como “Uma Nova Esperança”) abriu com uma aguerrida rebelião contra o maléfico Império. E, assim como os Sith fazem sua Estrela da Morte, os Noldor fazem os Anéis de Poder.

Agora, isso é o mais interessante para mim, porque o Um Anel é, algumas vezes, comparado com a Estrela da Morte por alguns fãs que querem falar sobre similaridades entre as duas histórias. E há similaridades de propósito. Mas, enquanto a Estrela da Morte é usada para controlar a galáxia através de medo, o Um Anel é usado para controlar os outros através do controle da mente direto. O Um Anel é mais como um jogo mental dos Jedi aumentado em escala galática. Imagine o que Darth Sidious poderia conseguir se ele prendesse a Sociedade do Anel em algum bizarro conto crossover (ok, eu tenho certeza que alguém escreveu essa história em algum lugar).

De qualquer forma, você não pode ter a luta definitiva em O Senhor dos Anéis sem alguns caras maus (Altos-Elfos do Oeste) fazendo algo maligno (criando os Anéis de Poder) antes da história. A situação tem que ser tal que grande mal já exista na Terra-média. Por que? Porque Tolkien não teve a luxúria de mostrar como o mal ganharia o controle da Terra-média em sua sequência para O Hobbit.

Levaria gerações antes que o público leitor tivesse a paciência para tolerar uma saga de “ascenção, queda e redenção” com 12-20 livros. De fato, quando eu fui à World Fantasy Con em 1992, perguntei a um painel de autores mundialmente famosos de fantasia, que estavam lamentando a produção interminável de trilogias no estilo de OSdA, se seria concebível que alguém pudesse planejar uma saga de 20 livros (eu já tinha um esboço escrito para uma em casa). Todo o público, algumas centenas de pessoas, gritou tão alto que os debatedores não sentiram necessidade de responder a minha pergunta, embora Roger Zelazny tenha apontado corajosamente que aquilo meio que já estava acontecendo, até porque as editoras ficavam pedindo por mais sequências. Zenazny faleceu antes que ele pudesse terminar uma segunda série de romances sobre seu mundo de fantasia Amber, mas outros autores que foram escrever ciclos enormes são Christopher Stasheff e Roberto Jordan.

Hoje, você quase não pode vender uma grande série de fantasia se não tiver 20 livros em mente. Os leitores esperam aprender mais sobre seu mundo de fantasia do que um simples livro pode revelar. Estas mega histórias não começaram com Tolkien (Mark Twain, por exemplo, escreveu quatro romances de Tom Sawyer se você incluir Hucklebery Finn). Mas mega histórias são agora o que todo mundo quer, desde arcos de cinco anos de programas de televisão a sequências de histórias em quadrinhos de múltiplas décadas (sem permitirem incontáveis reboots).

Quando Tolkien estava escrevendo ficção e Lucas estava criando o universo Star Wars, toda aquela coisa de mega história estava no futuro. Eles tinha que mostrar a seus públicos que havia de fato “um fim” à história (mesmo que não fosse “O fim”). E em ambos os finais, os caras bons tinham que ganhar, alguns tinham que morrer, e todos tinham que se regozijar que um grande mal tivesse passado.

Apenas após revelarem que suas histórias haviam acabado que Tolkien e Lucas ficaram livres para voltar e contar como suas histórias iniciaram.

Há alguns velhos sábios tanto em Star Wars quando na Terra-média. Você não pode escapar das infinitas comparações entre Obi-Wan Kenobi e Gandalf, mas vou comparar Yoda com Barbárvore e Tom Bombadil. Você não pode falar “Star Wars” sem Yoda e você não pode falar O Senhor dos Anéis sem Bombadil e Barbárvore. Todos os três personagens servem a um propósito importante em ambas as sagas: eles dão testemunho de um passado ainda mais antigo do que o “começo” oficial das sagas. Tecnicamente, O Silmarillion começa com Iluvatar nos Salões Eternos, mas o “Quenta Silmarillion” rapidamente vai para a parte onde estão os Elfos na Terra-média e daqueles Elfos vêm os Finwëanos e Elwëanos. Treebeard

A saga da Terra-média de Tolkien é justamente a história dos descendentes de Finwë e Elwë. A saga de Star Wars de Lucas é justamente a história da família Skywalker. Mas, em ambas as sagas, há seres mais velhos e sábios que se apresentam para preencher alguns espaços no conhecimento. E quando nossos heróis de final de história precisam de ajuda especial, os velhos sábios vêm oferecer pedaços finais de sábio conselho antes de divagarem ao passado para serem esquecidos.

Bombadil e Barbárvore podem continuar vivendo na Terra-média, mas nunca se ouve mais falar deles. Yoda desvanece na Força (embora ele se torne um “fantasma da Força”). Parte da mística da saga de fantasia longa é a transmissão de conhecimento de um ser mais antigo a um jovem discípulo. Belgarath ensina o jovem Garion em The Belgariad, Zeddicus ensina Richard Rahl em The Sword of Truth, e por aí vai. A metáfora é repetida em histórias sem fim. Se o mais velho não está fisicamente presente para lecionar o teimoso futuro salvador, então há, quase que inevitavelmente, um arquivo antigo onde reside a sabedoria necessária.

O velho sábio nem sempre é um mentor. Ele aparece de muitas formas. Ele é uma peça de mil utilidades. Ele pode ser um Theoden redimido liderando Aragorn para as Sendas dos Mortos, ou ele pode ser um Mace Windu tentando direcionar Anakin Skywalker para longe das garras de Darth Sidious. Há sempre velhos sábios nessas histórias. A única história interessante que eu lembro onde não há velhos sábios é uma história curta de Isaac Asimov (ou talvez Lester del Rey) na qual cinco robôs “acordam” sem memória de como eles surgiram. Mas, o próprio autor escreveu uma história prequel explicando de onde vieram os robôs e, sim, havia velhos sábios nela. Veja o desenho animado “Nine” para um conto similar que também tem um velho sábio.

Tanto Star Wars quanto O Senhor dos Anéis apresentam estereótipos racistas. Não estou falando sobre Jar Jar Binks e os Neimodianos, nem sobre aquelas supostas influências étnicas que foram com sucesso descartadas por fãs irados. Elas são curiosas, misturas inovadoras de muitas influências culturais e George Lucas deveria receber uma comenda por despertar tanto debate em seu público com aquelas caricaturas “de cartolina” (mas impossíveis de explicar).

Não, o racismo que eu falo em “Star Wars” é a clara tendência contra Droids e a tão sutil atitude do Império de “nós humanos governamos esta galáxia”. Você vê criaturas alienígenas servindo aos interesses do Império, mas suas motivações parecem ser de natureza econômica: eles são assassinos baratos e espiões. É a raça humana que governa a galáxia.

Em O Senhor dos Anéis, quase em todo capítulo goteja racismo. Tolkien odiava racismo e ele mostrou a todos nós os males dos estereótipos racistas em todo encontro entre dois grupos estrangeiros. Todos os leitores parecem tirar disso que “Elfos e Anões se odeiam” (o que não é verdade, mas as pessoas tem contado essa mentira há 60 anos ou mais, então você não vai conseguir evitar isso).

Eu acho que Lucas usa o racismo da mesma forma que o Tolkien: ele quer que seus mocinhos sejam falhos de uma forma social significativa. Nem todos os humanos são maus no universo Star Wars, mas eles têm um problema com Droids. Por que isso? Nós finalmente aprendemos por quê na Trilogia Prequel. Enquanto isso, na Trilogia Original, a tendência anti-Droid é uma característica interessante e inexplicável de uma cultura estrangeira. Nós honestamente não captamos a piada, e isso é parte do que faz a história parecer tão excepcional. O público não consegue preencher as lacunas.

Em O Senhor dos Anéis, há boas razões pelas quais os “Povos Livres” têm problemas em confiar uns nos outros, e não é por causa de inimizade mútua natural. É porque Sauron os dividiu ao longo dos séculos através de um plano longo e meticuloso. Mas você tem que ler os Apêndices de O Senhor dos Anéis para captar isso. Ou se você perder essa parte, então você tem que ler “Dos Anéis de Poder e da Terceira Era” em O Silmarillion. Mesmo hoje, muitos leitores não entendem por quê ninguém confia mais nos outros no final da Terceira Era da Terra-média de Tolkien.

Coisas pequenas têm grandes consequências tanto em Star Wars quanto em O Senhor dos Anéis. Eu falo dos planos para a Estrela da Morte e do Um Anel. Ninguém realmente entende o significado do que ele está carregando no início. Luke recebe dois Droids de seu tio e lhe é ordenado para limpá-los e colocá-los em serviço. Frodo é deixado com o Um Anel pelo seu primo/tio/pai adotivo Bilbo e lhe é ordenado que não o perca. Em qualquer dos casos, nenhum dos jovens aventureiros percebem que acabaram de receber as chaves do reino.

Os planos da Estrela da Morte eventualmente acabam nas mãos certas, de modo que eles possam ser analisados. Mas quando se fala em destruir a Estrela da Morte, apenas Luke Skywalker pode cumprir o dever com um tiro impossível disparado de uma X-Wing em alta velocidade que está sob ataque de Darth Vader.

O Um Anel eventualmente esmaga a vontade de Frodo e o força a “se dedurar”, desistir, e clama-lo para si. Felizmente para toda a Terra-média, Gollum estava por perto só esperando a chance de pegar o Anel, e é o que ele faz, caindo no fogo com ele.

Coisas pequenas têm grandes consequências em ambas as sagas, e nenhuma é por acidente. Assim como Frodo estava designado a manter o Anel, também Anakin estava designado a ajudar os outros com seu dom especial. Ambos nasceram para um propósito, um objetivo maior do que eles poderiam entender completamente.

Podemos argumentar durante o ano todo sobre o quanto Lucas foi diretamente influenciado por Tolkien, mas eu não creio que isso seja importante. Tolkien estava pegando emprestado tropas de fontes mais antigas e Lucas pegou as suas inspirações de muitas fontes também. Grandes histórias acabam parecendo similares mais cedo ou mais tarde.

Tivemos uma boa experiência tanto com Lucas quanto com Tolkien. Não posso dizer que eu tenha ficado totalmente feliz com tudo que Tolkien escreveu ou falhou em explicar; nem posso dizer que eu fiquei totalmente contente com tudo que Lucas colocou em seus filmes.

Mas eu amei ambas as histórias e sempre as amarei. Talvez, seja porque elas são tão parecidas de tantas formas. Talvez, seja apenas porque elas são histórias espetacularmente boas.

Artigo publicado originalmente em 17 de dezembro de 2015 AQUI. A tradução e publicação foram autorizadas pelo autor do artigo Michael Martinez. Tradução de Sérgio Ramos.

Michael Martinez

Para quem foram feitos os Anéis de Poder?

Michael Martinez é um dos mais conhecidos Tolkienistas (escritor de Tolkien). Michael é autor de Visualizing Middle-earth, Parma Endorion: Essays on Middle-earth, 3rd Edition, and Understanding Middle-earth: Essays on J.R.R. Tolkien’s Middle-earth.Suas colunas são conhecidas por todo o mundo, pois já foram traduzidas para o português, espanhol, grego, italiano, húngaro, finlandês, hebraico, e outros idiomas.
Michael Martinez é um dos mais conhecidos Tolkienistas (escritor de Tolkien). Michael é autor de Visualizing Middle-earth, Parma Endorion: Essays on Middle-earth, 3rd Edition, and Understanding Middle-earth: Essays on J.R.R. Tolkien’s Middle-earth.Suas colunas são conhecidas por todo o mundo, pois já foram traduzidas para o português, espanhol, grego, italiano, húngaro, finlandês, hebraico, e outros idiomas.

 

Tradução: Sérgio Ramos.

Pergunta: Para quem foram feitos os Anéis de Poder?

Resposta: No prólogo do filme de Peter Jackson, “A Sociedade do Anel”, a voz de Galadriel conta para o público que os Anéis de Poder foram feitos para Elfos, Anões e Homens. Apesar dessa narrativa parecer concordar com a clássica rima do Anel do livro, a história literária é bem diferente. A rima do Anel é bem conhecida dos fãs de Tolkien:

Três Anéis para os Reis-Élficos sob este céu,

Sete para os Senhores-Anões em seus rochosos corredores,

Nove para Homens Mortais, fadados ao eterno sono,

Um para o Senhor do Escuro em seu escuro trono

Na Terra de Mordor onde as Sombras se deitam.

Em minha dissertação,Shhh! It´s a Secret Ring!” (que eu escrevi em 2001)*, eu sugeri que a rima do Anel não poderia ter sido composta (dentro da estrutura histórica do conto literário) antes dos anos iniciais da Última Aliança de Elfos e Homens. De fato, a época da composição da rima é quase certificada pelos detalhes que ela contém:

Então, deve ser que a rima do Anel foi idealizada durantes os anos iniciais da Última Aliança. Provavelmente, ela foi composta em Imladris, logo após (se não durante) qualquer conselho que Gil-galad tenha convocado com os outros governantes da Terra-média. A natureza dos Nazgûl e a posse dos Nove Anéis desaparecidos teriam de ser inferidas, mas por esta época era certeza quem possuía os Anéis. E o segredo mais bem guardado da Terra-média não era mais um segredo realmente. Ainda assim, Gil-galad não teria divulgado quem possuía os Três Anéis. Para mantê-los em segurança, ele entregou seus dois Anéis para Elrond e Círdan. No entanto, a rima do Anel diz que os Três foram concedidos a Reis-Élficos. O compositor da rima, portanto, não poderia ter como saber onde os Três estavam. Ele (ou ela) deve ter acreditado que Gil-galad, Oropher e Amdir tinham os Três. Convenientemente, todos os três morreram na guerra, e ninguém reivindicou os Três de seus corpos. Então, os Elfos e seus aliados devem ter ficado em dúvida sobre quem tinha os Três logo após a morte de Gil-galad. E esta dúvida deve ter refletido na rima do Anel caso ela tenha sido composta depois da morte de Gil-galad.

O leitor é primeiro introduzido à obscura história dos Anéis de Poder no capítulo “A Sombra do Passado”, onde Gandalf compartilha um breve relato da origem dos Anéis com Frodo:

Em Eregion, há muito tempo, muitos anéis élficos foram feitos, anéis mágicos, como se diz. E eram, é claro, de muitos tipos: alguns mais poderosos, outros menos. Os anéis menos importantes foram apenas ensaios no ofício, que ainda não estava totalmente desenvolvido, e para os ourives élficos eram insignificantes – embora eu os considere um risco para os mortais. Mas os Grandes Anéis, os Anéis de Poder, esses eram perigosos.

O Anel de Bilbo (arte de Magali Villeneuve).
O Anel de Bilbo (arte de Magali Villeneuve).

A próxima lição de história sobre os Anéis de Poder não é mais satisfatória quanto aos detalhes que ela fornece. Elrond reconta a história dos Anéis para os membros de seu Conselho, mas não para o leitor:

Então todos escutaram, enquanto Elrond, com sua voz clara, falava de Sauron e dos Anéis de Poder, e de sua forjadura na Segunda Era do mundo, há muito tempo. Uma parte da história era conhecida por alguns ali, mas a história completa ninguém conhecia, e muitos olhos se voltavam para Elrond com medo e surpresa, enquanto ele contava sobre os ourives élficos de Eregion, e de sua amizade com Moria, e de sua avidez de conhecimento, através da qual Sauron os seduziu. Pois, naquela época, ainda não era declaradamente mau, e eles aceitaram sua ajuda, tornando-se hábeis, enquanto Sauron aprendia todos os segredos, e os traía, forjando secretamente, na Montanha do Fogo, o Um Anel para dominar todos os outros. Mas Celebrimbor sabia das verdadeiras intenções de Sauron, e escondeu os Três que tinha feito; então houve guerra, e a terra foi arrasada, e o portão de Moria foi fechado.

Embora a história deixe claro que Sauron deu os Anéis de Poder a Anões e Homens, ela não fornece qualquer detalhe de quando ele fez isso. Não seria antes da publicação d´O Silmarillion em 1977 que os leitores poderiam aprender como Sauron veio a possuir os anéis. Em “Dos Anéis de Poder e da Terceira Era”, Tolkien escreveu:

Foi em Eregion que os conselhos de Sauron foram acolhidos com maior prazer, pois naquela terra os noldor sempre desejaram aumentar a perícia e a sutileza de suas obras. Além do mais, eles não estavam em paz em seu íntimo, já que se haviam recusado a voltar para o oeste e desejavam tanto permanecer na Terra-média, que amavam, quanto gozar da bem-aventurança dos que haviam partido. Por isso, deram ouvidos a Sauron e com ele muito aprenderam, pois seu conhecimento era imenso. Naquela época, os artífices de Ost-in-Edhil superaram tudo o que haviam criado antes. Refletiram, e fizeram Anéis de Poder. Contudo, Sauron guiava seus esforços e estava a par de tudo o que faziam; pois seu desejo era impor uma obrigação aos elfos e mantê-los sob vigilância.

Ora, os elfos fizeram muitos anéis. Em segredo, porém, Sauron fez Um Anel para governar todos os outros, e o poder dos outros estava vinculado ao dele, de modo a submeter-se totalmente a ele e a durar somente enquanto ele durasse. E grande parte da força e da vontade de Sauron foi transmitida àquele Um Anel. Pois o poder dos anéis élficos era enorme, e aquele que deveria governa-los deveria ser um objeto de potência extraordinária. E Sauron o forjou na Montanha de Fogo na Terra da Sombra. E, enquanto usava o Um Anel, ele conseguia perceber tudo o que era feito pelos anéis subalternos, e ler e controlar até mesmo os pensamentos daqueles que os usavam.

O elfos, entretanto, não se deixariam apanhar com tanta facilidade. Assim que Sauron pôs o Um Anel no dedo, eles se deram conta dele, reconheceram-no e perceberam que ele queria ser senhor deles e de tudo o que eles criavam. Então, enfurecidos e cheios de medo, recolheram seus anéis. Sauron, porém, descobrindo-se traído e vendo que não conseguira enganar os elfos, enfureceu-se. E investiu contra eles em guerra declarada, exigindo que todos os anéis lhe fossem entregues, já que os joalheiros élficos não poderiam tê-los executado sem seus conhecimentos e conselhos. Mas os elfos fugiram dele; e três dos anéis eles salvaram, levaram embora e esconderam.

Daquela época em diante, a guerra nunca mais cessou entre Sauron e os elfos. E Eregion foi devastada; Celebrimbor, assassinado; e as portas de Moria, fechadas. Nesse período, a fortaleza e o refúgio de Imladris, que os homens chamam de Valfenda, foi fundada por Elrond Meio-elfo. E resistiu por muito tempo. Sauron, entretanto, acumulou nas mãos todos os Anéis de Poder que restavam. E os distribuiu a outros povos da Terra-média, esperando assim atrair para sua influência todos os que desejassem um poder secreto maior do que o atribuído à sua espécie. Sete anéis deu ele aos anões; mas aos homens deu nove, pois os homens se revelaram, nesse aspecto como em outros, os mais propensos a se submeter à sua vontade…

Celebrimbor (arte de Angus BcBride).
Celebrimbor (arte de Angus BcBride).

 Os detalhes finais da história dos anéis foram publicados em 1980 em Contos Inacabados de Númenor e da Terra-média. Na seção intitulada “A História de Galadriel e Celeborn”, a passagem a seguir explicou exatamente como (em registro incompleto) Sauron obteve os Sete e os Nove:

Quando Sauron ouviu falar do arrependimento e da revolta de Celebrimbor, seu disfarce caiu e sua ira se revelou. E, reunindo um grande exército, avançou sobre Calenardhon (Rohan) para invadir Eriador no ano de 1695. Quando Gil-galad recebeu notícias disso, enviou um exército comandado por Elrond Meio-Elfo; mas Elrond tinha um longo caminho a percorrer, e Sauron voltou-se para o norte prosseguindo imediatamente para Eregion. Os batedores e a vanguarda da hoste de Sauron já se aproximavam quando Celeborn fez uma investida e os rechaçou; mas, embora conseguisse reunir suas forças às de Elrond, não puderam voltar a Eregion, pois a hoste de Sauron era muito maior que a deles, grande o suficiente para mantê-los à distância e ao mesmo tempo atacar Eregion com vigor. Finalmente os atacantes irromperam em Eregion com ruína e devastação e capturaram o principal objeto do ataque de Sauron, a Casa dos Mírdain, onde estavam suas forjas e seus tesouros. Celebrimbor, desesperado, enfrentou Sauron ele mesmo na escadaria da grande porta dos Mírdain; mas foi agarrado e feito prisioneiro, e a Casa foi saqueada. Lá Sauron apossou-se dos Nove Anéis e de outras obras menores dos Mírdain; mas não conseguiu encontrar os Sete e os Três. Então Celebrimbor foi torturado, e Sauron descobriu por ele a quem haviam sido confiados os Sete. Isso foi revelado por Celebrimbor porque nem os Sete nem os Nove tinham tanto valor para ele quanto os Três. Os Sete e os Nove foram feitos com o auxílio de Sauron, ao passo que os Três foram feitos por Celebrimbor sozinho, com poder e propósito diversos. [Aqui não se diz efetivamente que Sauron nessa época tenha tomado posse dos Sete Anéis, embora esteja claramente implícito que o fez. No Apêndice A (III) do Senhor dos Anéis diz-se que havia uma crença entre os anões do Povo de Durin de que o anel de Durin III, Rei de Khazad-dûm, lhe fora dado pelos próprios artífices élficos, e não por Sauron; mas no presente texto nada é dito sobre a forma pela qual os Sete Anéis chegaram à posse dos anões.] Acerca dos Três Anéis, Sauron nada pôde saber por Celebrimbor; e mandou mata-lo. Mas adivinhava a verdade, de que os Três haviam sido confiados a guardiães élficos: e isso devia significar a Galadriel e Gil-galad.

Os Três Anéis (arte de ominously).
Os Três Anéis (arte de ominously).

E em 1981, quando As Cartas de J. R. R. Tolkien foram publicadas, os leitores aprenderam um pouco mais sobre os anéis. Na Carta n. 131, a qual Tolkien escreveu para Milton Waldman, editor da Collins, no final de 1951, ele disse:

… Mas em Eregion iniciou-se uma grande obra – e os Elfos chegaram o mais próximo possível de sucumbirem à “magia” e ao maquinário. Com o auxílio do conhecimento de Sauron, criaram Anéis de Poder (“poder” é uma palavra agourenta e sinistra em todos esses contos, exceto quando aplicada aos deuses).

O principal poder (igualmente de todos os anéis) era a prevenção ou retardamento da decadência (isto é, da ´mudança´ vista como uma coisa lamentável), a preservação do que é desejado ou amado, ou de sua aparência – esse é mais ou menos um motivo Élfico. Mas eles também aumentavam os poderes naturais do possuidor – aproximando-se assim da ´magia´, um motivo facilmente corruptível ao mal, uma ânsia por dominação. E, por fim, tinham outros poderes, derivados mais diretamente de Sauron (´o Necromante: assim ele é chamado enquanto lança uma sombra e um presságio fugidios nas páginas de O Hobbit): tais como tornar invisível o corpo material e tornar objetos do mundo invisível visíveis.

Os Elfos de Eregion criaram Três anéis supremamente belos e poderosos, quase que unicamente de sua própria imaginação, e direcionaram-nos à preservação da beleza: não conferiam invisibilidade. Mas secretamente, no Fogo subterrâneo, em sua própria Terra Negra, Sauron criou Um Anel, o Anel Governante que continha os poderes de todos os outros e controlava-os, de modo que quem o usasse pudesse ver os pensamentos de todos aqueles que usavam os anéis menores, pudesse governar tudo o que faziam e, no final, pudesse escraviza-los por completo. Ele não contou, entretanto, com a sabedoria e as sutis percepções dos Elfos. No momento em que assumiu o Um, eles ficaram cientes disso e de seu propósito secreto, e tiveram medo. Esconderam os Três Anéis, de forma que nem mesmo Sauron jamais descobriu onde estavam, e permaneceram imaculados. Os outros eles tentaram destruir.

Na guerra resultante entre Sauron e os Elfos, a Terra-média, especialmente no oeste, foi arruinada ainda mais. Eregion foi capturada e destruída, e Sauron apossou-se de muitos Anéis de Poder. Estes ele deu, para sua total corrupção e escravização, àqueles que os aceitaram (por ambição ou cobiça). Daí uma “antiga rima” que aparece como o tema recorrente de O Senhor dos Anéis.

Três Anéis para os Reis-Élficos sob este céu,

Sete para os Senhores-Anões em seus rochosos corredores,

Nove para Homens Mortais, fadados ao eterno sono,

Um para o Senhor do Escuro em seu escuro trono

Na Terra de Mordor onde as Sombras se deitam.

Então, todos os Anéis de Poder foram mantidos em Eregion até Sauron destruir o reino, e só então ele buscou os Sete e os Nove, os quais ele posteriormente distribuiu a Anões e Homens. Aqueles anéis nunca foram pretendidos para ninguém a não ser Elfos por seus artífices (incluindo Sauron). Sauron apenas deu os Anéis de Poder para Anões e Homens como plano secundário depois que seu plano principal falhou.

* Estamos preparando a tradução deste artigo também para publicação aqui no Tolkien Brasil.

Artigo publicado originalmente em 03 de abril de 2013 AQUIA tradução e publicação foram autorizadas pelo autor do artigo Michael Martinez. Tradução de Sérgio Ramos.

Michael Martinez

Por que Sauron e os Nazgûl não sabiam quando Bilbo usava o Anel e por que Bilbo não vê Sauron quando ele usa o Anel?

Michael Martinez é um dos mais conhecidos Tolkienistas (escritor de Tolkien). Michael é autor de Visualizing Middle-earth, Parma Endorion: Essays on Middle-earth, 3rd Edition, and Understanding Middle-earth: Essays on J.R.R. Tolkien’s Middle-earth.Suas colunas são conhecidas por todo o mundo, pois já foram traduzidas para o português, espanhol, grego, italiano, húngaro, finlandês, hebraico, e outros idiomas.
Michael Martinez é um dos mais conhecidos Tolkienistas (escritor de Tolkien). Michael é autor de Visualizing Middle-earth, Parma Endorion: Essays on Middle-earth, 3rd Edition, and Understanding Middle-earth: Essays on J.R.R. Tolkien’s Middle-earth.Suas colunas são conhecidas por todo o mundo, pois já foram traduzidas para o português, espanhol, grego, italiano, húngaro, finlandês, hebraico, e outros idiomas.

 

Tradução: Sérgio Ramos.

 

Pergunta: Por que Sauron e os Nazgûl não sabiam quando Bilbo usava o Anel?

Resposta: Alguns leitores de O Hobbit perguntam por que Sauron não enviou os Nazgûl para procurar o Um Anel quando Bilbo estava correndo pela Floresta das Trevas e Valle enquanto utilizava o Anel. Esta confusão, provavelmente, foi exacerbada pelos filmes de Peter Jackson, que fazem parecer como se Sauron soubesse todas as vezes em que Frodo usava o Anel.

Contudo, nos livros, Sauron só ficou consciente de Frodo em uma ocasião: quando Frodo sentou no Alto Trono de Amon Hen, o qual parece imbuído de “mágica Númenóreana”, ele foi capaz de inspecionar a Terra-média no que parece ser uma maneira muito incomum (Aragorn mais tarde sentou no trono e não percebeu tanto quanto Frodo). Foi somente quando Frodo permitiu que seu olhar caísse sobre Barad-dûr que Sauron teve consciência dele e imediatamente começou a procurar com algum tipo de “visão” por Frodo.

Agora, é verdade que Tolkien escreveu que os Nazgûl eram atraídos pelo Anel – ele até mesmo coloca Aragorn dizendo isso. Mas os Nazgûl não eram equipados com um radar altamente calibrado para o Um Anel e não tinham um dispositivo de busca a ele conectado. Os Nazgûl só podiam ter um senso geral sobre qual direção o Anel se encontrava até que Frodo começasse a desvanecer ou quando ele colocava o Anel.

Frodo ring

Eles eram mais capazes de perceber o próprio Frodo do que o Anel.

Além disso, Sauron não enviou os Nazgûl para procurarem o Anel até que ele tivesse descoberto que ele havia sido, de fato, encontrado. Sauron, aparentemente, acreditava que o Um Anel havia sido desfeito ou perdido para sempre até que Gollum foi capturado e levado para Barad-dûr. Quando Sauron ouviu de Gollum que ele havia possuído o Anel por vários séculos, apenas para perde-lo para Bilbo algumas décadas antes, Sauron colocou em ação seu plano de enviar os Nazgûl para procurarem o Anel.

Primeiro, Sauron teve que preparar e montar um assalto a Gondor que permitiria aos Nazgûl cruzar o Anduin e começar sua busca. Tolkien não explica por que os Nazgûl tinham que cruzar o rio em Osgiliath (ao invés de Cair Andros ou nos Meandros), mas, de acordo com Radagast, eles estavam perguntando por “Bolseiro” e “Condado” onde quer que fossem. Talvez, eles tivessem começado a perguntar em Gondor.

Assim, o mero fato de que alguém estivesse usando o Anel – especialmente a centenas, se não a milhares de milhas de distância – era insuficiente para fazer Sauron ou os Nazgûl cientes da atividade e presença do Anel. Sauron e seus servos tinham que saber que o Anel estava sendo utilizado e eles tinham que estar relativamente próximos ao Anel para pelo menos o sentirem.

O Senhor dos Nazgûl parece ter sentido o Um Anel enquanto liderava seu exército para fora de Minas Morgul (enquanto Frodo, Sam e Gollum assistiam a passagem do exército), mas ele não estava certo do que havia sentido. Você realmente acha que ele teria continuado a atacar Gondor se ele tivesse percebido que poderia capturar o Anel e trazido para Sauron logo ali naquele momento?

O leitor não deve ficar surpreso que Sauron não pudesse simplesmente localizar o Anel sempre que alguém o estivesse usando. Isso teria tornado a história muito diferente da maneira pela qual ela se desenrolou. A surpresa e temor que Sauron sentiu ao final, quando Frodo finalmente se revelou e reivindicou o Anel para si, teriam sido deveras diminuídos se Sauron pudesse rastrear o Anel tão facilmente.

Artigo publicado originalmente em 14 de dezembro de 2011 AQUI. A tradução e publicação foram autorizadas pelo autor do artigo Michael Martinez. Tradução de Sérgio Ramos.

Pergunta: Por que Bilbo não vê Sauron quando ele usa o Anel?

Resposta: Nos filmes de Peter Jackson, toda vez que Frodo coloca o Um Anel, o público é levado a crer que Sauron está ciente dele e fala com ele. Contudo, embora eu não tenha certeza se Peter Jackson tentou explicar este aparente desvio do tema de Tolkien sobre Sauron NÃO estar ciente de Frodo, pode ser que a voz Saurônica que o público escute seja realmente o ANEL falando com Frodo. No livro, o Anel fala apenas uma vez, nas encostas da Montanha da Perdição, quando ele comanda que Gollum vá embora e nunca mais o toque.

Há apenas duas cenas no livro onde Frodo e Sauron se “conectam” enquanto Frodo está usando o Um Anel. A primeira cena ocorre quando Frodo está sentado em Amon Hen, se escondendo de Boromir. Ele olha por toda a Terra-média e, através de uma combinação do “encantamento” de Amon Hen e do poder do Anel, Frodo vê muitas coisas acontecendo ao redor do mundo (além do escopo do que uma pessoa comum veria, como quando Aragorn senta no trono pouco tempo depois). Quando Frodo vira seu olhar para o sul sobre Mordor, ele olha para Barad-dûr e Sauron se torna consciente dele:

Logo já estava no topo do Amon Hen, e parou, tomando fôlego. Enxergou, como se através de uma névoa, um círculo amplo e plano, com um pavimento de lajes enormes e cercado por um parapeito em ruínas. No centro, instalada sobre quatro pilares esculpidos, estava uma cadeira alta, à qual se chegava por uma escada de muitos degraus.

Subiu e sentou-se na antiga cadeira, como uma criança perdida que tivesse escalado o trono dos reis das montanhas.

No início, conseguiu ver pouca coisa. Parecia estar num mundo de névoa no qual só havia sombras: o Anel agia sobre ele. Então, aqui e ali a névoa cedeu e ele viu muitas imagens: pequenas e nítidas como se estivessem sob seus olhos numa mesa, e ao mesmo tempo remotas. Não havia sons, só imagens claras e vívidas. Parecia que o mundo tinha encolhido e silenciado. Ele estava sobre o Trono da Visão no Amon Hen, a Colina do Olho dos homens de Númenor. Ao Leste, examinou as terras selvagens que não estavam nos mapas, planícies sem nome, e florestas inexploradas.

Olhou para o Norte e o Grande Rio jazia como uma fita embaixo dele; as Montanhas Sombrias se erguiam pequenas e rígidas como dentes quebrados. No Oeste viu as pastagens largas de Rohan, e Orthanc, o pináculo de Isengard, como um ferrão preto. Olhou ao Sul, e bem abaixo de seus pés o Grande Rio se enrolava como uma onda enorme e se jogava sobre as cachoeiras de Rauros num abismo de espuma; um arco-íris brilhante brincava na fumaça. E viu Ethir Anduin, o grande delta do Rio, e milhares de pássaros marinhos rodopiando como uma poeira branca ao sol, e debaixo deles um mar verde e prateado, encrespando-se em linhas intermináveis.

Mas em todo lugar que olhava, via sinais de guerra. As Montanhas Sombrias se agitavam como formigueiros: orcs saíam de mil tocas. Sob os galhos da Floresta das Trevas havia contendas mortais entre elfos e homens e animais cruéis. A terra dos beornings estava em chamas; uma nuvem cobria Moria; fumaça subia das fronteiras de Lórien.

Cavaleiros galopavam sobre a relva de Rohan; de Isengard jorravam lobos.

Dos portos de Harad, navios de guerra saíam para o mar; e do Oeste saíam homens sem parar: espadachins, lanceiros, arqueiros, carruagens levando líderes e carroças carregadas. Todo o poder do Senhor do Escuro estava em ação. Então, voltando-se de novo para o Sul, Frodo viu Minas Tirith. Parecia distante e bela: com muralhas brancas, muitas torres, majestosa e linda sobre sua montanha; seus parapeitos reluziam como aço, e suas torres brilhavam com muitas bandeiras. A esperança renasceu em seu coração. Mas contra Minas Tirith erguia-se outra fortaleza, maior e mais forte.

Sentiu que seu olhar se dirigia para o Leste, sendo atraído contra sua vontade. Passou pelas pontes arruinadas de Osgiliath, pelos portões escancarados de Minas Morgul e pelas Montanhas assombradas, detendo-se sobre Gorgoroth, o vale do terror na Terra de Mordor. Lá a escuridão jazia sob o sol.

O fogo reluzia em meio à fumaça.

A Montanha da Perdição queimava e um cheiro insuportável empesteava o ar.

Então, finalmente, seu olhar foi detido: muralhas e mais muralhas, parapeito sobre parapeito, negra, incomensuravelmente forte, montanha de ferro, portão de aço, torre de diamante, ele a viu: Barad-dûr, Fortaleza de Sauron. Perdeu todas as esperanças.

E, de repente, sentiu o Olho. Havia um olho na Torre Escura que nunca dormia. Frodo sabia que ele tinha percebido seu olhar. Uma determinação feroz e ávida estava nele. Saltou na direção de Frodo, que quase como um dedo o sentiu, procurando-o. Muito em breve iria tocá-lo e saber exatamente onde estava.

Tocou Amon Lhaw. Olhou sobre Tol Brandir – Frodo se jogou da cadeira, agachado, cobrindo a cabeça com seu capuz cinzento.

É apenas sob a circunstância especial, onde Frodo está sentado em Amon Hen e usando o Anel, que ele é capaz de despertar a consciência de Sauron sobre ele. A segunda ocasião onde isto ocorre é quando Frodo reivindica o Anel para si. Sauron imediatamente sente Frodo e entende o que aconteceu.

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            Assim, sempre que Bilbo usava o Anel – faltando quaisquer melhorias mágicas para ajudá-lo a olhar sobre a Terra-média, e estando despreocupado com Sauron ou suas fortalezas de Dol Guldur e Barad-dûr – não havia oportunidade para Sauron perceber Bilbo. Frodo tinha que pensar sobre Sauron ou reivindicar o Anel para si, sabendo o que ele era, em proximidade a Sauron. Bilbo estava completamente inconsciente do que o Anel realmente era ou quem o estava procurando. Assim, nunca houve uma oportunidade para Sauron perceber Bilbo ou para Bilbo perceber Sauron.

Artigo publicado originalmente em 03 de fevereiro de 2012 AQUI. A tradução e publicação foram autorizadas pelo autor do artigo Michael Martinez. Tradução de Sérgio Ramos.

Michael Martinez

Quantos casamentos entre elfos e homens aconteceram na Terra-média? Por Michael Martinez

Michael Martinez é um dos mais conhecidos Tolkienistas (escritor de Tolkien). Michael é autor de Visualizing Middle-earth, Parma Endorion: Essays on Middle-earth, 3rd Edition, and Understanding Middle-earth: Essays on J.R.R. Tolkien’s Middle-earth.Suas colunas são conhecidas por todo o mundo, pois já foram traduzidas para o português, espanhol, grego, italiano, húngaro, finlandês, hebraico, e outros idiomas.

 

Tradução: Sérgio Ramos.

Pergunta: Quantos casamentos entre elfos e homens aconteceram na Terra-média?

Resposta: J. R. R. Tolkien escreveu no “Apêndice A: I Os Reis Númenorianos (i) Númenor” de O Senhor dos Anéis que “Houve três uniões entre os Eldar e os Edain: Lúthien e Beren, Idril e Tuor, Arwen e Aragorn. Através do último reunificaram-se ramos dos meio-elfos, separados havia muito tempo, e sua linhagem foi restaurada.” E, no entanto, muitos leitores não podem deixar de notar o intercâmbio entre Legolas e o Príncipe Imrahil quando eles se encontram pela primeira vez:

“Finalmente chegaram à presença do Príncipe Imrahil; Legolas, olhando para ele, fez uma grande reverência, pois viu que realmente ele tinha nas veias o sangue dos elfos.

– Salve, senhor! – disse ele. Já faz muito tempo que o povo de Nimrodel deixou as florestas de Lórien, e mesmo assim ainda se pode ver que nem todos partiram do porto de Amroth, navegando para o oeste.

– Assim conta a tradição de minha terra – disse o Príncipe -; mas há anos sem conta não se vê aqui alguém do belo povo. E fico maravilhado em deparar com um deles aqui agora, em meio à tristeza e a guerra. O que procura?”

Esta relação intrigou muitos leitores por anos, até que Christopher Tolkien publicou os Contos Inacabados de Númenor e da Terra-média, no qual ele compartilhou a seguinte nota:

“Na tradição de sua casa, Angelimar era o vigésimo na descendência direta de Galador, primeiro senhor de Dol Amroth (c. 2004-2129 Terceira Era). De acordo com as mesmas tradições, Galador era filho de Imrazôr, o Númenoriano, que morava em Belfalas, e da senhora élfica Mithrellas. Ela era uma das companheiras de Nimrodel, entre muitos dos elfos que fugiram para a costa por volta do ano de 1980 da Terceira Era, quando o mal se ergueu em Moria; e Nimrodel e suas donzelas desgarraram-se nas colinas cobertas de florestas, e se perderam. Nesse conto, porém, diz-se que Imrazôr acolheu Mithrellas, e a desposou. Mas, quando lhe dera um filho, Galador, e uma filha, Gilmith, Mithrellas fugiu de noite, e ele nunca mais a viu. No entanto, embora Mithrellas pertencesse à raça menor dos silvestres (e não aos altos-elfos ou aos cinzentos), sempre se afirmou que a casa e a família dos Senhores de Dol Amroth eram tão nobres no sangue quanto eram belos de rosto e mente.”

Arte de Jenny Dolfen
Arte de Jenny Dolfen

Sem divagar sobre o que constitui material “canônico” nas mitologias de J. R. R. Tolkien, esta nota parece ser a única explanação canônica acerca do intercâmbio oculto entre Legolas e Imrahil. Mas para aqueles que buscam evidências de casamentos élfico-humanos, há mais para ser encontrado. Por exemplo, em O Silmarillion, é dito que Dior, filho de Beren e Lúthien, casou-se com Nimloth, uma parente de Celeborn. Dior era chamado Meio-elfo e Herdeiro de Thingol. Seu status especial (nem totalmente elfo nem homem) suscitou muitos comentários. Em uma nota ligada a um breve ensaio sobre Númenor publicado em Contos Inacabados, Tolkien escreveu:

“Neste relato, apenas Elros recebeu uma longevidade peculiar, e aqui se diz que ele e seu irmão Elrond não eram diferentemente dotados do potencial físico da vida, mas que, visto que Elros escolheu ficar entre a espécie humana, ele reteve a principal característica dos Homens, em oposição aos Quendi: a ´busca alhures´, como os Eldar a chamavam, a ´exaustão´ ou o desejo de partir do mundo.”

Mas eram todas essas pessoas meio-élficas “nascidas mortais” ou “nascidas imortais”? Esta é a pergunta que continua aparecendo nessas discussões de elfos e homens. Por quê? Porque as pessoas querem classificar os meio-elfos como ou Elfo ou Homem por natureza. Infelizmente, Tolkien somente tratou desta questão uma vez, em uma versão inicial de “O Silmarillion”, a qual foi publicada em The Lost Road and Other Writings, Volume V do The History of Middle-earth:

“Então Manwë deu o veredicto e disse: ´A Earendel eu remito a proibição, e o perigo que ele tomou para si por amor às Duas Famílias não deve recair sobre ele; nem tampouco sobre Elwing, que entrou em perigo por amor a Earendel. Exceto por isto: eles não voltarão a caminhar entre Elfos ou Homens nas Terras de Fora. Agora, todos aqueles que têm o sangue de Homens mortais, em qualquer parte, grande ou pequena, são mortais, a menos que outro destino lhes seja garantido; mas nesta questão, o poder do destino é a mim confiado. Este é o meu julgamento: a Earendel e a Elwing e a seus filhos terão permissão cada um de escolher livremente sob que família serão julgados.”

Baseado neste texto, parece plausível supor que os filhos dos Elfos e Homens são nascidos naturalmente mortais. Como Dior e seus dois filhos foram mortos pelos Fëanorianos, eles não servem como exemplos úteis. Mas o conto de Imrazôr e Mithrellas parece demonstrar que Tolkien nunca mudou seu pensamento: os filhos da Elfa e do Homem mortal eram eles mesmos mortais, e ela os deixou na Terra-média. Então, podemos dizer que todos os casamentos entre meio-elfos e elfos foram casamentos entre Homens e Elfos.

Uma escolha especial foi empregada a Eärendil e Elwing e seus filhos, e eles escolheram ser Elfos. Elros escolheu ser um Homem e então se tornou o primeiro Rei de Númenor e ancestral de Aragorn (apesar de não ter sido pela mesma linhagem masculina). Elrond escolheu ser Elfo, mas a escolha também foi garantida a seus filhos. Arwen escolheu se tornar mortal e casou-se com Aragorn. Tolkien aponta em uma de suas cartas que Elladan e Elrohir adiaram a escolha por um tempo depois que Elrond deixa a Terra-média. Mas ele observa no Prólogo de O Senhor dos Anéis que eles permaneceram em Valfenda por muitos anos, onde Celeborn eventualmente se juntara a eles até que ele mesmo estivesse pronto para deixar a Terra-média.

Na sequência desta conclusão, aqui estão os casamentos entre Elfos e Homens documentados nas histórias da Terra-média de J. R. R. Tolkien:

* Lúthien (Elda/Sinda) e Beren (Adan/Beoriano)

* Idril (Elda/Noldo-Vanya) e Tuor (Adan/Marachiano-Beoriano)

* Nimloth (Elda/Sinda) e Dior (Perelda/Meio-elfo)

* Eärendil (Meio-elfo) e Elwing (Meio-elfa)

* Celebrían (Elda/Sinda-Noldo-Vanya) e Elrond (Perelda)

* Arwen (Perelda-Elda) e Aragorn (Dúnadan)

* Mithrellas (Elfo Silvestre) e Imrazôr (Dúnadan)

Artigo publicado originalmente 21 de Outubro de 2011 AQUI. A tradução e publicação foram autorizadas pelo autor do artigo Michael Martinez. Tradução de Sérgio Ramos.

Michael Martinez

Por que Círdan tem barba? Por Michael Martinez

Michael Martinez é um dos mais conhecidos Tolkienistas (escritor de Tolkien). Michael é autor de Visualizing Middle-earth, Parma Endorion: Essays on Middle-earth, 3rd Edition, and Understanding Middle-earth: Essays on J.R.R. Tolkien’s Middle-earth.Suas colunas são conhecidas por todo o mundo, pois já foram traduzidas para o português, espanhol, grego, italiano, húngaro, finlandês, hebraico, e outros idiomas.

 

Tradução: Sérgio Ramos

Pergunta: Por que Círdan tem barba?

Resposta: Em O Senhor dos Anéis, Círdan é mencionado diversas vezes, mas ele somente aparece uma vez, onde ele recebe a companhia de Elfos liderados por Elrond e Galadriel quando eles estão prestes a partirem da Terra-média:

“Quando chegaram aos portões, Círdan, o Armador, aproximou-se para cumprimenta-los. Era muito alto e tinha uma barba muito comprida, os cabelos grisalhos e um rosto velho, a não ser pelos olhos que eram brilhantes como as estrelas; olhou para eles e fez uma reverência, dizendo depois:

– Já está tudo pronto.”

"O Armador". Arte de Antti Autio.
“O Armador”. Arte de Antti Autio.

Esta é a única menção a uma barba entre os Elfos em O Senhor dos Anéis, embora alguns leitores tenham fantasiado Elrond com uma barba (aparentemente, sem saber explicar por quê). A perceptível ausência de barba dos Elfos é intimamente associada com o Príncipe Imrahil, que Legolas reconhece como tendo sangue élfico:

“Finalmente chegaram à presença do Príncipe Imrahil; Legolas, olhando para ele, fez uma grande reverência, pois viu que realmente ele tinha nas veias o sangue dos elfos.

– Salve, senhor! – disse ele. Já faz muito tempo que o povo de Nimrodel deixou as florestas de Lórien, e mesmo assim ainda se pode ver que nem todos partiram do porto de Amroth, navegando para o oeste.”

Apesar da falta de qualquer referência ao rosto de Imrahil na passagem acima, em Contos Inacabados de Númenor e da Terra-média, Christopher Tolkien pareceu confirmar a noção de que Imrahil não tinha barba:

“Em nota escrita em dezembro de 1972 ou mais tarde, e entre os últimos escritos de meu pai sobre o tema da Terra-média, há um exame do traço élfico entre os homens, com relação ao fato de que é observável por serem imberbes aqueles de tal ascendência (ser imberbe era característica de todos os elfos); e aqui se observa, em relação à casa principesca de Dol Amroth, que ´essa linhagem tinha um traço élfico especial, de acordo com suas próprias lendas´ (com uma referência ao diálogo entre Legolas e Imrahil em O Retorno do Rei, V, IX, citado acima).”

Como é que pode os Elfos serem imberbes se Círdan tinha barba? Esta nota de 1972 não é inconsistente com os textos publicados? Assim parece, mas então a Elvish Linguistic Fellowship publicou um texto no Vinyar Tengwar número 41 (julho de 2.000) que parece resolver a questão. Christopher Tolkien publicou a maior parte de um texto em The Peoples of Middle-earth [The History of Middle-earth, vol. XII], o qual ele denominou “The Shibboleth of Fëanor (“A Pedra-de-toque de Fëanor); este ensaio explicou as profundas divisões dos Noldor de Aman e forneceu muitas informações previamente reservadas sobre os descendentes de Finwë, incluindo membros previamente não publicados da Casa de Finwë. O Vinyar Tengwar número 41 incluiu outras partes do “Shibboleth”, dentre as quais estava o comentário editorial que diz:

“A nota etimológica a seguir pertence ao nome Russandol na discussão do nome Maitimo na lista numerada de nomes dos sete filhos de Fëanor (XII:352-52). Uma nota marginal contra essa discussão fornece o detalhe que Nerdanel ´ela mesma tinha cabelos castanhos e uma pele avermelhada´. Uma nota em outro local nos papéis associados com este ensaio diz: ´Elfos não tinham barbas até que eles entrassem em seu terceiro ciclo de vida. O pai de Nerdanel [Cf. XII: 365-66 n. 61] foi excepcional, estando apenas no início de seu segundo.”

Deve ser ressaltado, contudo, que estes textos foram compostos em tempos diferentes na vida de Tolkien, e eles podem não estar diretamente conectados uns aos outros. Por exemplo, a passagem em O Senhor dos Anéis descrevendo o encontro de Legolas com Imrahil e a passagem descrevendo Círdan foram provavelmente escritas entre 1946 e 1948; Christopher data o “Shibolleth of Fëanor” de 1968; e é claro que a nota sobre a “falta de barba dos Elfos” é datada de 1972. O quanto Tolkien pode ter pensado a respeito de textos mais antigos, tanto publicados quanto não publicados, quando ele escreveu aquela nota final é totalmente uma questão de especulação (a menos que algum outro papel tenha sido publicado sem o meu conhecimento – eu devo mencionar que eu NÃO tenho cópias de todas as newsletters linguísticas). Há, contudo, outro ponto que deveria ser mencionado antes de finalizar. No ensaio sobre “Os Istari”, o qual Christopher data de 1954, J. R. R. Tolkien escreveu sobre Gandalf:

“… Na maioria das vezes viajava a pé, incansável, apoiado num cajado; e assim era chamado entre os homens do norte de Gandalf, “o Elfo do Cajado”. Pois consideravam (embora erradamente, como se disse) que pertencia à espécie dos Elfos, visto que às vezes fazia maravilhas entre eles, por apreciar em especial a beleza do fogo. Realizava porém tais maravilhas principalmente para o contentamento e o deleite, sem desejar que ninguém sentisse reverência por ele ou seguisse seus conselhos por temor.”

Se o Gandalf barbado era confundido pelos homens como da raça élfica (em 1954, apenas 6-8 anos após a passagem de Círdan ter sido escrita) então parece que por algum tempo Tolkien sentiu que fosse aceitável que um Elfo muito idoso tivesse barba. Círdan é, claramente, um dos mais antigos Elfos a viver na época da Guerra do Anel, mais velho

"Círdan, o Armador". Arte de Volha Marieta.
“Círdan, o Armador”. Arte de Volha Marieta.

por muitos anos do que Celeborn e Galadriel, os outros dois Elfos mais velhos encontrados na história. Talvez Tolkien tenha pensado sobre três ciclos da vida o tempo todo, e só escreveu a respeito posteriormente em sua vida, num ensaio em que ele sentiu que fizesse sentido. Nós nunca saberemos com certeza. Mas a barba de Círdan pelo menos parece ser consistente com a ideia de que Homens podiam aceitar um Elfo muito velho com barba, bem como com a nota tardia de que Elfos eventualmente tinham barbas.

É claro, os Anéis de Poder (como Tolkien observa em algumas cartas e ensaios) foram criados para desacelerar ou retardar os efeitos do Tempo e Decadência, diminuindo o processo de envelhecimento dos Elfos na Terra-média a uma proporção de 1:100 anos. Isto é, a cada 100 anos que se passavam na Terra-média, os Elfos sentiam os efeitos de apenas 01 ano. Os Anéis de Poder retardaram os efeitos decadentes do Tempo na Terra-média por cerca de 4.800 anos, o que foi uma parte substancial dos tempos de vida de Elrond, Galadriel e Celeborn. Logo, todos eles continuaram a aparentar bem jovens (tendo continuado a envelhecer no máximo cerca de 480-500 anos desde que os Anéis foram feitos). Círdan, contudo, já era bem velho no tempo em que os Anéis foram criados. Assim, mesmo envelhecendo outros 480-500 anos pelo final da Terceira Era, ele ainda devia ser muito velho para os padrões de um Elfo. Sua barba parece, assim, adequada e coerente com todos os textos.

Artigo publicado originalmente 13 de Janeiro de 2012 AQUI. A tradução e publicação foram autorizadas pelo autor do artigo Michael Martinez. Tradução de Sérgio Ramos.

Michael Martinez

“O Fogo Secreto é o mesmo que a Chama de Anor?” Por Michael Martinez

Michael Martinez é um dos mais conhecidos Tolkienistas (escritor de Tolkien). Michael é autor de Visualizing Middle-earth, Parma Endorion: Essays on Middle-earth, 3rd Edition, and Understanding Middle-earth: Essays on J.R.R. Tolkien’s Middle-earth.Suas colunas são conhecidas por todo o mundo, pois já foram traduzidas para o português, espanhol, grego, italiano, húngaro, finlandês, hebraico, e outros idiomas.

Michael Martinez é um dos mais conhecidos Tolkienistas (escritor de Tolkien). Michael é autor de Visualizing Middle-earth, Parma Endorion: Essays on Middle-earth, 3rd Edition, and Understanding Middle-earth: Essays on J.R.R. Tolkien’s Middle-earth. Suas colunas são conhecidas por todo o mundo, pois já foram traduzidas para o português, espanhol, grego, italiano, húngaro, finlandês, hebraico, e outros idiomas.

 

Tradução: Sérgio Ramos

 

Pergunta: O Fogo Secreto é a mesma coisa que a Chama de Anor?

Resposta: Quando Gandalf confronta o Balrog em “A Ponte de Khazad-dûm” em A Sociedade do Anel, ele fala para o Balrog: “Sou um servidor do Fogo Secreto, que controla a Chama de Anor.”

Morgoth's_Balrog (1)

 

Até a publicação de O Silmarillion, a natureza do Fogo Secreto era um completo mistério. Algumas pessoas podem ter sugerido que era uma metáfora para o Espírito Santo; contudo, até a publicação de “A Música dos Ainur”, a natureza e função do Fogo Secreto não eram totalmente claras. Naquela obra, Tolkien escreveu:

“E então as vozes dos Ainur, semelhantes a harpas e alaúdes, a flautas e trombetas, a violas e órgãos, e a inúmeros coros cantando com palavras, começaram a dar forma ao tema de Ilúvatar, criando uma sinfonia magnífica; e surgiu um som de melodias em eterna mutação, entretecidas em harmonia, as quais, superando a audição, alcançaram as profundezas e as alturas; e as moradas de Ilúvatar encheram-se até transbordar; e a música e o eco da música saíram para o Vazio, e este não estava mais vazio. Nunca, desde então, os Ainur fizeram uma música como aquela, embora tenha sido dito que outra ainda mais majestosa será criada diante de Ilúvatar pelos coros dos Ainur e dos Filhos de Ilúvatar, após o final dos tempos. Então, os temas de Ilúvatar serão desenvolvidos com perfeição e irão adquirir Existência no momento em que ganharem voz, pois todos compreenderão plenamente o intento de Ilúvatar para cada um, e cada um terá a compreensão do outro; e Ilúvatar, sentindo-se satisfeito, concederá a seus pensamentos o fogo secreto.”

            Pode ser significante que “fogo secreto” não esteja em maiúsculo aqui – ou poderia simplesmente ser um lapso da parte de J. R. R. ou de Christopher Tolkien. A única referência clara ao Fogo Secreto em O Silmarillion é providenciada pelo “Valaquenta”, onde Tolkien escreve:

“No início, Eru, o Único, que no idioma élfico é chamado de Ilúvatar, gerou de seu pensamento os Ainur; e eles criaram uma Música magnífica diante dele. Nessa música, o Mundo teve início; pois Ilúvatar tornou visível a canção dos Ainur, e eles a contemplaram como uma luz nas trevas. E muitos dentre eles se enamoraram de sua

A Música dos Ainur: arte de Jian Guo.
A Música dos Ainur: arte de Jian Guo.

beleza, e também ele sua história, cujo início e evolução testemunharam como numa visão. Então, Ilúvatar deu Vida a essa visão e a instalou no meio do Vazio; e o Fogo Secreto foi enviado para que ardesse no coração do Mundo; e ele se chamou Eä.”

Baseando-se na concordância entre esta passagem e outra (do “Ainunlidale: A Música dos Ainur”) nós sabemos que o Fogo Secreto é a Chama Imperecível:

            “Houve então inquietação entre os Ainur; mas Ilúvatar os conclamou, e disse: – Conheço o desejo em suas mentes de que aquilo que viram venha na verdade a ser, não apenas no pensamento, mas como vocês são e, no entanto, diferente. Logo, eu digo: Eä! Que essas coisas existam! E mandarei para o meio do Vazio a Chama Imperecível; e ela estará no coração do Mundo, e o Mundo Existirá; e aqueles de vocês que quiserem, poderão descer e entrar nele. – E, de repente, os Ainur viram ao longe uma luz, como se fosse uma nuvem com um coração vivo de chamas; e souberam que não era apenas uma visão, mas que Ilúvatar havia criado algo novo: Eä, o Mundo que É.”

Muitos comentaristas parecem aceitar a identificação da Chama Imperecível com o Espírito Santo, ou pelo menos com um aspecto de Deus que é tanto compatível com as sensibilidades católicas de Tolkien quanto significativo dentro de sua cosmogonia.

            Por isso, quando Gandalf disse que ele era um servo do Fogo Secreto, ele estava clamando ser um servo leal e fiel de Ilúvatar – um dos fiéis Ainur que não se rebelaram e seguiram Melkor à escuridão. A Chama de Anor, contudo, não pode ser o Fogo Secreto porque Gandalf afirma controlá-la – ou seja, ela responde a ele. Nenhum Ainu seria capaz de comandar a Chama Imperecível, então o Fogo Secreto deve ser algo diferente da Chama de Anor. Mas Gandalf também diz ao Balrog: “O fogo negro não vai lhe ajudar em nada, chama de Udûn.” Ele justapõe a Chama de Anor com o “fogo negro” que o Balrog empunha. A Chama de Anor pode, portanto, ser a pura luz e fogo da forma que é provida pelo Sol (também chamado de Anor em Sindarin). Ou seja, Gandalf pode ter falado ao Balrog que ele era capaz de combater o fogo com fogo, sendo que o seu fogo era puro como o do Sol.

            Algumas pessoas sugerem também que Gandalf pode ter se referido obliquamente a Narya, o Anel de Fogo, que naquela época estava sob sua guarda. Contudo, os Portadores dos Três juraram não revelar seus paradeiros, então parece improvável que Gandalf iria querer sugerir ao Balrog que ele portava um Anel de Poder. Gandalf já era bem conhecido por portar fogo, e ele tinha exibido uma parte de seu poder mais cedo na história, como quando ele acendeu o feixe de lenha para começar um fogo na montanha durante a tempestade de neve.

Artigo publicado originalmente 28 de Agosto de 2012 AQUI. A tradução e publicação foram autorizadas pelo autor do artigo Michael Martinez. Tradução de Sérgio Ramos.

Michael Martinez

“Os anões podem utilizar magia?” por Michael Martinez

Michael Martinez é um dos mais conhecidos Tolkienistas (escritor de Tolkien). Michael é autor de Visualizing Middle-earth, Parma Endorion: Essays on Middle-earth, 3rd Edition, and Understanding Middle-earth: Essays on J.R.R. Tolkien’s Middle-earth.Suas colunas são conhecidas por todo o mundo, pois já foram traduzidas para o português, espanhol, grego, italiano, húngaro, finlandês, hebraico, e outros idiomas.

Michael Martinez é um dos mais conhecidos Tolkienistas (escritor de Tolkien). Michael é autor de Visualizing Middle-earth, Parma Endorion: Essays on Middle-earth e Understanding Middle-earth: Essays on J.R.R. Tolkien’s Middle-earth.Suas colunas são conhecidas por todo o mundo, pois já foram traduzidas para o português, espanhol, grego, italiano, húngaro, finlandês, hebraico, e outros idiomas.

 

Tradução: Sérgio Ramos

 

Pergunta: Os anões podem utilizar magia?

Resposta: Sim, anões podem utilizar magia. Mais especificamente, os anões de J. R. R. Tolkien na Terra-média utilizam magia. Eles criam armas mágicas e armaduras (tais como Narsil e o Elmo-de-Dragão de Dor-lómin); eles criam instrumentos mágicos tais como aqueles que Thorin e sua Companhia pegaram para tocar depois que eles se apoderaram de Erebor; eles criam maravilhosos brinquedos mágicos como aqueles que Bilbo distribuiu na Festa no Condado; e eles encantam portas e portões, como a porta secreta em Erebor e o Portão Leste de Moria/Khazad-dûm.

Estes são apenas alguns exemplos de magia anã nas histórias de J. R. R. Tolkien. Milhões de pessoas leram sobre estes artefatos mágicos criados pelos anões da Terra-média de J. R. R. Tolkien. E ainda muitas pessoas perguntam se os anões podem utilizar magia.

As Portas de Durin (créditos da imagem: J. R. R. Tolkien).
As Portas de Durin (créditos da imagem: J. R. R. Tolkien).

Suponho que seja a falta de referências às “artes mágicas anãs” (em comparação às “artes mágicas élficas”) e à vestimenta mundana e ferramentas carregadas pelos anões em comparação às cordas mágicas, capas e barcos que Elfos estão habituados a conceder a seus amigos que levam as pessoas a negligenciarem toda a magia feita ou utilizada pelos Anões na Terra-média.

Elfos levam todo o glamour. Os Anões não levam nada.

Eu acho que o problema com as percepções do leitor comum sobre os Anões em O Senhor dos Anéis é que ele é essencialmente uma história élfica, embora seja contada sob o ponto de vista de um Hobbit. Praticamente, toda conversa importante no livro se baseia na história, filosofia ou mística élficas. Até mesmo Gimli se torna um devoto amante dos Elfos.

O Hobbit, em contrapartida, é apresentado como uma “história infantil” na forma publicada. Somente o filme de Peter Jackson que, na realidade, luta para transformá-lo numa “história de Anão”. Eu já disse antes que eu gosto bastante do conceito, mas algumas das críticas mais ásperas ao primeiro filme “Hobbit” focaram no modo como os Anões foram representados.

O Anões simplesmente não podem parecer à frente na avaliação do público.

A utilização de magia na Terra-média é quase onipresente. É um papel raro falar no livro que não menciona magia; e muitos personagens os quais a maioria dos leitores sentem que não têm magia, acabam por utilizá-la, incluindo Frodo e seus três companheiros, Éomer, Théoden, Aragorn, Gimli – bem, a lista continua. A magia é onipresente. Ela permeia a Terra-média e os Anões não são exceção à regra de que todas as raças da Terra-média encontram alguma conexão com magia (e eu não quero dizer através dos Anéis de Poder).

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“Magia” é uma palavra com a qual Tolkien lutava. Para ele, não era realmente “magia”, e sim um talento nativo que alguns possuíam em maior medida que outros. Tolkien pode ter concordado com a afirmação de Arthur C. Clarke de que “qualquer tecnologia suficientemente avançada se parece com magia”. De fato, pode ser que um dia sejamos servidos por pequenos enxames de robôs semi-inteligentes que possam se transformar em todo tipo de dispositivos utilizáveis, dispositivos talvez controlados por nossos pensamentos (os quais eles irão passivamente detectar e analisar nossas ondas cerebrais).

Conceitualmente, todas essas tecnologias existem atualmente. Ainda estamos no processo de descobrir como produzir os enxames semi-inteligentes e obedientes que possam se comunicar conosco, que nos obedecerão, e os quais serão capazes de fazer coisas que não podemos fazer diretamente com nossas mãos. Tais capacidades sinergéticas certamente pareceriam magia até mesmo para as primeiras gerações do Séc. XX, não é mesmo?

Os Anões de Tolkien eram o que chamamos de tecnologistas, e apesar dele não visionar enxames de nanobots fazendo as ordens de Elfos e Anões, ele no entanto viu estas duas raças possuindo a habilidade de “encantar” o mundo a sua volta. A magia não se esvaiu quando o último Elfo navegou pelo Mar ou desvaneceu. Ela ficou aqui, bem aqui na Terra-média. É que ela toma uma forma diferente sob uma mão humana. Nossa “magia” é mais mundana do que a magia dos Elfos e Anões. Nós não podemos cantar coisas para que existam (ainda), mas nós podemos cantar de maneiras que nossos ancestrais sequer sonharam.

Ser um Anão na Terra-média é estar em sintonia com o mundo e possuir a capacidade de mudar o mundo de acordo com a própria vontade, em alguma medida – talvez menos do que um elfo e mais do que um homem. Nunca se deveria duvidar de que os Anões podem utilizar magia, pois sem ela estariam perdidos e solitários na Terra-média.

Artigo publicado originalmente 02 de Abril de 2013 AQUI. A publicação e tradução foi autorizada pelo autor do artigo Michael Martinez. Tradução de Sérgio Ramos.

Michael Martinez

Resenha de O Hobbit, a desolação de Smaug – Michael Martinez

michaelmartinez

Michael Martinez é um dos mais conhecidos Tolkienistas (escritor de Tolkien). Michael é autor de Visualizing Middle-earth, Parma Endorion: Essays on Middle-earth, 3rd Edition, and Understanding Middle-earth: Essays on J.R.R. Tolkien’s Middle-earth.Suas colunas são conhecidas por todo o mundo, pois já foram traduzidas para oportuguês, espanhol, grego, italiano, húngaro, finlandês, hebraico, e outros idiomas.

Foi um filme terrível. Desculpe pessoal. Mas nesse filme faltou um roteiro coerente. É uma porcaria. Falo por ter apunhalado todo o enredo, sem razão aparente. A história é difícil de seguir e eu não consegui entender a fonte do material muito bem, mesmo tendo lido um número considerável de notícias até o lançamento do filme. Eu amei O Hobbit, Uma Jornada Inesperada e eu pagaria um bom dinheiro para vê-lo no cinema de novo. Eu duvido que vá assistir “A Desolação de Smaug” no cinema de novo, a menos que uma força que mude minha vida e me obrigue a fazê-lo. Este é apenas um filme horrível que merece ser esquecido tão rapidamente quanto possível.

E essa é toda a negatividade que eu vou compartilhar com vocês. O restante deste artigo irá cobrir o que eu realmente apreciei sobre o filme.

O elenco estava excelente — Diga o que quiser sobre o homem, mas Peter Jackson tem um incrível bom gosto para escolha de atores. Acho que ele e sua equipe fizeram um trabalho fantástico ao escolher atores realmente bons para os personagens. É só uma pena que eles foram… mas estou divagando.

As paisagens e os cenários estavam em alto nível — Não era preciso dizer “Venha para a Nova Zelândia” antes de ver os filmes para sentir uma forte compulsão em pegar um avião e viajar para o outro lado do mundo. Tudo o que você tem que fazer é olhar a Nova Zelândia pelas lentes dessa poderosa cinematografia para se apaixonar novamente pela Terra-média de Peter Jackson.

O CGI foi excepcional, especialmente Smaug – As aranhas estavam excelentes. A Floresta das Trevas estava também excelente (um pouco curta para o meu gosto). Droga, até mesmo Sauron ficou ótimo. Na verdade, senti que Peter estava tentando responder a muitas das críticas sobre Sauron dos filmes O Senhor dos Anéis (o olho flamejante), mostrando que ele realmente é um metamorfo (e espero que não esteja dando spoiler do filme para aqueles de vocês que ainda não assistiram). Este Sauron corresponde a explicações de Tolkien de como ele seria – embora a história ainda é radicalmente diferente do que está nos livros.

Os Orcs e Wargs foram, na minha opinião, o mais excelente. Eu não poderia dizer onde a maquilagem terminou e o aprimoramento do computador começou. Não que eu me considero um adepto suficiente para detectar tais transições a ponto de fazer uma análise sobre isso, mas para um espectador, razoavelmente não sofisticado, de CGI, eu estava convencido o suficiente da realidade dessas criaturas para não ser incomodado por suas representações. Acho que as pessoas que odiaram os Wargs de “As Duas Torres” vão finalmente serem capazes de colocar o seu desgosto de lado e dizer que finalmente acertaram nas criações da Weta.

Fiquei contente em ver o trenó de Radagast, mesmo que apenas por um breve tempo. É uma pena que as pessoas não gostaram daquela pequena florescência no primeiro filme. Ver isso me deu um pouco de conforto nesse passeio selvagem de incoerência… mas eu discordo.

Vamos falar sobre Smaug. Wow. Eu nunca tinha visto em um filme um dragão tão incrível. Ele estabelece um novo padrão e não é apenas os artistas de CGI que merecem créditos por isso. Eu dou credito ao diretor e ao ator (Benedict Cumberbatch) por mostrar o dragão estilo Tolkien mais convincente que eu já vi – em toda minha vida – visto em um filme ou televisão. Não se pode elogiar o investimento em Smaug o bastante. Eu só gostaria que sua história fosse feita… mas eu discordo.

A Cidade do Lago parecia muito boa também. Não era o que eu imaginava, mas foi muito, muito melhor do que eu temia que pudesse ser. Eu gostei desta Cidade do Lago. É uma pena que não sobreviveria. É um pouco mais sombria e perigosa do que a Cidade do Lago que Tolkien descreve em O Hobbit, mas eu acho que está tudo bem.

E há uma cena “flashback” que se passa em Bree (credível o suficiente, na minha opinião), onde (eu acho) Peter Jackson é a primeira pessoa que você vê na cidade. Olhando para os prédios, vejo que atualizaram o seu projeto a partir de um massacre pseudo-Tudorian do conceito original de Tolkien para um conceito mais vila de pedra, e ainda, ela ainda se parece muito com a Bree de “A Sociedade do Anel”. A atualização foi bem feita. E, provavelmente, só que eu nunca se importou que eles não retratam Bree como uma vila de pedra no primeiro filme. Agora estou oficialmente amolecido nesse ponto. Obrigado, Peter e Companhia.

Vamos falar de Smaug um pouco mais. Eu digo, droga, é um ótimo filme de dragão. Você quer apenas ir para sua casa e usá-lo como um relógio de dragão ou algo assim. Infelizmente, acho que a sequência foi um pouco longo demais e seu terror foi prejudicado pela forma como a história foi passada. Oh, bem, o que está feito está feito e nada conserta melhor isso como o perdão – ou algo parecido. Eu vou aprender a perdoar o comprimento da sequência de Smaug no tempo, eu tenho certeza.

Tenho que apontar uma coisa (e isso pode ser verdade também na imagem “Conversa com Smaug” de JRR Tolkien): há muito mais ouro na Erebor de Peter Jackson do que já foi extraído e refinado na história real. Todo o ouro no mundo de hoje constitui uma pequena fração do tesouro de Smaug. Acho que foram a fundo nisso (mesmo que eu sei que não foi todo o ouro). Ainda assim, era um tesouro impressionante. Não posso culpar o dragão por querer tudo isso.

A direção estava boa — Há pontos que gostei e pontos que eu não gosto sobre a direção. É realmente necessário colocar a culpa? Eu não sei. No entanto, eu acho que os aspectos positivos incluíram a história controversa com Tauriel. Independentemente do que você pensa da própria história (e não pretendo me debruçar sobre isso aqui), acho que Peter fez exatamente o que precisava ser feito para orientar seus atores através do que me parece ser um personagem muito complicada de se configurar. Tauriel pode ou não pode parecer-lhe cumprir a sua ideia de uma elfa silvestre de Tolkien (serva… guerreira), mas ela é um bom filme de elfa guerreira serva enervante. Ela poderia facilmente ter seu próprio filme, o seu próprio programa de televisão.

Claro, Evangeline Lilly merece muito crédito por mostrar uma personagem que não é encontrada nos livros e que devem estar de acordo com imagens de Peter sobre a Terra-média, enquanto ainda evoca algo que se assemelha a uma elfa de Tolkien (apesar das orelhas pontudas patetas [Elfos de J.R.R.Tolkien NÃO tem orelhas pontudas]). Eu posso ver porque ela ganhou o papel. Ela é uma atriz poderosa e ela tem essa beleza quase intemporal que se espera de uma Elfa da Terra-média (embora eu gostaria de ver o que eles poderiam fazer com Eöl,Maeglin, e os filhos de Fëanor ).

Mas alguém tem que guiar estes atores em suas cenas. Eu dou crédito ao diretor por ensinar Evangeline Lilly como mostrar o que eu espero de uma elfa de Peter Jackson (e eu esperava algo melhor que alguns de seus atores Elfos foram capazes de fazer em filmes anteriores). Talvez gastar tempo na tela tanto com Orlando Bloom – que simboliza Elfohood em todo o mundo – Evangeline foi forçada a intensificar o seu jogo. Ela não foi de forma alguma ofuscada por Orli e eu acho que é exatamente o que o diretor estava tentando garantir – que Tauriel parecesse tão poderoso e interessante quanto Legolas.

Na verdade, já que sabemos que Legolas estará em “A Sociedade do Anel” é difícil para o público  sentir muito medo por causa dele. Então eles me fizeram perguntar o que iria acontecer com Tauriel – não por causa do enredo, mas por causa da execução do personagem e como ela se andava em sua parte do conto.

Vamos falar sobre Smaug mais um pouco. Como se dirige um dragão? Eu estou supondo que se dirige o ator e deixa que os artistas descobriam como retratar o dragão.Eu quase podia ver Benedict Cumberbatch deslizando através de uma sala verde, seguindo pistas de precisão e evocando exatamente as emoções certas que o diretor pediu. Quem dirigiu Smaug? Foi Peter Jackson ou Andy Serkis? Eu acho que eu não li os relatórios de espionagem suficientes. Mas apesar das minhas reservas sobre o roteiro, eu acho que Smaug  poderia marcar o filme por pelo menos um Oscar e um montão de outras formas igualmente desejáveis ​​de reconhecimento. Existe ainda uma categoria de prêmio de “Melhor CGI Direção de personagens”? Eu espero que sim. Coloque o meu voto não vinculativo por isso agora.

Análise Final — Duvido que minha opinião possa encontrar algum apoio entre os espectadores. Talvez consiga. Um cara se levantou e saiu no meio do filme. E, tanto quanto eu poderia dizer, todos naquela multidão eram fãs hard-core da Terra-média de Peter Jackson. Talvez ele teve uma chamada de emergência e teve que voltar a trabalhar. Eu não sei. Mas não houve aplausos, não muito riso, e talvez um pouco de silêncio demais atordoante a minha volta. É difícil avaliar o que o público está pensando quando eles saem de um cinema sem dizer uma palavra.

Eu espero que o próximo filme seja melhor. Não estou agonizando sobre o quanto é fiel ao livro. Eles deixaram os livros para trás antes mesmo de terem começado a escrever o roteiro.  Como já havia dito antes, há uma restrição legal sobre parte do material fonte, mas eles estão também tentando manter alguma continuidade com a Terra-média do “Senhor dos Anéis”, e assim foi, mas foi uma concha vazia da riqueza de Tolkien, profundamente historificada no imaginário do “nosso tempo passado”.

Todas as grandes coisas que eu posso dizer sobre esse filme não o torna um bom filme. É de fato um filme muito ruim. Quase uma completa porcaria. E, apesar da ótima atuação de tantas pessoas nisso, a única graça salvadora é o Smaug.

A propósito — o nome de Beorn, estou quase certo, deveria ser pronunciado como bern, não “bee-orn” (leia biiorn). Mas eu não sou um linguista.

Portanto, tome tudo isso pelo que vale a pena. Se você quiser discordar de mim nos comentários abaixo, fique à vontade, mas vou excluir qualquer maldade – todos os insultos, observações pessoais, etc. Você é livre para amar ou odiar o filme da forma que quiser, mas aqui em “Xenite.Org” (e tolkienbrasil.com) todos tem que se comportar bem.

———————————————————————-

A tradução do texto foi  feita por Henrique Gurgel e foi autorizada pelo próprio autor Michael Martinez. Tendo como original o texto “Review of “the Hobbit: desolation of Smaug” publicado em 13 de dezembro de 2013  no seguinte site http://middle-earth.xenite.org/2013/12/13/review-of-the-hobbit-the-desolation-of-smaug/
Michael Martinez

Será que Christopher Tolkien escreveu O Silmarillion? por Michael Martinez

 michaelmartinez

Michael Martinez é um dos mais conhecidos Tolkienistas (escritor de Tolkien). Michael é autor de Visualizing Middle-earth, Parma Endorion: Essays on Middle-earth, 3rd Edition, and Understanding Middle-earth: Essays on J.R.R. Tolkien’s Middle-earth.Suas colunas são conhecidas por todo o mundo, pois já foram traduzidas para oportuguês, espanhol, grego, italiano, húngaro, finlandês, hebraico, e outros idiomas.

 Será que Christopher Tolkien escreveu O Silmarillion?

Resposta: Talvez só o debate sobre as asas dos Balrogs inspirou debates mais tóxicos do que a esta pergunta. Muitos leitores sabem muito dos detalhes sobre a construção de O Silmarillion, mas eles parecem não conseguir formar uma opinião sobre se Christopher Tolkien realmente escreveu o livro publicado. Para ser honesto, eu acho que Christopher Tolkien podem ser adiado por essa questão, ou pelo menos decepcionado com a simplicidade de pensamento que ela representa.

Quando O Silmarillion foi publicado Christopher atribuiu toda a responsabilidade autoral ao seu pai, embora como ele revelou em The History of Middle-earth, mais precisamente e especificamente em War of the Jewels, que ele se permitiu tomar liberdades editoriais de que mais tarde se arrependeu .

Os editores às vezes reescrevem livros. Acontece por uma variedade de razões, algumas mais plausíveis do que outras. Eu acho que no caso de O Silmarillion Christopher sentia um fardo para trazer um livro pronto para publicação o mais rápido possível, que ele se obrigou a arar através de uma imensa coleção de ensaios, poemas e narrativas para compilar como um conjunto coerente de “partes” do que ele acreditava que o seu pai quis publicar como ele poderia maquinar.

É isto, Christopher notou que o seu pai sempre teve uma ideia forte (se não totalmente clara) na sua mente do que deve ser publicado. Foi a esse corpo de trabalho desejado que J.R.R. Tolkien por vezes se referiu como o seu Legendarium. O verdadeiro Legendarium de Tolkien nunca verá a luz do dia pois ele nunca foi concluído.

silmarillion

O Silmarillion é uma compilação de textos que tentam mostrar de uma forma às vezes crua, e às vezes bastante sofisticada, a estrutura aproximada do Legendarium, mas não necessariamente todos os seus textos constituintes. Na verdade, a maioria dos textos constituintes simplesmente não existem. O que temos são camadas de tentativas de escrever os textos constituintes finais do Legendarium desejado.

Eu acho que algumas pessoas tentam falsificar definições dizendo que Christopher era apenas o redator das obras de seu pai; mas à luz das reflexões de Christopher sobre as mudanças que ele operou em cima das histórias do seu pai eu acho que temos que dizer que Christopher desempenhou um papel duplo de editor/colaborador em trazer O Silmarillion para publicação. Ele foi certamente o parceiro júnior na relação de colaboração com o trabalho do seu pai, apenas preenchendo as lacunas que ele pensava necessitarem absolutamente de algum preenchimento. Ele deixou, na verdade, muitas perguntas sem resposta embora houvessem respostas candidatas disponíveis nos papéis do seu pai.

Apesar do criticismo que eu e outros dirigimos às auto-identificadas intrusões autorais de Christopher, pode-se dizer que ele praticou uma restrição considerável, pois alguns dos seus críticos têm argumentado que Christopher não foi longe o suficiente, ou que ele deveria ter incluído muito mais material do que ele fez. Eu, pessoalmente, gostaria que ele tivesse incluído “The Wanderings of Hurin” em The Children of Hurin, por exemplo. Mas, dada a complexidade das tarefas não há nenhuma maneira de que Christopher poderia ter todos satisfeitos com as suas escolhas.

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Tradução de Lia Margarida Silva,  graduada em Turismo da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Portugal.
 
A tradução do texto foi autorizada pelo próprio autor Michael Martinez. Tendo como original o texto “Did Christopher Tolkien Write The Silmarillion?” publicado em 23 de Janeiro de 2013  no seguinte site http://middle-earth.xenite.org/2012/01/23/did-christopher-tolkien-write-the-silmarillion/
Diversas, Michael Martinez

“Os elfos de Tolkien têm orelhas pontudas?” por Michael Martinez

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Michael Martinez é um dos mais conhecidos Tolkienistas (escritor de Tolkien). Michael é autor de Visualizing Middle-earth, Parma Endorion: Essays on Middle-earth, 3rd Edition, and Understanding Middle-earth: Essays on J.R.R. Tolkien’s Middle-earth.Suas colunas são conhecidas por todo o mundo, pois já foram traduzidas para oportuguês, espanhol, grego, italiano, húngaro, finlandês, hebraico, e outros idiomas.

 

Os elfos de Tolkien têm orelhas pontudas?

Até hoje, nenhuma das histórias escritas por J.R.R. Tolkien foram publicadas nas quais os seus elfos são descritos como tendo orelhas pontudas. Não há referências a orelhas élficas em qualquer história de Tolkien publicada. Quando os fãs perguntam se os elfos de Tolkien têm orelhas pontiagudas, as pessoas referem-se geralmente a dois textos polêmicos que nunca foram integrados em qualquer das histórias de J.R.R. Tolkien. O primeiro texto é o retirado da Carta n º 27, que Tolkien escreveu em Março ou Abril de 1938 em resposta à Houghton Mifflin Company, que pediu desenhos para serem usados na edição americana de O Hobbit.

“Eu tenho medo, que se você vai precisar de desenhos de hobbits em várias atitudes, eu devo deixar isso nas mãos de alguém que saiba desenhar. As minhas próprias imagens são um guia inseguro – por exemplo, a imagem do Sr. Baggins no Capítulo VI e XII. A muito mal desenhada no capítulo XIX é um guia melhor do que estas impressões em geral.

Eu imagino uma figura bastante humana, e não uma espécie de coelho “fadas” como alguns dos meus críticos britânicos parecem gostar: mais gordinho no estômago, mais curto na perna. Um rosto jovial redondo; orelhas apenas ligeiramente pontiagudas e ‘élficas’, cabelo curto e encaracolado (castanho). Os pés dos tornozelos para baixo, cobertos com pelo castanho peludo. Roupas: calças de veludo verde, colete vermelho ou amarelo, casaca castanha ou verde; botões de ouro (ou latão), um capuz e capa verde-escuro (pertencente a um anão).

Tamanho real – só é importante se outros objetos estiverem na imagem – digamos cerca de três pés ou três pés e seis polegadas (cerca de 91,5 cm ou 109,7 cm). O hobbit na imagem do ouro acumulado, Capítulo XII, é claro (além de ser gordo nos lugares errados) enormemente muito grande. Mas (como os meus filhos, pelo menos, entendem) ele está realmente numa imagem separada ou ‘plano’ – sendo invisível para o dragão.”

Não pode haver dúvida de que Tolkien imaginou os seus Hobbits como tendo orelhas pontudas. A melhor representação é que o próprio Tolkien desenhou de Bilbo está na imagem “Ninho da Águia”, onde Bilbo está acordando. Podemos ver claramente a orelha alongada de Bilbo. Permitindo a própria auto-depreciação de Tolkien, podemos argumentar que o alongamento pode ser involuntariamente exagerado ou talvez intencionalmente para dar ênfase.

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Ninho da Águia

Como não há controvérsia quanto à forma das orelhas Hobbit, as pessoas rapidamente caem no debate se as orelhas Hobbit são uma referência aceitável para a forma das orelhas élficas (baseando-se na carta citada acima). Há dois problemas com o uso da carta para argumentar que os elfos de Tolkien têm orelhas pontiagudas. Primeiro de tudo, nenhum biógrafo ou pesquisador de Tolkien estabeleceu que qualquer pessoa na Houghton Mifflin Company teria visto uma imagem ou história de Tolkien retratando Elfos com orelhas pontiagudas. Em segundo lugar, o adjetivo “élfico” é atestado em uso generalizado que remonta pelo menos ao tempo de Shakespeare. O Etymology Online Dictionary diz que a palavra remonta ao século XIV (1300, Inglaterra), bem antes de Shakespeare. Portanto, não podemos nem mostrar que os funcionários da Houghton Mifflin teriam tido qualquer conhecimento dos Elfos de Tolkien (diferente do que é dado no texto de O Hobbit) nem que o próprio Tolkien estava usando “élfico” de qualquer forma peculiar nas suas próprias histórias.

Agora, nós não temos que deixar a discussão com O Hobbit. Há uma outra pintura famosa que Tolkien fez chamada “Beleg encontra Gwindor em Taur-nu-Fuin” na qual o Elfo Sindarin/Noldolin Beleg encontra Gwindor de Nargothrond a dormir na floresta. Tecnicamente, o segundo elfo (não mostrado aqui) é Flinding e Beleg é um “Noldo”. Christopher Tolkien sugere que a pintura foi feita em 1927 ou 1928 (Cf. O Livro dos Contos Perdidos, Parte II, “Turambar e o Foalokë”). É muito difícil examinar as imagens em detalhe suficiente para ver seus rostos, muito menos as suas orelhas. O rosto de Flinding/Gwindor está escondido mas como você pode ver aqui o rosto de Beleg é barbudo. Portanto, esta pintura não ajuda a resolver a questão, os Elfos de Tolkien têm orelhas pontudas?

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Beleg encontra Gwindor em Taur-nu-Fuin

Como um aparte: não estão os fãs de Tolkien convencidos de que os seus elfos são sem barba? Ainda assim, não podemos ver o suficiente da orelha de Beleg para saber se é pontuda ou não. Assim, na falta de qualquer evidência de um elfo de orelhas pontudas nesta pintura, temos que superar o fato de que Beleg tem uma barba a fim de racionalizar ou justificar o uso desta imagem para argumentar que os elfos de Tolkien têm orelhas pontiagudas. (De fato, todo o debate do elfo barbudo foi lançado pela Vinyar Tengwar, mas isso é outra história). Ainda assim, algumas pessoas continuam convencidas de que os elfos de Tolkien têm orelhas pontudas. Porquê?

A última peça de evidência que as pessoas usam para defender que os elfos de Tolkien tem orelhas pontudas é uma entrada de “As Etimologias”, um glossário de palavras Élficas pré-Senhor dos Anéis que Christopher Tolkien publicou em The Lost Road and Other Writings.

Las (1)

*lasse ‘folha’: Q lasse, N lhass; Q lasselanta ‘folha-queda, outono’, N lhasbelin (*lassekwelene), cf. Q Narquelion [ KWEL ]. Lhasgalen ‘Folhaverde’ (Nome gnomo de  Laurelin). (Algumas pessoas pensam que isto é relacionado com o próximo e *lasse ‘orelha’. As orelhas Quendian eram mais pontiagudas e em forma de folha que [humanas].)

Las (2)

‘ouvir’. N lhaw ‘orelhas’ (de uma pessoa), velha dupla *lasu – daí singular lhewig. Q lar, lasta- ‘ouvir’; lasta ‘ouvir, escutar’ – Lastalaika ‘orelhas-afiadas’, um nome, cf. N Lhathleg. N lhathron ‘ouvinte, escuta, bisbilhoteiro’ ( *la(n)sro-ndo ) ; lhathro or lhathrando ‘escutar, bisbilhotar’.

Bem, isso parece bastante convincente, não é? A expressão “mais pontudas e em forma de folha […]” implica claramente alguma medida de pontiagudez. No entanto, Christopher não tinha a certeza de que o seu pai tinha escrito “humano” no final da frase. É difícil imaginar o que mais poderia lá ir mas não há necessidade de discutir sobre o palpite de Christopher. Orelhas humanas podem de fato parecer muito pontudas. Tolkien certamente teve a oportunidade de observar o quanto.

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Orelhas humanas podem de fato parecer muito pontudas naturalmente

Mas ainda há um problema: Nenhuma das histórias de Tolkien menciona orelhas élficas. Então se você está procurando uma prova de que os elfos de Tolkien têm orelhas pontudas, você não vai encontrar nenhuma. De fato, em todas as passagens em que as personagens ou as narrativas identificam quaisquer características particularmente “élficas” sobre Elfos em histórias de Tolkien, as referências são ou os rostos dos elfos ou os seus olhos. Como exemplo, em “Narn i Chin Hurin” (Contos Inacabados de Númenor e da Terra-Média) lemos o seguinte:

Desta forma Sador falava a Túrin à medida que envelhecia; e Túrin começou a fazer muitas perguntas que Sador achou difíceis de responder, pensando que os outros mais semelhantes deveriam ter tido o ensino. E um dia Túrin lhe disse: “Foi Lalaith de facto como uma criança élfica, como meu pai disse? E o que ele quis dizer, quando ele disse que ela era mais breve?

Muito semelhante,” disse Sador; “pois na sua primeira juventude os filhos dos homens e elfos parecem muito semelhantes. Mas os filhos dos homens crescem mais rapidamente e, a sua juventude passa logo; tal é o nosso destino.”

Ainda não tem certeza se os elfos de Tolkien têm ou não orelhas pontudas? No ensaio “Leis e Costumes Entre os Eldar”, publicado em Morgoth’s Ring, Tolkien escreveu:

Os Eldar crescem em forma corpórea mais devagar do que os homens, mas em mente mais rapidamente. Eles aprenderam a falar antes de terem um ano de idade; e ao mesmo tempo eles aprenderam a andar e dançar, pois as suas vontades vieram logo para o domínio dos seus corpos. No entanto, houve menos diferença entre as duas famílias, Elfos e Homens, na juventude; e um homem que observava crianças-elfos a jogar poderia muito bem ter acreditado que eles eram os filhos dos homens, de algumas pessoas justas e felizes. Pois nos seus primeiros dias crianças-elfos ainda se deliciavam no mundo sobre eles, e o fogo do seu espírito não os tinha consumido, e a fardo da memória ainda estava claro sobre eles.

Este mesmo observador pode de fato ter-se perguntado sobre os pequenos membros e estatura dessas crianças, julgando a sua idade pela sua habilidade em palavras e graça em movimento. Pois no final do terceiro ano as crianças mortais começaram a superar os elfos, acelerando a uma plena estatura enquanto os elfos permaneceram na primeira primavera da infância. As crianças dos homens podem atingir sua altura máxima enquanto os Eldar da mesma idade ainda estavam no corpo como os mortais de não mais do que sete anos. Não até ao quinquagésimo ano os Eldar atingem a estatura e a forma em que suas vidas iriam perpetuar depois, e algumas centenas de anos se passariam antes que eles estivessem completamente crescidos.

Agora, se você chegou até aqui, provavelmente você está em dúvida, ou talvez convencido de uma forma ou de outra, ou à espera para o próximo ponto numa ladainha sem fim de isto por aquilo. Você não tem que aceitar que os elfos de Tolkien não tenham orelhas pontudas. Mas também podemos apontar para Tuor e Aragorn parecendo senhores Elfos nas histórias, e o Príncipe Imrahil, e as pessoas ainda vão apontar para a entrada em “As Etimologias”, uma obra à qual Tolkien voltou cada vez menos frequentemente nos anos depois que publicou O Hobbit.

Para ser honesto, se você ainda está perguntando ou discutindo que os elfos de Tolkien tinham orelhas pontudas, você provavelmente perdeu o verdadeiro sentido de tudo isso. Mesmo J.R.R. Tolkien parece não ter a certeza sobre se os seus elfos tinham orelhas pontiagudas.

Se J.R.R. Tolkien não poderia fazer a sua mente, não há nenhuma maneira que alguém possa estabelecer os fatos canônicos sobre o assunto. Então da próxima vez que você vir alguém perguntar se os elfos de Tolkien têm orelhas pontudas, apenas sorria conscientemente. Você está vislumbrando o início da jornada. Talvez ele te leve aqui; talvez em outro lugar.

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Tradução de Lia Margarida Silva,  graduada em Turismo da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Portugal.
Lia Margarida Silva,  graduada em Turismo da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Portugal. – See more at: http://tolkienbrasil.com/artigos/o-que-faria-bilbo-por-noble-smith/#sthash.h1KROOvU.dpuf
 
A tradução do texto foi autorizada pelo próprio autor Michael Martinez. Tendo como original o texto “Do Tolkien s elf have point ears?” publicado em 21 de Setembro de 2011 no seguinte site http://middle-earth.xenite.org/2011/09/21/do-tolkiens-elves-have-pointy-ears/